4 - A VISITA
Nádia deixa seu celular sobre o móvel de cabeceira onde repousa um abajur vermelho, cor de carne. A mulher de cabelos longos, loiros e soltos olha fixamente para o garfo. Ele parece se mexer. Tremular... apontando para a porta.
O medo acelera seu coração.
O medo de estar sozinha em casa. Sem ninguém para escutar seu grito, caso precise gritar.
Aquele medo que corrói a alma e consome os neurônios com as chamas do pavor escuro que nos abraça sem dó ou piedade.
Nádia escuta um barulho na frente da sua casa. Algo pesado caindo. E quando digo pesado é alguma coisa com mais de quarenta quilos batendo seco no chão.
Os passos rápidos vão girando como um carrossel macabro em volta da sua casa. Sua respiração torna-se ofegante e tensa. Da sua testa franzida pelo medo descem gotas de suor.
O garfo mexe-se novamente sozinho e cai apontando para porta. "Vai ter a visita de um homem." . " Ele está chegando.".
Rapidamente Nádia corre até seu banheiro e pega uma toalha para colocar no pé da porta.
Porém, ao se afastar, percebe a coisa sem nexo que fez. Logicamente o espírito saberá que ela está em casa. A jovem mulher apaga a luz e fica imóvel pelo terror na penumbra da sala.
A presença é real. Opressora. Mas, outro barulho acontece fora da sua casa. Os tonéis de lixos são derrubados à revelia. O rosto do intruso aparece na janela quando a respiração excitada faz suar o vidro.
— Nádia... eu sei que você está aí. — Diz o homem de corpo avantajado e todo envolto no trapo, com voz libidinosa. Nádia sabe que a presença que a terroriza veio para lhe fazer mal.
A pobre moça assusta-se quando o despertador toca com aquele bipe parecido com o sinal do trem que se aproxima, dizendo que são dez horas da noite.
O silêncio é a resposta dada por ela, ao invasor que fala mais uma vez:
— Nádia eu vim por você. Temos muito o que conversar. Eu sinto seu cheiro... AH! AH! AH! Seu medo me excita. Oh! Ela vai continuar em silêncio. Ei... psiu. Eu vou entrar.
A porta dos fundos bate.
Pés como que molhados caminham na direção de Nádia. Com a respiração ofegante sente o medo trava-lhe a condenação ficando parada dentro da escuridão.
O trapo que foi humano passa por ela.
Nádia consegue ver os olhos vermelhos a procurando. Os retalhos de fitas sujas e meladas de sangue vestem o demônio que fede a podre com suas pernas finas e cheias de feridas.
Um cheiro de carne podre enlameada com sangue vivo e fresco. Um cheiro enjoativo que provoca dor de cabeça. Um odor que não para de crescer, mesmo o demônio se afastando.
Nádia percebe que o ser parou em frente da sua santinha e com uma tapa a derrubou.
— Nádia, Nádia, Nádia. Você é minha. Sempre foi. Eu existo além do seu medo. Eu existo para isso.
As garras vermelhas cintilantes acham o pescoço de Nádia no meio da escuridão. A moça é surpreendida com a velocidade maligna do ser grotesco e imediatamente é suspensa pelo demônio que a colocando na altura dele e prensando suas costas contra a parede.
O demônio respira seu bafo podre no rosto de Nádia e com sua língua desproporcionalmente grossa lambe o rosto da mulher, deixando um visgo amarelo por toda a face.
A voz dela não sai. Emudecida ficou.
O grito de socorro fica preso dentro dela. Tampado entre a garganta e os pulmões. O horror de saber o que vai lhe acontecer, que vai morrer, somente olhando nos olhos malignos do demônio preso dentro dos retalhos de tecidos podres.
Um garfo aparece na mão direta dele.
Nádia grita sentindo a dor dilacerante de ter a carne do seu ombro rasgada de cima para baixo pelo garfo. O sangue da moça banha-lhe a cara sádica.
O mostro arremessa Nádia contra outra parede. Ela sente uma de suas costelas quebrar.
Mesmo sentindo dores colossais, ela se levanta e esbarra no móvel da santa, caindo logo em seguida na entrada da cozinha.
O demônio, o visitante inescrupuloso que não pede permissão para entrar na casa ou nas mentes das pessoas, e cujo símbolo é um garfo de prata, segue deixando seu rastro molhado enquanto se dirige com pressa sedenta até Nádia, que continua caída, com metade seu corpo dentro da sala e a outra metade na cozinha.
— O que você está dizendo aí tão baixinho? Não adianta suplicar pela sua vida. O garfo caiu! Você não conhece a regra? Um garfo no chão, uma alma na minha mão! — O demônio a segura pelas pernas e a puxa com violência com o garfo preparado para crava-lhe no crânio.
Quando ele vê a Mãe de Todos nas mãos de Nádia. A Rainha dos Mares. Abre um sorriso sem igual.
— Eu tenho direito de estar aqui.
— "Eu não estou sozinha. Meu escudo é minha fé e o meu corpo pela mar foi fechado. As suas águas banharam minha solidão levando-as para bem longe. E hoje mesmo estando diante do meu inimigo, tua luz vai me achar e a tua santa guerreira vai me encontrar."
— Você me ridiculariza achando que isso que foi falado vai te livrar de mim. Acredite pequena... você é minha. O garfo caiu.
A garganta é cortada com tanta violência que o jato de sangue fedido jorra pelas paredes. O corpo cai para trás depois de receber um chute nos peitos. O estrondo é gigantesco.
A Santa Guerreia está parada ao lado de Nádia. Na sua mão esquerda um arco e na sua mão direita a espada que cortou a garganta do demônio.
Os dois se conhecem desde sempre. O passado une os dois, colocando-os em lados opostos. Um serve ao medo, a outra serve a rainha do mar. Um mata sem dó, a outra salva com o olhar.
— Uma garfo que cai, uma Alma que vai.
— Aqui, não. Hoje, não.
— Santa, a regra é clara.
— Hoje não. Estou aqui a pedido da rainha.
— Se não for ela... lembre-se qua não sairei de mais vazias.
— Você é surdo? — Pergunta a Santa Guerreira com a sua espada em posição de ataque. — Não estou de brincadeira. Lembre-se dos seus cem anos preso no inferno.
O demônio acende seus olhos e mistura-se na escuridão da casa. A raiva que ele sente é percebida pelo som das suas narinas que bufam de ódio.
A janela de vidro explode para fora da residência fazendo com que os vizinhos venham aos poucos para fora.
A vizinha da frente da casa de Nádia, dona Lucileide, corre para ver o que tinha acontecido. Ao chegar, encontra a porta da frente aberta e um gato preto sai correndo de dentro da casa.
Nádia encontra-se desmaiada no chão e com o ferimento no ombro exposto... a vida dele ainda corre perigo.
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