Pendências
Ω Narração Cristiano Ω
Apenas lembro de ter dito para a professora que estava passando muito mal e que precisava ir para casa. Ela viu o meu estado e me liberou de sua aula. Lembro também da direção ter ligado para os meus pais e os mesmos vierem me buscar.
Não lembro ao certo quanto tempo levou para eu chegar em casa, ou até mesmo qual rua passamos. Lembro de ter descido do carro e ter ido direto para a minha cama. Eu me sentia tão mal que nem tive coragem de ir tomar banho e me livrar da sujeira que deveria estar no meu corpo.
Tudo o quê eu precisava era do meu canto. Isso seria pedir muito? Acho que não, mas na verdade, eu não sei de nada. Penso em tudo, mas também em nada. O meu grito é oculto, só eu mesmo que ouço. Minhas forças estão escassas, mas ainda sinto algo bem lá no fundo...
Queria poder me libertar dessas correntes que me prendem a esse garoto miserável. Eu me sinto tão frustrado por ter cedido. Eu juro que não era eu alí, era um outro Cristiano.
Após longos minutos me lamentando, sinto a frustração ser substituída por um ódio puro e genuíno.
– Não, para mim já deu. – digo me levantando da cama e aproveitando o pico de energia que tirei do meu cú.
Prometi a mim mesmo que não iria mais perder nenhum minuto da minha vida, por causa do Pietro. Pretendo tomar banho, trocar de roupa e sair para comer um açaí enorme. Não me importa que seja apenas dez horas da manhã.
Vou até o banheiro e começo o meu trabalho. Começo tornando um banho frio para eliminar qualquer tipo de dormência no meu corpo. Levo os meus dedos até uma área sensível e constato que realmente meus pais não fizeram um filho fraco.
Fecho os olhos tentando abandonar todas as lembranças dessa manhã, porém tudo que eu consigo fazer é lembrar. Lembro dos seus toques e do seu beijo. Lembro da forma que ele pode ser fofo e romântico num momento, dominador e sujo em outro.
Sinto meu coração dar uma leve apertada, mas preciso ignorar isso, pois esse sentimento não tem me trazido coisas boas. Saio do banho e vou me arrumar, pretendo ir na praça de alimentação que tem no centro da minha cidade...
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Saio de caso e vou em direção a praça de alimentação, estou com a minha bicicleta e decido colocar uma música em meus fones, na tentativa de esquecer as coisas em minha volta. Começa a tocar "Running up that Hill" da Kate bush e me identifico em partes com a mensagem que ela quis passar.
And if I only could
I'd make a deal with God
And I'd get him to swap our places
Be running up that road
Be running up that hill
Be running up that building
See, if I only could, oh.
(E se ao menos eu pudesse
Eu faria um acordo com Deus
E o convenceria a trocar nossos lugares
Estaria percorrendo aquela estrada
Estaria subindo aquela colina
Estaria subindo aquele prédio
Veja, se ao menos eu pudesse, oh.)
Eu definitivamente gostaria de fazer um acordo com Deus. Eu trocaria de lugar com ele, assim eu poderia fazer coisas que eu sempre sonhei como: ir no mais profundo do oceano e voar pelos mais altos céus. Sei que eu me sentiria livre, livre de todas essas merdas que me prendem aqui. Ah, se eu pudesse...
E com esses pensamentos acabo chegando na praça de alimentação. Vou até o lugar onde fica as bicicletas e prendo a minha com uma corrente. Sinto meu telefone vibrar no meu bolso, quando eu olho, vejo uma mensagem da Jenny dizendo que a nossa turma foi liberada cedo.
Suspiro aliviado e digo para a mesma que eu estou na praça, caso ela quisesse poderia aparecer aqui. Ela responde que tava vindo e vou comprar o meu açaí.
— Olá, bom dia! — digo para a atendente que me responde com um outro bom dia sorrindo de forma meiga. — Quero um açaí médio, sem jujuba e Sucrilhos, cobertura de chocolate. — Peço, a mesma acena com a cabeça e começa a preparar o meu açaí. Olho em volta, na esperança que a Jenny chegue logo, preciso desabafar sobre o ocorrido.
— Aqui está, deu dez reais. — A mulher me estende o açaí e eu logo pego, pagando pelo mesmo e indo sentar numa mesinha alí perto.
Começo a saborear e acabo gemendo internamente, pois só agora percebo o quão necessitado eu estava de um açaí. Vejo pelo canto do meu olho alguém se sentando do meu lado, estou pronto para xingar quem quer que seja, mas a visão da pessoa faz o meu corpo paralisar.
— Vi-Victor..? — falo incrédulo e as lembranças vem na minha cabeça como um estouro.
{Flashback on}
- VAI PRO INFERNO, VICTOR! - Grito e logo o empurro. Victor acaba cambaleando para o meio da pista, na mesma hora que um carro passava.
Tudo aconteceu tão rápido, mas ao mesmo tempo em câmera lenta. Vejo o corpo de Victor ser atingido com tudo por um carro vermelho e logo ir de encontro ao chão.
{Flashback off}
As lembranças que me atormentaram por meses voltam a tona. Eu quase me tornei um assassino e provavelmente mandei um inocente para a cadeia.
— Você está..?
— Vivo? — Ele me corta. — Sim, estou bem vivo.
— O quê você quer comigo? — Pergunto temeroso, pois até onde eu sei ele não se lembrava de nada daquela maldita noite. Será que as memórias dele voltaram e ele quer tirar satisfação comigo?
— Resolver as nossas pendências, Cristiano. — Ele responde e eu só consigo pensar "Puta merda. Ele se lembra". Respiro bem fundo.
— Okay, estou aqui. — digo o encarando fixamente.
— Antes de mais nada quero pedir o seu perdão. Sei que fui um babaca por ter feito bullying com você e por ter te assediado sexualmente naquela noite. — Ele diz rápido, não me dando tempo para raciocinar. Começo refletir sobre tudo com calma. — Também sei que o quê rola entre você e o Pietro não é da minha conta, mas dê uma nova chance ao cara. Ele realmente se arrependeu.
— Olha, eu sinceramente sinto muito por eu ter quase te matado e tals. Por muito tempo eu me senti culpado, fico feliz que você esteja bem. — digo enfim relaxando o meu corpo. — Porém eu não consigo dar uma chance ao Pietro, pois eu não tenho confiança nele mais. Espero que você entenda isso.
— Tudo bem, eu entendo. — Ele diz reflexivo. Olho para o seu rosto e ele parece estar perdido em seus pensamentos. Ele não mudou muito, seus cabelos negros rebeldes continuam o mesmo.
— Atrapalho? — sou tirado dos meus pensamentos por uma voz atrás de mim, me viro no susto e encontro o Pietro nos encarando com um olhar mortal.
— Que nada, Pitty. Estávamos apenas resolvendo certas pendências nossa. — Victor responde calmamente.
— E desde quando vocês tem "pendências" a serem resolvidas? — Pietro pergunta fazendo as aspas com as mãos. "Puta merda, ele está com ciúmes." Penso e já quero sair daqui, pois da última vez que ele sentiu ciúmes de mim, eu fui xingado de nomes horríveis.
— Ham... Eu acho que estou indo... — digo me levantando.
— Indo é o caralho. Senta aí. — Pietro diz se sentando na cadeira do meu lado, ficando em frente do Victor.
— Então tá. — Pego meu açaí e começo a comer, pois sinto que a situação não ficará agradável. "Cadê a vaca da Jenny?" Me pergunto.
— Esperando a resposta de vocês. — Pietro diz aumentando consideravelmente o seu tom de voz.
— Nossas pendências não tem nada a ver com o fato de eu ter tido um crush nele, Pietro. — Victor diz e eu sinto o Pietro ficar tenso ao meu lado. Pelo visto ele sabia do interesse do Victor em mim. Eu ficaria surpreso, se ele não já tivesse se declarado para mim antes.
— Tudo bem então, confio em você. -— Pietro diz se virando em minha direção. — Aliás, preciso conversar com você sobre o quê rolou mais cedo no banheiro. — Quando ele diz isso, minhas lembranças voltam socando a minha cara. Sinto vontade de sair correndo e me esconder.
— Não acredito que você realmente correu até aqui, Pietro. — Jenny diz aparecendo junto com a Samira.
— Então, foi assim que ele descobriu que eu estava aqui? Você disse a ele? — Pergunto incrédulo.
— Eu não contei, apenas comentei que viria lhe encontrar e ele ouviu e saiu correndo para cá. Não tenho culpa. — Jenny responde fazendo sinal de rendição com as mãos.
— Continuando... — Pietro nos interrompe. — Vocês poderiam nos deixar sozinhos? O assunto aqui é particular. — Ele diz e PASMEM: TODO MUNDO SAI DE PERTO E VÃO PARA OUTRA MESA. Eu estou desacreditado nesse fato.
— Cara, só me deixa em paz. — digo mais numa súplica, pois estou cansado demais. Volto a comer o meu açaí.
— Quero pedir desculpas por ter forçado a barra... Eu meio que perdi o controle. — Ele diz coçando a cabeça e rindo sem graça. Acabo me perdendo nesse seu gesto. "Como ele pode ser tão lindo?" Me pergunto enquanto o encaro.
Começo a pensar naquela fatídica manhã. Nos fatos que me levaram a estar alí e chego a conclusão de que eu não posso mais fugir das consequências dos meus atos. Melhor: nossos atos.
— Bem, o quê me deixou chateado naquela hora não foi o fato de você ter me atacado, mas o fato de eu não ter conseguido resistir... — digo desanimado. "Me sinto cansado por saber que eu provavelmente irei lhe amar para sempre." Penso.
— Eu também irei te amar para sempre. — Ele responde e eu tomo um susto.
— Eu pensei... Alto..? — Pergunto temeroso.
— Você se sentiria melhor se eu falasse que não?
— Ah, droga... — digo respirando fundo. "Bem, não tenho para onde correr mesmo." Penso comigo mesmo. — Não acho que me sentiria melhor, porém é frustrante. Entra ano, sai ano e parece não ter solução.
— Isso não é uma conta para ter solução, Cris. Eu sei que vou te amar, para sempre vou te amar. — Ele diz levando a sua mão para o meu rosto e fazendo um leve carinho.
— Eu conheço essa música. — digo sorrindo.
— Então, preciso nem dizer que uma cigana leu a minha mão... — Ele se aproxima e sela os seus lábios nos meus.
Nosso beijo é calmo, porém cheio de sentimento. Foi algo totalmente diferente do banheiro. Foi algo mais sentimental, puro. Esse momento é o quê eu sonhei aos meus quinze anos e agora chegando aos dezoito, chego a conclusão de que só talvez eu possa me entregar...
X=X=X=X=X=X=X=X=X=X=X
N/a: Então, após certo tempo eu voltei. O livro está caminhando para a sua reta final e agradeço a todos que permaneceram aqui até agora. Amo todos vocês e até breve.
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