Capítulo 20
"Bem, eles dizem que céu é o limite
E para mim é realmente verdade
Mas meu amigo, você ainda não viu nada
Espere até eu atravessá-lo porque sou mau, sou mau, vamos lá." - Bad, Michael Jackson
Após três meses se passarem, a situação da empresa dos Yamir's mantinha-se estável apesar das reclamações dos trabalhadores por causa do tratamento rígido do atual dono. A força de Thomas diminuía a cada dia devido aos misteriosos movimentos na região, onde os comerciantes recebiam ameaças para não firmar negócios com a empresa dele. Os noticiários retratavam o aumento da violência local, mas a polícia não havia encontrado nenhum suspeito. O Dinesh trabalhava por trás do caso como uma mente brilhante, encontrando estratégias para que os capangas de Takeo não fossem descobertos. Por isso, o seu plano de destruir o Thomas continuava obtendo êxito.
Atualmente, o Yamir e Miyuki estavam em um jatinho particular em viagem à negócios até a Índia, onde ocorreria uma reunião importante na sede da empresa. Enquanto folheava uma revista, a secretária alternava o olhar entre a cabine do banheiro e as imagens. Quando a porta é aberta, Dinesh saía subindo o zíper da calça junto com a comissária de bordo que abotoava a camisa branca.
— Você não consegue ver um buraco que já quer meter!
— Não enche. Estamos à trabalho, senhorita Sato, então cuidado com os comentários. — dizia sentando-se na frente dela, cruzando as pernas. — Quais são os meus horários?
— Aqui. — responde entregando-o os horários em uma folha de papel. — Uma pergunta. Quem está na liderança da empresa na Índia?
— Uma pessoa de confiança do meu baldi.
— Baldi?
— Significa "pai".
Que fofo, ela pensava.
— Entendo. Está ansioso para retornar ao seu país de origem?
— Não.
— Ora, por que?
Ele soltava um longo suspiro, colocando os óculos escuros e desviando o olhar para a janela.
— Eu não tenho nada nem ninguém me esperando lá.
Miyuki optou por ficar em silêncio, acomodando-se em sua cadeira. Para ela, conversar com o Dinesh era um grande avanço, pois ele é um homem de poucas palavras.
Quando chegaram na Índia, um motorista da empresa já os guardava e os guiou até a antiga casa dos Yamir's. Apesar da estrutura simples, não deixava de ser um bom imóvel de valor consideravelmente alto. Ao dar o primeiro passo no interior, Dinesh sentiu uma sensação ruim em seu âmago, lembrando que essa casa o pertencia de acordo com o testamento feito por Raj. Porém, via-se impossibilitado de sentir alegria diante de tal informação, porque trocaria todos os seus bens para reviver os momentos com seu pai se fosse possível.
— Você está bem?
A pergunta da sua secretária o despertou dos pensamentos e ele acenou positivamente com a cabeça.
— Claro, claro.
Depois de depositarem as malas em seus respectivos quartos, Dinesh pediu um almoço completo para ambos comerem antes de reunião. Miyuki o observava comer quieto enquanto digitava algo no celular, lembrando de uma conversa que teve com suas amigas de trabalho onde comentavam sobre a habilidade do chefe delas em cozinhar.
— Senhor Yamir...
— Sim?
— O senhor sabe cozinhar?
— Sim, eu sei.
Ao ver o semblante surpreso dela, tratou de se explicar:
— Eu cursei Gastronomia antes de Administração.
— Woah! E por que não seguiu carreira gastronômica?
O olha do Yamir tornava-se vazio e apenas um sorriso sem emoção surgia em seus lábios.
— Eu não podia. — comenta ficando de pé. — Arrume-se logo, senhorita Sato. Nós temos um compromisso em uma hora e eu não tolero nenhum atraso.
— Certo...
Ela o encarou se afastar com um aperto no peito, mas decidiu ignorar. Miyuki temia estar se apaixonando por seu próprio chefe, o que tornaria a relação de trabalho mais complicada ainda, além de que ele não era o tipo de pessoa correta para amar. Então, estava decidida que naquela viagem iria apagar qualquer fagulha de um possível sentimento em seu coração.
Os dois chegaram na sede da empresa, através do carro alugado pelo rapaz, e a jovem quase cai para trás ao ver o tamanho do prédio. Ele era quase duas vezes maior e mais organizado do que o do Japão, além de movimentar um capital três vezes maior. A fama negativa do Yamir se espalhou e, por isso, todos os funcionários o olhavam torto, mas ninguém fez menção à dizer algo. Pelo contrário, sempre o cumprimentavam com um sorriso, por mais que seja falso.
Ao chegarem na sala de reuniões, Dinesh acomodava-se na cadeira de diretor e Miyuki já se situava em um canto da parede, pegando o seu bloco de anotações. Por falar apenas o japonês, o rapaz contratou uma tradutora para auxiliá-la durante os diálogos.
— Quanto tempo, Dinesh! — exclama um homem ao se aproximar, apertando a mão do Yamir que continuava sentado, evidenciando a sua falta de paciência para qualquer diálogo. — Como vai a sua família?
— Bem, obrigado.
— E a Shanti? Vocês já se casaram?
A expressão vazia do Dinesh fez Miyuki questionar seriamente o que passava em sua mente.
— Ela sim, mas eu não.
— Hã?
— Vamos debater sobre a empresa, tenho outra reunião com o líder da mineradora local em duas horas.
— É mesmo? Vamos agilizar, então.
Enquanto os homens debatiam sobre a atual situação da empresa, Miyuki fazia anotações ignorando a dor em sua mão por escrever demais. Às vezes, ela alternava o foco para o Dinesh que possuía o mesmo olhar vazio de sempre.
Pelo visto, está de volta ao lar o traz lembranças desconfortáveis, pensava.
— O que acha dessa proposta, Dinesh? Irá agradar à todos!
— Eu não busco a aprovação de ninguém, senhor Kabir. Se o capital de empresa cair por causa de meros agrados, estaremos em crise.
— Mas uma empresa não pode se preocupar somente com dinheiro!
— Se o objetivo não fosse dinheiro, por que não nos tornamos uma ONG para ajudar os animais? — ironizava Dinesh. — Poupe-me do seu discurso moralista.
— Nós temos que agradar os políticos também, senhor Yamir! — dizia Kabir. — Eles são os responsáveis por contratar nossas empresas nas licitações.
Dinesh apoiava a mão no queixo pensativo, a sua mente viajava para longe da situação da empresa. Na verdade, ele articulava uma forma de atingir o Thomas Adams após ouvir o comentário de Kabir.
— Isso, os políticos! Nós vamos financiar a campanha do deputado Salithe.
— Agora sim, senhor Yamir! — comenta um homem com animação. — Isso nos fará subir.
— Exatamente. O deputado Salithe é querido por todos e possui grande influência no mundo dos negócios. Se a campanha der certo, vamos lucrar muito!
— Eu mesmo falarei com o deputado. — dizia Dinesh com um sorriso de canto. — Afinal, ele conhecia o meu baldi.
— Como quiser.
O restante da reunião resumiu-se em debates sobre os possíveis investimentos em máquinas, mas o Yamir continuava pensando em como derrubar seu inimigo. Conforme as fases do plano davam certo, encontrava-se cada vez mais perto de alcançar o seu objetivo.
E agora, mais do que nunca, estava próximo de vencer.
Ao final das duas reuniões marcadas para aquele dia, Dinesh e Miyuki pedem um sanduíche – obviamente o Yamir pediu um vegetariano – e seguem caminhando pela área menos movimentada de Déli.
— Está dormindo melhor, senhor Yamir?
— Sim.
— Que bom... — ela vira o rosto em direção à uma mercearia somente com temperos. — Eu fiquei sabendo que vocês são especialistas em temperos. Nós podemos ver?
— Que seja.
A mulher adiantava os passos para entrar na mercearia, sendo agraciada por uma mistura de aromas diferenciados. Ela queria perguntar à funcionária sobre eles, mas lembrou que não falava a língua local. Dinesh permaneceu na porta com as mãos nos bolsos enquanto ouvia os comentários de algumas mulheres que passavam naquela rua, elogiando sua aparência. Porém, o seu olhar estava inteiramente focado em como a Miyuki tinha um sorriso contagiante e belo, mesmo sendo uma pessoa que carrega dor em seu peito.
De certa forma, ele pôde ver semelhanças entre ambos.
A sua atenção muda para o caminhão parando ao lado da mercearia, onde os funcionários desciam para cumprimentar o dono do estabelecimento além de entregar novas mercadorias. O sobrenome da empresa na logo marca era familiar, então Dinesh foi até o vendedor perguntando:
— De quem é essa distribuidora?
— Da família Singh.
É a família do amigo de infância do Kiran, pensava.
— Eles são donos de uma distribuidora agora?
— Sim, o senhor Singh saiu da pobreza após ganhar uma boa quantia de dinheiro.
— Quando...?
— Ah, isso tem muito tempo. Eu acredito que há uns nove atrás. A única coisa que eu sei é do seu filho falando sobre ser agraciado pelos deuses e pela família Yamir.
O homem ligou os pontos da data e dos acontecimentos. O amigo de infância do Kiran, Mandeep Singh, cortou laços com a família Yamir depois do sequestro do irmão dele e, misteriosamente, ficou rico de um dia para o outro. Dinesh recordava muito bem do Kiran chorando e falando que foi traído, mas não dizia por quem.
— Traidor filho da puta... — murmura caminhando em direção à sua secretária. — Senhorita Sato, nós temos algo a fazer.
— Hã? Pensei que fosse nossa folga.
— Pensou errado. Vamos!
— Mas eu ainda não olhei todos os temp-...
— Vamos logo!
Dinesh a pegou no colo estilo princesa, iniciando uma caminhada em direção à saída da loja. A jovem corou bruscamente, olhando para o seu chefe incrédula. O coração batia em um misto de alegria e ansiedade, mas se praguejava mentalmente tentando bloquear essas emoções. Afinal, ainda estava com o plano "odiar o meu patrão" em mente.
Quando eles estavam dobrando a esquina, uma bela mulher de cabelos curtos e olhos castanhos entrava na mercearia ouvindo os resmungos do dono do local.
— Algo aconteceu?
— Não, eu só recebi um casal de loucos aqui.
Ela ria baixo, aproximando-se do homem enquanto analisava a mercadoria.
— Hoje prepararei curry, então quero os seus temperos mais frescos.
— O seu pedido é uma ordem, madame. — dizia simpático. — Então, será essa semana, não é?
— Isso mesmo.
— Está nervosa?
A jovem sorria amarelo concordando com a cabeça.
— Um pouco.
— Vai dar tudo certo. Eu aposto que esse será o casamento do ano, Shanti.
(...)
A família Singh nasceu na pobreza mas, após muito esforço de Davi, pai de Mandeep, e o recebimento misterioso de uma boa quantia de dinheiro, ele conseguiu fundar uma distribuidora de temperos. Aos poucos, a empresa cresceu ao ponto dos filhos dele não precisarem mendigar por um emprego. Pelo contrário, Mandeep e seus três irmãos ajudavam o pai com muito orgulho, porque sabiam como o homem se esforçou ao ponto de ter problemas de saúde – ocasionando em complicações no fígado – para ver a família com uma qualidade de vida melhor. Depois de um tempo, Davi decidiu abrir a empresa para o seu filho mais velho, o qual se encontrava viajando no atual momento e, sendo assim, Mandeep – o filho do meio – assumira temporariamente a presidência.
Ele não poderia se sentir mais feliz e realizado, porque os dias passando fome fizeram tudo valer a pena, mesmo que o dinheiro tenha vindo de algo tão sujo como a delação de seu melhor amigo.
Contudo, naquele final de tarde, Mandeep chegou às pressas na empresa após uma reunião com seus sócios em outra cidade. Uma notícia nos jornais o fez sair do seu conforto, chegando o mais rápido possível no local. Ao parar no último andar, olhava ao redor confuso e eufórico, gritando:
— Quem diabos comprou a minha empresa?!
— Eu comprei. — dizia Dinesh saindo da sala da presidência, apoiando-se na porta de braços cruzados. — O que você fará sobre isso? — questiona vendo o jovem recuar ao reconhecê-lo, tanto pela aparência quanto pelo poder econômico. — Nada? Eu imaginei que sim.
Todos os funcionários param de exercer suas funções, encarando os dois homens com medo.
— E q-quem te deu o direito de fazer isso?
— Eu apenas quis comprar e foi o que eu fiz. — respondia dando nos ombros. — Algum problema?
— Eu e o meu pai demos duro por essa empresa! Você não pode simplesmente comprá-la como se fosse um dos seus brinquedinhos.
— Eu posso sim. Não só posso, como fiz. — ironizava entrando no escritório. — E não grite, há pessoas trabalhando.
Inconformado, Mandeep entrava na sala junto com o jovem Yamir o vendo analisar o contrato de empresa.
Dinesh havia comprado a distribuidora enquanto Mandeep estava fora, precisando somente do acordo do seu irmão mais velho, o qual foi enganado com os argumentos do rapaz.
— Um contrato para ser o nosso sócio? — questiona o irmão de Mandeep maravilhado.
— Isso mesmo, senhor Singh. A empresa Yamir deseja firmar negócios com vocês mas, é claro, precisamos da sua assinatura.
— Sem problemas!
— Ótimo. Senhorita Sato, pode entregar.
A mulher aproximava-se receosa, deixando o papel e a caneta em cima da mesa. Mesmo tendo apenas três dias na Índia, sentia-se exausta porque o seu patrão a fez ir para vários lugares a fim de colocar o seu plano de vingança em prática. O ânimo do jovem em usar a empresa Yamir o distraiu ao ponto de não ler nenhuma cláusula do contrato, apenas assinando o mais rápido possível.
Então, no outro dia, o Dinesh apareceu com policiais o expulsando da sua empresa.
— Você enganou o meu irmão! Isso é o golpe mais baixo de todos!
— Enganar uma pessoa consciente de suas ações ou trair uma criança inocente? — pergunta Dinesh virando-se em direção ao mais novo. — É um ótimo questionamento, não acha?
— Eu já pedi desculpas ao Kiran e ele me perdoou!
Miyuki observava tudo ao lado do Yamir, confusa com o assunto.
— Depois de ser torturado pelo próprio avô e passar meses pedindo para morrer, acha mesmo que o Kiran falava a verdade? Ele apenas era inocente demais para sentir escarnio de você, mas eu sou diferente. — comenta dando alguns passos até encurtar a distância entre os dois. — Não ficaria de braços cruzados enquanto o meu bhai teve sua vida destruída por um bando de filhos da puta!
— Eu era uma criança na época!
— Ele também era, porra! Você e o miserável do Aseem destruíram a vida dele, então algo precisava ser feito. O velho já pagou por seus erros e faltava você.
— Devolve a empresa, eu te imploro! O meu pai irá morrer se descobrir que o fruto do seu esforço foi jogado fora.
— Não me importo.
— Por favor! — Mandeep pedia ficando de joelhos e tocando a cabeça no chão, em um sinal de humilhação. — Eu não quero ficar pobre de novo!
— Oh, então sua preocupação é o dinheiro. — ironiza Dinesh pisando na cabeça dele, pressionando-a contra o chão. — Não me surpreende tanto quanto deveria.
— Senhor Yamir, acalme-se... — pedia Miyuki ao se aproximar. — Deve haver um pouco de bondade em seu coração.
O Yamir deixava escapar uma risada de puro sarcasmo.
— Eu duvido muito. — comenta com amargura, apoiando a mão sobre a arma na cintura.
— Mas eu não. — ela dizia segurando a mão dele, conseguindo a atenção de seus olhos negros. — Se realmente houvesse somente sentimentos negativos, eu não estaria aqui. O senhor me salvou e me deu uma segunda chance para viver, eu sei que uma pessoa ruim não faria isso. Então... Por favor... — Miyuki abaixava a cabeça, sentindo as lágrimas atrapalharem a sua visão. — ... não o machuque.
Estranhamente, Dinesh sentia um aperto desconfortável em seu peito ao vê-la chorar e, por isso, afastou o pé da cabeça de Mandeep o qual se levantava com dificuldade. Miyuki continuou cabisbaixa soluçando baixinho, porque não queria fitá-lo caso ele fizesse o pior. Se o rapaz puxasse o gatilho, teria motivos para não amá-lo mas, no fundo, não queria que isso acontecesse.
— Ei... Não chore...
Ela ergueu o olhar quando sentiu a mão quente do rapaz em seu rosto, a fim de fazê-la levantar a cabeça. Miyuki o encarou ainda chorando com as bochechas coradas e, pela primeira vez em todos esses meses, viu um sorriso nos lábios do Dinesh. Mesmo sendo um sorriso vazio e de pura tristeza, essa imagem aqueceu o seu coração de maneira inexplicável.
— S-Senhor Yamir?
— Eu odeio isso... Fazer as pessoas chorarem, sabe? — comenta passando o polegar sobre o rosto dela, secando suas lágrimas. — Exceto se for um filho da puta como esse.
A mulher abriu um sorriso bobo, por ser a primeira vez a ver uma expressão diferente no rosto do seu chefe.
Mandeep aproveitou a distração de ambos para tentar roubar o contrato na mão do Dinesh, dando um passo esticando a mão para frente. Porém, o Yamir puxava Miyuki pela cintura para ficar atrás do seu corpo enquanto recuava um pouco, trazendo a folha de papel contra si. Por uma fração de segundos, as pontas dos dedos de Mandeep tocaram o contrato mas foi rápido demais para conseguir pegá-lo. Por isso, ele caía de joelhos no chão, incrédulo.
— Que triste, seu pedaço de lixo. — dizia Dinesh com um sorriso frio. — Uma criancinha como você ainda tem muito o que aprender ou não. Lixos são sempre lixos, não mudam. — então, erguia o olhar aos dois seguranças que adentravam na sala. — Tirem essa praga da minha empresa. Agora!
Os homens assentem com a cabeça, segurando Mandeep pelos braços e o arrastando para fora do local. O jovem Singh se debatia com uma expressão de puro desespero, sentindo as lágrimas arderem em seus olhos.
— Não! Eu não posso permitir isso! Não quero ficar pobre novamente...! Por favor! Eu faço qualquer coisa! Eu me unirei à você, assim iremos crescer!
— Eu não preciso de você e muito menos da sua contribuição insignificante em minha empresa. — ele dizia com amargura na voz e acenava para o mais novo. — Boa sorte revirando restos nas ruas, como antigamente!
Quando a porta se fechava, os dois se encontravam sozinhos novamente. Por achar que Miyuki estaria com medo dele por causa da forma como agiu, decidiu seguir em direção à saída mas a jovem segurou a sua mão. Ao encará-la por cima dos ombros, não viu medo ou rejeição e isso realmente o surpreendeu.
— Obrigada por ter me protegido.
— Hã?
— Quando esse tal Mandeep avançou em nossa direção, você me protegeu colocando-me atrás do seu corpo porque pensou que ele fosse me machucar. — ela sorria boba, abaixando a cabeça em sinal de agradecimento. — Eu sabia que você tem um bom coração. Obrigada!
O homem revira os olhos, jogando o contrato sobre a mesa e apoiando-se nela.
— Pelo menos, eu dei uma lição naquele miserável.
— Você realmente ia... M-Matá-lo?
— Não, posso ser um desgraçado mas assassino eu não sou.
— Então, ia apenas assustá-lo?
— Isso mesmo.
Ela apoia a mão no peito soltando um longo suspiro de alívio. Dinesh a encara curioso e ri baixo, segurando a mão da sua secretária e a puxando contra o seu corpo. Mesmo pedindo para manter distância, algo o impedia de ficar longe dela por muito tempo. Miyuki sentiu as maçãs do rosto esquentarem novamente enquanto estava com o rosto afundado no peitoral musculoso do seu chefe.
— Preocupada comigo? Que fofinha.
— C-Cala a boca.
— Mesmo eu sendo o monstro que você diz, não sou capaz de tirar a vida de alguém. — comenta abaixando a cabeça para fitá-la quando ela ergue o olhar. — Há uma parte mínima de humanidade dentro de mim, impedindo-me de agir de forma tão primitiva.
— Eu sei que nunca faria algo do tipo. Eu confio em você, senhor Yamir.
— Mas não deveria.
— Por que?
— Porque eu alimento pensamentos impuros sobre você, senhorita Sato, e não sei até quando poderei me segurar. — murmura aproximando seus lábios da boca dela. — Eu não consigo conviver com o fato de ainda não ter estado entre as suas pernas.
— O q-que...
— Brincadeira! — ele dizia afastando-se e dando um peteleco em sua testa. — Vamos comer, estou morrendo de fome depois de ter destruído esse miserável.
Miyuki escondeu o rosto com ambas as mãos tentando ocultar a vermelhidão, por isso apenas acenou positivamente com a cabeça.
(...)
As ruas iluminadas da cidade davam um ar agradável àquela noite de inverno. Por ser um país de clima predominantemente quente, não nevava mas Miyuki pouco se importou com a ausência dos flocos brancos caindo do céu, pois estava apreciando esse passeio ao lado do seu chefe. Após comerem vindaloo, comida típica da Índia, voltaram para a casa dos Yamir's para mudar de roupa. Por isso, Dinesh abandonou o terno para usar uma calça jeans e camisa azul escura de manga comprida enquanto sua secretará vestia um saia longa branca, combinando com o top curto florido de tonalidade verde cana. Então, eles decidiram sair por Déli aproveitando os dois últimos dias de viagem, antes de voltarem ao Japão.
— Você não sente frio, senhorita Sato?
— Um pouco, mas não é nada demais.
O rapaz arqueava a sobrancelha, não acreditando em suas palavras e, por isso, retirava o sobretudo preto colocando-o sobre os ombros dela.
— O-Obrigada. — sorria timidamente. — Oh! Eu lembrei que você deixou o seu casaco comigo naquele dia.
— Deixei? Eu nem lembro. Pois bem, pode ficar com ele.
— Nada disso! Ele é muito caro!
— Eu não ligo para o preço.
— Não precisa ser esnobe assim! — resmungava cruzando os braços. — Só porque tem dinheiro, não precisa agir com superioridade.
— Eu não ligo para o dinheiro.
— Ah, conta outra!
— É sério. O meu baldi me ensinou a não dar valor aos bens materiais, porque eles são passageiros e não poderemos levá-los quando formos reencarnar. — comenta fitando o horizonte, sentindo a brisa erguer as longas mechas do seu cabelo. — É claro que ele lutou para nossa família ter uma boa condição financeira, mas nunca permitiu que virássemos escravos do dinheiro.
Os olhos da jovem enchem-se de brilho ao descobrir mais sobre o seu chefe, desconstruindo aos poucos a imagem de arrogante e autoritário. Mesmo não afastando por completo esses adjetivos, sabia que o Dinesh ia além de conceitos tão limitados.
— Eu entendo. Você é uma pessoa incrível.
— Puxando saco do seu chefe? Desde já, saiba que eu não te darei um aumento.
Ela ria baixo, dando nos ombros em seguida.
— Ao menos, eu tentei.
— Você e o Masaichi com essa mania de me ajudar para conseguir um aumento. — brincava. — Vai entender.
— Bem, eu realmente me preocupo com você e não falo isso somente por causa do trabalho.
— Custo muito a acreditar, mas sei que não é interesseira.
— Que bom que sabe. Eu posso te perguntar algo?
— Pode, mas cabe à mim decidir se responderei ou não.
— Que grosso... — ela sussurra com um bico.
— E grande também.
— Hein?
— Oi? Oh sim, a pergunta. — sorria de canto. — Pode fazer.
— Por que estava tão furioso com o tal Mandeep? Eu nunca o vi assim, mesmo quando havia discussões desgastantes em reuniões na empresa.
— Aquele miserável traiu o meu irmão quando ele era uma criança.
— Como assim?
Dinesh a encarou ponderando as próprias palavras. Como Miyuki provou ser uma pessoa de confiança, não viu motivos para esconder o seu passado.
— A família Yamir tem uma espécie de "maldição" carregada por gerações, onde uma pessoa nascia para trazer azar à todos. O Kiran, o meu bh-... irmão, foi o escolhido para ter esse carma. Então, o meu avô começou a culpá-lo por tudo o que havia de ruim.
— S-Sério?
— Sim. O velho ficou maluco e queria sequestrá-lo para fazer o pior com o Kiran, mesmo ele sendo apenas uma criança. Os meus pais fizeram o possível para escondê-lo mas o maldito do Mandeep o delatou por dinheiro.
— Que desgraçado!
— Não é? Mas eu só pude descobrir isso agora, ainda bem que consegui me vingar.
— Eu não entendo o porquê levar tão à sério uma lenda boba. Afinal, tudo não passa de uma mentira.
Queria que fosse assim, pensava o Yamir.
— É...
— Mas o seu irmão está bem?
— Sim, apesar de ter alguns surtos de pânico e baixa autoestima.
— Poxa, coitado dele. Ainda bem que tem o seu apoio.
— Nós mal nos falamos.
— Não?
— Não, eu e ele nos afastamos há muito tempo...
— Por que?
Dinesh parava de andar no meio da praça, sentando-se no banco mais próximo e erguia o olhar para o céu estrelado.
— Porque é melhor assim.
— Você é todo misterioso, senhor Yamir.
— Eu gosto, deixa-me mais sedutor. — brincava virando o rosto em sua direção. — Não acha?
— Eu acho o senhor muito convencido, isso sim. — ela dizia sentando-se ao seu lado. — Mas algo me diz que a sua forma de agir é para mascarar uma ferida profunda.
— Está vendo muita novela, senhorita Sato.
— Não seja chato! Eu sei que, no fundo, estou certa.
— Não discutirei porque é cabeça dura e teimosa.
— Como o senhor!
Ele arqueia a sobrancelha com um sorriso de canto.
— Eu poderia te demitir agora mesmo, sabia?
— Por que não aguenta ouvir a verdade?
— Olha só, que ousada! — dizia puxando a ponta do nariz dela. — Comporte-se, sua secretária folgada.
— E-Ei! Que injusto, o senhor pode falar o que deseja e eu não?!
— Sim, isso mesmo.
Ao afastar a mão, Dinesh permanecia a fitando e analisando cada parte que aquela aproximação o dava direito. Os lábios rosados e pequenos de Miyuki combinavam com os traços finos de seu rosto. O longo cabelo negro estava solto e algumas mechas escorregavam sobre os ombros. Ela também o admirou vendo como suas feições haviam se suavizando muito com o passar do tempo, um sinal de que ele se sentia à vontade ao seu lado.
— Você está fumando menos, senhor Yamir...
— É mesmo. Eu perco a vontade quando...
— Quando?
Dinesh só percebeu o motivo ao dizê-lo em voz alta, surpreendendo-se com as próprias palavras.
— Quando estou com você.
Ela engole seco sentindo o coração bater como nunca, percebendo que não poderia afastar esse sentimento pois ele já estava enraizado em seu âmago. Por outro lado, Dinesh não sabia o porquê estava agindo de forma tão impulsiva, mesmo sendo alguém calculista e direto. Ele apoiou a mão sobre o rosto da jovem, acariciando a região com o polegar. De todas as mulheres que havia se relacionado desde o término, o único objetivo era um jogo de interesses ou para, simplesmente, suprir a vontade carnal. Porém, ao se tratar de Miyuki, se via incapaz de usá-la dessa forma.
— Naquele dia na boate, outras pessoas já agiram como aqueles babacas?
— Sim... Bem pior do que eles, por sinal...
— E você precisou ceder?
— Sim... — ela abaixa o olhar. — Eu não tinha opção... Eu sei que me verá como uma put-...
— Não, não ouse dizer essa palavra. Eu não quero que se menospreze, um sentimento tão negativo não merece estar em seu coração.
— Mas...
— Sem "mas" ou precisarei calar a sua boca com um beijo.
O rosto da jovem ficava mais vermelho do que antes e ela volta a focar nos olhos do seu chefe.
— Você é muito atrevido...
— Sim, eu sei... Bem, acho que não tem problema ser um pouco mais.
O rapaz aproximava mais o seu rosto, circulando a mão pela nuca de Miyuki enquanto ela fechava os olhos, podendo sentir a respiração dele contra o seu rosto. O seu coração batia com tanta força que temia vê-lo sair pela boca. Dinesh abaixava o olhar em direção aos lábios rosados da mulher, sentindo-se tentado a atacá-los em público por mais que fosse contra os seus ensinamentos. Porém, ao erguer o olhar para analisar melhor o rosto da sua secretária, acabou vendo a paisagem da praça por cima dos ombros dela. Instantaneamente, o Yamir ficava de pé com os olhos arregalados.
Devido ao silêncio e à demora, Miyuki abriu os olhos encontrando o seu chefe com uma expressão nova; desconhecida até então por ela. Por isso, virou o rosto para trás em direção ao ponto em que ele tanto encarava. Uma mulher de longo vestido vermelho, joias de ouro e cabelos curtos o fitava com a mesma expressão.
— D-Dinesh?
— Shanti?
Miyuki reconheceu aquele rosto do porta retrato que ele segurava enquanto dormia.
Então, ela é uma das pessoas importantes em sua vida, pensava.
E, na mesma noite onde confirmou os seus sentimentos pelo Dinesh, sabia que sofreria imensamente por eles.
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