Cap-2
Recobrei a consciência aos poucos, me sentindo grogue. O frio me deu boas vindas, e eu provavelmente estava deitado no chão, de novo.
Urgh, o que ele colocou na minha comida daquela vez foi forte. Ou ele queria me apagar de vez ou estava se esforçando para que eu ficasse fraco por tempo o bastante para que minha próxima companheira de cela tivesse uma chance.
Não abri os olhos ainda e a julgar pelo silêncio, não parecia haver ninguém aqui. Sem gritos, sem lamentos.
Eu me enganei?
Decidido a descobrir por mim mesmo abri os olhos e a vi, exatamente como imaginei.
Não, não como eu imaginei em tudo.
Me levantei do chão testando a minha força e mobilidade e quando consegui ficar de pé, os pontos pretos se chocavam em minha visão obscura. Devagar eles desapareceram e deram boas vindas a garota na minha frente.
Eu esperei.
E esperei um pouco mais.
Nada.
Apenas aqueles olhos me fitando. O rosto dela estava inexpressivo, eu não podia dizer ao olhar para ela se ela estava com medo, ou surpresa, ou sequer que ela tinha alguma emoção humana que eu estava familiarizado.
Ela estava sentada no chão com os joelhos puxados até seu peito, de uma maneira que eu conhecia bem, tendo ficado assim por tantas vezes, o que me dizia que ela ao menos estava desconfortável com isso. Essa era a única coisa que sabia sobre ela até agora.
Pela primeira vez o silêncio era desconcertante para mim, e eu quase queria que ela falasse alguma coisa. Qualquer coisa, para que eu não tivesse que falar antes.
Os segundos se passaram e nada.
Fazendo um teste,me aproximei, quase que com cuidado, apenas alguns passos em direção a ela.
Ela respirou fundo, e os olhos se abriram mais, apenas um pouco.
Finalmente alguma reação.
A inspecionei com cansaço.
Ela parecia ter por volta de minha idade, talvez um ano mais nova que meus dezoito. Pele pálida e cabelos castanhos, que caiam como um véu ao redor da face e ombros dela. Um hematoma roxo cobria parte do maxilar esquerdo dela, mas fora isso ela não pareceu danificada.Nada dela me lembrou de alguma pessoa que já tenha passado na minha vida, igual as outras que ele trouxe. Espera, não completamente como as outras. Ela tinha esses olhos enormes.
Eram como dois refletores... e estavam me olhando com a expressão vazia.
Porquê ela não estava gritando ou se debatendo como qualquer outra pessoa normal faria?
— Oi. — ela falou, finalmente. A voz dela era delicada e estranha, como ela.
Toda essa situação era bizarra.
Que porra eu devia responder?
Eu olhei para ela como se ela fosse um alien e acabasse de falar em outra língua. Talvez ela não fosse normal.
Eu esperava qualquer outra fala, em vez desse "oi". Tão calmo, tão... casual. Como se estivesse cumprimentando a um velho conhecido ao se esbarrar na rua.
Olhei para cima, mesmo sabendo que não iria encontrar ele lá. O filho da puta do meu pai a deixou aqui e foi embora, me fazendo ter que lidar com... o que quer que aquilo fosse.
Ou talvez ele esteja ouvindo tudo e esperando que eu seja educado? Que eu falasse com ela?
Nada fazia sentido na minha cabeça.
Segundos se passaram enquanto eu pensava em silencio e a falta da minha resposta fez com que ela desviasse o olhar.
Finalmente. Eu estava começando a ficar inquieto com aquele escrutínio.
Talvez agora ela fosse fazer um escândalo e agir como as outras.
—Você está... preso aqui a muito tempo? — ela falou novamente, voltando o olhar.
Parecia óbvio que sim de acordo com o desleixo das minhas roupas e como eu devia estar parecendo se tivesse um espelho, então eu só levantei a sobrancelha em silêncio.
Ela inspirou pela boca e acenou como se entendesse.
Eu ainda estava esperando o momento dela fazer alguma coisa e eu... ter que fazer a minha coisa. Mas esse momento não chegou.
O que era desconcertante, de um jeito diferente.
O que ela estava esperando?
Estava intrigado.
Flexionei meus músculos cansados, levando os braços até o pescoço e massageando um ponto ali que estava me incomodando.
Se ao menos eu soubesse quando ele iria drogar minha comida, eu já ficaria na cama por precaução, mas não teria como saber.
Podia ser daqui a um dia, ou daqui a uma semana e eu não podia me dar o luxo de passar fome de novo. Não se eu quisesse sair dali.
Agora eu tinha uma companhia, querendo ou não. Franzi a testa.
Ele drogou ela também? Ela já estava acordada quando eu voltei a consciência então eu não fazia ideia. Ele pode ter deixado ela inconsciente ou ter forçado ela a entrar, o que explicava o hematoma.
Voltei a olhar para ela.
Ela estava sussurrando enquanto olhava pra longe, longe de mim. Me ignorando.
Os lábios dela se mexiam com uma rapidez descontrolada, sem descanso.
Que diabos ela estava falando? Eu não era expert em ler lábios, nem nunca tentei ouvir conversas de estranhos mas quase poderia apostar que ela estava repetidamente dizendo "estou em uma praia, estou em uma praia..."
Uma praia? não, não poderia ser isso.
Por que alguém diria isso uma e outra vez?
—Voce é maluca? — perguntei, sem perambular.
Ela arregalou os olhos ao som da minha voz e paralisou.
Ela deve ter ficado surpresa por eu ter iniciado uma conversação. Droga, até eu fiquei surpreso, mas seria melhor saber se estou preso com alguma lunatica não é?
—Não. — ela respondeu, sem parecer ofendida—Você é?
Novamente, essa calma. Mas pude perceber um fio de tensão na voz dela, como se não estivesse certa se devesse me perguntar isso.
Tantas maneiras de responder essa pergunta...
Se eu era maluco? Eu... não sabia.
Nunca parei para pensar sobre.
Pelo menos eu não me considerava um.
Mas matar pessoas não era um ato normal, e ser aprisionado e talvez morto pelo próprio pai também não.
Aqui estava eu me preocupando nela ser uma lunatica quando na verdade eu era o descontrolado e potencial assassino nas horas vagas.
— Não. — respondi por fim, mas nem eu mesmo acreditei em meu tom de voz.
Droga. Falar com outra pessoa era estranho depois de duas semanas. Falar sempre foi estranho, mesmo com tanta interação entre minha mãe e Jack pela casa. Eles eram como duas matracas, sempre rindo e conversando, com as piadinhas internas.
Eu sempre fui do tipo que escuta.
Quantas vezes eu me tranquei no quarto com dor nos ouvidos, e a cabeça a ponto de explodir com os falatórios incessantes deles?
Se a garota notou minha dúvida não se fez notar. Ela ficou quieta por um instante até que
desviou o olhar novamente e eu fiquei aliviado.
O negócio com pessoas me encarando, era que me faziam...eu não sei, me sentir sobre uma lupa. Como se pudessem perceber quem eu realmente era, quando nem eu mesmo sabia.
Para o inferno com tudo isso. Por quê não tentar?
— Você sabe por que você está aqui?
Era a pergunta mais idiota a se fazer, mas era minha única esperança.
— Ele disse que você é o filho dele.— ela deixou escapar, falando para si mesma.
Isso teve minha total atenção e eu me inclinei para frente.
Não era o que eu esperava de maneira alguma.
Ele falou com ela?
Interessante. Eu não sabia se isso era considerado diferente das outras vezes. Merda, eu nunca conversei com as outras, não houve tempo com a eminente morte delas e tudo mais.
Mas ele estava dizendo então que eu era o filho dele para as vítimas, não, espera, não vítimas, para as garotas.
Por quê? Com que droga de propósito?
O que mais eu poderia aprender e descobrir com essa garota? Talvez uma maneira de sair desse lugar, e fazer ele pagar. Talvez ela pudesse ser útil.
— O que mais ele disse?
Eu conhecia esse olhar.
Desconfiança.
Claro que ela desconfiava de mim. O mais esperto para ela é que ela desconfiasse.
— Eu não estou aqui por que eu quero.
Se você me contar, podemos escapar.
———————————————————————-
Daisy :
" se você me contar, podemos escapar"
Ele afirmou. Pareceu tão verdadeiro.
Mas a voz do homem desconhecido voltou a minha mente " Ensine a ele a ser como você ou ele vai te matar"
Contive um suspiro.
O que eu poderia ensinar a esse cara?
Não é como se tivesse algum manual de instruções. Ele apenas mandou eu ensinar ele a ser como...eu?
Ele não sabia o que está falando. Ninguém iria querer ser como eu. Nem eu queria ser eu...
Tudo que eu queria era ser outra pessoa.
Fugir de tudo que eu era. Começar do zero.
Se eu falasse a ele o que o homem disse, o pai dele me lembro, talvez ele pudesse fingir ser o que quer que esse homem acreditava que eu podia " ensinar" a ele, mas e depois?
Ele iria me matar?
O pai dele iria mesmo nos libertar?
Minha cabeça parecia que iria explodir com tantas perguntas sem resposta.
Eu não conseguia ter uma resposta certa.
Eu tinha que agir com minha intuição.
E ela dizia para eu ter cuidado.
Como sempre, eu não podia confiar em ninguém.
— Ele disse que é um homem de família— franzi a boca com a ironia— disse que... que você vai foder tudo e por isso você está aqui.
Minha voz abaixou quase até um sussurro.
Eu não tinha certeza se agi da maneira certa para me proteger, mas agora não adiantava. Eu não tinha um plano.
A cara dele fechou com minhas palavras e eu pude perceber a mudança em toda a fisionomia dele. Como se ele tivesse virado pedra, ele me olhou sem nenhuma emoção.
Podia ser que ele fosse apenas um mal filho? O que ele teria feito para que o pai dele tivesse jogado ele aqui?
Mas que tipo de pai faria isso para disciplinar o filho, se esse fosse o caso? Não um pai de verdade...
Eu sabia como é isso.
Depois da morte dos meus pais quando eu era criança e o fim da vida que eu conhecia e adorava, fui morar com o meu tio, irmão do meu pai. E todo amor e carinho que eu tinha em vida, deixou de existir. Em vez disso, eu aprendi que só por quê alguém é família não significava que você estava a salvo com eles.
A sua família poderia ser na verdade aqueles que iriam te destruir.
Não pense nisso. Não pense nisso. Repeti mentalmente. Como sempre, eu iria lidar com isso da maneira que eu lidava com tudo: fingindo que estava tudo bem.
Voltando ao presente, observei ele com mais atenção. Eu podia ver a semelhança dele com o homem que havia me sequestrado.
Alto e de cabelos escuros, pele clara e sobrancelhas negras bem feitas, que destacavam o rosto dele.
Uma barba mal feita, e que parecia deslocada no rosto dele, provavelmente havia crescido por estar preso ali, o que me faz pensar a quanto tempo ele estava naquele lugar. Quanto tempo eu ficaria.
As roupas dele eram normais também, uma calça jeans escura e camisa de manga longa até o pulso, com algumas manchas de poeira.
Ele parecia magro,mas saudável.
O pai dele devia alimentar ele aqui. O que talvez signifique que ele não iria nos matar de fome. Eu queria acreditar nisso.
— Mais alguma coisa?
— Não. — Menti, deixando de lado a parte sobre eu fazer ele gostar de mim ou ser morta.
E o que mais? Ensinar ele a ser como eu.
Há! Que piada de mal gosto.
Ele fez uma careta de desgosto, com minha resposta.
— Isso foi... inútil.
Engoli em seco, sem resposta diante daquela declaração.
— Por quê ele prendeu você aqui?—ousei perguntar, com uma coragem recém criada da nossa conversa até aquele momento.
Ele me olhou com suspeita— Por quê ele prendeu você?— ele perguntou em contra partida.
Isso eu podia responder.
— Eu não faço ideia, sinceramente. Eu nunca vi ele antes, ou... ou você.
Ele balançou a cabeça,agitado.
— Isso não faz...
— Sentido — completei, com cansaço.
Ele acenou com a cabeça, distraidamente.
Coçei os olhos, num esforço para me manter alerta. Com o movimento, toquei sem querer em uma área sensível do rosto em que ainda estava dolorido, mas estava decidida a não me abalar. O que era mais um machucado para a conta?
Quase sorri diante disso. Que dia.
O dia mais insano da minha vida.
Eu poderia estar mais ferrada?
Eu havia fugido de casa para ser sequestrada por um homem que falou para eu fazer o filho dele gostar de mim.
Esse garoto... eu nem mesmo sabia o nome dele, não era o que eu imaginava.
Não ainda, pelo menos. Esperar a qualquer momento ser morta ou coisa pior era ainda mais desesperador do que se eu soubesse que ele era realmente quem o pai dele disse que é.
"Faça ele gostar de você ou ele vai te matar"
Me sentindo exausta, como se todo o peso do mundo estivesse sobre meus ombros de repente,eu me abraçei, tentando juntar os cacos da minha sanidade.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro