Capítulo 2
"Guardar raiva é como segurar um carvão em brasa com a intenção de atirá-lo em alguém; é você que se queima." - Buda
— Como vai a minha bolinha? — questiona Maxwell ao adentrar no quarto.
— Poxa, pai! Eu engordei tanto assim?
Mahara apoiava a mão sobre o visível volume no vestido florido amarelo. Em poucas semanas, ela teria o seu segundo filho e ainda se encontrava confusa sobre qual nome escolher. Dinesh queria que ele tivesse o nome relacionado à algum herói da Marvel e, ao comentar a ideia boba do filho para o marido esperando alguma risada, Raj também o apoiou. Então, isso a fez lembrar que o homem sempre foi fã de HQ's e heróis, mas guardava tal fato como um segredo onde apenas os mais próximos sabiam.
— Um pouquinho...
Ela o fuzilava com o olhar e o homem ergue as mãos em sinal de rendição.
— Nada, nadinha. Nem parece que está grávida.
— Menos, pai.
Os dois riam alto antes da mulher se levantar da cadeira de balanço, abraçando o seu pai o qual não via há muito tempo. Ele acariciou o topo da cabeça da filha, sorrindo ao vê-la bem. Maxwell sentia-se tranquilo pois sabia como Raj é um homem cuidadoso com sua família e protetor, então ela estava em boas mãos. Ao se afastarem do abraço, Mahara o analisava de cima à baixo.
Maxwell, mesmo tendo sessenta anos ainda é uma pessoa preocupada com sua aparência. A sua pele branca marcada com algumas rugas, mas nada que tirasse a beleza dos traços do seu rosto e, principalmente, dos olhos verdes. Ele passava a mão sobre as mechas castanhas do cabelo liso, antes de a repousar dentro do bolso da calça.
Quando Dinesh aparecia no quarto trazendo frutas picadas para a mãe, ele focava no avô ficando surpreso com a sua aparição. Por causa de vários problemas decorrentes da idade, Maxwell não saía muito de casa e, quem dirá, do país.
— Olha só, o meu neto querido está aqui!
Porém, Dinesh apenas sorria fraco depositando a bandeja com as frutas ao lado da mesinha e saindo do quarto. O homem virava-se para a filha com um olhar interrogativo porque o seu neto sempre o abraçava quando o via, mesmo ainda não entendendo muito bem o inglês.
— O que houve? Ele acordou com o pé errado?
— Alguns garotos estão implicando com o Dinesh no colégio, por isso ele está agindo dessa forma. Eu suponho que seja inveja da sua inteligência, além de que o pobrezinho se sente assustado com a vinda do irmão.
— É verdade?
— Infelizmente, sim. Eu e o Raj tentamos criar uma esfera agradável para o Dinesh sobre a chegada do nosso bebê, mas parece que algumas pessoas encheram a cabeça dele com a ideia de que será trocado.
— Que crueldade!
— Muita. E o senhor sabe como o Dinesh se deixa influenciar fácil demais.
— Mas ele também tem o dom de influenciar, eu pude sentir isso na última vez que estive aqui.
— De fato, o Dinesh possuí uma incrível habilidade de pensar em estratégias para obter o que deseja através de outras pessoas. Porém, eu temo que um dia esse se torne o seu carma, o qual carregará por toda a vida.
Maxwell optava por ficar em silêncio diante das palavras da filha, porque também havia notado como o neto tinha tendência à seguir o caminho errado em muitas situações.
— Estou feliz que ficará para o almoço, pai. Toda a família estará reunida.
— Quanto a isso, eu prefiro almoçar em um restaurante.
— Ora, por que?
— Porque o pai do Raj não é flor que se cheire. — dizia sentando em um banquinho ao lado da filha. — Aquele homem cheira à problemas, digo isso usando meu instinto de empresário.
— Ele só é sério demais, pai. O senhor também passa essa imagem quando está calado.
— Sério? Eu preciso melhorar as minhas piadas de Natal, assim serei bem visto.
Mahara deixa uma breve risada escapar antes de levar uma fatia de maçã à boca.
— De qualquer forma, pai, eu peço para que fique aqui. Eu também não me sinto confortável com a presença dele na casa, apesar da sua esposa ser um amor, então preciso da sua força.
— Como se eu pudesse dizer "não" à minha filha preferida.
— Eu sou a sua única filha.
— Isso mesmo!
Os dois riem novamente e Maxwell "roubava" algumas frutas da bandeja enquanto fazia outras piadas, a fim de acalmar a filha. Ele podia sentir o nervosismo dela com a aproximação do parto, principalmente porque, certo dia, um xamã da família Yamir disse que essa criança nasceria amaldiçoada.
Dinesh decidiu sair da casa antes da família estar completa para o almoço de domingo. Ele caminhou até um campo de futebol, sentando-se na arquibancada e abraçando os próprios joelhos. A sua maior vontade era jogar mas os demais garotos o excluíam por causa da maldição dos Yamir's. Para o pequeno, isso não passava de uma lenda boba e, dessa forma, não dava muita importância para os comentários maldosos. Porém, o que poucos sabiam é que Dinesh não dominava muito bem o dom da paciência.
— Ei, garoto!
Ele erguia o olhar para um menino seguido de outros três. O grupinho é conhecido em sua convivência social e, infelizmente, estudavam na mesma sala.
— O meu nome é Dinesh.
— Eu não ligo para o seu nome, eu só quero que saía daqui!
— Por que?
— Porque sua família é amaldiçoada, é o que dizem. Então, nós não queremos ser amaldiçoados também e você deve sair.
— Da mesma forma que você não liga para o meu nome, eu não ligo para a sua opinião.
— Quem te deu tamanha ousadia para falar assim comigo? — o outro garoto gritava aproximando-se de Dinesh e o forçando a ficar de pé, após puxá-lo pela gola da camisa. — Você é apenas um lixo, entendeu? A sua família tamb-...
Ao ouvir a família envolvida na ofensa, a gota de paciência do garoto sumiu em meio ao mar de fúria. Por isso, Dinesh deu um soco nele com toda a sua força fazendo-o cambalear para trás, quase caindo de costas no chão. Os outros o olhavam incrédulos e avançavam contra ele, conseguindo segurá-lo enquanto o menino se aproximava já recuperado do soco.
Ele fitava Dinesh com raiva estalando os dedos e começava uma sequência de socos em sua barriga. A cada soco, o garoto Yamir grunhia de dor encolhendo-se ou, ao menos, tentando por estar com os braços imobilizados.
Dinesh buscava entender o porquê era tratado daquela forma, sendo que não havia nenhuma conexão com essa lenda e muito menos acreditava nela. Ele só queria poder voltar para o aconchego da sua casa, onde não era julgado de forma tão ríspida.
— Você será trocado por todos da sua família quando o seu irmão nascer! — exclama o garoto que o batia sem parar. — Por que eles iriam querer um inútil como você se podem criar o seu irmão para que seja o filho perfeito?
— H-Hã?
— Não sabia, Dinesh? Os primogênitos são apenas um teste para o filho digno de orgulho nascer.
Mesmo sendo argumentos sem nexo, ele tentava entender o porquê seria trocado pelo simples fato de outra criança fazer parte da sua família. Quando ia para a feira, todos os comerciantes que o conheciam comentavam "pobrezinho, ficará no canto mas não tem problema pois ele já aproveitou bem os pais". Dinesh queria saber o motivo de não poder receber toda a atenção dos seus pais como antes porque o seu irmãozinho nasceria. Ao mesmo tempo que as palavras do outro garoto não tinham sentido, elas podiam ser tão verdadeiras quanto o fato da Terra girar entorno do Sol.
De qualquer forma, ele estava cansado de apanhar e abaixar a cabeça aceitando tudo. Por isso, usou a sua força bruta para soltar os braços e correu em direção ao seu agressor, pulando nele e fazendo ambos caírem no chão. Em seguida, Dinesh começou a dar socos no rosto dele com tanta brutalidade que o sangue respingava em sua camisa nova e no punho. Porém, esse fato não o impediria de continuar até que o rosto do garoto estivesse desfigurado.
Os demais observavam a cena tão assustados que só puderam correr para o lado oposto à briga. Enquanto isso, Dinesh possuía um sorriso de satisfação desenhado em seus lábios, batendo cada vez mais forte.
— Gostando dessa sensação? Então, é assim que eu e todos aqueles oprimidos por você se sentem! Por que eu deveria continuar de cabeça baixa enquanto idiotas do seu tipo acham que podem conquistar o mundo? Não, eu que irei chegar ao topo com a minha inteligência e você permanecerá no fundo do poço por causa da sua arrogância!
Em contrapartida, a casa do Raj estava bem agitada e todos riam, exceto Aseem que cruzava os braços vendo Maxwell interagir desajeitadamente com os demais, mesmo não falando a mesma língua que eles. Indira Yamir, mãe de Raj, trouxe o seu curry especial que era tradição de todos quando se reuniam. Mahara colocava as panelas sobre a mesa quando a sua sogra perguntava:
— Onde está o Dinesh? Ele irá se atrasar para o almoço.
— Deve estar no quarto.
— Não, eu acabei de conferir. — comenta Raj surgindo na cozinha. — Acho que ele foi brincar.
— Em pleno horário de almoço?
— Um filho fracassado... — murmura Aseem.
— Pai!
— Não fale assim do seu neto. — repreende Indira vendo o marido virar o rosto. — Parece uma criança...
— Ora...!
— Quieto! — ela dizia erguendo a palma da mão em sua direção e direciona o olhar para o filho. — Ele deve estar se sentindo pressionado com os estudos, a Mahara me contou que o Dinesh está estudando duas línguas, inglês e japonês.
— Além de que meu filho está trabalhando na feira para ajudar aqui em casa, mesmo não sendo preciso.
— Por que japonês? — pergunta Aseem com uma singela curiosidade.
— A primeira filial da empresa acabou de abrir, localizada no Japão. Talvez, futuramente, precisaremos de um líder nessa região. Por isso, estou pensando n-...
As batidas na porta interrompem a sua linha de raciocínio e Maxwell decide abri-la para não atrapalhar o diálogo dos demais. Porém, ao fazer isso, um garoto ofegante chegava correndo e parava na cozinha encarando todos ali presentes.
— O Dinesh...! O Dinesh...! Ele...!
— O que houve com ele? — Mahara pergunta ficando de pé de forma brusca, sentindo a barriga doer. — Diga, por favor!
— Ele irá matar o meu amigo!
Então, todos se entreolham confusos e Raj pede uma explicação mais clara. Ao saber da localização do filho, ele sai correndo em passos apressados em direção ao campo de futebol tendo um péssimo pressentimento do que veria. Quando chegou no local, encontrou o filho espancando outro garoto enquanto gritava irritado.
Raj o puxou pelo braço, vendo o menino que apanhava cuspir sangue. Dinesh ainda o xingava até virar o rosto em direção ao pai, paralisando naquele exato momento. Enquanto isso, o homem ligava para uma ambulância e depois focava o olhar sobre o filho.
— O que é isso, Dinesh?!
— É só um perdedor que teve o que mereceu.
O tapa de Raj ecoou pelo local e o garoto apoiou a mão sobre a bochecha que ardia. Com muito esforço, conseguiu esconder as lágrimas por causa das mechas longas do cabelo.
— Eu não fiz nada de errado, eu apenas...
— Como assim "não fez nada de errado"? Você iria matá-lo, Dinesh! Eu não te eduquei para agir assim! — gritava antes de ajoelhar ao lado do menino machucado, ajudando-o a erguer um pouco o corpo. — Eu estou decepcionado com você.
Com toda certeza, essas palavras machucaram bem mais do que as humilhações ouvidas na escola. Contudo, a única reação do Dinesh foi apertar os punhos com força enquanto observava a ambulância se aproximar. Por precaução, Raj acompanhou o menino até o hospital ao mesmo tempo que entrava em contato com os seus pais.
Dinesh sentou-se na arquibancada, analisando o punho repleto de sangue.
— Você não entenderia, baldi... Mas eu não sou o vilão... Não mesmo...
Então, sozinho, permitiu-se chorar e mostrar o quanto estava machucado com as palavras do próprio pai e também do garoto que o bateu. Ele sabia que era inútil explicar sua versão, por isso preferiu esperar o castigo.
Graças ao suborno de Aseem Yamir, os pais do garoto não denunciaram na delegacia a agressão mas isso não afastou a bronca do Dinesh. Ele recebeu um forte tapa do avô paterno e receberia outro se Indira não surgisse na frente, impedindo-o de continuar. Maxwell encarou o neto com desaprovação mas o abraçou forte ao perceber como o menor estava fragilizado com os acontecimentos. Mahara apenas se pôs a chorar por um tempo, buscando alguma solução para acalmar o comportamento agressivo do filho.
(...)
Quando Mahara estava quase completando a última semana de gestação, decidiu caminhar pelo jardim admirando as belas flores que ela e o seu marido plantaram juntos. Então, uma em especial chamou a sua atenção: a camélia. As camélias de cores rosas e brancas haviam se espalhado, ganhando mais destaque do que as demais.
— Tão lindas...
As nuvens no céu cobrem o Sol por um momento, exceto por uma pequena parte onde um feixe de luz incidia sobre a camélia. Mahara observou a flor e como ela havia ficado mais bela depois da súbita iluminação.
— Um feixe de luz é capaz de aumentar a beleza, mesmo quando estamos em tempos cinzas... Hum... Feixe de luz? Kiran?
Então, ela encontrou o nome perfeito para o seu filho e apoiou a mão sobre a barriga, acariciando-a com ternura.
— Eu estou te esperando ansiosamente, Kiran, o meu feixe de luz.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro