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Capítulo IX


IX.1. Um novo aliado contra o feiticeiro

O líquido amargo e pastoso desceu-lhe pela garganta. Estava quente, incendiou-lhe o peito e queimou-lhe o estômago. Recuperava a consciência e o corpo amassado doeu-lhe. Fez uma tentativa para falar, mas as palavras que se revolviam no cérebro cansado não se ordenaram e ela não foi capaz de exprimir nenhuma ideia.

- Não te mexas. Estás muito ferida.

Não reconheceu a voz e fez um esforço titânico para abrir os olhos. A primeira visão foi turva. Um quarto desconhecido de uma cabana tosca de madeira. Não gostou de se ver num sítio estranho e, assustada, voltou a cabeça. Ficou tonta.

- Disse para não te mexeres.

Número 17 falava-lhe com gentileza. Maron olhou-o despistada. A última recordação que tinha era da Ana a dizer-lhe qualquer coisa, enquanto Ubo se aproximava perigosamente.

Aconchegou a cabeça no travesseiro, sentindo-se amolecer. Mas sabia que não podia adormecer. Era seu dever lutar até ao fim. Sentou-se na cama, disfarçando uma segunda tontura, mais forte que a primeira.

- Já estou melhor e quero levantar-me – anunciou com a voz entaramelada.

- Tens a certeza?

Olhou-o de uma forma intimidatória, mas devia estar tão mal encarada que não passou convenientemente a mensagem a número 17 que se mantinha tranquilo a observá-la, os seus olhos azuis enigmáticos a fingirem uma preocupação que o seu interior mecanizado não saberia o que significava. Afinal, ele não tinha coração.

- Onde é que eu estou? Na tua casa?

Era uma cabana de madeira escura. A única janela estava tapada com cortinas amarelas e a porta tinha um postigo. Muito parecida à casa que ela tinha conhecido na Dimensão Real. Ao lado da cama, na mesa-de-cabeceira estreita ardia um castiçal com uma vela. Ele sentava-se no colchão, ao lado dela. Respondeu-lhe:

- Não. A minha casa foi destruída recentemente. Estamos num abrigo de montanha, utlizado por caminhantes quando, no Inverno, se perdem nos trilhos. Trouxe-te para cá, pareceu-me o mais ajuizado, dada a tua condição.

Fez-lhe uma careta. O calor do estômago espalhava-se pelos músculos e acalmavam-nos, sugando-lhes a fadiga e a dor.

- O que foi que me fizeste engolir?

- Um caldo que cura todo o tipo de feridas, feito por mim. Ensinou-me um ancião que encontrei há muitos anos atrás e que tinha muitos segredos. Quase tantos quanto eu. Concedeu em revelar-me alguns, entre esses, o caldo milagroso.

- Hum... Interessante.

- No entanto, o caldo só atua ao fim de algumas horas. Não estás curada.

Ela assentou os pés no soalho. Sentiu outra tontura, um enjoo tremendo. O sangue todo fugiu-lhe para a testa que lhe começou a pesar e se não fosse o braço que ele lhe passou pelos ombros teria mergulhado, de cabeça, no soalho que era de pedra e tinha uma fina camada de pó, quebrada nos pontos onde as botas de número 17 tinham pisado. Pestanejou furiosamente, a recuperar o equilíbrio.

- Estou bem – ciciou, irritada com o gesto paternalista dele.

- Bem, se te queres levantar, o problema é teu. Já és bem crescidinha e podes tomar as tuas próprias decisões.

Afastou-se subitamente, levantando-se do colchão, deixando-a desamparada. Maron apertou a coberta com as mãos, concentrou-se num ponto neutro para não pender novamente para o soalho. Estava fraca, envergonhadamente trémula. Precisava do peso dele no colchão para contrabalançar o seu estado lastimoso, admitiu aborrecida. Começou a falar para se distrair da sua patética situação:

- Como é que vim parar aqui?

- Encontrei-te sem sentidos. Apesar de te teres atravessado no meu caminho, não te ia deixar abandonada à tua sorte.

- No teu caminho?

- Senti os combates que estão a acontecer agora... Resolvi aparecer. Há alguns dias atrás – explicou –, encontrei Son Goku. Perguntou-me se queria juntar-me a ele para combater o tal feiticeiro que nos tinha enviado para a dimensão estranha durante todos aqueles meses. Recusei, claro. Nunca poderia aceitar um convite daqueles da parte de Son Goku... Mas, depois, acabei por ficar envolvido na história, por causa da bola com as estrelas dentro. Como te disse, a minha casa foi destruída recentemente. Fui atacado por um demónio que trabalha para o feiticeiro, que pretendia a bola que Son Goku já tinha levado. Derrotou-me, arrasou-me com a casa. Depois de ter recuperado dos meus ferimentos, com um caldo igual àquele que te dei, pus-me a caminho disposto a vingar a afronta e encontrar o covil onde se esconde esse demónio.

A resposta foi monótona, nem uma centelha de emoção no olhar azul desmaiado de número 17, ou em qualquer uma das palavras pronunciadas com um indistinto laivo de desprezo. Mas Maron pressentiu algo, uma variação subtil no discurso, que indicava que, mesmo sem coração, havia uma alma qualquer dentro daquele organismo semiautomático.

Sorriu-lhe ligeiramente.

- Bem, estás com sorte – disse ela. – Eu acabo de vir do covil do demónio, que também é o covil do feiticeiro e que se chama Templo da Lua. E se tu tens contas a acertar com esse demónio, eu também tenho. Foi ele que me deixou neste estado. Vamos regressar juntos e combater juntos.

- Eu combato sozinho, miúda.

O tom condescendente irritou-a.

- Ah, cala-te! Se não queres a minha companhia, também dispenso a tua.

Apertou o punho e sentiu alguma coisa no interior da mão. Estivera tão entretida com as tonturas, que não se apercebera que guardava aquilo. Abriu-a e encontrou uma pequena argola dourada suja de sangue.

Entreabriu os lábios, a memória regressando, aos poucos até lhe encher o cérebro como uma inundação luminosa. Pôs-se de pé.

- Número 17! – Anunciou num grito. – Tenho de regressar imediatamente ao Templo da Lua.

E caiu de joelhos, a gemer, com nova tontura.

Sacudiu a cabeça, os olhos focaram-se e descobriu as botas do humano artificial diante do nariz.

- Acho que não podes ir a lado nenhum nesse estado, minha querida sobrinha.

Ela apanhou-lhe as calças, amarrotou-lhe o tecido com a força que fez.

- Escuta-me! O demónio da conversa de há pouco... Existem dois demónios controlados pelo feiticeiro. São muito fortes e acontece que são imortais. Mas têm um ponto fraco. Esta argola que usam como brinco... – Exibiu a argola na ponta dos dedos. – Se a argola lhes for arrancada, morrem. E esta pertenceu ao demónio que se chamava Julep, que agora está morto, ou eu não a teria comigo. Posso matar o outro demónio, que se chama Kumis. Percebes por que é que tenho de regressar ao Templo da Lua?

Ele arrancou-lhe a argola dos dedos, elevou-a à altura dos olhos. Admirou-a por um punhado de segundos e depois rasgou um sorriso que não era apenas cínico, era malvado. Maron estremeceu e não gostou daquela reação. Ergueu-se com a ajuda das calças dele e da cama, atrás dela. As pernas eram como papa, a testa como se estivesse forrada com placas de chumbo.

- Está bem, se queres tanto regressar... – concordou ele num tom incisivo.

- Hai. – Apartou o olhar e murmurou incomodada: – Também existe alguém que preciso salvar.

Essa última informação não foi processada por número 17. Avisou-a:

- Levo-te comigo. O ar do exterior vai ajudar-te a melhorar a tua condição física e pode ser que quando cheguemos a esse templo já não estejas tão afetada. Mas o demónio Kumis é meu, minha querida sobrinha. Sou eu que o irei eliminar.

- Ah, foi ele que te destruiu a casa?

Não lhe respondeu. Voltou-lhe costas e saiu do abrigo e ela teve de o seguir, aos saltinhos, para não sucumbir às terríveis náuseas que sentia. Encavalitou-se em cima de número 17 e partiram sem mais uma palavra.

A viagem foi breve. O crepúsculo assentava na Terra com uma suavidade de veludo, mascarando a agitação e o drama que se desenvolvia naquele pequeno lugarejo escondido, que se enquadrava entre um lago e uma floresta. Maron apontou para os edifícios castanhos:

- Chegámos. Aquilo ali é o Templo da Lua.

- Consegues voar?

- Hai. Já me sinto francamente melhor.

Ela escorregou das costas de número 17 e ficou a oscilar suspensa no vazio ainda inquieta. Fletiu os braços, abriu e fechou as mãos, a verificar que os músculos doridos já não estavam tão doridos e que as tonturas tinham desaparecido. O caldo começava a fazer efeito e a sua energia regressava.

- Como te disse antes... É assunto meu.

- Nani? – Perguntou Maron.

E a resposta surgiu diante dela, subindo rapidamente até ao lugar onde estavam, como se tivesse aparecido por meio da conversão das moléculas do ar num corpo palpável. Ela não se tinha apercebido da aproximação do inimigo. Cerrou os dentes, incomodada com a falta de atenção. Se ela se arvorava uma lutadora, devia antecipar aqueles movimentos simples.

Kumis sorriu.

- Hum... Temos mais visitas, neste dia já tão concorrido? E quem são vocês, intrépidos visitantes?

Número 17 também sorriu.

- Oh... Vejo que tens uma memória fraca, demónio. Não te lembras de mim?

Kumis ficou sério, exibindo uma carantonha pálida de arrepiar. Número 17 prosseguiu, vendo que o estava a irritar:

- Faz um pequeno esforço... Não foi assim há tanto tempo. Procuravas por uma bola cor-de-laranja.

A carantonha pálida desfez-se numa gargalhada. Número 17 acentuou o sorriso.

- Muito bem. Vejo que finalmente te lembraste de mim.

- Oh, claro! – Concordou Kumis divertido. – Da primeira vez que nos encontrámos, quase que te arranquei a pele. É preciso realmente muita coragem para apareceres aqui a exigir uma desforra, criaturinha insignificante!

- A criaturinha insignificante não vai apenas ter a sua desforra. Também te vai eliminar, demónio.

A afirmação espirituosa emudeceu o riso estrepitoso de Kumis. Ameaçou, vincando as palavras, imprimindo em cada sílaba despeito e raiva:

- Que descaramento, criaturinha insignificante. Não devias desafiar-me dessa maneira, poderás arrepender-te se não cumprires com o que dizes.

E também havia nervosismo, notou Maron. Talvez já se tivesse apercebido da ausência do irmão gémeo. Número 17 prosseguiu no mesmo tom irónico, a roçar o engraçado:

- Ah... Mas eu vou cumprir com o que digo.

O combate começou. Kumis foi o primeiro a atacar. Maron afastou-se ligeiramente para dar espaço a número 17 que defendeu o punho do demónio. Sem se querer alongar demasiado, até porque sabia que se insistisse num prólogo extenso perdia a vantagem, afundou de seguida o joelho no estômago do adversário e atingiu-o na nuca com as duas mãos unidas. Kumis começou a cair em direção às árvores da floresta e número 17 foi atrás dele.

Foi tudo demasiado rápido. O demónio conseguiu suster a queda, estacando no meio do ar, o humano artificial esticou um braço, enviando um raio energético.

O brilho da explosão deixou Maron encandeada. Protegeu os olhos com uma mão, aguentou a onda de choque. Ouviu a pancada, um grito de terror. A luz dissipou-se, número 17 apareceu de braço erguido, Kumis agarrava-se estupefacto à orelha esquerda. Maron sentiu a descarga de adrenalina, o arrepio por mais aquele triunfo.

Número 17 ostentava uma argola dourada entre os dedos.

- Maldito! – Berrou o demónio rouco.

- Devias ter acabado comigo quando tiveste a oportunidade – disse o humano artificial sem emoção. – Os erros costumam pagar-se caro.

O corpo de Kumis agitou-se numa convulsão. Amoleceu e foi secando, à medida que se imobilizava. Os urros e as fungadelas calaram-se. O sangue que escorria da sua orelha pareceu evaporar-se, a aura escura dissolveu-se e o demónio transformou-se num ramo de uma árvore encarquilhado que foi levado por uma rajada de vento. Partiu-se em dois e desapareceu na floresta.

- Sayonara, Kumis, demónio de Dabura, o Príncipe do Mal.

Ele aproximou-se dela e pediu-lhe:

- Maron, dá-me o outro brinco.

Ela estendeu-lhe a argola dourada que guardava no bolso das calças.

- Para que é que o queres?

- Vou usar os brincos, como símbolo do meu triunfo sobre os demónios de Zephir. – E mostrou um sorriso enviesado, pretensioso e satisfeito.

Não seria justo que ele usasse os brincos, pensou Maron. Afinal só tinha derrotado um demónio e conseguira-o graças a ela e à descoberta da Ana. Apoderara-se da situação, usara-a em proveito próprio, a sua contribuição tinha sido mínima. Aquele homem, que agia como um adolescente problemático, uma criança mimada que se recusava a crescer, acabava de demonstrar que era um grande egoísta. Seria talvez por isso que vivia sozinho, nas montanhas...

Número 17 voltou o corpo com um safanão, encarou o horizonte e gritou:

- Ainda não terminou!

A cabeça de Maron estalou com uma dor vinda do nada. Foi como se o seu cérebro inchasse e ameaçasse sair pelas orelhas. A aura de Ubo era tão forte que ela viu-se obrigada a desviar a sua concentração e desistir de lhe ler o ki.

O novo inimigo estacionou diante de número 17. Não abriu a boca, nem sequer para um sorriso. E atacou com uma barreira invisível de energia que empurrou Maron e número 17. Aconteceu tão de repente que os dois não conseguiram reagir convenientemente. Foram cuspidos, despenharam-se desamparados no pátio principal do Templo da Lua. Maron magoou-se. Controlou-se para não gritar com as horríveis dores que sentia no braço direito até ao pescoço. Número 17, aparentemente, tinha conseguido aterrar bem, pois levantou-se de seguida e volveu o olhar para o céu. Reconheceu o rapaz que pairava sobre eles como uma sombra maldita, o rosto fechado, mudo e inexpressivo como um fantasma.

- Majin... Majin Bu – murmurou.

Maron descobriu que tinha o ombro direito deslocado. Também se levantou, segurando o braço inerte, aguentando o sofrimento o melhor que podia. Colocou-se atrás do humano artificial, buscando a proteção dele, mesmo que ele fosse um estúpido de um egocêntrico e um vaidoso incorrigível, mas era também tio dela e haveria de fazer alguma coisa para protegê-la. Ou assim esperava.

Desde o alto, Ubo lançou um braço, o gesto que indicava que iria atacá-los com um disparo energético. Número 17 fincou os pés no chão, preparou a defesa. Mas o ataque veio do solo, matreiro. Uma rede negra e espessa abateu-se sobre eles como um maremoto. Um cheiro nauseabundo entrou-lhes pelo nariz e pela boca e perderam a força nos joelhos. Tombaram inertes, indefesos.

Número 17 e Maron perderam os sentidos e ficaram prisioneiros de Zephir.


IX.2. Derrota inesperada

Era super saiya-jin nível três contra super saiya-jin nível três. O embate colossal entre os dois maiores guerreiros do Universo. O planeta rugia sempre que os dois se encontravam, se tocavam. Havia trovões, faíscas, luz, som, vento e tempestade. As montanhas ruíam, o solo fendia-se, o céu escurecia, os oceanos ferviam.

O tempo parava e acelerava e tornava a parar.

A esfera violácea com a potência de uma bomba atómica zunia nas palmas ferventes das mãos de Gotenks. Tinha sido o último ataque de Keilo e o saiya-jin de Zephir observava o esforço descomunal do seu adversário para anular aquela enorme quantidade de energia que pulsava descontrolada e ameaçava desfazer o planeta em mil pedaços. O "M" negro de Keilo reluzia misturado com o suor que lhe molhava a testa.

Gotenks teve um pensamento amargo. Estava a perder aquele combate. Lentamente, sub-repticiamente, mas o facto era que o perdia.

As pernas vacilaram por um segundo. O guerreiro cerrou os dentes e conseguiu suster a vontade imensa que o corpo tinha de amolecer e de desistir. A esfera de Keilo zunia, queimava, insistia perigosa por cima dele, entre os braços levantados, sobre as mãos abertas.

Faltava-lhe treino. Só isso... E já era tanto! Gotenks tinha a cabeça baixa. A boca magoada e ensanguentada torceu-se num sorriso irónico. Ria-se de si próprio, fora patético. Sabia que tinha falhado onde não podia ter falhado, tinha cometido erros que não eram admitidos num qualquer torneio de amadores, quanto mais num encontro tão importante como aquele.

E o pensamento sobrepunha-se, minando a confiança. Estava a perder aquele combate.

Levantou a cabeça. Mas ele era um saiya-jin e o que um saiya-jin mais prezava era o seu orgulho e a sua honra.

Levantou a cabeça, animado por essa nova noção, o orgulho e a honra de um saiya-jin, mesmo que o pensamento subsistisse, nas traseiras, agora como um murmúrio. O rosto congestionado exibia raiva. Dobrou ligeiramente os cotovelos para ganhar impulso. Convocou toda a sua energia e enviou a esfera violácea para os céus com um berro que fez tremer o mundo. O ataque flamejante passou por Keilo, assobiando como um foguete de feira. Desintegrou-se na estratosfera, a muitos quilómetros de altitude.

A explosão espalhou sombras pelas montanhas.

Gotenks pulou, atacou, aproveitando as energias recém-adquiridas. Keilo, no entanto, parecia conhecer todos os seus movimentos e sumiu-se.

- Mas... Onde se meteu aquele maldito?! – Exclamou Gotenks de punho cerrado, frustrado por ter falhado o alvo.

- Aqui!

A voz de Keilo surgiu do nada. Gotenks defendeu-se mal. Outra falha e essa foi fatal.

Um soco poderoso derrubou-o. Caiu de costas, sentiu os ossos estilhaçarem-se. Quedou-se estendido, os olhos colados nas alturas, a contemplar impotente como uma segunda esfera violácea se precipitava para cima dele. Com menos potência, mas igualmente perigosa, voraz, assassina.

Gotenks perdeu os sentidos, no meio de um mar de fogo.

A sua energia escoou-se como líquido quente a verter-se de uma vasilha com milhentos furos, deixando o recipiente gelado e vazio. A analogia com o seu corpo causou-lhe aflição, mas era assim que se sentia, para além de derrotado. Abandonou o estado de super saiya-jin.

Keilo aproximou-se. Segurou-o pelo pescoço, apertando-o com maldade. Sufocou, o reflexo fê-lo inspirar com ânsia e despertou, a tempo de ver um punho esborrachar-lhe o nariz e a boca. Houve dor, algures, mas ele não se importou. Não sentia nada, ou provavelmente não desejava sentir. Bloqueou as sensações, enquanto se deixava ficar, a sentir os murros impiedosos de Keilo na cara e no corpo.

Foi solto, o corpo estranho, que continuava gelado e vazio, caindo. Antes de atingir o chão apanhou com um derradeiro pontapé que lhe desfez o que faltava dos ossos. Embateu num rochedo e imobilizou-se, enrolado numa posição estranha.

O saiya-jin de Zephir riu-se. E as gargalhadas de Keilo foi o último som que escutou daquele mundo que era tão desconfortável. De olhos fechados, deixava-se ir para outras paragens, fugindo da dor.

Negrume. Vergonha.

Fim do combate.


IX.3. O altar

A pedra de cristal cintilava furiosamente. O planeta agitava-se em perigos incontáveis e o feiticeiro sabia que o tempo não corria a seu favor. Acabava de sofrer reveses inesperados. A rapariga da Dimensão Real fugira ajudada por outra rapariga e levara consigo as duas metades do Medalhão de Mu. Perdera os dois demónios, Julep e Kumis, pois o seu ponto fraco tinha sido descoberto. O Templo da Lua estava cercado por Son Goku e pelos seus companheiros.

Era urgente agir porque o fim do caminho estava próximo. A glória eterna aguardava-o.

Largou a pedra de cristal em cima do altar do santuário, agarrou na bola de vidro que continha o espírito de Babidi e rumou para o exterior. Estacionou num pátio amplo, que era costume usar-se durante cerimónias importantes dedicadas à lua durante os festivais sagrados.

A energia dos guerreiros espalhava-se em ondas fantasmagóricas que o inquietavam. Mostrava-se, pela primeira vez, inseguro e nervoso.

- Vais ajudar-me, Babidi!

A sua voz já não era monótona.

- Ajudar-te? – Perguntou admirado o pequeno espectro azul, mãozinhas coladas no vidro da sua prisão cristalina.

- Preciso que me reveles o conjuro do altar mágico onde se usa o Medalhão de Mu. Sei que o conjuro está no livro de magia, mas como já não o tenho... Disseste-me, uma vez, que sabias o teu livro de cor e salteado.

O espectro riu-se.

- E pensas que só porque me estás a pedir... que irei revelar-te o conjuro?

Zephir franziu o sobrolho. Babidi completou reticente:

- Se queres que colabore, oferece-me algo em troca.

- Nani?!!! – Berrou Zephir vermelho de raiva. – Atreves-te a desafiar-me?

E dirigiu os dedos a faiscar de maldade para a bola de cristal. Contudo, Babidi não se intimidou e prosseguiu no mesmo tom desafiador:

- Se acabares comigo, ficas sem o conjuro. Deverás acalmar-te ou, agora que estás tão perto do teu objetivo, perderás tudo o que ganhaste até aqui... Escuta-me: eu poderei dar-te o conjuro, usas o medalhão e transformas-te num deus. Apenas tens de pagar um preço. E olha, é apenas uma troca muito simples, nada de demasiado complicado, acho que me podes conceder o que te irei pedir de seguida: liberta-me desta prisão e terás o conjuro.

Zephir experimentou um estremeção, à medida que a proposta era assimilada. O lábio superior arrepanhou-se, bufou ruidosamente. Baixou a mão ameaçadora, aligeirou a pressão que fazia sobre a bola. Respondeu a custo, a sorver as palavras:

- Aceito... essa troca.

O espectro azul exibiu um minúsculo sorriso.

A bola transparente flutuou diante de Zephir. Estava irritado, detestava o sentimento corrosivo de inferioridade, mas estava disposto a fazer aquela concessão menor em prol da sua ambição. Outro revés, outro obstáculo a ultrapassar. Com um gesto simples desfez o feitiço, a bola rachou-se e diluiu-se, criando uma nuvem de fumo. Um segundo depois surgia o espectro azul de Babidi com o seu tamanho normal.

- Ah! Estou livre! – Desabafou Babidi a agitar os braços, como se o seu corpo etéreo tivesse sentido a claustrofobia da pequena esfera onde estivera enclausurado.

- O conjuro do altar, Babidi! – Exigiu Zephir.

O espectro ondulou, sossegou, encarou o feiticeiro. Notou que este estava pronto para atacá-lo, caso ele mudasse de ideias, e desprezou-o. Odiou-se também a si mesmo por se ter permitido confiar naquele ingrato e por lhe ter revelado os seus poderosos segredos compilados num excecional manual de feitiçaria que estava agora perdido. Tinha-se enganado, mais uma vez, confiara num demente e num egoísta. Esfumava-se a sua segunda e derradeira oportunidade de dominar o Universo com a sua sabedoria.

Babidi acercou-se da orelha de Zephir e começou a falar.

O pátio foi fustigado por rajadas de vento, o céu velou-se com grossas nuvens negras que emitiam clarões.

O conjuro fora revelado. Babidi calou-se sisudo. E com aquela missão cumprida, iria abandonar para sempre aquele lugar. Regressaria às montanhas, onde, num dia muito distante, aterrara na Terra com a sua nave espacial. Voltaria a assombrá-las sem descanso e procuraria por outro que fosse digno de usar a sua magia. Haveria de procurar eternamente... Haveria também de procurar pelo livro.

Zephir colocou-se em posição. Levantou os braços magros e repetiu em voz alta o conjuro que Babidi lhe tinha transmitido. Palavra por palavra, sem qualquer entoação, concentrado no poder de cada sílaba, extraindo-lhes o sumo venenoso, fazendo-o passar pelos dentes e pela língua, com uma pronúncia sem falhas.

As lajes do pátio fenderam-se. O chão começou a tremer fortemente. Zephir fincou os pés no chão para se aguentar de pé, o espectro de Babidi flutuava ao lado dele. No fim do sismo, irrompeu uma pedra escura retangular, alta e maciça. O topo era ligeiramente inclinado e no centro deste havia um desenho escavado.

O altar mágico do Medalhão de Mu estava criado.

Aproximou-se do altar sorrindo. Acariciou a pedra, os dedos alcançaram o desenho do centro, onde iria ser usado o medalhão. Ali estava a porta para a sua imortalidade, o seu triunfo absoluto sobre a mediocridade, o planeta, a imensidão do cosmos. Soltou uma gargalhada alarve, permitindo-se dar largas às emoções mesquinhas da satisfação, do deslumbre e da alegria permanentemente reprimidas. Mas, inesperadamente, os dedos detiveram-se, hesitaram.

No topo inclinado do altar havia um losango, não um triângulo. Já tinha tido as duas metades do medalhão e estas, unidas, formariam um objeto triangular. Fechou os olhos tentando recordar-se o que lera no livro sobre o altar, havia um qualquer detalhe importante sobre a maneira como iria o medalhão encaixar-se no espaço vazio do altar e que esse espaço deveria ser um triângulo e não um losango. Porque se fosse um losango...

O espectro de Babidi arrancou-o do raciocínio, quando lhe disse:

- É aqui que nos separamos. Até nunca, Zephir!

- Hei de encontrar-te novamente, Babidi – ameaçou o feiticeiro com aspereza. – E quando o fizer, vou desfazer-te. Acabarei contigo, espírito maldito, para que não tenhas a tentação de me vir cobrar o que quer que seja depois de me ter convertido no senhor do Universo.

- Provavelmente, nunca mais nos iremos encontrar e, por isso, esta é a nossa despedida. Tudo acaba aqui.

O espectro acenou-lhe, subiu no ar, confundiu-se com a escuridão do céu e foi-se embora.

Zephir não gostou da impertinência de Babidi. Ficou intrigado. Soara-lhe a desrespeito, a troça, a ironia.

Porque se fosse um losango...

Olhou para o altar. Não se conseguia lembrar do que lera no livro de magia sobre o altar, era como se essa memória tivesse sido apagada com precisão. Mas de algum modo sabia que aquele era o altar e sabia que tinha sido utilizado o conjuro certo.

Acalmou-se, aplacou a ira que lhe enchia o coração endurecido. Primeiro, deveria proteger o altar. Convocou uma criatura das trevas com a sua magia diabólica, um terrível monstro gigante e disforme, munido de quatro braços e quatro pernas. Incumbiu o sinadelfo de nunca abandonar o altar e preparou-se para regressar ao templo. Não sabia como iria fazê-lo, porque naquele caso a pedra de cristal era inútil, mas iria arranjar uma maneira de descobrir o paradeiro da rapariga da Dimensão Real.

Contudo, não chegou a entrar no templo. Ubo chegava e aproximava-se com o seu habitual passo seguro. Estendeu-lhe as duas metades do Medalhão de Mu. Os olhos de Zephir arregalaram-se com a inesperada surpresa, nem procurou disfarçar o deslize flagrante na sua postura sempre controlada.

- Muito bem, Majin Bu.

Agarrou no medalhão. Reparou que os raios do sol gravado no ouro do amuleto eram agora alaranjados, efeito do altar. Junto à pedra escura, o sinadelfo soltava bafos irregulares e olhava para todos os lados, movimentando a cabeçorra com gestos súbitos e nervosos.

- E a rapariga da Dimensão Real, Majin Bu?

- Não a trouxe.

Os ombros de Zephir sacudiram-se num espasmo.

- Nani? Não a trouxeste?!

- Não.

- Baka! – Explodiu. Agitou os dois triângulos na cara do rapaz. – De que me serve o medalhão sem ela? Só ela é que pode unir as duas metades e só ela é que o pode encaixar no altar.

O "M" na testa de Ubo fumegava, mas o fenómeno passou despercebido a Zephir que prosseguiu irritado:

- Some-te daqui, incapaz! Vai à procura dela. Só poderás regressar com a rapariga. Caso contrário, irei castigar-te para que aprendas a não ser estúpido!

Ubo acalmou. O feitiço do Makai era poderoso e abafou a rebelião que fermentava dentro da sua mente retorcida e ele acabou por obedecer ao mestre. Sem uma palavra, levantou voo e abandonou o pátio. O sinadelfo seguiu-lhe a trajetória com os olhos, mas não se movendo um milímetro do seu posto de vigia.

Zephir também se acalmou. Respirou fundo.

- Estou rodeado de imbecis! Quando receber a bênção do medalhão e me transformar num deus, vou desfazer-me deles todos. Julep e Kumis já se foram... A seguir, serão Keilo e Majin Bu. Vou divertir-me a torturá-los.

Lançou uma gargalhada e entrou ufano no Templo da Lua.


IX.4. Desespero

A água fresca foi como um bálsamo e uma bofetada, em simultâneo. Despertou. Escutou uma voz a viajar do silêncio até ao mundo real onde recuperava os sentidos e as sensações.

- Estás acordado?

Respondeu:

- Hai... Estou acordado.

Goku abriu os olhos, abanou a cabeça tonta. Sentou-se no chão húmido. Estava junto ao lago, no Templo da Lua, recordou-se de rompante. Até as memórias tinham estado espalhadas em terra de ninguém enquanto estivera inconsciente. Olhou para um Piccolo esfarrapado e fatigado que se acocorava junto a ele. Confirmou, levantando-se:

- E já estou melhor. Arigato.

Sacudiu a cabeça. Confessou aborrecido:

- Kuso... Deixei-me apanhar por Ubo. Distraí-me quando Keilo começou a combater contra outro super saiya-jin de nível três. Ainda pensei que podia ser Vegeta, mas depois reconheci o ki de Gotenks. Ubo foi muito rápido, atacou-me com um golpe forte e traiçoeiro. Ele não se retraiu nunca, ao contrário de mim, que não consegui lutar contra ele na minha força máxima... Maldito miúdo! Porque tinha ele que deixar-se enfeitiçar?

- Devemos tentar entrar outra vez no templo, Son.

- Hai – concordou tenso, mas decidido.

- Estamos em vantagem... Por enquanto.

- Honto?

- Os dois demónios foram eliminados.

- Co-como? Tens a certeza? – E depois confirmou que as auras de Julep e de Kumis já não emitiam qualquer pulsação. – Mas eles não eram imortais?

- Alguém descobriu a maneira de os matar. Sobram Keilo e Ubo. O saiya-jin está a combater nas montanhas, Ubo viaja de um lado para o outro, ando a vigiar os seus movimentos mas não percebo porque é que entra e sai do Templo da Lua. O que quer dizer que Zephir está sozinho.

- Vamos salvar a Ana, então?

- Parece-me que ela também já não está ali, Son. Não consigo sentir-lhe a aura.

- Hum... Tens razão. A Ana não está ali. Temos uma oportunidade excelente para terminar com isto.

- Concordo. Avancemos!

- Apesar de ser a solução que Vegeta detesta.

- Vegeta que se dane!

Goku olhou para o horizonte carmesim onde o sol acabava de se por. O príncipe estava bem, lia-lhe pujança, energia e ganas no ki, o que era estranho dado que se tinha enfrentado a Keilo.

Pouco depois, os dois entravam no Templo da Lua.

Os kucris apareciam guinchando, atacavam e eram eliminados no instante seguinte, sem conseguirem deter os invasores que nem sequer se incomodavam com as suas investidas ruidosas. Goku e Piccolo fritavam-nos simplesmente com disparos de energia à medida que caminhavam pelos pátios e galerias do templo, atrás do ki negro do feiticeiro.

***

No refúgio dos aposentos do Sumo-sacerdote, Zephir viu, através da clarividência da pedra de cristal, a aproximação dos dois guerreiros. Gritou tomado de um pânico que lhe encharcou o corpo magro de suor:

- Não!!!

Son Goku estava a escassos metros dos aposentos e vinha acompanhado do gigante verde que se chamava Piccolo. Os dois tinham deixado um rasto pestilento de morte atrás de si, à medida que matavam sistematicamente os últimos kucris que defendiam estoicamente o Templo da Lua.

Passou uma mão apressada pela pedra de cristal e surgiu uma imagem brilhante.

- Keilo!

O saiya-jin regressava e ele respirou de alívio. Era apenas uma questão de minutos e Keilo haveria de o defender dos seus inimigos.

Observou a imagem com mais atenção. Debaixo do braço do saiya-jin havia um borrão, algo que o poder da pedra de cristal não conseguia atravessar, converter e interpretar convenientemente. Percebeu o que era e soltou um urro triunfante, uma gargalhada selvagem:

- A rapariga!

No Medalhão de Mu, os raios solares passavam de laranja a um quase vermelho intenso. Para além de reagirem com o altar, também reagiam com a pessoa da Dimensão Real. Um espetáculo magnífico de se observar.

Mais alguns minutos...

O rosto crispou-se de preocupação, de um medo visceral.

Mas talvez não tivesse esses minutos. Son Goku estava horrivelmente perto, já lhe escutava o som das botas, até lhe conseguia sentir o cheiro. Tinha de se defender conforme sabia e haveria de ser o suficiente para ganhar os minutos de que tão urgentemente carecia.

Os aposentos nublaram-se com um nevoeiro cinzento-escuro que subia do chão. O som do vento a chiar por entre as ramadas secas das árvores de Inverno encheu o compartimento. Zephir transfigurou-se. Cresceu de tamanho, ficou mais pálido, as pupilas tingiram-se de encarnado, os sobrolhos eriçaram-se. Os dedos moveram-se languidamente num poderoso feitiço. A voz era rouca mas forte:

- Pelo poder supremo da lua e das trevas... Invoco os demónios da Terra! Oh, Deusa-mãe, dai-me o poder das criaturas demoníacas, das almas do Outro Mundo, dos diabos do Inferno. Dai-me o poder da noite e o poder do sangue que jorra das entranhas do mundo. – Levantou os braços e baixou-os, uniu as mãos e entrelaçou os dedos, abriu e fechou os olhos. Concluiu com um berro desvairado: – Desejo o poder da noite!

Uma implosão de magia sacudiu os aposentos. O nevoeiro e os sons fantasmagóricos dissiparam-se com um estalo.

Em seguida sorriu, sentindo-se acompanhado.

***

As paredes abanaram. Um terramoto de baixa intensidade sacudia os alicerces do edifício. Goku parou e deu uma cotovelada em Piccolo para lhe chamar a atenção.

- Ouviste isto?

- O quê?

- Pareceu-me ouvir... um uivo.

- O templo é assombrado – disse Piccolo aborrecido. – Já o devias saber, Son!

- Mas há mais qualquer coisa...

O chão abriu-se em enormes fendas e eles tiveram de saltar para escapar da lava borbulhante que subia das profundezas e que se derramava das fendas.

- O que é isto?!! – Exclamou Goku.

- Vamos embora daqui!

Fugiram, desembocaram numa sala larga.

Uma gargalhada aguda feriu-lhes os ouvidos. De repente, a sala ficou repleta de gigantescos demónios negros e peludos, ameaçadores e intrépidos. Goku e Piccolo colaram costas com costas. Analisaram admirados os seus adversários.

O ataque começou. Goku e Piccolo descobriram que os demónios não eram tão fáceis de abater como os kucris. Assim que um tiro de energia os atravessava, estes explodiam em bolinhas de luz branca mas reapareciam mais atrás ou mais adiante.

- Não se consegue acabar com eles! – Gritou Goku.

Piccolo rebentou com o teto da sala e escapou-se pelo buraco aberto. Goku seguiu-o. Apareceram num dos pátios exteriores e assustaram-se. O lugar pejava-se de demónios e de outros seres do Inferno.

- O que raios aconteceu aqui? – Indagou Goku confuso.

- Foram invocados por Zephir. O feiticeiro necessita de proteção e lembrou-se desta ideia. Descobriu que estávamos aqui e quis evitar um encontro que terminaria mal para o seu lado. – Sorriu de viés. – Hum! Nem mesmo o meu progenitor pensaria num cenário destes!

Um diabo gordo, com a pele escamosa de cor esverdeada e com umas asas minúsculas perto da nuca, investiu contra Piccolo. Ficou logo inconsciente com uma joelhada e um soco.

Piccolo puxou Goku pelo ombro, que acabava de empurrar, com um disparo potente de ki, um trio de diabretes esguios como varapaus, mas tenazmente aguerridos. Saltaram e ficaram a flutuar por cima do pátio. O namekusei-jin disse:

- Eu fico aqui, entretido com os antigos esbirros do meu pai. Regressa ao templo e procura pelo feiticeiro.

- De certeza que ficas bem?

Sorriu.

- Claro! Acabo de reencontrar velhos amigos, Son!

Goku sorriu-lhe de volta.

- Hai, Príncipe das Trevas. Diverte-te!

Mas perdeu a boa-disposição ao ver, ao longe, Keilo aparecer com a Ana debaixo do braço. O saiya-jin sumiu-se entre as ruínas do antigo Salão da Luz.

Uma nova situação, mas que acabava por ser uma mera continuação do estado das coisas. Zephir continuava a vencer.

Veloz como uma seta, Goku mergulhou e tornou a entrar no Templo da Lua.


IX.5. Vantagem recuperada

A sua mente fervilhava num remoinho de coisas amontoadas, lembranças fugidias dos erros que cometera, o azedo da derrota e da vergonha, um orgulho espezinhado e as dores de um corpo que se recusava a reagir de tão amassado.

Queria simplesmente dormir e esquecer que existia.

Uns passos terminaram próximo dos seus ouvidos. Uma mão apalpou-lhe a testa, sentiu-lhe a febre, junto à linha do cabelo. Esboçou um sorriso, porque gostou da carícia. Algo diferente do sofrimento que sentia em cada milímetro de pele. Ou talvez não fosse real, apenas o delírio de um sonho mergulhado em sangue.

Estava confuso. Estava ferido. Mas não tinha sido ele que lutara, fizera parte, como metade, de algo extraordinário. Misturara-se com outra alma e com outro corpo e interligara-se com outro ser que lhe era complementar e indispensável. A energia acumulada por essa união mágica zunia no interior, aumentando-lhe as dores.

A mesma mão que lhe apalpara a testa levou-lhe qualquer coisa aos lábios. Forçou-o a mastigar. A bolinha não tinha sabor e desfez-se em lascas farinhentas quando os dentes a trincaram. As lascas desfizeram-se na saliva, escorregaram pela garganta, acomodaram-se no estômago faminto e todas as dores desapareceram.

Trunks soergueu-se espantado. Viu o pai ajoelhado junto a ele com a expressão carrancuda que lhe era típica. Atrás do pai viu Goten que se punha de pé com um salto, a verificar se estava tudo no sítio, dobrando os cotovelos e girando a cabeça.

A resposta estava na mão esquerda de Vegeta. Uma sacola castanha que ele prendeu no cós elástico das calças, ao mesmo tempo que se levantava. Trunks também se levantou.

- Onde é que arranjaste os feijões senzu, otousan? – Perguntou.

- Isso agora não interessa – respondeu ríspido.

Trunks juntou-se a Goten.

- Estás bem, companheiro?

- Hai. E tu também estás melhor.

- Claro, os feijões senzu nunca desiludiram ninguém. – Recordou-se e o rosto ensombrou-se. – O nosso combate foi duro.

Goten baixou a cabeça, apertou os punhos.

- Keilo é muito poderoso, Trunks-kun. E não é só por ser um super saiya-jin de nível três. É também por causa daquele maldito "M" que tem na testa. A magia ajuda-o a ser mais poderoso.

- Hum-hum... Também tive essa impressão. Se não fosse a magia, conseguíamos derrotá-lo.

- Talvez... Mas também fizemos algumas asneiras.

Vegeta interrompeu-os:

- Rapazes, chega de conversa. Isto ainda não acabou, temos de regressar àquele maldito templo.

Calaram-se, acenaram que sim e acompanharam o príncipe num voo rasante e apressado sobre as montanhas e depois sobre a floresta, chamuscada dos confrontos recentes. Não foram muito longe, contudo. Quando o complexo de edifícios meio arruinados, lúgubres e assombrados, surgia junto ao lago, depois da floresta, Ubo intersetava-lhes o caminho.

Vegeta transformou-se em super saiya-jin. Isso significava que Ubo lhe pertencia. Trunks sabia como o pai era cioso dos seus desafios e deu um toque no amigo.

- Goten, temos de continuar.

- E o teu pai?

- Ele fica para se enfrentar a Ubo.

- Sozinho? Lembra-te que Ubo é a reencarnação de Majin Bu.

- O meu pai dá bem conta do recado. Ele enfrentou-se a Majin Bu no passado... Sozinho!

- Mas não o derrotou.

- Vamos embora.

A explosão que aclarou o céu, nas costas dos dois rapazes, foi o sinal de que o combate entre Vegeta e Ubo se iniciara. Não olharam para trás e seguiram resolutos para o Templo da Lua.

Assim que aterraram num dos pátios, tiveram de recuar para se desviar de dois bichos enormes, corcundas, com cornos e garras, que os atacaram.

- Kuso! O que raios é isto? – Gritou Trunks.

Os dois bichos voltaram à carga. Eram obstinados, temíveis, mas fracos. Com golpes simultâneos Goten e Trunks afastaram-nos, acabando com eles com duas esferas de energia. Num guincho estridente, os bichos fizeram-se em pó.

- Seriam kucris? – Perguntou Goten.

- Não me pareceram kucris. Acho que eram... demónios.

- Nani?

- Passa-se alguma coisa aqui dentro. Sinto... que já não estamos na Terra mas na antecâmara do Outro Mundo ou coisa parecida. O templo está diferente.

- Estás a assustar-me, Trunks-kun. Mas é verdade... Também sinto o mesmo.

- Muito cuidadinho, então. Nada de te voltares contra mim, Goten – e sorriu para aliviar a tensão.

- O mesmo te digo eu. Vê lá como te portas.

Goten estava a suar, Trunks limpou também a testa molhada.

- Muito bem! Lembra-te que somos saiya-jin e que não devemos ter medo. Eh, Goten... Sem medo.

- Hai.

- Vamos procurar pelo feiticeiro. Se o eliminarmos, acaba-se tudo. Os demónios, os kucris, Keilo, o feitiço de Ubo. Julep – hesitou, gaguejou, mas completou: – e... e Kumis.

- Acho que com esses já não nos devemos preocupar – disse Goten, franzindo os sobrolhos. – Já não sinto o ki dos gémeos.

Trunks esfregou as mãos, fingindo a descontração que não sentia.

- Ótimo! Menos um problema.

Fechou a mão direita, Goten fez o mesmo. Bateram punho com punho e avançaram pelo pátio.

Um grupo de diabos vermelhos, ligeiramente maiores que os kucris, deu-lhes as boas vindas, acompanhados de pequenos fantasmas irritantes que flutuavam ululando, velozes e indefinidos.

O diabo que comandava o grupo atacou. Trunks lutou com ele. Goten viu-o acabar com o diabo facilmente, sem empregar muita força e energia. Dois socos bem dirigidos e o diabo desfez-se numa fumarada também vermelha. Ao presenciarem a derrota do chefe, os outros diabos cerraram os dentes e atiraram-se assanhados para cima de Trunks e de Goten. Os dois rapazes desembaraçaram-se deles sem grandes complicações.

Goten sacudiu os ombros. Missão cumprida. Sentiu um arrepio repentino e levou uma mão ao peito. Algo gelado tinha-o atravessado e parecia que se tinha alojado junto ao coração. Nisto, quando tentava ainda perceber o que é que se estava a passar, recebeu um puxão na túnica do dogi.

- Nani?

Trunks berrou:

- Não fiques assim parado, baka! Defende-te.

Goten passou os olhos pelo pátio. Tinha anoitecido, estava escuro e ele só via sombras. Piscou os olhos. Estava sonolento e tinha frio. Esfregou o peito.

- Mexe-te, baka! – Insistiu Trunks.

- Mas... porquê? – Perguntou.

- Mas tu não estás a vê-los?!

Trunks saltou. Ele parecia louco, a correr de um lado para o outro, a desviar-se de objetos invisíveis, a lutar sozinho. Estranhou-o, riu-se dele. Mas por que é que ele não ficava quieto, se estava tão escuro e já era tão tarde, que deveriam estar os dois a dormir? As mães deles não gostavam que eles ficassem a pé até tarde, especialmente quando combinavam passar a noite na casa um do outro.

Goten estremeceu com um bocejo. Os joelhos cederam e sentou-se no chão, sentindo-se cada vez mais sonolento. Coçou a cabeça, sentiu os cabelos espetados, daquela forma característica que o fazia igualzinho ao pai dele. Olhou para baixo e, numa poça de água junto aos pés, descobriu o reflexo de um rapazinho traquina de nove anos, com uma cara cómica de sono. Sorriu e o reflexo também sorriu. Era ele.

- Trunks-kun, vem deitar-te...

No pátio silencioso estava tudo quieto. Apenas Trunks, branco e brilhante, se movia nele, no mesmo frenesim incompreensível, atrás de fantasmas.

Goten espreguiçou-se e deitou-se. Lembrou-se que havia diabos vermelhos e fantasmas esquivos. A mão quente assentava-lhe no peito gelado, no coração que batia cada vez mais lentamente.

Outro puxão na túnica. Alguém o levantava do chão. Ouviu uma voz que parecia chamar por ele, mas ele só tinha nove anos e queria tanto dormir. A boca rebentou numa dor dilacerante e encheu-se do sabor férreo e quente do sangue.

Gritou, sacudiu-se das mãos que o seguravam. Rastejou amedrontado, afastando-se daquilo que o atacava. O cérebro estava ser sugado por um remoinho, agarrou na cabeça. O cabelo espetado tinha mudado, transformara-se numa cabeleira rebelde e negra, que as raparigas do liceu tanto gostavam de pentear, fingindo-se desinteressadas, rindo-se umas para as outras às escondidas, competindo entre elas para serem as próximas no pequeno deleite que era penteá-lo.

- Goten?! Goten, desperta!

Sentiu-se tonto, cuspiu saliva ensanguentada. Olhou para as lajes do pátio. Estava no Templo da Lua e sentia-se mal.

O silêncio encheu-se de um ruído ensurdecedor e o coração, com um baque de revolta, recomeçou a bater. Já não se sentia gelado e sonolento.

- Estás melhor? Responde-me, baka, ou apanhas com outro murro.

Levantou um braço, como uma barreira.

- Hai! – Respondeu determinado. E reforçou, acenando com a cabeça: – Hai... Estou melhor.

- Estavas enfeitiçado. Um daqueles fantasmas entrou dentro de ti.

Pousou um joelho no chão, ergueu-se. Respirou fundo, encarou Trunks.

- Um fantasma?

- Temos de ter cuidado. Há magia por todo o lado. No céu, no chão, no ar que respiramos. Zephir não está para brincadeiras e está a proteger-se com tudo o que tem. Está desesperado, percebe que não está a ganhar esta batalha. – Trunks ergueu um punho, acompanhou o gesto com um sorriso enviesado que fez recordar o pai. – É a nossa oportunidade. Não o vamos deixar escapar, não desta vez.

Goten concordou.

- Não o vamos deixar escapar!

Atrás de Trunks saltou um monstro escamoso. Goten empurrou o amigo para desviá-lo, enviou um raio amarelo faiscante, desfazendo o monstro em bolhas esverdeadas. As bolhas começaram a reunir-se para espanto de Goten, adquirindo uma forma humanoide.

- O monstro é imortal – explicou Trunks. – Já tinha antes acabado com ele. Vamos aproveitar para sair deste pátio. Preparado?

Goten disse que sim. Uniu as mãos diante do corpo e disparou outro raio, mais potente que o anterior, que varreu um magote de demónios que investia na direção deles, soltando uivos tenebrosos. Os dois rapazes correram para o pórtico de colunas grossas que rodeava o pátio, mas no meio do caminho foram apanhados por uma explosão traiçoeira. Protegeram-se, cruzando os braços sobre o rosto. As lajes do pavimento racharam-se, o chão abriu-se e resvalaram pelo buraco aberto, indo parar aos subterrâneos do templo.

Trunks levantou-se, sacudindo a cabeça para limpar a poeira. Goten tossiu ligeiramente.

- Excelente! Estamos nos labirintos deste lugar amaldiçoado cheio de demónios, governado por um feiticeiro desesperado.

- Pelo menos, estamos dentro do templo.

O filho de Vegeta olhou para todos os lados, mãos na cintura. Concordou enfastiado:

- Bem, tens razão.

Os senhores dos subterrâneos eram os kucris e não tardaram em aparecer. Trunks puxou por Goten e fugiram para escapar das hordas de bichos negros que os perseguiam. Apareceram outros demónios e mais diabos, fantasmas e monstros que urravam e que se babavam, que não conseguiam morrer mesmo que dissolvidos em pequenos átomos, que os obrigaram a fugir mais ainda. Os dois arraçados de saiya-jin voltavam-se, de vez em quando, a meio do percurso, disparavam ataques de energia, desfaziam alguns deles, atrasavam os outros, mas não se detinham para combatê-los – o esforço seria infrutífero e a sua missão era outra.

Entraram numa saleta húmida. A escuridão movia-se com um bafo quente, como coisa viva e palpável. Goten arrepiou-se. Trunks juntou-se a ele depois de ter eliminado um punhado de demónios com um raio massivo que explodiu mais adiante, convertendo a passagem num amontoado de ruínas.

- O que é que se passa?

- Está aqui qualquer coisa. Sinto... o ki de alguém... conhecido – respondeu Goten concentrando-se nas sensações certas, descartando o excesso artificial que estava ali para confundi-lo.

Volveu os olhos para cima e gritou ao reconhecê-la.

- Maron!

Trunks também olhou para cima.

- Nani?

Numa teia formada por grossos fios prateados, num emaranhado tão apertado que ocultava o que aprisionava, estavam dois novelos volumosos em forma de corpos. Um deles emitia energia, o outro não.

- E quem é o outro que está com a Maron? – Indagou Trunks.

- Vou buscá-la – decidiu-se Goten.

- Eu trago o outro.

Goten perguntou com um arrepio:

- Mas esse não tem ki. Estará...?

- Não, não está morto. É estranho, não tem ki mas está tão vivo quanto a Maron. Quem será? É a mesma vibração que número 18 emite... Sem ki, mas viva.

- Maron e número 18? – Estranhou Goten.

Antes de pular, a escuridão da saleta moveu-se. Engrossou, formou uma massa compacta e transformou-se numa terrível e gigantesca serpente. Trunks puxou por Goten, dizendo entre dentes:

- Kuso, que raios é isto agora?

A serpente, de perigosos olhos vermelhos, lançou-se aos dois rapazes com uma agilidade surpreendente para um animal daquela dimensão, cuspindo a língua bifurcada, largando uma baba viscosa por onde passava. Eles esquivaram-se da serpente, saltando, buscando refúgio em cada canto da saleta que se tinha tornado demasiado pequena para a teia, os dois casulos, Trunks, Goten e a serpente. O primeiro disse:

- Eu trato da cobra. Vai buscá-los!

- Hai. Combinado.

Trunks atacou a serpente com uma saraivada de esferas luminosas. As pequenas explosões de energia irritaram o monstro, que se retorceu, contorceu e escancarou a boca, exibindo duas impressionantes presas curvas no maxilar superior de onde pingavam gotas de veneno. Trunks sentiu a pele arrepanhar-se. Olhou para o amigo. Goten tinha um casulo em cima do ombro e arrancava o segundo.

Com um grito, Trunks transformou-se em super saiya-jin. Uniu as mãos e lançou um disparo energético que abafou a serpente, sepultando-a numa nuvem de fumo. Dirigiu um segundo disparo para o teto da saleta, abrindo um buraco por onde Goten passou com os dois prisioneiros e depois foi ele.

Continuavam dentro do templo e, dado o seu objetivo, era excelente. Correram. Refugiaram-se num recanto que lhes concedeu uns instantes de pausa. Goten pousou o casulo de Maron com cuidado e depois pousou o segundo casulo. Descobriram uma cara masculina a espreitar por uma abertura arredondada. Goten sentiu ciúmes. Quem era aquele que estava com a sua Maron?

- Oh...

- Conheces? – Perguntou Goten ansioso ao escutar a interjeição de Trunks.

- Acho que é número 17.

- Quem é esse?

- O irmão de número 18. Trata-se também de um humano artificial, é por isso que não emite ki.

- Ah... bom. – Os ciúmes de Goten desapareceram. Rasgou o casulo, libertou a rapariga. Trunks rasgou o casulo do humano artificial. Ainda tentaram despertá-los, mas não conseguiram, pois tanto Maron como número 17 pareciam estar sob o efeito de um poderoso sedativo. Concordaram em deixá-los ali, aparentemente ficariam resguardados naquele recanto, apesar de Goten se torcer inquieto por abandoná-la. Número 17 gemeu, as pálpebras contraíram-se ligeiramente. Trunks apontou:

- A Maron fica bem. Ele está quase a despertar e vai cuidar dela. Aparentemente, fê-lo até agora, ou não estariam os dois aqui.

Mas Goten preferia ser ele a protegê-la, em vez de confiar naquele desconhecido, mesmo que fosse o tio da rapariga. Aceitou o facto contrariado. Depois, lembrou-se.

- Eh, espera lá. A Ana não estava com a Maron?

Trunks mostrava-se tenso.

- Estava. Deve ter acontecido alguma coisa... Mas não sinto que ela esteja em perigo.

O edifício tremeu com uma explosão. O extremo do corredor transformou-se em escombros. Trunks e Goten colocaram-se de sobreaviso. Abandonaram o recanto. Um bando de kucris apareceu aos guinchos, fugiam amedrontados de alguma coisa que os perseguia. Uma vaga flamejante encheu o corredor e assou os bichos que se dissolveram em rolos de fumo negro. Ele irrompeu pelo rombo aberto na parede, postando-se com imponência junto às ruínas que provocara.

Trunks e Goten exclamaram:

- Piccolo-san!

O namekusei-jin e os dois rapazes prosseguiram juntos por aquelas passagens assombradas à procura de Zephir.


IX.6. A salvação do Universo

Entrada no meu diário, data: desconhecida, estou noutra dimensão

Era só uma questão de tempo. Nada do que eu pudesse fazer poderia alterar o destino que me estava reservado e que era, como Toynara afirmara, moribundo e extasiado, partir daquela dimensão. Mas antes destruiria Zephir para sempre.

Aguardava calada, tentando subtrair-me ao local horroroso onde me tinham deixado, pejado de criaturas demoníacas e de lamentos assustadores, que gelavam o coração mais valoroso. Não tinha a coragem suficiente para enfrentar aquele ambiente e por isso fingia que não estava ali, resguardava-me na minha mente que eu enchera de vazio e repetia um murmúrio de olhos fechados, para conseguir sobreviver àquela loucura dominada pela magia negra.

- Hummmm...

O sol do Medalhão de Mu tinha mudado de cor. Os seus raios brilhavam em múltiplos tons alaranjados, emulando as chamas de uma fogueira, o que significava que o altar já tinha sido criado. Era, realmente, só uma questão de tempo.

Usava novamente os dois triângulos ao pescoço e quando mos devolveram, sorri porque já não me conseguia ver sem aquele adereço. Sem medo do pretenso fogo, passara os dedos pelos desenhos embutidos, sentindo o poder que derivava daquele símbolo, percebendo então e pela primeira vez que era mesmo só uma questão de tempo.

Tinha as mãos pousadas no regaço, encostava as costas à pedra fria da parede daquela câmara e cismava com o deserto que implantara no cérebro. Percorria veloz e ansiosa a imensidão do cenário cinzento despido, querendo encontrar uma ideia, que eu teimosamente afastava para não sucumbir ao terror. Haveria de sobreviver com a ajuda do deserto. Ainda vestia o mesmo vestido de sacerdotisa, bainhas rasgadas, gola laça, manchado com o sangue de Vegeta.

Não me espantara quando Keilo, o saiya-jin de Zephir, surgira junto a Ten Shin Han, o chikyuu-jin mais poderoso do planeta, à minha procura. O meu protetor aguentara um par de segundos contra Keilo. Defendera o primeiro golpe, o segundo golpe desfizera-o. Eu também não fugira ou lutara contra o meu iminente rapto. Olhara Keilo diretamente nos olhos e reconhecera nestes o mesmo fulgor que eu conhecia em Son Goku ou em Vegeta. Também o mesmo magnetismo, o mesmo carisma, apesar de ser um inimigo imprevisível, um assassino impiedoso. Sorrira-me deleitado com o meu descaramento. Os saiya-jin gostavam de quem os olhava de frente, sem medo. Mas Keilo, apesar de adorar o desafio, abominava o risco e para evitar problemas desnecessários, provavelmente porque lhe haviam contado que eu era rebelde e esquiva, dera-me uma pancada na nuca e eu perdera os sentidos.

Despertara com uma bofetada que me torcera o pescoço. Arquejara, com as lágrimas a transbordar dos olhos pela dor que me aquecia a face direita. Zephir observava-me analiticamente. A cara medonha do feiticeiro não me amedrontara, continuava corajosa. Ele enxotara de seguida Keilo, enviara-o para combater Son Goku que se aproximava perigosamente. Agarra-me no pulso, puxara-me, enfiara-me à bruta as correntes do medalhão no pescoço e metera-me novamente na câmara que me tinha apresentado da primeira vez que me tinha aprisionado dentro do templo. Ficara abismada com as reações de Zephir, estava ansioso e irascível, quando antes me tinha parecido tão controlado e tão pouco emotivo.

Era tudo somente uma questão de tempo.

O meu destino cumpria-se inexorável.

Vislumbrei o espírito de Toynara, transparente e imenso, a pairar sobre o Templo da Lua, sobre nós, braços alçados, um maestro a orientar a orquestra, a música soando conforme estava escrita na pauta, sem variações ou improvisos, uma sinfonia perfeita com um único desfecho, que nunca poderia ser evitado ou mudado. Era ele que fabricava o destino, era dele a vitória final.

Uma simples questão de tempo.

As dobradiças da porta da câmara chiaram. Desta vez, Zephir não me tinha trancado ali, talvez tivesse percebido que eu não iria fugir. Perguntei-me se também via o espírito de Toynara como eu o via, mas, em vez de assistir impassível como eu, tentava alterar a sinfonia, tornando-a sua, com muitas variações e outro tanto improviso.

Levantei-me, séria. Tinha chegado a hora e sentia-me preparada. Tinha também alcançado o fim do deserto, a minha mente reorganizou-se e encolhi-me ligeiramente, cedendo, por breves instantes, ao medo. Os meus joelhos vacilaram.

A porta abriu-se.

A responsabilidade de salvar o Universo era esmagadora, mas eu aceitava-a sem complicações. Quando fosse a altura de agir, agiria e o destino cumpria-se. Simples, como conduzir uma orquestra.

Ele entrou com um salto, estendendo uma mão.

- Ana-san, vem comigo.

A minha expressão rígida desfez-se.

- G-Goku?!

- Depressa!

Puxou-me pelo braço – e voltava aquela mania de me puxarem pelo braço –, antes de sairmos da câmara disparou um raio de energia com a mão livre que rebentou mais adiante. As paredes tremeram. Perguntei:

- E... Keilo?

- Ahn? O que é que tem Keilo?

- Não o encontraste?

- Não. Vamos, não podemos perder tempo. – Olhou para o meu peito e eu corei. – Tens o Medalhão de Mu, excelente! O altar mágico já foi criado, agora só precisas de o usar e acabar com o feiticeiro.

Corremos os dois pelos corredores que oscilavam como se se fossem desfazer. Num reflexo tapei a cabeça com um braço. Por todo o lado via demónios, monstros e assombrações. Cheirava a enxofre, havia fogo e fumo e era como se estivesse a correr com Goku através da profundeza dos Infernos.

Perguntei, para afastar o pânico:

- Sabes onde está o altar?

- Hai.

- E o altar...?

- Imperfeito. Tem o losango de que falou Toynara. Ouve lá, viste-o? Ele também veio para cá, mas não consigo sentir-lhe o ki. Talvez se esteja a esconder...

- Ele... Toynara morreu, Goku.

Parou de correr, parei também. Os dedos dele apertaram-me o pulso, calcaram suavemente na pele, senti uma descarga elétrica.

- É uma pena. E já não o podemos ressuscitar com as bolas de dragão.

Olhou por cima do meu ombro, enviou um disparo energético, escutei um silvo e um guincho. Acabava de matar mais um demónio. Sorriu-me para afastar tristezas.

- Prometi que te viria salvar porque tu pertences a nós, Ana-san, e eu não costumo faltar às minhas promessas.

- Eh... Hai. Eu sabia que virias.

Apagou o sorriso, assentou as mãos nos meus ombros, olhou-me diretamente nos olhos, com a mesma intensidade que Keilo tinha no seu olhar exigente.

- Agora, sabes que precisamos de ti. Vais utilizar o medalhão no altar e destruir o feiticeiro para sempre. Estás preparada para o fazer?

O meu estômago apertou-se numa cãibra de medo. Acenei afirmativamente.

Era o meu destino e o tempo que se tinha esgotado.

Vi Toynara executar um gesto elaborado, a batuta puxando o dramatismo, a orquestra de cordas chorando em uníssono, em triunfo.

Nisto, uma explosão destruiu o local onde estávamos. Gritei. Goku atirou-se para cima de mim, protegendo-me com o seu corpo. Escutei os pedregulhos desabando, toneladas sepultando-nos num amplexo abafado e escuro, um barulho ensurdecedor a rodear-nos. Tapei a cara com as mãos, encolhida debaixo dele, sustendo a respiração.

Um raio de luz irrompeu pela escuridão. Espreitei por entre os dedos e vi Goku afastar as ruínas com um braço, enquanto me segurava com o outro. Ofeguei, deslumbrada com aquela exibição de poder do herói, que me tinha beneficiado diretamente.

Estávamos agora no exterior. Olhei em volta, não havia um edifício de pé, eram só ruínas. Combatia-se nos céus. Voltei a cabeça para cima e reconheci um dos lutadores. O meu coração deu um salto.

- Trunks!

Um demónio gordo e verde lutava com Trunks. Socou-o, ele oscilou desequilibrado. Gritei aflita.

- Trunks!

Goku tinha-me agarrado novamente o pulso e puxava por mim, para me obrigar a mexer, para me chamar a atenção.

- Ana-san, temos de ir. Não te preocupes com Trunks, aquele demónio não é suficientemente forte para lhe causar qualquer dano.

- Mas...

- Trunks é um super saiya-jin. Sabe desenvencilhar-se sozinho.

Apertei os dentes. Concordei relutante.

O Medalhão de Mu faiscou. Chamava-me para o meu destino. A sinfonia ainda não tinha terminado. Estava perto do fim, era certo, mas ainda não tinha terminado. O maestro, confiante, suava.

Ah, até Toynara duvidava do final?

Corremos outra vez, desta vez a galgar escombros, ferros retorcidos, tijolos partidos e pedras fumegantes. Até que Goku estacou. Largou-me, empurrou-me. Tropecei nos próprios pés, amparei-me numa parede que ainda estava de pé, solitária, no meio de um mar de cascalho.

- Tens de continuar sozinha, Ana-san – disse-me ele, de costas para mim. - Desculpa, mas já não te posso acompanhar.

Keilo sorria.

- Estava à tua procura, Kakaroto.

- Encontra o altar e usa o Medalhão de Mu, Ana-san. Confio em ti. Todos nós confiamos em ti.

Os dois saiya-jin entreolhavam-se parados como estátuas. A energia latente entre eles era tão imensa que eu conseguia senti-la, atravessava o tecido do vestido, experimentava-a como uma carícia morna na pele. Escutava o bater do meu coração, os uivos dos fantasmas, o ronco surdo da terra que tremia.

O berro de Goku foi como uma chicotada.

- Ana-san!

- Hai.

Girei sobre os calcanhares e fugi. Fugi o melhor que pude, mas não foi o suficiente. Ao dobrar a esquina de um pórtico esventrado, um braço agarrou-me repentinamente e a minha fuga terminava.

- Onde é que pensas que vais?

Gritei. Zephir apanhava-me.

Os dedos gelados e ossudos do feiticeiro estrangularam-me a circulação do pulso. Tão diferente do toque de Goku... Encolhi-me com o asco e com o terror de estar a ser tocada por aquele ser repulsivo.

- Tu vens comigo, sacerdotisa.

Mirou-me de cima a baixo, lambeu os lábios. Voltei a cara. Sussurrou-me ao ouvido, num tom imbuído de lascívia:

- Depois de me transformares num deus, vou desposar-te. Vais unir-te a mim sobre o altar que me irá consagrar. Destruirei aquilo que Trunks te deu e que estás a gerar dentro de ti, para substituí-lo pela minha cria. Pretendo repovoar o Universo com criaturas das trevas, perfeitas, nascidas da união de um deus e de uma deusa.

Estremeci desconcertada. Reprimi um vómito quando me lambeu a orelha, arfando demoradamente para selar aquela ameaça. Pareceu pensar... Acrescentou com maldade:

- Ah... Tu ainda não sabes o que Trunks te deu, pois não?

Completou com o hálito fedorento junto à minha boca:

- Vais ser minha.

Deu-me um puxão irritado.

- Anda!

Esgueirámo-nos por uma abertura escura, estreita, de onde saía uma espiral de fumo amarelo, e tive a impressão que era arrastada por uma ratazana gigante, cinzenta e magra, que farejava todos os cantos para evitar os perigos que a poderiam esmagar. Não o devia provocar, tinha de me deixar ir submissa e obediente, pois Zephir estava tão nervoso que contra-atacaria à mais mínima suspeita de sabotagem. Ouviu-o resmungar:

- Malditos guerreiros das estrelas!...

Entrámos num pátio. Um enorme monstro com quatro braços e quatro pernas guardava uma pedra retangular, mais alta que larga. Com um gesto brusco, Zephir ordenou ao sinadelfo que se retirasse. Depois, soltou-me e disse em tom solene:

- Sacerdotisa, estamos perante o altar mágico.

Devolvi-lhe o olhar gélido e percebi que era tão poderosa quanto ele. Toynara sorria em êxtase, comandando a orquestra frenético, a melodia fantasmagórica gritava-me nos ouvidos, juntamente com um pensamento, resumido numa sentença seca.

Zephir, chegava o teu fim.

Fim de entrada.


IX.7. Extremos

Vegeta limpou o sangue da boca. Seria a sua terceira derrota daquela tarde se não se decidisse a agir como um verdadeiro saiya-jin deveria agir sempre: impiedosamente.

Ubo levantou os dois braços por cima da cabeça. O penacho de cabelo ondulava, os olhos vermelhos eram dois rubis que cintilavam de prazer maléfico. Ganhava o combate e deleitava-se com isso. Sobre as palmas das mãos encheu-se, num microssegundo, uma esfera rosa de energia pura. Aguardou outro microssegundo e enviou de seguida a esfera mortífera. Vegeta gritou e, com o seu ki, desfez a esfera.

O cansaço minava-lhe os músculos e a sua energia escoava-se rapidamente, tão rapidamente quanto Ubo criava as suas esferas. Já tinha outra preparada. Como ele odiava aquele minorca!

Um terramoto colossal fez a terra chocalhar como um brinquedo nas mãos de um deus travesso. O ronco surdo do chão misturou-se com um berro estridente a duas vozes. Vegeta sabia o que significava aquilo, e também Ubo, que não se sobressaltou com aquele fenómeno que espalhava ondas de choque por todo o planeta. Era o poder de um super saiya-jin, nível três. Keilo e Kakaroto lutavam.

Vegeta fechou os punhos, apertou os dentes, rosnou. A culpa era toda de Kakaroto! A sua influência tinha-o transformado num frouxo e num sentimentalista. Odiou-se a si próprio.

- Kuso!!!

Ubo sorria-lhe. A esfera bailava entre os seus braços.

Ele era o príncipe dos saiya-jin, o melhor da sua raça... Vegeta crispou o rosto. As faíscas da capa dourada dos super saiya-jin envolviam-lhe o corpo musculado. Ele era, acima de tudo, um guerreiro e os guerreiros entregam-se totalmente aos seus desafios. Tudo o resto não importava.

Ubo lançou a sua esfera. Vegeta não se moveu.

A mente encheu-se com a vontade irrevogável de eliminar o seu adversário. Iria acabar com Ubo. Não... Acabar com Majin Bu!

Terminavam as contemplações. O seu orgulho não suportaria uma terceira derrota naquele dia.

O sangue ferveu-lhe nas veias e o ódio inflamou-lhe a alma que escurecia toldada por um eclipse de maldade.

Se Ubo tinha sucumbido à magia de Zephir e se tinha transformado em Majin Bu, isso era problema de Ubo. Não tivesse sido estúpido ao ponto de ter cedido aos esquemas do feiticeiro. O papel dele era eliminá-lo sem qualquer remorso e Vegeta preparou-se para a tarefa, calculista como o assassino impiedoso que um dia fora.

Desviou-se da esfera que Majin Bu lhe lançara e que se desfez no solo num cataclismo de fogo, pedras e pó. Colou-se a ele e socou-o com toda a sua força. A cara carrancuda de Majin Bu ficou ainda mais carrancuda. Socou-o uma segunda vez e, de seguida, afastou-se. Aproveitando o espaço conquistado, uniu as duas mãos, berrou:

- Final Flash!!!

O ataque flamejante, rápido como um relâmpago, apanhou Majin Bu de surpresa. Quando os efeitos da explosão se esbateram na atmosfera e o fumo negro se dissipou, Vegeta pôde comprovar os resultados da sua técnica. Sorriu, o ego gigantesco duplicando de tamanho.

Majin Bu estava ferido. O braço direito pendia inutilizado ao longo do corpo massacrado com vários ferimentos que sangravam copiosamente.

- Não brincas comigo, fedelho – disse Vegeta com um sorriso cínico na boca.

Acumulou mais energia. Majin Bu pressentiu as mudanças, inclinou a cabeça de lado, o penacho de cabelo ondulava travesso, estava irritado, também acumulou energia. Ia ripostar, mas Vegeta sentia-se preparado para antecipar qualquer tipo de ataque.

O fim do combate estava próximo e Majin Bu iria ser eliminado. Doesse a quem doesse.


IX.8. A luz mágica

Entrada no meu diário, data: desconhecida, estou noutra dimensão

Na mão esquerda tinha a primeira metade do Medalhão de Mu e, na mão direita, tinha a segunda metade. Diante de mim tinha um Zephir ávido e cada vez mais nervoso.

A noite rodeava-nos, o céu trovejava zangado, os sismos eram intensos e ininterruptos, o Inferno continuava solto na Terra, ou pelo menos naquele lugar.

- Sacerdotisa, une as duas metades do medalhão.

Fi-lo devagar, tentando dominar o medalhão pois, uma vez as saliências e as reentrâncias frente a frente, estas atraíam-se como ímanes. Devagar, portanto, mas como se não fossem as minhas mãos que praticavam o ato.

Uni as duas metades do Medalhão de Mu e aconteceu um clarão que submergiu a união, batizando-a de luz. Seria a luz que nos guiaria pelas trevas, a partir daquele momento.

O medalhão palpitou nos meus dedos que o seguravam firmemente. O sol gravado no ouro era como uma chama viva no centro do amuleto que, agora reconstruído, recuperava a sua forma original de um triângulo geometricamente perfeito.

Zephir estava maravilhado, completamente hipnotizado com o poder magnífico que o medalhão emitia. Continuava nervoso, porém e eu sabia que não podia vacilar. Demasiada coisa dependia de mim, do meu sangue frio. Ele indicou o altar com um dedo esquelético, a voz entrecortada com a emoção avassaladora que deveria agitar como nunca aquele corpo mirrado:

- Agora... Vais usar o Medalhão de Mu... no altar mágico... E farás de acordo com o que eu te ordenar, sacerdotisa.

Fui até ao altar. No tampo inclinado desenhava-se um losango. As mãos invisíveis do maestro Toynara seguraram nas minhas.

Zephir deixou as últimas indicações:

- Irás encaixar o Medalhão de Mu nesse espaço. Ao fazê-lo, deverás pronunciar o meu nome para que eu receba a sua bênção. Diz: "Em nome de Zephir!" e depois afastas-te. Sacerdotisa, prepara-te para me obedecer.

Fechou os olhos. Permitiu-se descontrair o corpo ansioso. Abriu os braços, inspirando profundamente, emulando um anjo maldito.

- Fá-lo, sacerdotisa.

Aproximei o Medalhão de Mu do losango, com o vértice principal voltado para cima. Eu segurava numa coisa viva, quente, palpitante, que agora se atraía para a pedra escura do altar, para se fundir naquele espaço, onde pertencia. O poder era deveras imenso e cativante, arrastava-nos para um mundo onde tudo era permitido e onde não havia dúvidas ou morte ou dor ou cansaço. As prerrogativas de um deus, realmente.

Ou era eu que me sentia deus naquele instante em que cabia a mim a suprema decisão.

Percebi a subtil agitação de Zephir. Eu estava a demorar-me.

O Medalhão de Mu rodopiou nas minhas mãos, o vértice principal ficou voltado para baixo. De um golpe apliquei-o no altar, encaixei-o na metade inferior do losango e gritei:

- Em nome de Zephir!

O feiticeiro regozijou-se. Abriu os olhos com uma expressão feroz afivelada no rosto medonho.

Recuei, a olhar para as minhas mãos, à procura das mãos de Toynara. Não vi nada, mas ainda sentia o toque frio do fantasma.

Escutei o grito desesperado do feiticeiro:

- Mas... O que foi que tu acabaste de fazer?!!

Atirou-se aflito ao altar, cravou as unhas no medalhão para tentar arrancá-lo da metade inferior do losango.

No entanto, o que fora feito não podia ser desfeito. Estava consumado.

- Não!! Não!!

Endireitou os ombros, compreendendo que os seus esforços seriam em vão. Voltou-se para mim, respirando apressado, tremendo de raiva e de ódio.

- Vou matar-te, traidora!

Não senti medo. Era tudo e só uma questão de tempo.

Toynara completou a sinfonia, recebeu, com um sorriso, o aplauso deliciado que o consagrava como o grande vencedor daquele confronto.

A última nota da composição musical foi absolutamente épica. E eu sorri. O meu destino cumpria-se.

Do altar mágico irrompeu uma torrente de luz que alcançou os céus num feixe imparável e brilhante. Zephir olhou para o altar, eu recuei até sentir uma parede nas costas e a solidez da pedra fez-me regressar à realidade e comecei a tremer, a coragem toda esvaindo-se, convertendo-me na rapariga assustada que eu verdadeiramente era.

E vi.

A torrente de luz abateu-se sobre o pátio e o cenário converteu-se num mar branco, onde emergia o altar escuro e o Medalhão de Mu a faiscar sobre o tampo do altar. O amuleto emitiu um raio triangular, coberto de fagulhas e de estrelas, que atravessou Zephir de lado a lado, separando-o em dois.

Sangue.

Voltei a cara, fechei os olhos.

Um grito lancinante vibrou no pátio.

Seguiu-se um trovejar tenebroso. Milhentos fantasmas encheram o sítio, roçavam por mim, enleavam-se nos cabelos, mas não abri os olhos. O feiticeiro continuava a gritar e, mesmo de olhos fechados, eu via a cena como se os tivesse abertos. O medalhão desfazia Zephir em pedaços e espíritos horripilantes carregavam os pedaços e incineravam-nos, de modo a que nada restasse do feiticeiro, nem a ínfima possibilidade de um minúsculo espectro que vagueasse atormentado no Outro Mundo.

Solucei. A parede onde me apoiava desmoronou-se, o pátio desfazia-se numa tempestade de luz e num terramoto. Gritei à medida que os escombros se amontoavam perto de mim, por cima de mim, por todo o lado.

Zephir morria pelo poder do Medalhão de Mu.

E eu perdia o conhecimento.

Fim de entrada.


IX.9. Adeus à lenda

Goku arfava. O confronto fora breve, Keilo arrastava-se pateticamente pela terra a procurar levantar-se. O saiya-jin de Zephir perdera o primeiro assalto.

Uma das lições que aprendera com Keilo fora a de nunca menosprezá-lo. Com Keilo teria de dar tudo por tudo nos primeiros golpes. Não podiam haver brincadeiras, nem aquecimentos fictícios, nem cortesias de guerreiros de deixar o adversário atacar primeiro. Quanto mais tempo demorasse o combate, maior seria a vantagem de Keilo. Por isso, entrara a matar naquela luta.

- Vais-me pagar a ousadia, Kakaroto! – Rugiu.

Goku apertou os punhos. Levantou o queixo, olhou Keilo com desprezo. Os longos cabelos loiros caindo em grandes cachos roçaram-lhe nas costas. O seu cérebro funcionava de forma diferente quando estava transformado em super saiya-jin, nível três. Todo o seu sangue saiya-jin fervilhava nas veias e não havia nada mais que isso: sangue saiya-jin. A luxúria dos combates!

Keilo levantou-se, limpou o nariz ferido.

- Não queria chegar a este ponto, mas já vi que me consegues superar no nível três dos super saiya-jin.

A energia de Goku lançava centelhas brilhantes para a atmosfera. Keilo prosseguiu:

- Não quero que penses que me consegues derrotar. Muito bem, concedo-te a primeira vitória... Mas a guerra será vencida por mim. Porque eu, meu caro Kakaroto, ainda tenho muitos recursos.

Goku desconfiou. Novamente a bazófia dos saiya-jin, ou a realidade pura e simples? Talvez a última hipótese, pois Keilo estava a falar a sério. Não teria nada a perder, naquele momento. Zephir estava desesperado e exigira-lhe uma vitória. Prosseguiu indiferente:

- Foste um bom adversário, conseguiste sempre igualar o meu poder. Mas eu sou a lenda, o maior mito do meu povo. Vegeta foi bem claro nessa afirmação. E achas que a lenda se resume a isto? – Abriu os braços, exibindo o seu corpo esculpido no terceiro nível dos super saiya-jin. – Não, Kakaroto! Existe mais, muito mais... E vou mostrar-to. E depois... vais morrer.

O instinto ordenou-lhe que se colocasse em posição de defesa e Goku obedeceu ao seu instinto.

O que se seguiu deixou-o estarrecido.

Keilo cruzou os braços sobre a cara, enrolou-se numa bola. O chão debaixo dele tremia sem parar. Os seus grossos cabelos loiros começaram a encolher, a perder volume, a escurecer, a tomar uma forma desgrenhada. A energia do saiya-jin subia, subia, subia e parecia não ter limite. Nas suas costas uma forma peluda e comprida ondulava: uma cauda! Endireitou o corpo, esticou os braços para o alto, gritou com todas as suas forças. A energia desprendeu-se numa onda avassaladora que gerou um furacão.

Goku olhou para Keilo e ficou boquiaberto.

Keilo atingia outro nível de poder! Keilo atingia o nível quatro dos super saiya-jin!

Estava perdido, teve medo. Keilo tinha razão, ele ia morrer. Não seria capaz de anular aquele poder gigantesco, era mais do que conseguiria fazer. Teria de se resignar.

Apertou os maxilares, não queria desistir. Não podia... Por todos aqueles que amava, pelo planeta, pelo Universo. Só uma vez tinha desistido, mas nessa altura fizera-o porque tinha a solução para o problema – sabia que não estava à altura de Cell, mas Gohan estava e fora o filho mais velho que derrotara o monstro e acabara por salvá-los a todos.

Mas ali... era o mais absoluto desespero.

A capa dourada que o envolvia cintilou, Goku gritou a plenos pulmões.

Iria morrer, mas fá-lo-ia apenas depois de esgotar todas as possibilidades.

Também não era a primeira vez que enfrentava um inimigo superior.

Uma explosão luminosa brotou do Templo da Lua. O terramoto que se seguiu foi avassalador, violento, fraturante. Desequilibrou-se, caiu, apoiou um joelho no solo onde se rasgavam enormes fendas. A luz era tão brilhante que deixou-o momentaneamente cego e perdeu o contacto visual com Keilo. Passou a senti-lo, seguindo-lhe os movimentos, percebendo o ki gigantesco. Também ele estava surpreendido com o que estava a acontecer e ficara providencialmente quieto.

Uma pausa que permitiu a Goku pensar na estratégia que iria adotar naquele combate.

Nisto, o ki de Keilo sofreu uma alteração brusca. Goku ouviu primeiro um grito, depois alguém a ofegar aflito, mais gritos e silêncio. A luz que o templo vomitara tão impetuosamente e que banhara tudo em redor num maremoto ofuscante, diluía-se gradualmente. Concentrou-se, estendeu os sentidos para lugares mais afastados, mas era como se Keilo... tivesse ido embora.

- Nani?

Estranhou. A energia do saiya-jin tinha desaparecido completamente, levado pela luz. De um momento para o outro, evaporara-se para lado nenhum. Nem com a Shunkan Idou ele conseguia fazer uma coisa daquelas.

Contudo, não estava sozinho. Havia uma energia, mais fraca, ali com ele. Ergueu-se, abriu os olhos e descobriu um homem ruivo com uma expressão desnorteada no rosto suado. Vestia as mesma roupas de Keilo, mas era mais alto, pelo que as mangas tinham ficado curtas e as calças estavam acima dos tornozelos. Parecia uma caricatura de Keilo e Goku entreabriu um sorriso. O homem balbuciou:

- Son... Goku?

Já não tinha necessidade de manter aquele nível de poder ante o homem que tinha um ki maior que a maioria das pessoas da Terra, mas, mesmo assim, bastante inferior para ser um adversário temível e Goku abandonou o nível três dos super saiya-jin. Até porque também lhe sugava as energias com voracidade, não conseguia manter aquele estado por mais de meia hora sem ficar com as forças totalmente drenadas. Ao presenciar o fenómeno, o homem deu um salto para trás e gritou assombrado. Goku perguntou inocente:

- Onde é que está Keilo?

O homem insistiu:

- Son Goku...?

Seria melhor responder-lhe.

- Hai, sou eu. Conheces-me?

O homem arrojou-se aos pés dele e foi a vez de Goku saltar para trás. O outro disse a embrulhar as palavras:

- Ah! É uma honra conhecer o mais poderoso dos guerreiros da Terra. Nunca pensei que nasceria o dia em que finalmente te encontraria. Ai, eu não sou digno de estar no mesmo sítio que vós, meu herói.

Goku gaguejou, atrapalhado com a deferência:

- M-mas... O que é que estás a fazer? Levanta-te...

- Não posso! Não sou digno de o fazer. Tu és uma lenda! O exemplo que eu persigo, o que me motiva a ultrapassar os meus limites, o que me torna um melhor lutador. Admiro-te.

Goku corou, coçou a cabeça. Bem, Keilo é que se intitulava uma lenda e realmente era-o, concordava, nunca tinha conhecido um saiya-jin tão poderoso.

- Está bem... Mas, olha, queria só saber quem tu és. E se sabes onde se enfiou Keilo.

O homem respondeu, permanecendo com a testa colada no chão:

- Chamo-me Kang Lo. Vivia nas montanhas até conhecer o maldito feiticeiro que me desgraçou.

- Conheceste Zephir?

- Hai. Enfeitiçou-me com a terrível magia do Makai e desde esse dia tenho vivido um pesadelo. Via os meus atos hediondos, mas não conseguia evitar o que fazia. Foi horrível, Son Goku. Horrível! Peço que me perdoes.

- Não sei do que tenho que te perdoar, Kang Lo.

O homem encarou-o, começou a chorar, confessou agitado:

- Fui eu que ajudei Zephir a conquistar o Templo da Lua. Fui eu que assassinei todos os monges e todos os sacerdotes. Depois de conquistar o templo, Zephir ganhou mais poder e colocou a Terra e todo o Universo em perigo... Graças a mim e à minha habilidade. Depois, usou o meu corpo para fazer aparecer o super saiya-jin lendário.

- Ah... Então tu eras Keilo...?

- Hai! Mas agora libertaram-me da prisão. O espírito amaldiçoado do saiya-jin desapareceu e consegui recuperar o meu corpo, pois apesar de o feiticeiro ter tentado assassinar o meu espírito, consegui resistir e aninhei-me num canto, à espera da oportunidade de recuperar o que sempre me pertenceu. Oh, grande Son Goku... Perdoa-me!

Ao fundo, depois do lago de águas calmas e límpidas, os edifícios destruídos do Templo da Lua estavam sossegados, imersos na luz cinzenta do início da noite. As primeiras estrelas surgiam no firmamento. Goku semicerrou os olhos, analisando o espaço minuciosamente. Já não havia criaturas das trevas, nem kucris, nem os demónios Julep e Kumis, também já não havia Keilo. E Ubo voltava a ser Ubo.

A vitória era deles. Zephir fora derrotado.

O homem lamentava-se, o rosto molhado de lágrimas:

- Oh, perdoa-me! Perdoa-me, Son Goku...

Goku ordenou com firmeza:

- Levanta-te, Kang Lo.

O homem obedeceu. Porque era necessário, para sossegar o pobre lutador alucinado, disse-lhe:

- Eu perdoo-te.

O rosto do homem iluminou-se de felicidade.

- E não sintas remorsos por teres assassinado os monges e os sacerdotes do Templo da Lua. Todos foram ressuscitados pelo poder de Shenron e das bolas de dragão.

- Shenron? Bolas de dragão?

- Pelo poder do kami-sama – corrigiu, para que o homem entendesse.

- Honto?!

- Hai. Não te ia mentir, pois não? – Piscou-lhe o olho e o homem pestanejou confuso. – Podes partir em paz, Kang Lo. Estás livre da magia de Zephir.

O homem acenou com a cabeça.

- Irei, por agora. Mas voltarei. Quando o Templo da Lua estiver reconstruído, virei até aqui para me tornar monge. Quero servir a Deusa Suprema da Noite.

Goku cruzou os braços, perguntou admirado:

- Mas não me disseste que eras um lutador?

- Hai. Treinava-me todos os dias para ser o maior lutador do mundo. Para te conhecer... Já te conheci. Cheguei a lutar contigo. Mesmo que te tivesses enfrentado a Keilo, eu também lá estava, aninhado no tal canto. – Abriu um sorriso rasgado e sincero. – É fantástico lutar contigo! O teu poder é imenso. Jamais o esquecerei... Por isso, o meu caminho como lutador terminou. Preciso de dar paz ao meu espírito...

Olhou na direção do templo.

- Sei que Zephir era um homem cheio de maldade, mas os monges e os sacerdotes ensinados nos mistérios da lua não o eram. Gostaria de conhecer um pouco mais do culto, saber de coisas de magia... Son Goku, depois desta experiência, preciso realmente de dar paz ao meu espírito.

Despediu-se com uma vénia. Goku devolveu-lhe o cumprimento e também se dobrou diante de Kang Lo.

- Até sempre.

- Até sempre, Son Goku – gaguejou o lutador com os olhos marejados de lágrimas, sensibilizado com o gesto daquele que admirava tanto.

A seguir, deu meia volta, meteu-se pela floresta e foi-se embora.

Goku voou para o Templo da Lua para se encontrar com os seus amigos. Procurou por eles no meio dos escombros e da destruição, alcançando-os com o seu ki. Sentiu que estavam todos bem. Até a Ana.


IX.10. Encerramento

Devolveu o murro recebido com outro murro bem colocado nos queixos do outro. Escutou o osso estalar, mas não se partiu. Ele era rijo, o adversário mais rijo que já havia enfrentado. E agora fazia-o pela segunda vez, com acérrima raiva e uma vontade terrível de vencer.

Fixou o adversário. Estava transtornado com o que experimentava dentro da alma, um tropel tumultuoso de memórias que varriam toda a noção que tinha de bom senso. Sentia-o e não refreava o seu descontrolo.

Havia muito tempo que não se sentia tão excitado com um combate.

Talvez porque estava a perder e isso irritava-o acima da razão, alimentando a besta selvagem que dormia dentro daquele corpo aparentemente civilizado e domado de acordo com os requisitos da Terra.

O adversário endireitava o pescoço. Olhava-o e mostrava-lhe todos os dentes que tinha na boca bem apertados, numa dentadura impressionante. Uma gota de suor escorreu-lhe pela têmpora. Perfeito! Ele também estava a sentir a inquietude que o dominava e que ameaçava explodir em algo imparável.

E iria acontecer... naquele momento!

De punhos apertados, espetou o peito, cerrou as pálpebras, lançou a cabeça para trás. Soltou um brado que foi escutado do outro lado do mundo, reverberou até aos confins do Universo, tocando nos limites infinitos do espaço e do tempo.

Sentia-se desfazer em pedaços, os átomos fundindo-se gerando outra entidade, um poder imenso nascendo de toda a frustração acumulada, das memórias mais antigas. Era doloroso, mas gloriosamente soberbo. Deixou-se embarcar na sensação de invencibilidade enquanto se transformava no guerreiro poderoso que sempre fora destinado ser, desde o berço, desde o antigamente, quando conseguia sonhar com as impossibilidades e com os mitos.

Quando terminou, o corpo cintilava como uma estrela imortal. Os cabelos compridos tocavam-lhe nas costas numa cascata loira, o rosto tinha as feições esbatidas e os olhos estavam de um verde mais escuro.

Vegeta tinha-se transformado em super saiya-jin, nível três.

Não exultou. Limitou-se a olhar o adversário com despeito.

Majin Bu arquejou, surpreendido com a mudança radical. Fechou a boca, fazendo desaparecer a dentadura, recuou ligeiramente para ganhar espaço e ser capaz de suster o próximo ataque.

Que não podia ser sustido.

Vegeta uniu as mãos à frente do peito.

O último Final Flash estava preparado, latejava-lhe entre os dedos com impaciência para se soltar e desfazer o adversário. Majin Bu reunia rapidamente a sua energia numa barreira que lhe permitisse aguentar com toda a potência de um ataque de um super saiya-jin de nível três.

Depois daquele último Final Flash era o fim daquele maldito Majin Bu que regressara da tumba para o atormentar. Então Vegeta sorriu. Mas também lhe tinha mostrado o caminho para alcançar aquele nível de poder e agora estava igual a Kakaroto.

Uma torrente luminosa vinda do Templo da Lua invadiu o cenário daquela batalha mortal e Vegeta rosnou irritado com a interrupção. Não demorou muito, contudo, apenas alguns segundos que aproveitou para insuflar o seu próximo ataque flamejante com mais energia. Quando a luz se dissipou, teve a sensação esquisita que algo mudara no mundo mas não desfez o ataque. Mantinha-o apontado certeiro ao adversário que recuou mais um pouco.

Um círculo elétrico rodeou-lhe os pulsos.

Um grito ecoou pelos ares.

- Não! 'Tousan!!

Era a voz de Trunks. Mas nada o iria impedir de rematar aquele odiado Majin Bu que lhe arregalava os olhos como se o estivesse a ver pela primeira vez. Nada...

Juntou a energia que faltava e exclamou:

- Final Flash!

Novo grito.

- Não!

Vegeta soltou uma gargalhada. O seu ataque era indefensável.

A vitória por que tanto ansiava naquela malfadada tarde acontecia.

Primeiro, era super saiya-jin nível três. Depois, matava o seu adversário.

Repentinamente, calou as gargalhadas ao ver outro disparo de energia a intercetar o Final Flash. Os dois raios chocaram com estrondo, o primeiro levou o segundo para os céus e, no vácuo do espaço explodiu, neutralizando o ataque de Vegeta.

Fora Trunks, que passou por ele em direção a Majin Bu.

- Mas o que raios estavas tu a fazer? Queres matá-lo?!!

A sensação extasiante de invencibilidade esvaiu-se e Vegeta regressou ao seu estado normal. Cuspiu para o lado. Aterrou a ver o filho aterrar uns passos mais adiante com o seu patético adversário nos braços que tinha perdido os sentidos.

Experimentou um cansaço extremo que o fez dobrar os joelhos trémulos. A energia que consumira quando se convertera no nível três dos super saiya-jin tinha-o drenado mais do que desejava admitir. Disfarçou a fraqueza com um berro, lembrando que acabava de ser interrompido:

- Larga-o, Trunks! Vou acabar com esse maldito!

O filho não se afastou. Perguntou-lhe mais admirado que zangado:

- Mas por que é que queres acabar com Ubo, 'tousan? Enlouqueceste?

- Ele não é Ubo, é Majin Bu...

- Já terminou tudo. Zephir foi eliminado.

Um arrepio fê-lo estremecer.

- Nani?!

A solução fácil que abominava. O Medalhão de Mu tinha sido utilizado num altar imperfeito e a magia derrotara o feiticeiro. Fechou os olhos, respirou fundo. Tentou acalmar-se, tinha ainda o coração a bater acelerado no peito. Repetiu num sopro:

- Nani?...

- Não sentes? Zephir já não existe... Keilo também desapareceu. Então, também Ubo deixou de estar enfeitiçado e já não está contra nós.

Olhou por cima do ombro. Piccolo e Goten chegavam. Enquanto o primeiro carregava um homem ao ombro, o filho de Kakaroto tinha uma rapariga nos braços que não era a intrometida. Não procurou reconhecê-la. Trunks estava de braço estendido.

- 'Tousan, preciso de um senzu. Rápido! Deixaste Ubo em muito mau estado.

Atirou a sacola castanha, Trunks agarrou-a no ar. Vegeta sentou-se abatido, deixou pender a cabeça.

A vitória tinha sido amarga. Mas escondeu um sorriso... Tinha descoberto o segredo para mais um estágio de poder e, no final de contas, pessoalmente, fora o que mais ganhara com aquela aventura.

Trunks enfiou o senzu na boca entreaberta de Ubo. Obrigou-a a mastigar. O corpo do rapaz deu um esticão, escancarou os olhos e a primeira coisa que disse foi:

- Toynara-san?

No céu passava Goku que entrava no Templo da Lua.

- 'Tousan... – murmurou Goten.

Levantaram voo e foram atrás dele.


IX.11. Vitória

Entrada no meu diário, data: desconhecida, estou noutra dimensão

Cheirava a queimado. Abri os olhos devagar.

Deitava-me de borco em cima de grandes pedregulhos regados de areia. Alguém se aproximava. Não tive ânimo para me mexer e não iria fazer nada para me proteger do que aí vinha. Simplesmente, estava exausta.

Não queria pensar muito, doía-me até essa simples coisa que era pensar, pois havia algo que ligava os meus pensamentos ao coração e deste até à alma e aos ossos. Estava demasiado sensível também, qualquer mudança no ambiente que me rodeava disparava mensagens equívocas que puxavam à emoção e à lembrança. Recordava-me por que me encontrava ali, deitada de borco em cima de um pedregulho. O começo fora inocente, semelhante a um sopro que desfaz um dente-de-leão. Mas essa era uma certeza, uma verdade incontornável e toda eu estremecia ao considerá-la uma afirmação insofismável. Tudo começara porque eu me apaixonara pelo rapaz errado.

Assim... Em revolução na minha mente enevoada, a frase retumbante, quase tão maravilhosa quanto aquela luz que destruíra o ambicioso feiticeiro.

Eu apaixonara-me pelo rapaz errado.

Mas a aventura tinha sido inesquecível e eu não me arrependia de nenhum passo dado, nenhuma decisão tomada, mesmo que me sentisse igual a uma carcaça quebrada, deitada de borco em cima de um pedregulho e que estivesse rodeada de ruínas. Talvez uma alegoria ao que iria ser, dali para a frente. A seguir à luz e à vitória, os escombros de uma existência apagada.

Voltei a estremecer, gemendo.

Precisava que me salvassem, urgentemente e talvez não fosse daquele pedregulho e daquelas ruínas, mas de uma imagem desconchavada de um futuro que não me pareceu totalmente meu.

As divagações cessaram.

Alguém se aproximava e parou junto a mim, ajoelhou-se nos pedregulhos. Içou-me e aconchegou-me num abraço tão delicioso que eu sorri enlevada, derretendo-me no calor dele. Pestanejei, queria vê-lo, tentei vê-lo, mas a imagem veio distorcida.

- Ven-vencemos... – sussurrei.

- Hai, Ana-san – disse Son Goku igualmente num sussurro. – Vencemos.

E, sabendo-me a salvo, nos braços do meu herói, caí num sono profundo.

Fim de entrada.


IX.12. O regresso da paz

Os seus companheiros apareceram no pátio em ruínas e aquele que Goku fixou imediatamente foi Ubo. Não teve tempo para se alegrar com a presença dele, porém. Trunks arrebatou-lhe a Ana dos braços.

- Ana!

- Ela está bem – sossegou Goku. – Está apenas cansada, mais nada.

- Oh, querida... estou tão orgulhoso de ti – murmurou Trunks, estreitando-a nos braços.

Goku levantou-se, passando os olhos por todos. Vegeta afastava-se deles, braços cruzados, carrancudo como sempre. Inclinou a cabeça na direção do príncipe, um meio sorriso nos lábios.

- Conseguiste, não foi?

Vegeta devolveu-lhe o meio sorriso, respondendo-lhe misterioso:

- Hai... Pelos vistos, consegui.

Depois reparou naquele que Piccolo carregava sobre um ombro. Estava tão apagado quanto a rapariga da Dimensão Real. Reconheceu-o e balbuciou deveras espantado:

- Oh... Mas esse que tens aí, Piccolo... É número 17!

O namekusei-jin confirmou acenando afirmativamente:

- Estava prisioneiro nos subterrâneos do templo, assim me contaram os rapazes.

- Estava com a Maron – acrescentou Goten.

Goku viu que o filho carregava a filha de Kuririn nos braços. Arqueou os sobrolhos naquela sua maneira engraçada de mostrar espanto genuíno.

- E o que fazia a Maron aqui com número 17?

Goten encolheu os ombros.

- Quando ela acordar, podemos perguntar-lhe.

Como a sua curiosidade não seria satisfeita nos próximos minutos, esqueceu prontamente o assunto. O seu olhar casual apanhou, pela segunda vez, a presença de Ubo. O rapaz percebendo o interesse dele, encolheu-se envergonhado atrás de Piccolo. Goku assentou os punhos fechados na cintura, esticou o pescoço para estabelecer novamente contacto visual com o seu pupilo e concedeu-lhe um sorriso cristalino, sem malícia.

Ubo mostrou-se, abandonando o refúgio atrás de Piccolo, cabisbaixo, arrastando os pés. Num fio de voz pediu:

- Gomen nasai... Goku-san.

Goku estranhou. Não era muito comum Ubo tratá-lo pelo nome e sempre que o fazia significava que a ocasião era especial. Abriu mais o sorriso.

- Eu perdoo-te, se tu também me perdoares, Ubo-kun.

O rapaz olhou-o desconcertado.

- Sensei...

- Portei-me muito mal contigo. Menti-te e eu não gosto de mentir, mesmo que seja sem querer, aos meus amigos, muito menos aos meus filhos. Deveria ter-te contado a verdade. Podias ter-nos ajudado. Em vez disso, por desconheceres o que é que se estava a passar, caíste na magia do feiticeiro e quase que ia acontecendo uma desgraça. Gomen nasai, Ubo-kun.

O rapaz pendeu a cabeça para o lado direito e Goku sentiu um calafrio, porque aquele trejeito era típico de Majin Bu. Acalmou-se, de seguida. O pesadelo já tinha terminado com o fim do feiticeiro, era apenas um reflexo que lhe lembrava que o monstro fazia parte de Ubo, existia adormecido nas profundezas do seu subconsciente e, de vez em quando, haveria de surgir num gesto, numa palavra, num combate, durante uma boa sessão de treinos intensivos.

- Irei perdoá-lo, Goku-san, com uma condição.

- Eh!... Que condição? – Estranhou Goku.

- Quero conhecer a história do meu passado. Nunca me contou o que tinha acontecido antes de eu nascer... Nunca me falou de Majin Bu.

Uma pérola ínfima de suor surgiu-lhe na testa. Mas Goku concordou:

- Hai. Eu conto-te sobre Majin Bu.

Por fim, Ubo sorriu.

- Está perdoado, sensei.

- E tu também estás perdoado. Bem-vindo de volta, Ubo.

E selaram a conversa com um abraço apertado.

A noite tinha caído e soprava um vento manso e quente de primavera.

O Templo da Lua era agora uma carcaça esventrada e vazia, mergulhada em sombras inofensivas, despojado de ruído e estranhamente desamparado sem a presença negra de Zephir, do poder de Keilo, dos demónios Julep e Kumis e dos guinchos dos kucris. Todos tiveram aquele mesmo pensamento.

Goku recordou-se de Keilo, espreitou Vegeta. Ele estivera tão concentrado em chegar ao nível três dos super saiya-jin que não se apercebera, de certeza, do aumento brutal de energia de Keilo e da sua transformação em super saiya-jin, nível quatro. Talvez lhe contasse o que tinha sucedido um dia, durante um combate em que testariam as suas capacidades, quando ambos se enfrentassem como super saiya-jin de nível três. Escondeu um sorriso de pura alegria a antecipar esse dia, porque adorava lutar contra Vegeta, um pequeno prazer que gostava de manter secreto, por causa dos mal-entendidos, porque ninguém haveria de compreender as suas razões e as razões de Vegeta. Afinal, não passavam de dois saiya-jin de sangue puro com noções muito especiais relativamente à definição de divertimento.

Vendo em retrospetiva, adorara ter conhecido o super saiya-jin lendário. Keilo ensinara-lhe que existia outro nível de poder e que poderiam haver outros, os limites eram infinitos e as possibilidades incontáveis. Goku jurou que iria treinar-se duramente para também ele chegar a ser um super saiya-jin de nível quatro. Ou nível cinco. Riu-se para si próprio com a ideia descabida... Ou talvez não.

O barulho de passos arrastados quebrou o silêncio e colocou-os alerta. O Templo da Lua já não estava vazio. No pátio apareceu um homem velho, de ombros encolhidos e costas curvadas com um aspeto solene e autoritário, acompanhado por três homens vestidos com túnicas largas vermelhas, esfarrapadas e sujas. Dobrou-se numa profunda reverência diante de Goku.

- Grande guerreiro, o verdadeiro Sumo-sacerdote deste templo saúda-te. É uma honra conhecer-vos, Son Goku.

- Ah... Yo, ojiisan. Eh... É também uma honra conhecer-te.

Piccolo revirou os olhos pela falta de maneiras de Goku.

Mas se fora inconveniente ou desrespeitoso, não incomodou o Sumo-sacerdote que prosseguiu:

- Queria agradecer-vos, Son Goku, por tudo o que fizestes por nós.

- Não precisas agrad...

- Se não fosse pela vossa valentia inigualável... – cortou o velho e o seu braço percorreu o pátio num gesto dramático, incluindo todos os outros. – Se não fosse pela valentia inigualável dos guerreiros que guardam a Terra, o Universo estaria condenado.

- Na realidade, deves agradecer àquela rapariga que está ali. – Goku apontou para os braços de Trunks. – Foi ela que eliminou Zephir com a ajuda do Medalhão de Mu.

O velho sorriu, acendendo as rugas junto aos olhos e à boca.

- Ela está convosco. Nós sempre confiámos nos guerreiros das estrelas.

Goku sorriu também.

O Sumo-sacerdote revelou-lhes ainda que pretendia reconstruir o Templo da Lua, devolver-lhe o esplendor que tivera antes daquela guerra vergonhosa. Assegurou-lhes que nunca mais haveriam de educar um feiticeiro que pudesse colocar o mundo em perigo e que iriam viver, como sempre acontecera até ali, em função de objetivos pacíficos, norteados pela procura da sabedoria e pela humildade.

- O templo irá, em breve, acolher novos monges – completou o Sumo-sacerdote emocionado. – Desejamos aprendizes que honrem a magia através da veneração da noite e da magnífica deusa desaparecida. Será o sangue novo que irá reerguer o templo e dar-lhe uma nova vida, apagando os terríveis erros do passado.

E Goku pensou em Kang Lo, que seria certamente um dos primeiros a bater à porta do novo Templo da Lua.

Tinha chegado o momento de deixarem aquele lugar.

Goku despediu-se e partiu, acompanhado pelos seus companheiros.

A magnífica aventura vivida intensamente por todos terminava.

Zephir fora destruído para todo o sempre e a missão estava cumprida.

A Terra encontrava-se finalmente em paz.

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