Capítulo 19
"Não se apaixonará pela pessoa ideal, mas por aquela que não conseguirá se separar. A convivência é apenas o fracasso da despedida. O beijo é apenas a incompetência do aceno." - Fabrício Carpinejar
Dinesh passava a mão pelos longos cabelos, resmungando baixinho por causa dos fios atrapalhando a sua visão. Ele queria amarrá-lo mas havia esquecido o seu elástico em casa e, por ter vergonha de pedir para algum funcionário, permaneceu com o seu humor nada agradável.
Após atingir de forma indireta Thomas Adams em seu comércio exterior, as ações do adversário diminuíram consideravelmente e, em um ritmo gradativo, deixaram de ser uma preocupação para o Yamir. Mesmo assim, o seu plano de vingança ainda não havia terminado, até acabar por completo com a empresa dele. Por isso, passou várias noites sem dormir e pulou o horário do almoço para trabalhar em maneiras de derrubá-lo sem deixar vestígios. Em momentos onde desanimava ou entrava em uma constante batalha contra o sono, lembrava de todo o esforço do seu pai e como a sua vida foi tirada por motivos egoístas.
Além de articular o próximo passo da vingança, o homem também dobrou o trabalho na empresa e sempre chegava em casa à noite, perdendo o jantar em família. Na verdade, ele não se importava mais em passar o dia perto deles, pois só queria ver a expressão aterrorizada do Thomas quando o seu plano estivesse concluído. Dinesh dedicou o seu tempo livre para dormir por apenas duas horas ou descontar as frustações no Muay Thai. O seu esforço para atender às exigências dos trabalhadores, mantendo a postura rígida, e reforçar os acordos com a empresa o desgastava demais. Para a sua tristeza, a empresa caiu uma colocação no ranking mundial, mas o rapaz não permitiu que esse detalhe o desanimasse. Afinal, desistir nunca fez parte do seu vocabulário.
Infelizmente, o sono estava cada vez mais poderoso nessa batalha interna e ele repousava a cabeça sobre a mesa do escritório. Os olhos ardiam pedindo uma trégua depois de três noites sem dormir, cuidando do setor administrativo da empresa além de se certificar se os demais setores estavam exercendo corretamente as suas funções.
— Senhor Yamir?
Através de um grande esforço, conseguiu erguer a cabeça para fitar a expressão preocupada de Miyuki Sato.
— Sim...?
— Você está bem? Parece-me um pouco abatido.
— Estou sim. O que veio fazer aqui?
— O senhor tem uma reunião em dez minutos com os sócios da Índia. Então, eu apareci para te avisar. Quer que eu remarque?
— Não, é um evento importante. Traga-me um remédio para dor de cabeça. — dizia ficando de pé. — Isso passará logo.
— Como desejar.
Quando Dinesh dava o primeiro passo para fora do escritório, sentia uma forte tontura cambaleando para trás e, por sorte, Miyuki estava por perto para segurá-lo – ou, ao menos, tentar por causa da diferença absurda de peso. O rapaz praticamente caía por cima do corpo da menor que o conduzia para o sofá no canto da sala. Ele repousava a cabeça na almofada marfim, lutando contra as pálpebras que queriam se fechar.
— Não... Eu preciso ir para a reunião...
— Descanse, senhor Yamir. Se continuar assim, não haverá reunião e sim um funeral.
— Eu tenho prioridades, senhorita Sato...
— A empresa não é tudo na sua vida, senhor Yamir!
— É tudo que me resta... — murmura fechando lentamente os olhos. — Se eu a perder... Terei falhado mais uma vez...
A mulher o encarava com peso no olhar. Mesmo sendo jovem, Dinesh abriu mão de toda a curtição da sua idade para ser uma pessoa responsável e ajudar o pai nos negócios. Um sorriso involuntário surge nos lábios da mulher e ela tentava se levantar, mas a mão dele a segura fazendo-a sentar no chão ao seu lado sofá.
— A-Algo aconteceu?
— Eu só... Não quero ficar sozinho...
Por causa das horas excessivas sem dormir, Dinesh perdia um pouco a capacidade cognitiva naquele momento, então não conseguia controlar os pensamentos e muito menos o que falava.
— Eu posso ligar para a sua família, se o senhor quiser.
— Não os incomode com isso. Eles ainda sofrem com a morte do baldi, então não é preciso os alertar...
Conforme a voz do rapaz ficava mais embargada pelo sono, Miyuki percebeu como as palavras saíam sem o seu controle. É o momento perfeito para tirar minhas dúvidas, pensava.
— Você tem medo de ficar sozinho?
— Eu já estou.
— Mas tem medo?
— Sim.
— Com que frequência?
— Sempre. Eu sei que haverá um dia onde ninguém me esperará quando chegar do trabalho... Em que eu verei as estações se passarem, sozinho... E também não farei um churrasco em família... Não terei uma família... Um filho para ensinar minhas técnicas de cozinha... Não terei simplesmente nada...
— Por que?
— Porque todos seguirão em frente e eu continuarei nesse inferno...
Ela abraçava as pernas, apoiando as costas no sofá enquanto o som da respiração do rapaz ecoava pelo escritório. Diante de tal informação, Miyuki via-se incapaz de fazer outra pergunta. Talvez porque não quisesse ser inconveniente ou talvez porque a próxima resposta poderia machucá-la tanto quanto a primeira.
E, por isso, deixou que o silêncio fosse a sua melhor reação.
Quando Dinesh abriu os olhos, metade da tarde já havia se passado e ele sentou no sofá, olhando ao redor confuso. Masaichi digitava em seu computador mas mudava o foco com a movimentação do seu colega.
— A bela adormecida acordou.
— O que aconteceu?
— Eu cheguei para perguntar sobre a sua ausência na reunião, mas te encontrei praticamente desmaiado sobre o sofá.
— Eu nem lembro como cheguei aqui.
— Deve ter sido a sua secretária.
— A Miyuki?
— Sim, ela chegou desesperada na sala de reuniões tentando se explicar para os seus sócios. A coitada deve ter sentido dor nas costas de tanto se curvar, pedindo desculpas. E eu suspeito que ela trouxe o seu almoço também.
Dinesh abaixava o olhar para o obento na mesinha ao lado e talheres tradicionais sobre o recipiente, ao invés de hashi's, confirmando a presença da sua secretária. Por estar com fome, não fez nenhuma cerimônia em atacar a comida de forma rápida.
— E o que você faz aqui? — pergunta de boca cheia.
— Eu percebi como você tem se sobrecarregado no trabalho, então decidi te ajudar.
— Eu não te darei um aumento.
O mais velho solta uma risada escandalosa ainda digitando.
— Droga, pelo menos eu tentei.
— Obrigado pela ajuda.
— De nada, é o meu trabalho ser o braço direito do diretor. — sorria simpático. — Você deveria descansar.
— Eu já descansei.
— Mais ainda.
— Você é mesmo insistente. — resmunga levando outro sushi à boca. — E acha que é meu baldi.
— O que é "baldi"?
— Pai.
— Woah! Que fofinho você falando assim!
— Vai se foder.
Dinesh o fuzila com o olhar, voltando a comer sentindo a sua fome ser saciada deixando uma grande sensação de alívio. Mesmo tendo dormido apenas cinco horas, o seu corpo reagiu bem pois havia recuperado uma boa parte da energia.
— Poderíamos sair no final do mês, o que acha? Eu e o meu namorado queríamos ir para uma boate mas estávamos sem tempo. Você poderia ir com a gente.
— Pode ser, mas não espere que eu vá segurar vela. — comenta ouvindo a risada do seu colega. — Falando nisso, hoje não é o dia do encontro com o seu namorado?
— Sim, por isso estou sendo o mais rápido possível para não se atrasar.
O jovem Yamir erguia o olhar em direção ao relógio de parede indicando às cinco horas, ou seja, o final do expediente.
— Pode ir, eu termino o resto.
— Mas Dinesh...
— Nada de "mas", senão será demitido. — brincava ficando de pé. — Vá logo, eu odeio pessoas insistentes.
Um largo sorriso surgia nos lábios do Masaichi enquanto ele se levantava da cadeira. Ao passar pelo Dinesh, apoiava a mão em seu ombro o encarando.
— Dê um tempo de tudo e aproveite a vida.
— Sou eu quem decido isso.
— E sou eu quem o aconselha.
Dinesh revirava os olhos, sentando-se em sua cadeira e olhando para a caixa de cigarros em cima da mesa. Então, lutando contra o vício, jogou os cigarros no lixeiro e começou a digitar em seu computador. Ao presenciar tal cena, Masaichi abria um leve sorriso seguindo em direção à saída do escritório.
Algo em seu interior dizia que, cedo ou tarde, o Dinesh mudaria... Para melhor.
(...)
Após dar os primeiros passos no interior do local, as luzes da boate o cegaram temporariamente. O grande fluxo de pessoas dificultou a passagem dos três homens: Dinesh, Masaichi e o namorado dele, Yuri Keyama. Mesmo estando cansado do seu último expediente, o Yamir se viu "obrigado" a acompanhar o seu colega de trabalho porque havia prometido um mês atrás. As pessoas os empurravam para os lados, então apressaram os passos até o balcão, onde o fluxo estava menor.
— Hoje está bem movimentado.
— De fato, Dinesh. Bem, o que vamos pedir?
— Uma dose de whisky.
— Eu gostaria de um coquetel. — comenta Yuri. — Dinesh, certo?
— Sim.
— O meu namorado falou muito de você e não se preocupe, os comentários são positivos.
— Woah, agora eu me surpreendi.
— E-Ei, eu não sou do tipo que fala mal das pessoas pelas costas.
— Eu estou brincando.
Os outros dois homens continuavam a conversar, acomodando-se nos banquinhos de madeira frente ao balcão enquanto Dinesh percorre os olhos pelo ambiente. Quando pensou que não encontraria um rosto conhecido, avistou Miyuki se aproximar acenando para eles.
— Como ela nos achou? — murmura Dinesh virando-se para os demais. — Será que ela implantou um chip em mim enquanto eu dormia?
— Eu a chamei, Dinesh. — responde Masaichi. — Não queria que ficasse de vela e a Miyuki faz parte do nosso grupo agora, afinal ela é uma pessoa de confiança.
O Yamir revira os olhos sem esconder o desânimo ao vê-la naquela boate. Ao se aproximar, a mulher cumprimentava os três com um sorriso simpático tomando um lugar no balcão ao lado do Dinesh. Ela usava um vestido curto vermelho e colado ao corpo, bem decotado expondo todas as partes avantajadas do seu corpo. Naquele ambiente, ela optou por uma maquiagem mais chamativa e o longo cabelo solto. Por um momento, ele a analisou com mais cuidado e teve que admitir como a sua franja repicada a deixava fofa.
Após pedir a sua bebida, um coquetel, a jovem virava o rosto em direção aos três homens.
— A casa está cheia.
— Verdade.
— Nossa, eu amei o seu vestido! — exclama Yuri. — Ele realçou os seus olhos.
— V-Você acha? Eu não tenho muitas roupas boas para sair de casa, então usei a melhor que possuo.
— Pensei que fosse do tipo que passa horas em uma loja escolhendo roupas, senhorita Sato.
— Bem que eu gostaria, senhor Yamir, mas eu sou pobre. Por isso, as minhas opções de estilo de vida são bem limitadas. — brincava. — O que acham de pedir uma rodada de tequila?
— Boa ideia! — concorda Masaichi animado.
— Eu já gostei dela. — dizia Yuri.
Dinesh apoiava o cotovelo no balcão, virando a dose de whisky de uma vez. No passado, estaria curtindo na pista de dança mas o seu ânimo havia diminuído bastante com o passar do tempo. Atualmente, o seu único desejo é encontrar um lugar para descansar a mente e afastar todos os pensamentos negativos que o assombravam.
Em determinado momento, uma bela mulher de longos cabelos loiros e cintura fina sentava do outro lado do bar. Ela usava uma saia preta curta e um top branco junto com casaco preto. Dinesh a encarou pensativo, cutucando Masaichi que interrompeu sua conversa com Miyuki.
— Sim, Dinesh?
— Eu já a vi em algum lugar. — comenta inclinando a cabeça em direção à loira. — Na empresa, por sinal.
— Ela é a secretária do Tomio e a tradutora britânica das suas reuniões no exterior, Allison Bailey.
— Entendo...
— Está de olho nela?
— Digamos que sim...
Ela tem contato com os arquivos do Tomio, então deve ter alguma informação sobre a rotina dele e os seus encontros com o Thomas, pensava.
Dinesh iniciava uma caminhada em direção à jovem, praticando o seu sorriso simpático até parar ao lado dela. Miyuki observou a cena com um certo desconforto, mas ignorou focando em sua bebida. Allison levava o copo aos lábios até sentir alguém ao seu lado, sendo levada pela curiosidade para fitá-lo, surpreendendo-se com sua beleza e elegância.
O Yamir estava apoiado no balcão, fingindo não ter notado a presença dela e, inocentemente, virava o rosto em sua direção para haver o encontro de olhares. Então, o canto da sua boca se erguia em um sorriso malicioso mas que logo mudou para algo mais sutil, disfarçando suas reais intenções.
— Sozinha?
— Bem, eu...
— Desculpa, eu não queria me intrometer. — comenta após fazer o pedido para o garçom, focando na estante com bebidas. — É que eu sou novo na cidade e não conversei com ninguém desde que cheguei.
— Entendo... Eu suspeitei, já que você não parece ser daqui. Então, gostando da cidade?
— Sim e, principalmente, das pessoas nela. Algumas são bem... — o sorriso em seus lábios aumenta. —... interessantes.
Ela colocava uma mecha do cabelo atrás da orelha, sorrindo timidamente e guiando a conversa ainda sobre o mesmo assunto. Ao vê-la cair em seu papo, sentia-se mais aliviado e bebericava o whisky, atento às suas palavras.
— O cara é bom de lábia, eu devo admitir. — comenta Yuri observando a cena de longe.
— Um galinha... — murmura Miyuki.
— Ciúmes?
— Claro que não, Masaichi!
— Hum... Não sei. Isso me cheira à ciúmes.
Miyuki suspirava alto, mexendo no canudo azul do seu coquetel tentando não encarar o seu chefe flertando.
Os dois desenvolviam uma conversa muito boa e Allison até o permitiu sentar ao seu lado, envolvendo o braço entorno da cintura dele enquanto ele havia contornado o seu braço sobre os ombros da jovem. Porém, ambos precisaram se desfazer da posição quando uma mão os afasta de forma brusca. Então, Dinesh ficava de pé piscando os olhos confuso encarando um homem de altura semelhante à sua, mas não tão forte, possuidor de olhos castanhos intensos.
— O que está fazendo com a minha namorada, seu filho da puta?
Ótimo. Eu não estou a fim de envolver o corno nessa mas não tenho opção, pensava Dinesh com um semblante neutro.
— Estávamos apenas conversando. — dizia a loira.
— Às vezes, precisamos do toque para compreender as palavras.
— Não me venha com essa desculpa inventada! Quem precisa do toque para isso?
— Os cegos, talvez?!
— Hã?
— Pelo visto, nunca ouviu falar de braile... — dizia suspirando. — De qualquer forma, peço desculpas por não ter perguntado se ela tinha namorado, é que odeio perguntas clichês.
— É o mínimo que deveria perguntar, seu idiota!
— Mas eu não vi nenhuma coleira nela. Espere... — Dinesh inclinava o corpo para roçar a ponta do nariz no pescoço de Allison, causando arrepios na mulher. — Sem coleiras, como eu havia imaginado. Então, estamos diante de uma mulher livre mas aturando um babaca. Interessante.
— Você quer morrer, só pode! — o homem exclama puxando-o pela gola da camisa. — Você está dando em cima da minha namorada e eu sou o babaca? Por acaso, não tem amor pela própria vida?
— Não mesmo.
— Calma, amor. — pedia a loira com aflição. — Se arrumar uma confusão aqui, seremos expulsos.
— Por que estava conversando com esse cara, Allison?!
— Eu... Ahm...
Dinesh aproveita o momento para segurar o punho do rapaz, virando-o de uma forma brusca e ouvindo seu grito de dor. Por sorte, o som alto impediu que as pessoas ao redor escutassem. Mesmo desejando quebrar sua mão, o Yamir apenas deslocou brevemente o osso antes de se afastar com as mãos nos bolsos.
— O meu "eu" do passado já teria quebrado a sua cara, mas eu sou uma nova pessoa e acho que o diálogo pode resolver tudo.
— Vá para o inferno, seu filho da puta! — exclama o homem ainda agonizando com a dor. — Eu vou esfregar sua cara nesse balcão, desgraçado!
— A minha primeira tentativa de diálogo está indo tão mal... —murmura Dinesh após um longo suspiro. — Olha, eu já pedi descul...
— Porra! Eu vou acabar com a sua raça, seu metido do caralho!
— Amor, pare!
— É... Eu estou tentando, Ganesha. O senhor pode ver. — dizia erguendo o olhar para o céu. — Mas ele não colabora.
— Allison, vamos para casa e resolveremos isso! Mas antes eu...!
Por estar com o punho ainda dolorido, o homem tentava um chute no Yamir mas ele segurava a sua perna na altura da cintura, usando o braço para prendê-la naquele local. Em seguida, puxava o namorado de Allison contra seu corpo, usando uma mão no ombro do rapaz e, depois, girava o corpo dele exercendo uma pressão para baixo. Quando executava o giro, aproveitava a falta de equilíbrio do adversário para soltar a perna dele e conseguir maior maleabilidade com seu corpo. Quando o homem estava frente à frente com o balcão, Dinesh subia a mão para a nuca dele e pressionava sua cabeça contra a superfície de madeira.
O bartender viu a cena assustado e Dinesh apoiou o dedo indicador sobre a boca, pedindo segredo. O seu cabelo havia bagunçado um pouco, então algumas mechas longas cobriam seu rosto enquanto o dedo continuava pressionado contra os lábios bem desenhados. Diante de tal cena, o barman corou sutilmente e acenou com a cabeça em sinal de confirmação. Então, o Yamir abaixou um pouco a cabeça para falar com o rapaz imobilizado.
— Está mais calmo ou... — Dinesh segurava um braço dele, colocando em suas costas e o puxando. — Devo quebrá-lo para que saía mais gritos da sua boca e menos reclamações?
— Tá bom, cara. Não vamos apelar para a violência. — implorava desesperado. — Só me deixe ir, por favor!
— Eu odeio covardes que insultam à vontade e depois fogem de uma luta mas, como eu disse, esse é o meu novo "eu". Então, você tem muita sorte que não ligo mais para isso. — comenta se afastando e o soltando. — Espero que se divirta na boate, ela possuí jovens belas como a sua namorada.
— Seu...!
— Amor, não vá brigar senão irá se machucar.
— Está me chamando de fraco, Allison?
— Não, eu só...
— Tecnicamente, ela está te chamando de uma pessoa impulsiva que poderá perder a mobilidade de seus membros se continuar nessa discussão. — comenta Dinesh com calma.
— Cale a sua boca!
O Yamir erguia os braços em sinal de rendição, divertindo-se com a briga de namorados.
— Amor, vamos para casa resolver isso e...
— Cale a boca também! — exclama o homem irritado. — Você tem sorte que eu sou um namorado compreensível e não irei descontar a minha fúria na pessoa errada, mas eu só espero que isso não se repita.
— Desculpa...
Dinesh apoiava as mãos nas costas, analisando a cena e decide comentar:
— Mais calmo agora? O que acha de nós três bebermos um drink?
— Vá se foder!
— Que grosso.
— Amor, acalme-se! — grita Allison irritada. — Você sempre acha que a violência pode resolver tudo, mas não é assim!
— Eu que acho isso? Esse cara já chegou me agredindo! Por que você não o acusa?
— Porque eu sou muito gostoso para receber alguma acusação. — ironizava.
— Mas você é muito cara de pau mesmo! E você, Allison, deveria se dar ao respeito e não deixá-lo dar em cima de você!
— Nós estávamos somente conversando, seu idiota!
— Por enquanto, porque estaria fazendo algo além disso se eu não tivesse aparecido.
— Provavelmente. — dizia Dinesh apoiando-se no balcão e bebericando o seu whisky, recebendo um olhar mortal do rapaz. — Continuem, continuem.
A troca de farpas entre os dois namorados não demorou muito, porque os seguranças os encaravam demais, então o homem decidiu sair antes de ser expulso e causar a maior cena na frente de todos. Allison suspirou pesadamente, ajeitando-se no seu banquinho e Dinesh voltou a se aproximar.
— Desculpa de verdade. Por minha causa, você e o seu namorado brigaram, por isso... — o rapaz inclinava o corpo até estar frente à frente com a loira. — Termine com ele.
Do outro lado, Masaichi e Yuri riam de forma descontrolada batendo a mão no balcão. Miyuki estava com um semblante inconformado, vendo o Dinesh agarrar a mulher ali mesmo na boate sem esconder as mãos passeando pelo corpo dela.
— Ele é um galinha mesmo! O senhor Yamir sempre foi assim?
— Eu não sei ao certo. Há um tempo atrás, ele tinha uma noiva.
— Noiva?
— Sim, mas eles terminaram o noivado. A notícia não é tão recente assim mas gerou muita fofoca na época.
— Eu aposto que ele terminou o relacionamento. Quem iria jogá-lo fora? Somente se estivesse louca! — comenta Yuri recebendo um olhar de reprovação do namorado. — Hehe... Desculpe...
— Eles estiveram juntos por muito tempo. — Masaichi retoma ao assunto. — Acho que uns oito anos, por aí.
— Todo esse tempo?! É uma falta de respeito com a noiva! Como eu havia pensado, ele é realmente um cafajeste, monstro, sem coração e...
— Sexy. — murmura Dinesh no ouvido dela, fazendo-a ter arrepios.
— O q-que?!
— Não estava dando uns pegas naquela mulher? — questiona Yuri.
— É, seu fura olho do caralho. — brinca Masaichi.
— Nós marcamos um encontro adequado, depois que ela terminar corretamente com seu namorado. — comenta Dinesh escondendo dentro do bolso uma folha de papel com o número da jovem. — Então, decidimos agir como estranhos hoje.
— Mas vocês são estranhos, acabaram de se conhecer!
— É. Se for pensar dessa forma, você está certo, Masaichi.
Miyuki resmungava baixinho cruzando os braços, virando o rosto para o lado até focar em um grupo de homens de preto.
— Ah, não...
— O que houve, senhorita Sato?
— Os membros da máfia da cidade estão aqui e aquele... — apontava discretamente para o homem no centro. — É o líder deles, Takeo.
— Máfia? Hum... Vou falar com eles.
— Espera, você ficou maluco?
— Só irei bater um papo, Masaichi. Não é como se fôssemos trocar tiros.
Então, Dinesh seguia em direção aos homens de terno com as mãos nos bolsos enquanto os demais o encaravam apreensivos. Para deixar a preocupação de lado, Miyuki mantinha em sua mente todas as características negativas do seu chefe – que, por sinal, eram inúmeras – e se direcionava para a pista de dança, a fim de esquecer a cena dele flertando descaradamente com aquela loira.
Inicialmente, os capangas de Takeo barraram a entrada do Yamir na pequena sala onde se encontrava o mafioso. Porém, o rapaz revelou a sua real intenção além da sua identidade, fazendo-os abrir caminho. Ao entrar no quarto, analisou as paredes vermelhas e o pequeno show de luzes no local. Uma dançarina sem roupa girava no pole dance enquanto outras duas estavam sentadas no sofá marfim, abraçadas com o homem. Ele franziu o cenho confuso com a aproximação, usando o controle remoto para desligar o som.
— Quem é você e o que faz aqui?
— Sou Dinesh Yamir, um empresário da cidade.
— Oh, da empresa Yamir? Eu a conheço, vocês são podres de rico.
O rapaz dava nos ombros, aproximando-se em passos lentos.
— Eu gostaria de firmar negócios com você.
— Interessante. O que deseja? Armas? Drogas? Ou...
— Quero que atinja alguém em especial.
— Assassinato? Tudo bem.
— Não, não. Eu só quero que o enfraqueça economicamente, amedrontando qualquer um que tente firmar negócios com ele, usando suas ameaças e até mesmo a força se for necessário. O meu alvo é muito influente na região e tem o poder da polícia em suas mãos, então é alguém que deve tomar cuidado em seus movimentos. — Dinesh comenta vendo uma dançarina se aproximar, passando a mão por seu corpo mas ele a segurava com cuidado. — Dispenso o sexo, obrigado.
— Envolvimento com a polícia? Isso é muito perigoso até para mim.
— Seria um covarde, senhor Takeo?
— Pelo visto, deseja morrer. — comenta puxando uma arma de dentro do terno, afugentando as duas dançarinas ao seu lado. — Porque não vejo outro motivo para falar tamanha asneira.
— Se você me matar, apenas estará fazendo um favor para mim mas se deixar o meu alvo com poder, terá grandes problemas.
— Por que?
— Porque você é da máfia, então cedo ou tarde será considerado um alvo para ele. O que você acha que um homem com a polícia em suas mãos poderá fazer? Tudo o que desejar.
— Esses empresários arrogantes...
— Ele merece um sofrimento muito doloroso, diferente da morte que é piedosa demais.
— Mas eu ainda não sei o que ganharei com isso.
— Qualquer quantia, desde que justifique a capacidade do seu trabalho, além de que posso cobrir suas ações da polícia.
— Oh, e como fará isso?
— Você acha que não sei quem está envolvido com o meu alvo? É muito fácil descobrir.
— Hum... Esse acordo parece interessante...
— Eu também quero uma arma, o meu bal--... O meu pai nunca aprovou o uso de alguma em minha casa, mas tenho motivos nobres para carregá-la comigo.
— Eu posso perceber, não é todo dia que encontramos um homem tão sangre frio assim.
— Engana-se, caro Takeo. O problema é que procuramos a frieza em lugares óbvio demais e não...
—... em um homem de família. Eu acho que não temos muitas opções aqui, porque eu posso aceitar ou recusar, decidindo te matar aqui mesmo.
— Ambos são vantajosos para mim, mas em apenas um você sairá ganhando.
Takeo deixa uma risada escapar dos seus lábios.
— Ora, ora. Temos um suicida aqui.
— Longe disso, eu apenas não vejo motivos para lutar pela vida. Então, eu quero utilizá-la para algo menos nobre e mais divertido.
— Mesmo sendo errado?
— O conceito de certo e errado é muito subjetivo. — dizia dando alguns passos em direção à Takeo que voltava a apontar a arma em sua direção, mas o Yamir o desarmava com um rápido movimento de suas mãos. — E cada vez mais distorcido pelos ideais medíocres dessa sociedade. Oh, agora percebi que posso te matar aqui mesmo... — ele apontava a arma para a testa do mafioso. — Mas não farei isso, pois te desejo como aliado. Então, compartilhamos das mesmas ambições ou devo considerá-lo um inimigo também?
Um sorriso sádico se desenhava nos lábios do Dinesh, vendo a opção de quebrar o terceiro pilar de Thomas Adams: a sua segurança.
(...)
Miyuki pulava freneticamente entre o meio das pessoas na boate. A música alta a entorpecia e, por estar se movimentando demais, o efeito do álcool já havia passado por completo. Dinesh havia retornado da sua conversa com Takeo, já puxando Allison para beijá-la e, em seguida, os dois foram para um canto qualquer do ambiente. Enquanto Masaichi e Yuri se pegavam em algum lugar depois de dançarem por uma hora, a mulher decidiu curtir sozinha. Porém, ela sente uma mão em seu ombro e uma voz conhecida ecoar em seus ouvidos.
— Gostaria de dançar, gatinha?
Quando ela vira o corpo, encontrava-se com Tomio Hitsudata a fitando surpreso ao reconhecer seu rosto.
— Você é a dançarina daquela boate!
Merda, pensava a jovem.
— O que faz aqui?
— Nada, nada. — ela dizia dando alguns passos para trás, mas ele segurava o seu braço com força. — E-Ei!
— Você foi a responsável por aquela confusão e, por causa disso, a minha amizade com o Dinesh acabou! Sua vadia miserável!
— Eu não fiz nada!
— Claro que fez! — exclama dando um forte tapa nela, fazendo-a recuar alguns passos. Como o local estava lotado e escuro, ninguém viu. — Não se faça de sonsa, sua puta!
Tomio apertou mais forte o braço da mulher, então ela deu uma mordida na mão dele o obrigando a soltá-la.
— Filha da puta!
Quando Tomio erguia a mão para golpeá-la, alguém o acertou nas costas e o fez cair sobre um grupo de pessoas. Antes mesmo de Miyuki entender o que estava acontecendo, uma confusão se instaurou no local por causa do esbarrão do rapaz. Enquanto uns buscavam explicações, outros já lançavam xingamentos. A jovem recuou assustada, temendo ser alvo de alguma agressão mas algo segurava sua mão, puxando-a para o canto mais próximo da boate. Ela ergueu o olhar em direção à longa cabeleira à sua frente, descobrindo quem foi o autor do golpe no homem.
Infelizmente, Tomio conseguiu se safar da confusão, escapando entre as brechas da pessoas e começou a procurar pela dançarina, sendo guiado pela fúria. Ao perceber a aproximação do rapaz, Dinesh a segurou por baixo das coxas e a ergueu até estar na altura do seu rosto, colocando-a contra a parede logo em seguida. Miyuki arregalou os olhos surpresa, apoiando as mãos nos ombros do seu chefe com medo de cair.
— O q-que...
— Quando duas pessoas estão em um momento íntimo, aqueles ao redor tendem a desviar o olhar por se sentirem desconfortáveis. Então, só precisamos continuar nessa encenação por um tempo.
— Uhum...
Mesmo relutando, era impossível não notar como o Dinesh tornava-se mais belo de perto. Ela desceu o olhar para os seus olhos negros e expressivos, ousando abaixar um pouco mais para focar em seus lábios. O Yamir a apertava com tamanha força, como se quisesse demonstrar o seu sentimento de proteção e segurança. Involuntariamente, ela ergueu a mão até tocar o rosto dele, conseguindo a atenção desejada do seu chefe. Miyuki o fitava confusa com a própria atitude, sentindo as bochechas esquentarem.
— Desculpa, eu...
— Tudo bem. — ele dizia segurando a mão dela sobre o seu rosto, antes da mulher a afastar. — Isso ajudará a disfarçar melhor.
Após a sua fala, Dinesh aproximava-se mais ainda pressionando o quadril sobre Miyuki. A distância entre ambos estava tão mínima que suas respirações se sincronizavam, tornando-se uma só. Por causa da correria para se esconderem, o rapaz estava com a boca entreaberta e arfando um pouco. A forma como sua voz rouca escapava de seus lábios a deixava nervosa e quente.
Além dessas sensações, algo mais forte a dominava e, por isso, deixou uma pergunta escapar:
— Por que deixou aquela loira oxigenada para trás? Eu vi que estavam praticamente se comendo.
O Dinesh ria baixo e Miyuki não pôde deixar de apreciar o som, pois até mesmo a sua risada era sexy.
— Loira oxigenada? De onde tirou essa teoria?
— O cabelo dela não é bem hidratado e dá para notar a raiz em uma tonalidade diferente, mas não perguntei sobre isso!
— Eu vi que o Tomio estava te incomodando e me aproximei. Quando presenciei o tapa, senti o sangue ferver em minhas veias e reagi com um chute em suas costas.
— Você bateu no seu amigo... Por mim?
— Não foi por você. Eu só não aceito que uma mulher seja agredida, então precisei fazer algo.
O sorriso de Miyuki diminuía ao perceber que a preocupação do Dinesh era genérica.
— Entendo...
Então, eu não sou especial em sua vida.
— A região está um pouco vermelha. — comenta o Yamir passando a ponta dos dedos sobre a bochecha da mulher, mas precisava se afastar para segurá-la com ambas as mãos. — Está doendo?
— Não...
— O que houve? Você parece irritada.
— Eu estou bem. — responde seca. — Pode voltar para a loira oxig-... para a Allison. Eu sei me virar sozinha caso aquele idiota apareça, além de que ele já deve ter desistido de nos procurar. Então, me solte!
— Está de TPM?
— Hein?
— Só foi uma pergunta, não precisa me olhar assim. — dizia deixando-a delicadamente no chão. — Está mais chata do que o normal.
— Chata? Não fui eu quem agiu como um babaca com o namorado dela.
— Por que está defendendo aquele cara? Ele não sabe dialogar.
— E nem você! Se queria chegar na Allison, poderia muito bem conversar como uma pessoa normal ao invés de já ir agindo todo atrevido.
— Mas eu não...
— E a sua ex-noiva? Já pensou em como ela se sentiria vendo isso? Poxa, eu nunca conheci alguém tão vil assim!
Dinesh piscava os olhos confuso até começar a rir, abrindo um sorriso enquanto seus olhos sem vida a fitavam.
— Ciúmes? Quer que eu dê em cima de você como fiz com a Allison? Desculpa, mas eu tenho gostos muito limitados e você não se encaixa em meus critérios.
— Quem disse que eu quero estar na sua "listinha" depravada?
— Estou deduzindo.
— Então, está deduzindo errado!
— Olha, eu não me importo que me julgue dessa forma, porque não quero te agradar. — dizia dando nos ombros. — Mas não faça uma cena aqui, eu amo ser o centro das atenções mas por motivos mais dignos do que uma discussão idiota.
— Eu só estou irritada porque você age como se quisesse me proteger, mas acaba fazendo esses comentários hostis! — exclama sentindo as lágrimas surgirem em seus olhos. — Isso machuca, sabia?
O rapaz franze o cenho confuso, inclinando levemente a cabeça para o lado. Por causa de todos os acontecimentos em sua vida, ele não sentia empatia por outras pessoas com tamanha facilidade. Na verdade, tentava entender o porquê da reação exagerada de Miyuki, sendo que tinham apenas uma relação de trabalho.
— Você é exagerada.
— Eu nem sei como reagir a uma grande indiferença como essa! Você é algum tipo de monstro sem coração? Sente prazer em ver as pessoas aos seus pés e humilha aqueles que não o idolatram como um deus?
— Basicamente isso.
Dinesh desviava o olhar para a região avermelhada da jovem enquanto ela continuava a reclamar.
— Os sentimentos das pessoas também importam, você deveria... — Miyuki parava de falar ao notar que o rapaz não prestava atenção em suas palavras. — O que está olhando? Por acaso, quer rir da minha car-...
— Você deveria cuidar disso, senão irá inchar.
— Hein?
Ele abaixava um pouco o rosto para encurtar a distância entre ambos.
— O seu machucado, senhorita Sato.
— Está fingindo se preocupar?
— Eu realmente me preocupo, mesmo que seja difícil acreditar. — sussurrava pressionando os lábios delicadamente contra a bochecha dela. — É o máximo que posso fazer no momento.
O rosto de Miyuki torna-se tão vermelho quanto tomate e ela apoia a mão na região, encarando-o surpresa.
— P-Por que...?
— Você cuidou de mim naquele dia, não é? Eu posso não demonstrar da forma correta, mas sou grato à sua ajuda, Miyuki.
O corpo da mulher teve leves calafrios pela forma como o seu nome saía dos seus lábios. Por ainda estarem próximos, podia sentir a respiração dele contra o seu rosto fazendo-a perder o fôlego.
— A-Ahm...
— E por me preocupar com você que devo te alertar. Mantenha uma distância segura de mim, eu já machuquei pessoas importantes e continuarei fazendo isso, querendo ou não... — dizia acariciando o rosto dela por breves segundos antes de se afastar. — Às vezes, não consigo me controlar e acabo falando mais do que deveria, mas não pedirei desculpas porque odeio fingir arrependimento quando repetirei o erro. Eu só quero que não se apaixone por mim. — comenta a última parte brincando, deixando uma risada escapar de seus lábios. — Bem, eu vou procurar o Masaichi para estar por perto. Afinal, ainda tenho um encontro com a loira oxigenada.
Então, Dinesh sorria de canto colocando as mãos nos bolsos do sobretudo e sumia dentre as pessoas na boate. Miyuki não conseguiu tirar os olhos do seu chefe, vendo a sua silhueta mudar de cor conforme o show de luzes alternavam pelo local. E tendo o seu pedido para não se apaixonar em mente, acabou sussurrando:
— Acho que é um pouco tarde, senhor Yamir...
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