Capítulo 15
Ela parecia tão frágil que era difícil de acreditar em suas palavras, mas ainda assim segurei a mão dela, e dei o sorriso mais gentil que consegui. Mas para a minha surpresa, ela tinha um aperto ainda mais firme que Pablo, e ela era incrivelmente pequena.
- É bom saber que estão todos bem. - ela continuou falando. - Está ficando cada vez mais perigoso sair por aí. Quase não temos sossego.
Ela tinha uma expressão triste, mas rapidamente se recompôs. San a abraçou, pelo visto ele gosta mesmo de abraços, Pablo e Tiago apenas acenaram com a cabeça, com expressões totalmente sérias. Tiago parece mais primo dele do que do Santiago, o San é como um pontinho de luz por qualquer lugar que passar.
- Bem... É melhor entrarmos, não? Aqui é bem tranquilo, pelo menos me parece ser desde que comecei a ficar aqui, mas ainda assim não podemos confiar muito. - ela disse, nos dando passagem para entrarmos na pequena casa.
O pequeno vira-lata marrom começou a parar de latir e abanar o rabo freneticamente.
- Qual o nome dele? - perguntei, achando seu rostinho a coisa mais fofa existente no mundo.
- Esse é o Nugget. - Sibelly disse, indo pegá-lo no colo, e ele se apressou a enchê-la de lambeijos. - Não brinquem muito com ele, ele faz xixi quando se anima muito. Mas ama um carinho, não é?
Ele parecia amar tanto aquela garota, e ainda era apenas um filhotinho. E aquele nome era simplesmente maravilhoso!
Ao entrarmos na casa, ela o colocou no chão, e ele correu para pegar um pequeno patinho de borracha e ficar mordendo ele como se não houvesse um amanhã.
A casa era extremamente simples, ao contrário da casa enorme do Tiago. O sofá possuía uma capa vermelha, e quando me sentei nele pude sentir que havia um enorme buraco.
- Nugget devorou o sofá enquanto eu dormia. - Sibelly explicou rindo.
Sempre quis ter um cachorrinho, mas meu pai nunca permitiu. Mas uma vez um gatinho rajado entrou pela nossa janela e custou para abandonar nossa casa, felizmente a vizinha da época quis adotá-lo. Eu era bem pequena, e às vezes ficava observando o gatinho por um buraco no muro da casa. Com o tempo ela foi adotando mais e mais gatos, o que me deu muita inveja.
- Nós conhecemos ela há dois anos. - Pablo começou a dizer para mim, me impedindo de me distrair ainda mais. - Foi em minha primeira viagem ao Brasil, na minha primeira busca por subliminares. Nós a treinamos, e fizemos dela uma viajante.
- Como assim uma viajante? - perguntei a ele.
- São subliminares como eu, treinados para sair pelo mundo procurando por sublimares que nasceram em famílias limiares.
Fiquei imaginando como seria a vida deles, que cresceram em famílias inteiramente subliminares. E meus pensamentos foram interrompidos por uma pequena criaturinha que mordia meus cadarços.
- Você controla animais também? - perguntei observando Nugget , e me orientando pelo apego do cãozinho a ela. Sibelly abriu um sorriso.
- Não, mas adoraria. Sou uma dominadora de terra. - disse orgulhosa. - Por isso prefiro ficar em bairros do interior do que na selva de prédios das cidades urbanas. Além de ter o meu elemento em sua forma mais pura, ainda consegue ser um bom esconderijo. Quase nunca chamo atenção aqui.
Ela estava preparando um pequeno café em uma mesa redonda. A cozinha era no mesmo cômodo que a sala, portanto era bem possível sentir o cheiro do que estava crescendo no forno.
- Bom, é pouca coisa, mas... - ela começou a dizer envergonhada pela simplicidade do café. Mas aquele cheirinho de bolo, e o ar puro do interior apenas me trazia as boas lembranças da casa de minha avó. Ela fazia os melhores bolos do mundo, sem dúvida alguma.
- Aposto que está uma delícia. - falei, e aquele sorriso magnífico voltou ao rosto dela.
Ela colocou cinco copos na mesa, sendo dois deles azul marinho, logo peguei um desse, eram os que mais tinham na casa de vovó. Pablo pegou o outro. É claro que pegaria.
Leite com achocolatado era meu ponto fraco, e me senti mal por pegar demais. Pablo e os outros preferiram pegar um suquinho de maracujá, o que me fez desejar terminar logo o copo de leite para aproveitar saborear o meu suco favorito. Não sei se terei outra chance de tomá-lo, então é de suma importância aproveitar as oportunidades.
Ela tirou o bolo do forno e o colocou sobre a mesa. Era de fubá. Meu estômago ficou contente apenas ao sentir o cheiro daquela maravilha mais de perto.
Sibelly deu para cada um de nós um pratinho de plástico, o meu era vermelho com florzinhas brancas, e logo tratei de me servir.
Pensei em possivelmente estar causando uma má impressão tanto para ela quanto para o Tiago por ser esfomeada demais. Mas ele estava quase no mesmo ritmo que eu, e Sibelly aparentava estar contente de me ver comendo. Provavelmente ela pensou que não iríamos gostar. O que era um pensamento inteiramente equivocado, já que estava uma delícia.
Percebi que ela estava um tanto inquieta, com a testa franzida tentando pensar em algo. Possivelmente pensando em algum assunto para não ficarmos naquele silêncio estranho.
- Então... Faz muito tempo que você sabe sobre nós, Ariana? - ela perguntou, começando a comer também.
- Não, descobri quando Pablo salvou o meu pai do meu professor psicopata. - respondi, ficando enojada apenas por lembrar do rosto dele. - Ele controlava o ar, e tentou nos matar nos impedindo de respirar, mas o Pablo explodiu ele antes.
Ela olhou para Pablo, e segurou um leve riso.
- Você é sempre tão direto. - ela disse, com os lábios formando um sorriso.
Ele deu de ombros, colocando um pedaço de bolo dentro da boca.
- Então suponho que não foi um experiência muito boa, não é? Descobrir o que você é, de maneira tão... Selvagem. - a última frase ela disse como se fosse para si mesma. - Eu nasci em uma família limiar, Ariana. Descobri esse mundo apenas quando meu poder se mostrou...
Eu podia sentir o peso na voz dela.
- Tremores começaram no meu bairro, ficando cada vez mais fortes. Nós morávamos perto de vários morros, para a polícia foi apenas um deslizamento como qualquer outro, mas eu sabia que aquilo tinha sido minha culpa, eu podia sentir. - ela fez uma breve pausa, olhando para mim, os olhos me perguntando se eu gostaria de saber mais afundo ou não. - Muitas pessoas se feriram naquele dia, poucas morreram, mas eu fui a única que saiu intacta. Quando encontram meus pais embaixo daquele monte de terra, eu não quis olhar, parte de mim sabia que eles se foram, mas eu não queria acreditar. Eu tinha apenas 14 anos. Às vezes fico pensando se eles ainda estariam comigo se fossem subliminares também. Mas quando me lembro deles, da vida que eu tinha antes, tudo me parece tão distante. É como se essa parte super poderosa tivesse me feito esquecer a sensação de ser normal. A sensação de ter uma família.
Ela dizia tudo de forma tão natural. Como se já houvesse dito esse discurso para si mesma várias e várias vezes, formulando cada frase com cuidado. E pelo visto, éramos os primeiros a quem ela conseguiu contar isso.
O olhar dela se desvencilhou do meu.
- Então, essa é a minha história. Quem é o próximo? - ela disse de forma alegre, mesmo contendo uma expressão triste, em seus olhos não havia qualquer resquício de lágrimas. Era como se ela se sentisse mal por não ficar tão triste quanto deveria.
Fiquei com medo após ouvir aquilo. A minha história seria parecida com a dela? Eu me esqueceria do meu pai também? De Carolina? A única pessoa que me restaria seria a minha mãe que eu mal conhecia?
Foi como se Pablo sentisse a minha aflição, pois assim que os pensamentos negativos começaram a surgir ele começou a me encarar de forma acolhedora, e com um leve aceno de cabeça, era como se ele estivesse me dizendo que tudo ficaria bem.
Eu queria muito acreditar nele, mas parte de mim já estava se acostumando com a ideia de que tudo daria errado.
Quebrei nosso contato visual e voltei a comer, vendo que uma certa atração por ele começara a surgir por minha parte. O que seria um completo desastre.
- Nossa história não foi tão ruim. - San começou a dizer. - Nascemos em uma família subliminar, então já sabíamos como nos prevenir.
- Isso ajudou muito, realmente. - Tiago completou. - Mas ainda assim foi assustador encontrar tantos animais mortos ao redor de onde estávamos.
- Cada vez que um animal morre, é como se parte de nós morresse também. Naquele dia eu me senti completamente morto. Eu podia sentir a dor deles. Por falta de sorte, nosso poder se revelou em dias diferentes. Acho que se tivesse sido no mesmo dia, não teríamos matado tanto assim...
Os dois se entreolharam, era evidente que as imagens daqueles dias ainda estavam frescas em suas memórias. Como se eles ainda pudessem sentir os animais agonizando. Como se ainda pudessem sentir a dor deles.
- Não irá contar a sua? - Sibelly perguntou a Pablo.
Ele terminou de virar o copo em sua boca, e colocou-o na mesa, fazendo um leve barulho.
- Não. - respondeu simples, e olhou para mim, e eu logo soube que a história dele continha tanto sofrimento que a de Sibelly.
A forma como me olhava dizia de forma clara que ele não queria contar para não me deixar ainda mais atormentada.
E agradeço a ele por ter feito isso, mesmo uma parte de mim querendo saber.
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