Capítulo 31
"A paz vem de dentro de você mesmo. Não a procure à sua volta." - Buda
Dinesh caminhava calmamente em direção ao laboratório com as mãos dentro dos bolsos da calça. O vento brincava com o seu longo cabelo solto enquanto ele ajeitava os óculos escuros, combinando com o seu terno preto. Por onde passava, atraía olhares entorno do si que serviam para inflar o seu ego.
Ao chegar no laboratório, apertava a mão dos funcionários que se encontravam na entrada antes de prosseguir para o interior. Ele analisava a sala com paredes brancas, cinco mesas enfileiradas na vertical repletas de equipamentos. Ao todo, eram sete cientistas responsáveis pelo teste e fiscalização dos diamantes sintéticos. Apesar do número relativamente baixo, o Yamir confiava no trabalho deles pelo grande prestígio no mundo da pesquisa.
— Senhorita Brown?
Ao ser chamada, a mulher de vinte e oito anos se virava para Dinesh. Ela usava um jaleco com o seu nome estampado no crachá: Daisy Brown. O seu cabelo castanho claro estava preso em um coque com algumas mechas soltas na frente. Os olhos verdes dela analisavam o indiano de cima à baixo antes de abrir um fraco sorriso, retirando os óculos de proteção.
— Sim, sou eu mesma. Deve ser o senhor Yamir, correto?
— Exatamente. É um prazer te conhecer. — dizia estendendo a mão. — A senhorita é a responsável pela pesquisa, não é?
— O prazer é todo meu. — respondia retirando a luva para apertar a mão dele. — Sim, eu estou liderando essa pesquisa há cinco anos. Eu conheci o seu pai há três anos atrás e ele financiou o nosso projeto desde então. Ele era uma ótima pessoa que acreditava na ciência.
— Sem sombras de dúvidas, ele era. Então, como o novo diretor, eu gostaria de saber como vai a produção.
— Claro! Siga-me, por favor.
Ela o conduzia para o interior do laboratório, onde Dinesh pôde ver de mais perto a análise minuciosa dos diamantes. Os demais cientistas o cumprimentavam de forma simpática e ele respondia com um aceno breve. Por continuar com os óculos escuros, era difícil distinguir qual o foco do indiano ou se realmente estava focado em algo.
— A produção de diamantes sintéticos tem ido bem. Eles são idênticos aos diamantes extraídos nas minas e não causam tantos danos ao meio ambiente. O nosso laboratório tem fiscalizado minuciosamente cada carga de diamantes que saem por semana, por isso posso te garantir que não haverá prejuízos.
— Eu presumo que não.
— Nós podemos produzir diamantes de até dez quilates, então imagino que seja vantajoso para a sua empresa investir de forma pesada neles.
— Eu pretendo investir o mais rápido possível, já pedi para a minha equipe no Japão acelerar a questão burocrática. De acordo com meus cálculos, em menos de duas semanas a produção já terá início. — pontua Dinesh com o mesmo semblante neutro de sempre. — Vocês usam o método HPHT*, não é?
— Sim, ele é economicamente mais viável além de ser simples. Há algum problema com isso?
— De forma alguma, eu deixo à seu critério. Afinal, a pesquisa é sua.
A jovem abria um sorriso bobo e prosseguia com a caminhada, parando na frente da sua mesa.
— Pode analisar com os próprios olhos a estrutura do diamante.
Dinesh retirava os óculos escuros e o seu olhar intenso não passa despercebido pela cientista. Então, ele inclina o corpo para frente analisando, através do microscópio, o pequeno diamante exposto na lâmina.
— As mesmas ligações e a estrutura tetraédrica. Fascinante.
— Woah, senhor Yamir! Eu não esperava que entendesse tanto.
Ele retornava à postura anterior, arqueando a sobrancelha antes de colocar os óculos.
— Eu sou um homem bem informado, senhorita Brown. Então, acredita que conseguem atender a nossa demanda em menos de um mês?
— Nós faremos o possível. O senhor e o seu pai confiaram no nosso trabalho, então eu não irei decepcioná-los.
— Claro que não irá. Eu não admito falhas em meus objetivos. — ameaçava sério, dando as costas e seguindo para fora do laboratório. — Agradeço à disponibilidade do seu tempo para essa conversa.
— E-Espera! — ela gritava o acompanhando em passos apressados. — Eu pensei que quisesse saber mais detalhes da pesquisa.
— Eu já tenho todos os detalhes da pesquisa que, por sinal, ajudei a organizar.
Daisy piscava os olhos, confusa. Dinesh a encarava de canto, soltando um longo suspiro enquanto abria a porta do laboratório, tendo a cientista como sua companhia durante a caminhada pelo corredor.
— Quando iniciei o meu trabalho no setor administrativo da empresa, o meu baldi já me deixou atualizado dos investimentos com o seu projeto. Eu passei noites em claro estudando sobre a estruturação dos diamantes e fazendo uma comparação de custo-benefício.
— Então, era o senhor que corrigia os meus relatórios?!
— Sim, mas é óbvio que eu só podia opinar sobre questões envolvendo cálculos ou dando dicas superficiais.
Os olhos dela enchem-se de brilho pela admiração sentida com tal informação.
Ele é um gênio!, pensava.
Por outro lado, Dinesh parecia ignorá-la enquanto atendia uma ligação de Masaichi, continuando a caminhada. Daisy decide acompanhá-lo em silêncio, admirando o homem de longe.
— Como estão as coisas por aí?
— Muito bem, os negócios estão crescendo. E a filial na Inglaterra?
— Estamos dando um grande avanço. Então, não fez nenhuma alteração considerável na empresa?
Masaichi pondera a informação sobre Miyuki estar de volta no mesmo prédio, mas decidia mentir pois já imaginava como o seu amigo reagiria.
— Não, tudo está praticamente igual.
— Entendo. Caso precise de algo, ligue para a minha secretária. Eu não sou sua babá e você sabe se virar. — resmunga. — Eu irei desligar.
— E o meu "eu te amo"? — brincava.
— Eu vou te demitir.
— Eu também te amo.
Após desligar a ligação, Dinesh suspirava pesadamente guardando o celular no bolso. Então, Daisy aproveitava o momento para chamar a sua atenção.
— Senhor Yamir, o que acha de debater os detalhes da pesquisa com mais calma? É um grande investimento que precisa de total atenção.
— Preciso voltar para o laboratório? — questiona com desânimo.
— Não, eu pretendia fazer isso em um lugar menos profissional. O que acha de um bar perto do centro?
Merda. Ela quer transar comigo, pensava revirando os olhos.
— Pelo bem da pesquisa?
— Sim, pelo bem da pesquisa.
— Que seja.
Então, ele saía daquele setor o mais rápido possível enquanto gesticulava para o seu motorista abrir a porta do carro.
Quando a noite cruzava o céu britânico, Dinesh entrava no bar com estilo rústico sendo recepcionado pelo cheiro amadeirado, decorrente do piso. As paredes de madeira com fotos de paisagens locais ou da natureza, algumas em preto e branco, compunham o cenário. As primeiras fileiras de mesas redondas de vidro e, mais à frente, aquelas tradicionais envolta de poltronas macias de tonalidade bege. As luminárias ovais formavam uma "passarela" no teto, iluminando o ambiente. Os seus olhos percorrem o balcão no canto esquerdo do bar, onde o garçom conversava alegremente com seus clientes.
Então, uma mão delicada acenava no fundo do balcão e o Yamir se aproximava ao reconhecer quem era. Ele não pôde deixar de analisar como a calça jeans clara e rasgada dava-lhe uma imagem mais jovial, além de que as botas pretas reforçavam a ideia. Ela ajeitava a camisa preta de manga comprida que só cobria metade da barriga, virando seus olhos verdes em direção ao indiano.
— Uau! Por um momento, pensei estar diante de um mafioso.
Dinesh não a culparia pela comparação genérica, já que estava totalmente de preto, desde a sua bota até a camisa colada ao corpo. Além do mais, optou por uma jaqueta de couro preta que, em sua mente, combinava muito bem com o colar prata entorno do seu pescoço. Os seus pulsos estavam envoltos por duas braceleiras amarronzadas, entrando em contraste com os quatro anéis nas mãos dele – um em cada anelar, um no dedo indicador direito e outro no dedo do meio esquerdo.
— Não é para tanto, senhorita Brown.
— Não precisamos de tanta formalidade, chame-me apenas de Daisy.
— Eu acredito que se vamos falar sobre o projeto, a formalidade é o mínimo a ser exigido. — comenta sentando-se no banco ao seu lado. — Afinal, isso é unicamente pelo trabalho.
A mulher bufa em frustração enquanto Dinesh pedia uma dose de whisky ao barman.
— Quanta seriedade, senhor Yamir.
— Eu chamo de profissionalismo.
— Eu ouvi boatos superficiais sobre você e pensei que...
— Que eu estaria entre as pernas da primeira mulher que aparecesse. Bem, há um tempo atrás eu concordaria e provavelmente estaria com a mão em cima de sua coxa, adentrando a sua calcinha de forma lenta. — comenta e, como reflexo involuntário, Daisy fechava as pernas. — Mas eu mudei.
— Está apaixonado?
— Não, apenas não tenho tempo para isso.
— Entendo.
Ele descia a dose de uma vez, mantendo o semblante vazio.
— O que veio falar sobre o projeto?
— Eu andei fazendo pesquisas e levantamento de produtividade, chegando à conclusão de que poderemos suprir a demanda. O senhor poderá dormir bem sabendo que gastará menos com um investimento desses.
— Para a minha infelicidade, minha insônia não depende somente disso. — resmunga baixo, vendo o barman encher seu corpo. — Mas acredito que não tenha vindo somente para isso.
— Eu quero fazer uma expansão no projeto de pesquisa e gostaria muito de saber a sua opinião sobre esse grande passo.
— Explique-me detalhadamente seus objetivos e eu poderei ser sincero.
Daisy bebericava a cerveja antes de começar a explicar a sistemática do seu projeto, além de comentar de forma superficial como o investimento na pesquisa ajudará a aumentar o lucro na empresa. Por outro lado, o Yamir a encarava sem tanto ânimo pois sua mente estava voltada para os problemas que o rodeavam, principalmente quando voltasse para o Japão.
Eu não consigo ficar calmo com o Thomas ainda vivo, pensava.
— Então, o que achou, senhor Yamir?
Ele piscava os olhos, saindo do seu transe momentâneo.
— Ótimo, vou colocar esse plano na pauta da próxima reunião.
O sorriso de alegria e o brilho no olhar dela eram evidentes.
— Sério? Muito obrigada pela confiança!
Em resposta, Dinesh apenas balançava a cabeça em concordância. Então, a mulher desvia o olhar para as suas mãos sobre o balcão, admirando os anéis e sendo cativada pela imagem entalhada em um dos braceletes.
— Quem é?
Ele abaixava a cabeça acompanhando o olhar até o bracelete.
— É Krishna, o deus do amor.
— Alguém como o senhor é seguidor do deus do amor? — questiona incrédula e segurando a risada. — Não é possível.
Dinesh a fuzila com o olhar.
— Krishna é mais do que simplesmente o deus do amor. Ele é misericordioso e representa a verdade absoluta, além de ser a causa de todas as causas. As suas principais características são sabedoria, riqueza, beleza, fama, força e renúncia. — dizia vendo o semblante confuso da cientista, fazendo-o revirar os olhos. — Ele seria, comparando ao Cristianismo, Jesus Cristo.
— O que?!
— É o lado completo de Deus, o seu ponto mais atraente. Ele nos protege dos obstáculos e dos pecados, pregando o desapego do corpo visível. Eu sempre fui muito ligado à Krishna desde pequeno, tanto que tinha uma imagem dele em meu quarto na Índia. — comenta dando um breve gole no whisky. — Quando o meu baldi morreu, lembrei do ensinamento de Krishna de que esse corpo é apenas temporário. O espírito nunca morre e continua a sua jornada, seja dentro de outro corpo reencarnando ou no plano espiritual protegendo aqueles que ama.
Naquele momento, não somente as palavras profundas de Dinesh tocaram o coração de Daisy como, também, o sorriso terno que se desenhava em seus lábios. Apesar de estar falando de algo doloroso como a morte de seu pai, ele possuía uma paz fora do comum em seu semblante.
— Isso é incrível, senhor Yamir.
— Sim, muito. Por isso, quero sempre manter os ensinamentos do deus do amor comigo.
Por um momento, ele lembrou de quando Mahara o apresentou à Krishna e disse que, de certa forma, ambos tinham muito em comum. Infelizmente, não entendeu o significado de suas palavras mesmo após tantos anos.
— Não sei explicar mas algo me diz que está seguindo bem os ensinamentos dele.
Dinesh lançava um olhar confuso, mas ela dava nos ombros voltando a beber.
(...)
Miyuki encarava o prédio com o mesmo nervosismo da primeira vez, engolindo seco. Ao adentrar no local, cumprimentava todos que sorriam de forma animada ao vê-la novamente na sede. Mesmo sabendo da ausência de Dinesh, a mulher tinha um olhar desconfiado enquanto se encaminhava até o setor de publicidade onde encontrava Youko, a líder do local, dando instruções para a sua equipe.
Ao virar o rosto para o lado, Youko abria um sorriso e dispensava os funcionários. Ela já se aproximava abrindo os braços, sem esconder o ânimo em seu tom de voz.
— Miyuki! É tão bom vê-la aqui!
— Eu digo o mesmo, Youko!
As duas se abraçam de forma apertada e Miyuki reviveu o sentimento de acolhimento em seu peito. Apesar do trabalho exaustivo naquela empresa, ela sempre sentiu que aquele era o seu lar.
— Eu pedi ao Masaichi para te colocar no meu setor, espero que não tenha ficado irritada.
— De forma alguma! Eu estou feliz por poder trabalhar com a senhora. — dizia segurando as mãos dela e sorrindo de forma terna. — Er... O senhor Yamir... Ele...
— Ele está em uma viagem importante pela Europa, não se preocupe. Eu não sabia que queria tanto evitá-lo.
Diante do olhar interrogativo de Youko, Miyuki abaixava a cabeça mordendo o lábio.
— Na verdade, eu estou ansiosa para vê-lo novamente.
— Ele continua gostoso como sempre, se é essa a sua preocupação.
— Y-Youko! — exclamava vermelha, olhando para os lados com medo de alguém ter escutado a conversa. — Não é isso, eu...
— Você sente a falta dele, eu sei.
Miyuki tirava um grande peso de seu peito ao ouvir as palavras compreensíveis da sua nova chefe, voltando a abraçá-la com ânimo. Youko acariciava as costas da jovem antes de se afastar.
— Eu podia jurar que vocês...
— Eu e o senhor Yamir nos envolvemos por um tempo, mas tivemos divergências.
— Mas isso não é motivo para um término, eu acho. — comenta Masaichi ao surgir atrás dela, fazendo-a dar um pulinho surpresa. — O Dinesh tem divergência até com Buda.
— Isso é verdade. O Dinesh vive brigando e discordando de tudo, mas no final aceita quando acredita ser a melhor escolha.
— Mas o senhor Yamir errou mais do que eu poderia perdoá-lo.
— Acredita que não vejo os erros dele como um grande defeito? — questiona Youko com um leve sorriso. — O Dinesh errou para que pessoas importantes à sua volta não cometessem o mesmo.
— Ele é do tipo que se sacrifica. — completa Masaichi. — Eu não sei de metade de seus erros, mas sei de todas as suas qualidades e isso é o suficiente para fazer dele o melhor amigo que alguém poderia querer.
Miyuki via-se obrigada a concordar pois, apesar de saber da crueldade possivelmente cometida pelo Yamir, também reconhecia o seu grande coração escondido diante da arrogância.
(...)
Dinesh estalava os pescoço enquanto um dos mordomos o conduzia para o interior da enorme mansão do deputado Salithe. Após passar algumas semanas na Europa, negociando com as empresas da Inglaterra e da França, ele foi até a Índia onde seria a sua última parada.
— Como foi de viagem?
— Eu fui bem, senhor Salithe. — comenta sentando-se no sofá da sala. — Veio fazer outra negociação?
— Não, eu vim te pagar pelos seus serviços.
Então, o deputado olhava por cima dos ombros para um dos seus empregados que se aproximava com uma mala. Dinesh arqueia a sobrancelha ao ver a quantidade massiva de dinheiro em seu interior.
— Obrigado por ter confiado nas minhas habilidades.
O Yamir pegava a mala a repousando sobre o colo e aceitando a xícara de chá que uma das empregadas trazia. Salithe bebericava o seu chá antes de comentar:
— O Raj nunca aprovaria um acordo com um político. O que te fez optar por essa escolha?
— As pessoas vivem me comparando com o baldi, mas nós sempre fomos diferentes. Ele queria estar no comando da empresa, eu não. Por isso, o seu olhar era mais humano enquanto o meu...
—... mais frio. É isso que me surpreende. O senhor está assumindo um legado que não deseja. Às vezes, eu acho que a empresa da sua família é o carma que amaldiçoa todos vocês.
Dinesh erguia a sobrancelha, lançando um olhar inquisitivo.
— Deixe-me explicar melhor, senhor Yamir. O Aseem enlouqueceu desde que assumiu a empresa e cometeu suicídio. O Raj morreu logo no seu momento de glória como diretor, então é difícil não pensar que há uma maldição os perseguindo.
— Eu também me questionei isso por muito tempo. A família Yamir possui membros de inteligência invejável, mas carregam o carma de viverem uma vida de tragédias. Talvez seja uma maldição de anos atrás ou fruto por essa busca incontrolável pelo poder. No final das contas, eu não me importo. — comenta repousando a xícara sobre a mesa, ficando de pé. — Eu venho impedindo que a minha família afunde desde a morte do baldi e, se isso inclui trilhar esse caminho de sofrimento por eles, seguirei com orgulho. Agora, eu preciso ir.
— Homens determinados e nobres como o senhor são difíceis de encontrar. — Salithe dizia também se levantando, acompanhando o Yamir até a saída da sua mansão. — Mas pretende passar o resto da vida nesse purgatório?
— Eu não creio que terei o desprazer de continuar tanto tempo assim na Terra.
Diante da expressão confusa do deputado, Dinesh gesticula com desdém pedindo para deixarem a conversa de lado.
— Voltará hoje para o Japão, senhor Yamir?
— Sim, mas antes tenho um compromisso com uma pessoa especial.
Ele entrava no carro pedindo para o motorista levá-lo para a praça do centro da cidade, ao lado de um rio que cortava a região. O carro parava no local indicado e Dinesh se aproximava de um dos bancos onde Shanti o esperava.
— Você veio!
— Eu sou um homem de palavra.
Ela se levantava correndo até Dinesh e o abraçando com força, afundando o rosto em seu peito. O Yamir fazia um breve cafuné nas mechas soltas de seu cabelo castanho antes de se afastar.
— Como está a sua família? Eles continuam insistindo nessa ideia idiota de casamento?
— Não, eles desistiram depois que você ligou para ele os ameaçando. — comenta Shanti com um sorriso de canto. — Você não tem jeito mesmo, hein.
O indiano dava nos ombros, fingindo uma expressão inocente. Ela ria cobrindo a boca com a palma da mão antes de perguntar:
— E a sua família?
— Digamos que estão bem. A Maya está se adaptando aos poucos à cultura do Japão e a mamadi aprendeu a cozinhar alguns pratos.
— Isso é bom! E o Kiran? Vocês continuam afastados?
Dinesh desviava o olhar dando início a uma caminhada pela praça, admirando o percurso do rio ao seu lado direito. Shanti o acompanhava do outro lado o encarando com certa curiosidade.
— O abismo entre nós dois ainda existe, mas sinto que talvez isso possa mudar.
— Eu estive refletindo sobre a última vez em que nos vimos e tenho uma teoria. Se você mentiu para me proteger, pode ter feito o mesmo com o Kiran. — ela comenta vendo a expressão surpresa do homem. — Eu estou certa, não é? Então, basta você ser sincero com ele e contar tudo o que houve.
Ele direcionava o seu olhar para baixo, refletindo sobre as palavras da ex-noiva. Eles se dirigiam para o comércio local, desviando da enorme multidão e as bicicletas que cruzavam por todos os lados. Os comerciantes gritavam em suas barracas, oferecendo seus produtos enquanto outros entregavam amostras.
— No caso do Kiran, não é tão fácil assim.
— Por que, Dinesh?
— Porque ele realmente me odeia. Eu o machuquei por muito tempo e, para variar, acabei machucando alguém importante para ele também.
— Eu conheço o Kiran. O coração puro dele não é capaz de odiar ninguém, você sabe disso.
O Yamir sorria fraco custando-se a acreditar nas palavras dela. Os dois se dirigiam para uma biblioteca antiga com as estantes empoeiradas e os livros amontoados em mesas. As estantes estavam lotadas e havia, também, alguns artefatos antigos.
— Sim. Diferente de mim, ele tem um coração.
— Você também tem, por mais que não admita.
— Eu tenho minhas dúvidas.
Ela soltava um longo suspiro, parando na frente de uma estante e pegando um livro romance de época.
— Você continua cobrando demais de si mesmo, não é?
Dinesh apoiava as costas na estante ao lado da jovem, cruzando os braços e observando o movimento da biblioteca. Os clientes o encaravam ao passarem por perto, por causa da aparência ou por pertencer à família Yamir.
— Eu me pergunto quando comecei a me cobrar tanto.
— Desde que eu te conheço, você tem se cobrado. — ela comenta indo até uma vitrine retangular no centro da biblioteca, analisando os livros contidos em seu interior. — Eu lembro quando aparecia com flores ou presentes sempre que se atrasava para um encontro.
Ele ria fraco balançando a cabeça em concordância.
— Eu era tão idiota.
— Eu prefiro a palavra "apaixonado". Então, não pretende viver momentos assim ao lado de alguém?
— Shanti, eu...
— Eu sei que acabou entre nós, não se preocupe. Mesmo assim, você pode se apaixonar por outra pessoa.
O Yamir desvia o olhar para o horizonte, pensando em uma única pessoa quando o assunto era "amor".
— Eu tenho medo de machucá-la.
— A Miyuki é dura na queda.
Ele volta a atenção para Shanti com uma expressão surpresa.
— Estava tão na cara assim?
— Sim porque eu te conheço. — respondia abrindo a vitrine e pegando um livro de poesias. — Mas você gosta dela?
Dinesh dava nos ombros enquanto acompanhava Shanti até o balcão, onde a jovem comprava o livro e depois seguia para fora da biblioteca.
— Eu passei muito tempo sufocando qualquer sentimento que é difícil crer nisso. Talvez eu... — a fala dele é interrompida pelo toque do celular, então o homem atendia a ligação de forma rápida. — Sim, Masaichi?
Enquanto isso, Shanti parava na frente de uma banca com flores admirando os lírios e as calêndulas. A mulher também pensava em como sua vida havia mudado desde que se afastou do Dinesh e, mesmo sentindo a sua falta, estava conseguindo apagar esse sentimento de seu peito.
— A nossa empresa se manteve no terceiro lugar. — comenta Dinesh com alívio em sua voz, após guardar o celular. — As coisas vão bem.
— E irão melhores, pois todos confiam na sua capacidade como presidente.
Ele sorria fraco aproximando-se da banca de flores, comprando um lírio e o entregando à Shanti. Ela sorria levemente corada como forma de agradecimento e ambos seguiam pelas ruas da cidade. Ao final da caminhada, eles paravam na mesma praça encarando as crianças brincando na grama e alguns casais ao redor.
— Obrigada por tudo, Dinesh.
O homem a encara, claramente confuso.
— Eu não fiz nada.
— Eu me senti amada ao seu lado. Por isso, espero que o seu coração volte a conhecer o amor. Você merece, mais do que ninguém, ser amado.
Uma lágrima teimosa escorria do olho de Dinesh que, rapidamente, a secava.
— E obrigado por ter me amado. O seu amor foi o meu guia por muito tempo, então eu farei com que o seu esforço não seja em vão. É uma promessa.
Os dois se encaram de forma intensa, sorrindo simultaneamente antes de seguirem caminhos opostos.
*HPHT (high pressure high temperature): Processo que mimetiza as condições encontradas no interior do nosso planeta de altíssima pressão (45.000 atm) e altas temperaturas (1.500oC), as cadeias carbônicas encontradas nos cabelos são convertidas para a estrutura própria e característica do diamante.
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