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Capítulo X


X.1. Opções

Entrada no meu diário, data: setembro 1996

Bebi um pouco da água gaseificada gelada, apesar de não me apetecer porque estava com frio e a noite estava fresca, mas não me queria ir já embora. Precisava desesperadamente de tempo, ainda não me sentia preparada. O André levou a imperial aos lábios, deixou junto ao nariz um bigode de espuma. Limpei-o com os dedos e sorriu-me com o gesto. Fora mais instinto que carinho, mas ele não deu pela diferença.

Sexta-feira, começava o meu fim-de-semana inesquecível. Tinha feito uma pequena mala com alguma roupa e artigos de higiene, inventara que iria dormir na casa da Catarina, saíra com o meu carro. Estacionara-o na rua do André, passara para o carro dele. Telefonara à Catarina e pedira-lhe que ela corroborasse a minha história na eventualidade de a minha mãe lhe ligar a perguntar por mim. O André exibira o porta-chaves, com a famosa chave do apartamento do primo de Évora a tilintar diante dos meus olhos. Sorrira e depois lambuzara-me com um beijo. Convidara-me para ir tomar um copo, aproveitar um pouco a noite antes de darmos início ao nosso fim-de-semana inesquecível, e eu aceitara aliviada.

Estávamos na esplanada do bar "O Cofre", na rua dos bares. Naquela noite de finais de setembro, o movimento era bastante diferente da loucura que caracterizava o verão. O ambiente estava composto, para uma noite de sexta-feira e tendo em conta a altura do calendário. Os noctívagos eram, na sua maioria, alunos forasteiros da Universidade do Algarve que haviam regressado à cidade para o início do novo ano letivo. Avistei a Patrícia, ao longe, acompanhada de duas raparigas que sabia serem amigas da Carla. Cumprimentou um rapaz com dois beijinhos, sorridente e descontraída. Agarrei no meu copo de água gaseificada.

- Não é a tua amiga?

- É.

- Não vais falar com ela?

Neguei com a cabeça.

- Porquê?

- Estou contigo.

- Ela ainda estuda?

- Não. Acho que anda à procura de emprego. Quer ir trabalhar para Lisboa, disse-me.

O André caçou-me a mão pousada em cima da mesa.

- Quando quiseres ir embora, diz.

Olhei-o em pânico. Forcei um sorriso. Eu não queria sair dali nunca, não queria começar aquele fim-de-semana inesquecível. Ao contrário dele que estava ansioso para passar a noite comigo.

- Quero ficar mais um pouco, se não te importares – disse eu, estremecendo com um arrepio.

- Estás com frio?

- Não. – Elevei a voz. – Não, André. Até estou a beber uma água gelada, não estou?

- Hum... Escusas de estar à defensiva comigo. Estamos nisto juntos e vamos fazê-lo juntos. Não te vou forçar a nada.

Apanhara as minhas dúvidas. Acreditei que fora por acaso, detestava ser transparente para os outros, até para o André, apesar de ser o meu namorado. Porque se ele me conseguisse ler a alma, veria que eu vacilava porque o meu coração batia por alguém que eu recordava constantemente em todos os minutos daquela noite, nos minutos todos dos dias antes daquela noite. Não me conseguia esquecer de Trunks, nem da estocada fatal de Son Gohan, nem do sonho que, antes de ser maravilhoso, rebolou no abismo negro dos pesadelos.

Sorri, com uma imensa vontade de chorar e desatar a correr pela rua afora.

- Eu sei - respondi.

Mas a chave do apartamento de Évora tilintava nos meus ouvidos, dizendo-me que o André iria aprisionar-me para sempre na câmara da torre alta que aquela chave abria e que, a partir do momento em que me entregasse, mesmo que verdadeiramente não quisesse, seria sempre dele, eternamente presa a essa fraqueza em que devia ter dito que não, porque estávamos naquilo juntos e ele não me forçava a nada.

Inclinou-se e eu concedi que me beijasse. A língua dele estava fria, com sabor a cerveja. Disfarcei o sabor com mais um gole de água. Medi o que faltava na garrafa. Teria de ir mais devagar, senão ficava sem desculpa para me manter sentada naquela mesa, na esplanada do "Cofre".

Espreitei a Patrícia, no fim da rua, junto à porta do "Académico", que estava mais vazio do que era normal, mas o "Académico" era um bar de verão, frequentado pelo pessoal da capital que passava férias na região. Fora ali o primeiro encontro com o anjo dos olhos azuis. O coração doeu-me.

Alguém apareceu atrás do André. Ele voltou-se, cumprimentou-o apertando-lhe a mão.

- Oi, Marco. Por aqui?

- Vim dar uma voltinha. Posso sentar-me?

O Marco sentou-se, o André apresentou-nos, tratava-se de um colega do banco. Começaram a conversar, o Marco trazia uma imperial, o André bebia a sua e continuava a agarrar-me na mão por cima da mesa, fazendo-me dele, incontestavelmente uma prisioneira.

Poderia sempre dizer que não. Mas como, se ele estava tão convencido do seu prémio? Até me mostrara triunfante a chave do apartamento do primo de Évora.

O melhor seria apagar as luzes, fechar os olhos, apagar-me.

Ainda bem que o Marco tinha chegado, proporcionou-me uns minutos de alívio. Ausentei-me daquela mesa, perdi-me em pensamentos diferentes, para ver se me acalmava.

Gostava do André, não gostava? Não tinha sonhado tantas vezes com os beijos dele, com mais do que só beijos, com aquilo que as pessoas que se gostam costumam fazer? Juntas, sem forçar nada?

Só que agora havia um elemento novo a baralhar o jogo e eu estava cheia de medo de perder o rasto de Trunks. Tinha-o encontrado, contra todas as probabilidades, um rapaz tão real quanto o André e já tínhamos um punhado de momentos colecionados, o penúltimo no banco de trás do automóvel dele, o último, um almoço com a família dele.

Mas por que razão persistia no engano? Eu já o tinha perdido. Ele não era para mim. Ele era apenas... Sorri com a observação descabida, porém tão verdadeira como o copo gelado que agarrava com a mão esquerda. Ele era apenas um desenho animado!

O bar "Conselheiro" era famoso entre a população universitária e começava a reunir uma pequena multidão à porta, perto da esplanada do "Cofre". Distraí-me a ver os frequentadores do bar, reconheci alguns rostos, costumava vê-los na universidade. Os batuques monótonos da música rave do bar "Binómio" coloriam a noite com algum ritmo. Bebi outro gole da água gaseificada, ou melhor, limitei-me a molhar os lábios.

E então descobri-o, entre a multidão que se aglomerava debaixo do letreiro do "Conselheiro". Estava sozinho, segurava um copo de imperial quase cheio, a cabeça voltava-se de um lado para o outro à procura de alguém, os olhos perscrutavam cada pessoa que passava como se lhes vasculhasse o esqueleto.

Observei-o, oscilando entre o calor e o gelo, sorvendo todos os detalhes da linguagem corporal dele, analisando cada curva perfeita da silhueta, onde não se encontravam erros, nem linhas coloridas que denunciassem a sua verdadeira natureza, um milagre, tão espantosamente ao meu alcance e tão miseravelmente longínquo, que senti vontade de chorar. Apertei os lábios.

Trunks encontrou-me. Os olhos azuis focaram a minha imagem, absorvendo toda a cena ao pormenor. Uma mesa, dois rapazes, um deles agarrava na minha mão. Bebeu um grande trago da imperial. Continuou a olhar para mim e chamava-me dessa maneira muda.

Engoli em seco, nervosa. A mão do André abafava a minha e eu queria gritar porque estava a arder e doía, mas era o olhar de Trunks que me queimava, não era a mão do André. Insistia em chamar-me e eu não resisti àquele apelo. Primeiro, puxei pela mão. O André conversava com o Marco e não se admirou com o meu gesto. Depois, levantei-me e foi então que chamei a atenção dele.

- Onde vais?

Menti:

- Vou ali falar com uma amiga... da Patrícia. Já venho.

- Está bem.

E regressou à conversa com o Marco, sobre assuntos de trabalho.

Trunks seguiu os meus passos com o mesmo olhar dissecador, um azul que se incendiava à medida que eu me aproximava. Escondi-me parcialmente atrás de dois rapazes que se postavam junto à entrada do bar, de costas para a mesa onde estava o André.

- Komba-wa, Trunks.

- Komba-wa, Ana.

Não me sorria, eu também não lhe sorria.

- Gohan disse-me que não podia encontrar-me com vocês.

- Ele disse isso? Nunca julguei que Gohan-san conseguisse ser tão malvado. Presumo que as aulas de japonês terminaram de vez.

- Disse-me que estavas avisado para não te encontrares mais comigo.

- É verdade, tenho essas ordens. Mas estou sempre a desobedecer. Um grande problema...

A ironia dele estava a irritar-me.

- Gohan também me disse que o Universo está em perigo. E eu ponho o Universo em perigo por falar contigo, por entrar na casa dele, por vos conhecer?

Bebeu um gole de imperial e acenou com a cabeça.

- Hum-hum.

- Isso não faz sentido nenhum.

- E falares comigo, sabendo de onde venho e que não é do Japão, nem de Espanha, faz sentido?

O meu coração batia tanto que conseguia abafar a música do "Conselheiro". Contemplei-o. Sabia que o amava e soube-o naquele instante.

Suspirei.

- Sabes uma coisa? Acho que Gohan deve ter razão. Devo afastar-me...

Ele ficou incomodado com a minha afirmação.

- Porquê? – Indagou brusco, baixando o tom de voz a seguir: – Porque agora tens um namorado?

- Eu pertenço a este mundo. Tu, Gohan e todos os outros, não. Quando te fores embora, o que é que vai acontecer?

- Não queres vir comigo?

O convite abanou-me. Respondi num sussurro:

- Não posso...

Trunks endireitou as costas.

- Diz-me isso a olhar para os meus olhos, Ana. Diz-me que te vais afastar e que não me queres ver mais.

Olhei-o perplexa.

- Diz-me e prometo que também me afasto.

Apartei o olhar, cruzei os braços com outro dos arrepios que começavam a ser frequentes naquela noite.

- Consegues ser tão cruel.

- E desprezível?

- Não me apetece brincar, Trunks.

Ele replicou, querendo soar indiferente:

- Eu também não estou a brincar.

Arrastei um pé no pavimento, respirando fundo, incomodada porque me mantinha ali mais tempo do que devia, o magnetismo dele aprisionando-me, quando era prisioneira de outra pessoa, naquela noite.

O silêncio aconteceu naturalmente, não por falta de assunto, mas porque uma pausa era necessária. Gostei de estar com ele, no silêncio.

Acabou com a imperial, pousou o copo numa mesa próxima.

- Não te preocupes. Já olhou duas vezes para cá, mas continua a falar com o amigo.

- Quem?

- O teu namorado.

- Ah...

Seria a deixa para me ir embora? Deveria ser. Continuava a mirar os meus sapatos, que arrastava devagar pelo pavimento, como se tivesse uma pastilha elástica colada na sola e precisasse de me livrar dessa coisa nojenta. Via as botas dele, as calças, o cinto, a blusa escura, as abas do blusão, o fim dos bolsos do blusão, a ponta dos dedos das mãos, não lhe via mais nada. Desejei um abraço, um beijo arrebatado e desfaziam-se todos os mal-entendidos. Todos... Para que a chave do apartamento do primo de Évora deixasse de tilintar no meu cérebro, um espanta-espíritos maléfico que afastava os anjos e não os demónios.

- Tenho de me ir embora – murmurei, encostando-me inconscientemente a ele.

- Não precisas.

Um berro com sotaque fez-me estremecer.

- Espanhol do carago! É aqui que te estás a esconder?

Apareceu uma rapariga morena, com uma longa cabeleira preta encaracolada a oscilar sedutoramente pelas costas, vestida com umas calças justas de cabedal que refletiam as luzes da rua e calçando uns sapatos de salto alto finos como agulhas. Enfiava as mãos nos bolsos de uma jaqueta vermelha que lhe acentuava a figura. Trunks olhou-a de cima a baixo.

- Andas a fugir de mim, espanhol?

Vi-o transfigurar-se no rapaz que eu tinha conhecido naquele verão e que dizia chamar-se Tiago. Sorriu para a rapariga.

- Não, nena. Mas, como vês, estou acompanhado.

Ela deitou-me um olhar desdenhoso, de soslaio.

- Esta coisinha aqui? Não me faças rir.

Mastigava uma pastilha elástica, que mostrava às cambalhotas entre os dentes.

- Então, não me pagas um copo? – Perguntou ignorando-me, intrometendo-se entre mim e ele.

- Nena, mira...

- Não me venhas com essa do nena, carago. Já te esqueceste do meu nome?

- Não, Manuela.

Ela passou os braços pelo pescoço dele, beijou-o na boca sem qualquer pudor. Fechei os olhos, recuei um passo. Não imaginei uma despedida daquelas. Deveria ser diferente, mais privada, já que era um adeus para sempre, mas nunca o conseguiria na rua dos bares e fora ingénua em julgar que aconteceria como nos filmes. E eu estava acompanhada, não devia demorar-me mais.

Ele retirou os braços dela do pescoço.

- Nena, pago-te o copo. Mas tenho de dizer-te uma coisa.

- O quê?

- Já não há mais nada entre nós, nena. Acabou.

- Querido... Leva-me para a cama e depois voltamos a falar.

- Estou a falar a sério. Pensando melhor, acho que não te vou pagar copo nenhum.

Ela enfureceu-se.

- Espanhol de merda! Pensas que brincas comigo?

Ele apagou a expressão ligeira do rosto. Ela gemeu, com os pulsos estrangulados nas mãos dele. Protestou com veemência:

- Solta-me! Solta-me ou faço um escândalo.

- Já estás a fazer escândalo, nena.

Ele soltou-a. Ela gemeu outra vez, a esfregar os pulsos. Olhou-me ainda com maior desdém.

- É por causa desta coisinha? Estás a ficar sem gosto, espanholito.

- Se quiseres companhia, o João está à tua espera.

- Qual João, carago?

- Adeus, Manuela.

Ela rugiu, cuspiu para os pés dele e afastou-se praguejando. Torceu um pé quando prendeu o salto alto fino como uma agulha entre a calçada, continuou a andar quase a fugir, a cabeleira preta encaracolada agitando-se atrás.

Trunks não lhe dispensou um segundo olhar. Perguntou-me, como se fosse a coisa mais natural do mundo:

- Queres beber alguma coisa?

Olhei-o atarantada.

- Não fizeste aquele espetáculo por causa de mim, pois não?

- Já devia ter despachado aquela rapariga há mais tempo, mas nunca pensei que ela insistisse tanto. Andava a perseguir-me... Bem, queres beber alguma coisa, ou não?

- Eu não estou sozinha. Já te esqueceste?

- Não brinques comigo.

- Também me vais apertar os braços até que grite por socorro?

- E achas que o teu namorado está à minha altura?

Corei indignada, mas deu-me vontade de rir. Tapei a boca para que ele não percebesse o meu sorriso.

- Anda, pago-te um copo...

Afastou-se da parede do bar, contornou o par de rapazes que me tinham servido de barreira, passou as mesas da esplanada do "Conselheiro". Segui-o.

- Espera! Não posso aceitar.

Ele parou, desiludido.

Nisto, o olhar endureceu. Assustei-me quando se dirigiu a mim e me empurrou. Tirava-me do caminho.

Um vulto cruzou-se à minha frente com tanta rapidez que mal o vi, senti apenas a brisa aquecida que provocou ao deslocar-se.

O que sucedeu a seguir foi tão rápido como o vulto. Ouvi um urro, um baque, o ar aqueceu mais. Algumas mesas saltaram pelo ar, o som de vidros a se partirem. Um grito, um corpo a cair.

- Ve-Vegeta?! – Exclamei incrédula.

Vegeta estava de costas para mim e tinha Trunks aos pés, sentado no chão, volvendo os olhos irados para a figura orgulhosa do pai.

- Vamos, levanta-te!

- Por que raios me bateste? Não estava a fazer nada de mal!

- Tomas-me por algum idiota? Acabaram-se as folgas. A partir de agora, vou andar em cima de ti e nem te vou deixar respirar. E não vou tolerar que passes nem mais um segundo com esta maldita intrometida.

O instinto falou mais alto, apesar de ter escutado aquela breve troca de palavras, apesar de saber que era a maior estupidez que iria ser cometida naquela cidade nos últimos duzentos anos.

No momento em que Vegeta ia avançar para Trunks, coloquei-me entre os dois.

As pessoas começaram a juntar-se à volta, para ver o que é que se estava a passar, atraídas por um acontecimento diferente que alterava a ordem das noites típicas de sexta-feira.

Trunks ergueu-se com um salto.

- Ana, o que é que tu estás a fazer?

- Eu...

Humedeci os lábios.

Eu não sabia. Achava que o protegia, mas não podia fazer grande coisa contra um saiya-jin. Era como na praia, contudo, naquela primeira noite em que nos tínhamos conhecido. Sentia uma necessidade imperiosa de o defender, mesmo que ele realmente não precisasse, ou desdenhasse dessa minha presunção. Uma maneira estúpida de mostrar que me importava com ele, que gostava dele, como se ele já não o soubesse e tinha-o sabido, que eu gostava dele, precisamente desde essa primeira noite, na praia.

Mantive estoicamente a minha posição.

- Desaparece! – Rosnou Vegeta.

- Ana, faz o que ele te diz - pediu Trunks. – Vai-te embora.

Abri os braços, a reforçar o que fazia ali, caso ainda não fosse claro. Abanei a cabeça e disse:

- Não quero que lhe batas por causa de mim. Já sei que me devo afastar. Son Gohan pediu-me que o fizesse. E eu vou-me afastar... Estava a despedir-me.

- Cala-te! Isto não te diz respeito, sua intrometida!

Teimosa, tornei a abanar a cabeça. A minha voz tremia:

- Só saio quando te fores embora.

Vegeta acercou-se de mim. Zangado, perguntou-me entre dentes:

- Estás a desafiar-me?

Não consegui responder. Os olhos dele eram negros como dois carvões. Trunks insistiu:

- Ana, vai-te embora. Sou eu que te estou a pedir.

Baixei os braços.

- Promete-me que não lhe voltas a bater.

- Nani?!!

- Promete-me...

- Desaparece, intrometida. Ou vais arrepender-te.

- Ah... - E fingi-me corajosa. – Vais bater em mim, agora? Não serias capaz.

- Estás a mexer com os meus nervos, intrometida!

- Tenho nome, sabias?

- Se queres um adversário, estou aqui!

Aquela voz interrompeu-nos. Espreitei por cima do ombro de Vegeta que se virou para ver quem tinha acabado de chegar.

Perdi a força nas pernas.

- Goku?

- Kakaroto?

Dissemos ao mesmo tempo e depois entreolhámo-nos. Eu porque não estava à espera de ouvi-lo chamar pelo nome saiya-jin de quem chegava e ele porque não estava à espera que eu o reconhecesse. Mas a figura de Son Goku era inconfundível.

- O que é que tu queres?

- Já te disse. Se queres um adversário, estou aqui.

Vegeta mostrou um punho. Começou a falar em japonês:

- Isto é assunto meu e não consinto que interfiras, Kakaroto.

Goku respondeu na mesma língua:

- Se o teu problema tem a ver com Trunks interagir com alguém desta dimensão... então, é problema nosso.

- Desde o início que Trunks tenta interagir com alguém e nunca te vi preocupado.

- Nunca esteve tão perto, como agora.

- Precisamente! Por isso, a minha vigilância tornou-se mais apertada. – Vegeta apontou-me um dedo e só então reparei que calçava as habituais luvas brancas. Estava pronto para combater. – E não o quero por perto daquela intrometida. Nem que para isso tenha de o deixar inconsciente e arrastá-lo comigo para casa.

Goku inclinou a cabeça, espreitou por cima do ombro de Vegeta, olhou para mim e disse, em castelhano:

- Ah... Ela é a famosa Ana.

O olhar doce de Goku intrigou-me. Não condizia com aquela cena com os nervos à flor da pele.

Vegeta observou irritado, em japonês:

- Queres uma apresentação formal? Já agora, ela também te pode conhecer e fazemos um piquenique amanhã, todos juntos, já que esta intrometida também conhece o idiota do teu filho e toda a família do teu filho!

Goku replicou, em japonês:

- Deves acalmar-te. Ouvi o que ela disse. Vai afastar-se e não devemos aumentar ainda mais o problema. Deixa-a afastar-se.

- E estando aqui com o palerma do meu filho é sinal de que se está a afastar? Não me parece!

Ouvi Trunks a rosnar atrás de mim.

- Estás a atrair as atenções com todo este espetáculo, Vegeta. Não devias ter atacado Trunks no meio de uma rua da Dimensão Real.

- Agora... és tu que me estás a irritar!

As pessoas cada vez se juntavam mais à nossa volta e o burburinho crescia.

Vegeta projetou o peito para diante. Anunciou em castelhano:

- Aceito o desafio. Enfrento-me a ti!

Goku ripostou, aborrecido, na mesma língua:

- Preferia que não o fizéssemos. Está demasiada gente à volta.

- Não sejas cobarde.

Goku sorriu. Dobrou os braços, fechou os punhos, também projetou o peito para diante e anunciou:

- Quando quiseres. Começa tu!

Trunks deu um passo em frente.

- Não. Esperem!

Sustive a respiração.

A investida de Vegeta foi repentina. Goku perdeu o equilíbrio e estatelaram-se os dois no chão. A multidão que assistia movimentou-se, abriu o perímetro da arena. Vegeta esmurrou Goku. Eu desviei o olhar, arrepiada, quando vi o sangue espirrar. Trunks gritou:

- Parem!

Goku aparou o segundo murro. Rebolaram pela calçada, separaram-se. Puseram-se de pé. Vegeta lançou um pontapé, Goku defendeu o golpe com um braço. Houve palmas.

- Eh, pá! Isto mete Karate e tudo.

O ataque seguinte foi de Goku. Uma simulação, alguns socos que falharam o alvo, Vegeta dobrou-se com uma cotovelada abaixo do esterno. Um intervalo, para retomar as posições, para preparar nova estratégia.

O combate era estranho, porque parecia-me demasiado lento e vulgar, quando sabia que aqueles dois eram guerreiros dotados de faculdades fantásticas. Escutei assobios, comentários jocosos, enquanto os dois lutadores se lançavam num terceiro confronto. Goku defendeu um pontapé de Vegeta, Vegeta derrubou-o com um pontapé à meia-volta. Mais palmas, mais assobios.

A assistência dividia-se entre os dois oponentes, começando a apoiar ora Goku, ora Vegeta. O primeiro deu uma cambalhota para trás, para escapar de um ataque rápido, Vegeta tomou balanço e lançou-se como um míssil, cabeceando o torso de Goku, derrubando-o outra vez. Trunks hesitava, balançando entre intervir e deixar-se ficar.

Puxaram-me pelo braço. A multidão movimentou-se e alguns rapazes ocuparam imediatamente o meu lugar privilegiado de primeira fila, deixei de ver a arena, deixei de ver os lutadores. Era o André.

- Ana, vamos embora. Já se armou confusão e não é bom estarmos aqui.

- Mas, eu... Mas...

O André arrastou-me pela rua, na direção contrária à das pessoas que acorriam ao lugar da ação, que cada vez congregava mais gente. Escutei o ruído de socos, um urro. Mais palmas.

- Vamos embora – insistiu. – Ouvi alguém dizer que meteram uma bomba no "Aliança", aquilo está tudo destruído. Estão a passar-se coisas esquisitas, esta noite. Está a ficar perigoso.

- André...

- O que é?! – Exclamou enervado.

Paramos. Não me soltava o braço.

Olhei para a multidão, que se agitava com o espetáculo. Assobios, observações, piadas, mais e mais palmas.

- Quem era aquela gente? Conheces?

Não sabia que resposta haveria de dar.

- Vi-te a falar com aquele rapaz loiro. Quem era?

- Um amigo da Patrícia – murmurei. – Disse-te que ia falar com um amigo da Patrícia, não disse?

- Acho que percebi amiga.

- Percebeste mal.

Continuou a arrastar-me pela rua, até chegarmos ao automóvel dele. Só quando me deixou sentada no lugar do pendura é que me soltou o braço, estava com medo que eu lhe fugisse. Recordei-me que não me iria forçar a nada.

Olhei pelo vidro da janela. A rua ficava mais adiante, onde se combatia e creio que o faziam por causa de mim. O automóvel arrancou e eu sem conseguir desfitar a rua ao fundo, pelo vidro da janela. O André ligou o autorrádio, num volume alto, a música a criar um muro entre mim e ele, ou entre mim e o ruído do espetáculo improvisado da rua dos bares. Assobios, observações, piadas e muitas palmas.

Irritada, desliguei o autorrádio. Ele irritou-se comigo. Discutimos, ele queria saber quem era o amigo loiro da Patrícia, por que é que estava a esfregar-me nele. Irritei-me mais, disse-lhe que queria ir para casa, disse-lhe que já não me apetecia passar a noite com ele, nem o fim-de-semana, nem mais dia nenhum, se ele pretendia desconfiar de mim daquela maneira tão sórdida.

O automóvel aumentou a velocidade, fez curvas em contramão, passou um semáforo fechado. Parou diante da casa dele, eu saí, fechei a porta com força, apanhei a mala no porta-bagagens. Fiquei no passeio, a mala a pesar-me no braço, à espera que ele reconsiderasse. Que saísse do automóvel e me pedisse desculpas, como se a culpa tivesse sido dele, como se eu fosse inocente.

O André não se foi logo embora. Esperava que eu fizesse o mesmo. Que reconsiderasse, que enfiasse a cabeça pela janela aberta e que lhe pedisse desculpas.

Não me mexi, ele também não. Ao fim de algum tempo, um minuto ou menos, o automóvel arrancou devagar, para possibilitar que eu fosse capaz de ir atrás, reconsiderar, enfiar a cabeça pela janela aberta e chamar por ele.

Mas eu, provavelmente, não queria. E o André também não.

Entrei no meu automóvel e desatei a chorar.

Tinha acabado o namoro com o André.

Fim de entrada.


X.2. Combate na rua

Trunks viu a Ana a ser levada pelo namorado, contrariada. Mesmo que não fosse do seu agrado e que o ciúme o queimasse como ferro em brasa por dentro, considerou que era o mais ajuizado. Ela não devia estar ali, sendo a causa de toda a irritação. Desconfiava também que aquele combate de rua não iria durar muito mais. Goku sangrava de um sobrolho e a ferida que Vegeta tinha na face direita abrira e estava também a sangrar.

As palmas da pequena multidão entusiasmada chamaram-lhe a atenção. Deixou a Ana ir embora e viu Goku a levar um soco no nariz, lançar a cabeça para trás com o impacto, mais sangue. Ele respondeu rapidamente com uma cabeçada, Vegeta recuou, as penas inseguras. Um murro derrubou-o.

Ouviram-se apupos e incentivos, continuava a chegar gente que se acotovelava e punha-se em bicos de pés para espreitar o que acontecia no centro da arena elíptica que se formara. A música dos bares continuava alta, vomitada para o exterior, dando ao combate entre os dois saiya-jin um ambiente estranho de luta de videojogo.

Trunks ficou impaciente. Tentou intervir, mas Vegeta tornou a atacar com uma sucessão de pontapés altos, que foram todos defendidos com os braços, que Goku levantou como se improvisasse, o que arrancou risadas à assistência. Depois, foi a vez de Goku atacar. Utilizou uma combinação de murros e de pontapés, tão bem elaborada e com uma técnica tão perfeita, que a assistência irrompeu numa ovação retumbante. Vegeta limpou a cara, olhando de esguelha as pessoas que continuavam a bater palmas nas suas costas. Encarou o adversário.

O coração de Trunks deu um salto ao ver o pai enrijecer os músculos do corpo, arquear as costas, fechar os punhos e concentrar o ki.

- 'Tousan! Espera!

O sorriso de Vegeta também fez o coração de Goku dar um salto. Colocou-se em posição de defesa, erguendo um braço, dobrando ligeiramente os dedos.

Vegeta uniu as mãos à frente, apontando-as para Goku. Preparava-se para disparar um ataque energético, no meio da rua da Dimensão Real. Trunks berrou no idioma que se chamava japonês:

- 'Tousan, para! Não o faças, por favor!

Uma gargalhada brotou da garganta de Vegeta, ao mesmo tempo que um aro dourado e brilhante surgia em redor das mãos unidas pelos pulsos.

A assistência calou-se. E, no silêncio, escutou-se o crepitar da energia latente.

- 'Tousan, por favor! Vais matar esta gente toda e destruir metade da cidade!

Goku saltou, para atrair o ataque energético. Impulsionou-se com alguma força, de modo a sobrevoar os telhados das casas daquela rua. Vegeta levantou a cabeça.

Um grito de assombro perpassou por algumas bocas.

- O gajo está a voar!

A energia sumiu-se das mãos de Vegeta. Saltou, atrás de Goku. Trocaram golpes e contragolpes, suspensos no ar, tão rápidos que era impossível segui-los no cenário escuro do céu.

Mas Trunks não precisava dos olhos para acompanhar o desenrolar do combate. Sentia os respetivos ki, percebia que Goku se tinha irritado e que estava a dominar Vegeta. Com um par de murros e uma cotovelada nas costas, anulou a defesa do adversário, fazendo-o precipitar-se do alto. Vegeta caiu, abriu um buraco na calçada, fazendo saltar pedras e areia.

A assistência gritou.

Goku aterrou suavemente.

- Está morto? Caiu de tão alto... O outro morreu?! – Exclamavam algumas vozes alarmadas.

- Que luta, pá! Nunca tinha visto nada assim.

A cambalear, Vegeta levantou-se. Sacudiu a poeira da cabeleira, limpou os olhos com um braço. A assistência tornou a emudecer, estremecendo de assombro.

Vegeta começou a rir. Goku contestou:

- Não tem graça!

- Kakaroto, pensavas que ia disparar o Final Flash?

Entreolharam-se. Vegeta sorria, Goku estava zangado.

Soaram passos numa corrida assanhada, um apito estridente sobrepôs-se à música. Trunks subiu ligeiramente no ar para poder ver por cima do mar de cabeças da multidão. Descobriu a polícia que irrompia pela rua, um grupo de quatro, com a mão nervosa sobre o coldre da arma presa no cinto. Interpôs-se entre os lutadores, travando um murro de Vegeta, bloqueando um murro de Goku.

- Nani?! Sai da minha frente, baka!

- 'Tousan, a polícia está a chegar. Está na altura de desaparecermos.

A assistência, que se mantivera fiel ao combate, começou a debandar, alertada pelo rumor da aproximação de forças policiais. As pessoas desmobilizaram, desfazendo a arena que tinham formado, espalhando-se pela rua em várias direções. Uma segunda apitadela indicou que a polícia estava muito próxima. Trunks desatou a fugir. Goku e depois Vegeta seguiram-no, utilizando a supervelocidade para ganharem distância rapidamente. Como estava mais habituado às ruas da cidade, Trunks liderou-os. Esconderam-se na penumbra de uma ruela, uma passagem estreita onde se acumulavam sacos do lixo e caixotes de papelão. Um gato escapuliu-se miando, quando eles chegaram.

Desde a esquina, Goku pôs-se a espreitar.

- Parece que não vêm atrás de nós. Pararam no sítio onde estivemos a lutar.

Trunks juntou-se a ele.

- Estão a abordar algumas pessoas... Irão pedir identificações, fazer perguntas. Há um deles que está a olhar para o buraco do chão e está a chamar por alguém... Estará a pedir explicações, de certeza. Vão fazer um inquérito, ou coisa parecida.

- E o que é que acontece... depois desse inquérito?

- O mais provável, é não acontecer nada... Contando que não sejam reconhecidos por alguém que esteve a assistir, quando andarem por aí.

Trunks afastou-se da esquina, Goku foi com ele. Acrescentou sarcástico:

- Para quem deve passar despercebido... Vocês os dois deram um belo espetáculo esta noite.

- As pessoas estavam animadas, é verdade.

Num gesto brusco, Vegeta agarrou na gola da blusa de Trunks, puxou-o para si. Rosnou a ameaça:

- Se te volto a encontrar com aquela intrometida, mato-vos aos dois.

Trunks cerrou os dentes. Ripostou:

- Eu sei defender-me.

- Não me faças rir! Não estás à minha altura.

- Poderás estar enganado.

- Tem cuidado, rapaz. – Vegeta soltou-o e empurrou-o com um safanão. A voz tomou um tom sinistro: – Posso esquecer-me que és meu filho.

Desapareceu, riscando o céu noturno com um traço brilhante. O que tinha o seu quinhão de imprudente, tendo em conta que a polícia andava por perto, com uma curiosidade que, por não ser saciada, iria aumentar, na mesma proporção da frustração de não conseguir obter as respostas devidas a todas as perguntas. Mas, Trunks não evitava sentir-se aliviado por o pai se ter ido embora. Ajeitou a gola da blusa.

- Vegeta está a falar a sério, sabes?

Olhou para Goku que, de braços cruzados, volvia a cabeça para o céu, a seguir o ki do príncipe. Tinha a cara num estado lamentável, com sangue seco colado à pele, arranhões, um olho inchado.

- E eu poderei não estar por perto, da próxima vez que ele te encontrar com a rapariga. Sabes o que isso pode significar? Poderás não conseguir travar Vegeta.

Trunks gracejou:

- Sou um saiya-jin. Não me renderei tão facilmente.

Mas Goku não estava para brincadeiras. Encarou-o com gravidade.

- O teu pai tem razão, Trunks. Arriscas demasiado ao insistir nessa rebeldia. O que pensas ganhar? Regressar à Dimensão Z? E com que preço? Escuta-me...

Aproximou-se, suavizou a voz, prosseguindo:

- Zephir é um feiticeiro muito poderoso, ajudado por uma magia maldita que aumenta a sua maldade e ambição. Lutamos contra o mal, nunca te esqueças. O feiticeiro tem guerreiros muito fortes ao seu lado... O saiya-jin, os dois demónios gémeos. Acredito que iremos conseguir derrotá-los, mas, para isso, devemos manter-nos unidos. O feiticeiro, neste momento, triunfa, a situação não se inverteu, continuamos no lado perdedor. Por isso, não precisa de mais ajuda.

- E eu já o ajudei uma vez, certo?

A resposta foi imediata e curta:

- Hai.

Trunks enfiou as mãos nos bolsos do blusão, colou o queixo ao peito. Sentiu vontade de gritar, limitou-se a cerrar os dentes, retendo o grito, retendo a explosão.

Goku pousou-lhe uma mão no ombro.

- Sei que farás o que é mais acertado, independentemente daquilo que o coração te diz.

Depois, partiu, na esteira de Vegeta, deixando o mesmo traço brilhante no céu noturno.

O vento frio trouxe algumas gotas de chuva, pequenos borrifos gelados que o batizavam com um sentimento de vácuo, de infinito. Tinha-se despedido dos amigos daquela dimensão, não os poderia voltar a ver depois do que fizera na loja. Não podia voltar a ver a Ana, pois iria colocá-la em perigo. Estava isolado, caminhando solitário por um caminho desconhecido, tão diferente daquele que tinha abandonado quando matara o Tiago. Ainda mais assustador.

Mas a chuva também acalmava a sua ansiedade. Voltava a ser ele próprio e munido da sua verdadeira personalidade seria mais fácil enfrentar os desafios, mesmo que fossem dolorosos, terríveis e até mortais.

Porém, a desesperança instalava-se. A máquina das dimensões nunca mais estava pronta e interagir era impossível.

Trunks levantou voo e também riscou os céus com o seu, muito próprio, traço brilhante.


X.3. Um passeio na cidade

- Está quieto, não te mexas! Como é que queres que te trate dessa cara?

Bulma irritou-se. Vegeta soltou um suspiro cansado, agitando-se impaciente na cadeira. Ela carregou com força no algodão embebido em água oxigenada e Vegeta gritou com o ardor que lhe entrou pelo ferimento adentro.

- Não preciso dos teus cuidados, mulher!

Sempre que se sentia encurralado, tratava-a daquela maneira rude, trazendo à superfície as raízes incivilizadas dos da sua raça. Bulma agarrou num penso que retirou da caixa de primeiros-socorros.

- Não te quero no meio da rua com ar de quem anda a travar combates clandestinos noturnos.

- Eu estive a combater ontem à noite. E não quero estar no meio da rua.

- Mas vais estar!

Bulma aplicou-lhe o penso com uma chapada e Vegeta cerrou os dentes, esforçando-se para não voltar a gritar. Ela não mostrou uma gota de sensibilidade. Fechou a tampa da caixa de primeiros-socorros com uma palmada e saiu da cozinha. Ele deixou-se ficar sentado, descansando um braço dorido na mesa. Noutra cadeira, Bra observara a cena dos curativos calada como um ratinho. Ele perguntou-lhe:

- Este passeio é ideia tua?

A filha negou com a cabeça.

- Hum-hum... Foi ideia da 'kaasan.

Ele suspirou aborrecido, fechando os olhos.

- É sábado e a 'kaasan diz que está um dia muito bonito para passear.

Bulma regressou à cozinha, compondo a alça da mala no ombro.

- Vamos?

E a voz dela tinha um toque jovial, como se fosse a coisa mais natural do mundo, dar um passeio em família naquela dimensão. Vegeta não estava com disposição para discussões e levantou-se da cadeira, enfiando as mãos nos bolsos das calças, amuado, concentrando-se no ardor do ferimento que tinha na cara. Pelo menos, era algo a que estava habituado, aguentar a dor, fintá-la, esquecê-la, até que a chaga se fechasse e estaria pronto para outro combate.

Sentou-se no lugar do pendura, fechou a porta do automóvel. Bulma ajudou Bra a colocar o cinto, no banco de trás e tomou o lugar ao volante.

- Não te quero com esse ar de condenado ao pé de mim.

- E Trunks?

- Ele não quer vir. Deixa-o. Não me apetece arruinar a minha boa disposição desta tarde.

- Ele não quer vir e não vem. Eu, pelo contrário... – resmungou.

Bulma rodou a chave, ligando o motor. Ajustou o volume do autorrádio, baixando-o, para permitir uma conversa, sem que deixassem de ter música ambiente para acompanhar as palavras.

- Acontece que acho que precisas de te distrair – explicou ela, conduzindo o automóvel para a estrada. – Andas demasiado tenso.

- Não devias estar a terminar a máquina das dimensões?

- E eu também preciso de me distrair. Uma pausa, Vegeta, nas nossas atribulações.

Espreitou a filha pelo espelho retrovisor. Bra estava radiante com aquele passeio e, olhando pela janela, absorvia com genuína felicidade todos os detalhes daquela curta viagem. Bulma sorriu.

Chegaram à cidade, dirigiram-se ao centro, Bulma estacionou o automóvel no parque de estacionamento situado à entrada da rua das lojas. Entrelaçou-se no braço de Vegeta que insistia no amuo, mas ela não se importou. Apesar de o céu se mostrar ameaçador, pejado de nuvens cinzentas, não estava frio e havia uma luminosidade preguiçosa a acentuar cada detalhe. Admirou algumas montras e anunciou, ao chegar junto à entrada do centro comercial, próximo da Gardy, a pastelaria mais afamada daquela rua:

- Vamos parar aqui para tomar um café.

Vegeta não esboçou qualquer sinal, de aprovação ou de recusa. Deixava-se, simplesmente, comandar pelos caprichos dela, fechado em si mesmo, ruminando a dor do ferimento da face direita, uma fina agulha enfiada na carne, insignificante, quase motivo de escárnio, porque o príncipe dos saiya-jin não se incomodava com aquelas ninharias. Mas a insignificância era bem-vinda, salvava-o de uma situação ingrata e não se queria irritar durante aquele estúpido passeio.

Bra apontou para uma mesa do fundo e exclamou:

- Olha quem está ali, 'kaasan. É Kuririn-san!

- Oh, que surpresa agradável. Vamos ter companhia para o café.

Aproximaram-se da mesa onde se sentavam Kuririn, número 18 e Maron, entretidos com os cafés, o leite, as águas e os bolos. Bulma disse:

- Parece que hoje toda a gente teve a mesma ideia.

Kuririn devolveu o sorriso a Bulma. Levantou-se atrapalhado, arrastou uma cadeira de uma mesa próxima e convidou-a a sentar-se, juntamente com Vegeta e com Bra, dizendo de rajada que haveria lugar para eles, gostaria muito que partilhassem o lanche. Ficara nervoso por ter sido descoberto na rua mais concorrida da cidade, num sábado à tarde, como se pertencessem ali, como se fosse coisa normal lancharem na esplanada de um café da Dimensão Real. Mas Bulma não quis comentar, porque também ela estava de passeio com a família e Vegeta decidira laconicamente ignorar o ambiente externo.

Bra sentou-se ao lado de Maron, enquanto Bulma e número 18 trocavam um cumprimento cortês. Kuririn perguntou, ao reparar no grande penso na cara de Vegeta:

- E o que foi que te aconteceu?

Bulma respondeu por ele:

- Vegeta andou a lutar com Goku, ontem à noite. Por causa de Trunks, consegui saber. E sabes onde andaram a lutar?

- Onde?

- Aqui, na cidade. Numa rua, mais abaixo desta, onde se situam os locais de diversão noturna.

- Honto?

Pelo canto do olho, Vegeta viu número 18 esconder um sorriso com a chávena do café com leite.

- Tiveram assistência, alertaram a polícia. Felizmente, conseguiram fugir a tempo e desapareceram antes de serem apanhados pelas autoridades. Espero que, enquanto estivermos aqui, não apareça ninguém que esteve a assistir ao combate. Se o reconhecerem, vai ser um problema.

- Tu é que insististe neste passeio – retorquiu Vegeta.

- Por acaso, não tiveram nada a ver com a destruição daquela loja do final da rua, um café antigo que se chama "Aliança"? Quando passámos por ali, ouvimos comentar que colocaram ontem uma bomba nessa loja.

- Vegeta? Sabes alguma coisa?

- Talvez tenha sido Trunks – respondeu. – O ki dele aumentou de repente e desapareceu no início da noite. Foi assim que descobri que andava por estes lados e vim atrás dele.

- Por que razão iria Trunks destruir o interior de uma loja?

- Por que é que não perguntas ao teu filho?

Bulma não gostou da resposta. Kuririn interveio, para evitar a discussão:

- O que é que Trunks andava a fazer ontem à noite para motivar uma luta entre Vegeta e Goku? Para além de, supostamente, andar a destruir lojas...

- Estava com uma rapariga.

Maron pousou a chávena que tinha entre as mãos. Bulma explicou:

- A mesma rapariga que estava a espiar-nos, no dia seguinte à nossa aventura no hospital. Aquela que tinha aulas de japonês com Gohan-kun. No início desta semana, essa rapariga esteve quase a interagir com Trunks.

Vegeta cruzou os braços e o seu rosto mudou de aborrecido para zangado.

Kuririn empalideceu:

- Então, o que senti não fez parte de um pesadelo? Foi mesmo a Porta dos Mundos?

- Hai.

- E o que fizeram os dois, para que interagir estivesse quase a acontecer?

- Era de noite, estavam os dois sozinhos, no meio da serra. Podemos imaginar...

- Muito bem. Já percebi! – Cortou Kuririn aflito, a deitar olhadelas à filha que, com apenas dezasseis anos, não podia ouvir certas conversas.

- Depois Trunks contou à rapariga quem nós somos, apresentou-nos com os nomes verdadeiros. Como a rapariga conhece a forma que temos nesta dimensão, passou a saber da nossa estadia temporária aqui. Assim, significa que não pode ter qualquer contacto connosco.

- As aulas de Gohan-kun já tinham terminado, certo?

- Julgo que sim.

- Então, só Trunks é que continua a encontrar-se com ela.

- Esses encontros terão de terminar também – afirmou número 18 séria.

- Não te preocupes – resmungou Vegeta. – Eu asseguro-me que Trunks nunca mais se vai encontrar com essa intrometida.

Uma novidade, Vegeta a concordar com número 18 e Bulma olhou admirada para ele.

- E o que é que acontece, se Trunks e a rapariga se encontrarem outra vez? – Perguntou Kuririn.

- Interagir – respondeu número 18 num tom neutro.

- Não vai acontecer – replicou Vegeta.

- Como é que tens tantas certezas? – Perguntou Kuririn.

O saiya-jin sorriu, Maron encolheu-se.

- Trunks sabe que terá de me enfrentar.

Bulma sentiu o sangue fugir-lhe.

- Nani? Tu ameaçaste o teu próprio filho?

Apareceu um empregado desfolhando um pequeno bloco de notas, com um lápis entalado entre os dedos.

- Boa tarde. Os senhores desejam alguma coisa?

A interrupção do empregado rasgou a tensão, como um trapo a ser lentamente dividido ao meio. A seguir, o silêncio, o empregado especado, aguardando a resposta à sua pergunta, esperando que fosse Bulma a responder-lhe. Kuririn deu um toque ao de leve no braço da amiga que desistiu de fulminar Vegeta com um olhar imperioso, exigindo uma resposta que ela, apesar de tudo, já conhecia. Ele tinha ameaçado o filho. Respondeu à pergunta do empregado e fez o pedido. Dois cafés, um sumo e um bolo para Bra.

***

Na geladaria Gardy próxima dali, pertença do mesmo dono e, por isso, com o mesmo nome do café em cuja esplanada, e sem que o suspeitasse, estavam os seus amigos, Gohan esperava o seu turno no balcão com uma nota de mil escudos na mão. Depois do par de namorados, seria atendido. Naquele sábado à tarde tinha vindo passear até à cidade com a família.

A empregada, de vestido verde-escuro coberto por um avental branco, cumprimentou-o com um sorriso cordial.

- Boa tarde.

Gohan pediu três cones com dois sabores, menta e chocolate. O verão já tinha acabado, mas o dia, apesar de velado por um manto de nuvens pardas, não estava especialmente fresco e Pan adorara a ideia de comer um gelado com os pais. Enquanto esperava que a empregada terminasse de compor os cones que pedira, alguém colocou-se ao seu lado.

- Veja lá! Tem de ter cuidado com a garganta.

Gohan voltou-se e encontrou a professora Teresa.

- Já entramos no outono – acrescentou a sorrir-lhe abertamente.

Era a última pessoa que queria ver, naquela tarde que dedicava à família, numa tentativa de pôr cobro às batalhas surdas que travara nos últimos tempos com Videl. Não devia ser indelicado, contudo, e saudou-a com simpatia.

- Boa tarde, professora Teresa.

- Boa tarde, professor Gomano. Resolveu passear hoje?

- Sim.

- Nunca o tinha encontrado por estes sítios.

- Não costumo vir até à cidade...

- É verdade. Nunca o encontrei fora da universidade. É uma pessoa muito caseira?

- Sim, sou uma pessoa muito caseira – concordou inquieto. Não gostava da excessiva proximidade da professora e daquele sorriso melado.

- Posso perguntar-lhe o que faz em casa, dias e dias a fio?

- Estudo... na minha biblioteca.

- Ah! É uma pessoa dedicada ao trabalho, então. Não o julgava uma pessoa assim. – Pediu a uma segunda empregada: – Um cone de baunilha e ananás, se faz favor.

- Não me julgava uma pessoa assim, como?

- Uma pessoa tão responsável em relação àquilo que faz. Se fica em casa a estudar na sua biblioteca, presumo que prepara as suas aulas na universidade e aprofunda a sua sabedoria nas matérias que leciona. Engano-me?

- Realmente, não se engana.

- Quem olha para si, não diria que é tão... estudioso. Compreende-me?

- Não.

- Você é jovem, Gomano. Muito jovem. Vai para a universidade de bicicleta, corre com desenvoltura. Tem um corpo atlético, bem proporcionado. Muito bem desenhado.

E pousou a mão no peito dele. Usava dois anéis prateados, no dedo indicador e no dedo do meio, cada um com uma enorme pedra laranja. As unhas compridas estavam tratadas com uma fina camada de verniz incolor.

- Não tem o aspeto físico de um rato de biblioteca – concluiu ela, sorrindo de través. – Deve fazer algo mais... do que passar os dias a estudar.

A mão dela estava quente, sobre o coração dele. Sentia-o bater, de certeza, mas Gohan não se deixou perturbar e as batidas cardíacas mantiveram um ritmo normal.

- Costumava treinar artes marciais com o meu pai – explicou lacónico. – Quando era mais jovem. Mantenho a forma física, fazendo alguns exercícios, mas agora passo a maior parte dos meus dias a estudar.

Ela retirou a mão, ele sentiu-se mais aliviado. A empregada deixava dois cones no suporte metálico posto em cima do balcão. Menta e chocolate. A segunda empregada deixava o gelado de baunilha e ananás no mesmo suporte metálico.

- Com o seu pai?

- Sim... Com o meu pai.

- Hum... E chegava a magoar a sua cara daquela forma tão brutal?

- Às vezes.

- Bem, teve sorte. – Aproximou-se, lançando uma baforada para cima da boca dele. – Não tem cicatrizes assinaláveis.

- Sempre recuperei depressa.

- E lutava bem?

Gohan inclinou a cabeça para trás, para fugir do alcance das respirações da professora.

- O meu pai dizia que sim. Mas eu nunca gostei de lutar. Sempre que o fiz, foi para... defender o que achava correto.

- Defender? – Estranhou ela.

A empregada deixou o terceiro gelado de menta e chocolate no suporte metálico. Gohan entregou a nota de mil escudos, disse à empregada que pagava os quatro gelados e que não queria troco. A empregada sorriu e agradeceu.

A professora agarrou no gelado de baunilha e ananás.

- Muito obrigada, Gomano, pelo seu gesto tão amável.

Era a primeira vez que o tratava só pelo nome, deixando cair o professor. Ele agarrou nos três gelados.

- São para os seus amigos?

- Não. São para a minha mulher e para a minha filha.

O sorriso da professora Teresa diluiu-se. Perguntou azeda:

- Nunca me disse que é casado.

- Nunca me perguntou.

- Um detalhe interessante. É um poço de surpresas, senhor professor.

Ele sorriu-lhe, mas ela olhou para o relógio de pulso, escapando-se do alcance daquele sorriso inocente.

- Não gostaria de conhecer a minha mulher e a minha filha? Elas estão ali fora.

- Senhor professor, estou atrasada.

Virou-lhe as costas, enfiando o gelado de baunilha e ananás no balde do lixo vermelho que estava junto à entrada da geladaria. A tampa articulada ficou a abanar.

- Vemo-nos na universidade, professora Teresa.

Mas ela não lhe respondeu.

Saiu, carregando os três gelados nas duas mãos. Pan agarrou entusiasmada num cone e Videl, quando recebeu o seu, observou desconfiada:

- Demoraste muito tempo lá dentro.

- Encontrei uma colega da universidade.

- Uma colega? Não seria aquela mulher que saiu uns segundos antes de ti?

- Provavelmente.

- Parecia zangada. Conversaram sobre o quê, para ela ficar daquela maneira?

Ele lambeu a bola com sabor a menta. Encolheu os ombros.

- Coisas sem importância.

- Hum... Gohan-san, não gostei daquela mulher. Ela estará interessada em ti?

- Porque é que dizes isso?

O grito de Pan salvou-o.

- 'Tousan! Olha quem está ali!

Olharam para onde a filha apontava com tanto alarido e descobriram, numa mesa da esplanada do café que se colava à geladaria, Kuririn e Bulma com as respetivas famílias. Bra também reconheceu a amiga e lançou outro grito:

- Pan-chan!

Aproximaram-se. Pan arrastou uma cadeira pela calçada e sentou-se ao lado de Bra que bateu palmas, recebendo-a com risadinhas de alegria. Kuririn cumprimentou-os, convidou-os a juntarem-se ao lanche. Depois, viu a cara cómica da filha, a boca aberta, o recheio de ovos-moles do croissant a escorrer pelos dedos e repreendeu-a:

- Maron-san! Comporta-te. É apenas Gohan-kun.

Mas ela não olhava para Son Gohan. Balbuciou, fixando o olhar vítreo mais adiante:

- Aquele que vem ali... Não é Yamucha-san?

- Nani?

Kuririn voltou-se na cadeira, Bulma parou de mexer o açúcar do café enquanto esticava o pescoço.

Descendo a rua das lojas, vinha um homem e uma mulher, abraçados, roçando-se, com o passo sincronizado, trocando beijos e lamechices, delambidos como um parzinho novo de namorados. Mas aquele homem e aquela mulher não eram jovens, tinham o ar pesadão conferido pela meia-idade retocada para emular a juventude distante e já perdida.

Alcançavam a esplanada e, se dúvidas houvera relativamente à identidade do homem, a proximidade desfizera-as todas. Vegeta rosnou, as duas meninas, Bra e Pan, estavam emudecidas porque adivinhavam sarilho. Bulma levantou-se da cadeira e chamou-o:

- Yamucha.

Assim, pelo seu verdadeiro nome, em plena Dimensão Real, para que ele soubesse quem o chamava e estremecesse de terror, como se tivesse diante dele o próprio Zephir.

O par parou, ele ficou vermelho como um semáforo. Gaguejou:

- Bulma?!

Assim, o nome verdadeiro dela, em plena Dimensão Real, e ele a estremecer de terror, como se ela fosse um enviado do próprio Zephir.

Os olhos de todos colavam-se no par, agora não tão agarrado e nem tão enamorado. A mulher perguntou:

- Senhor Eduardo, passa-se alguma coisa?

Bulma foi direta.

- Quem é esta?

A mulher ofendeu-se.

- Esta?!

- É... uma amiga minha – explicou Yamucha.

- Parece-me mais do que só uma amiga.

Bulma torceu o nariz à mulher que ainda era mais pirosa do que parecera à distância – cabelo pintado e armado em caracóis fantasiosos, maquilhagem berrante, colares e pulseiras e anéis em doses exageradas, um decote escandaloso e uma saia demasiado curta, a mostrar umas coxas musculadas.

A mulher defendeu-se.

- E sou mais do que uma amiga. Sou a companheira do senhor Eduardo!

- Apresento-te a Dedé – murmurou Yamucha. E acrescentou inquieto, pois não tinha a certeza se deveria chamá-la pelo nome – Bulma.

- Dedé? – Disse Kuririn. – Não sabia que alguém se poderia chamar dessa maneira.

A mulher puxou pelo braço de Yamucha.

- Mas quem é esta gente tão grosseira, senhor Eduardo? E quem é esta senhora de tão baixo nível?

- Ela não está a falar de mim, pois não? – Perguntou Bulma.

Yamucha negou com a cabeça.

- Senhor Eduardo? Quem é esta gente?

- São amigos.

- Olhe, pois, se não se importa, senhor Eduardo, não pretendo tomar o nosso cafézinho na mesma esplanada desta gente grosseira, mesmo que sejam seus amigos. Que horror! A Gardy, tão mal frequentada.

- Onde é que a encontraste? – Perguntou Kuririn.

- No ginásio...

- Tu frequentas um ginásio?

Yamucha tentou explicar:

- Era para me distrair. Dois dias por semana... Não falava com ninguém. Entrar e sair, sem dar muita confiança. Nunca falei com ninguém.

- Mas arranjaste uma amiga... que parece muito íntima – observou Kuririn semicerrando os olhos.

- Livra-te dessa mulher. Já! – Ordenou Bulma.

A mulher indignou-se.

- Senhor Eduardo, não vai deixar que me falem assim, pois não?

Yamucha deixou de respirar.

- Ouviste o que eu te disse?

E era o mesmo tom de voz que Bulma utilizava quando discutiam e quando lhe exigia vassalagem ou o namoro terminaria no segundo seguinte. Tantas vezes utilizara aquele expediente que houve, realmente, um dia, em que terminou para sempre.

Vegeta levantou-se, Gohan levantou-se atrás, vigiando-lhe os movimentos.

- Senhor Eduardo, acho que aquela senhora tem algum problema com a nossa relação. Acho mesmo que está com ciúmes.

Continuava sem respirar, mas Yamucha conseguiu fazer passar as palavras pela glote:

- Dedé... lamento. Mas é melhor ir embora.

O silêncio caiu. A mulher inchou como um pavão, corou e apertou os punhos. Mas quando todos apostavam que ia desatar numa gritaria capaz de varrer a rua das lojas de uma ponta à outra como uma enxurrada, controlou-se e disse num tom de voz cerrado:

- Está bem, vou-me embora. Só que fique bem esclarecido: não vou porque me está a pedir. Vou porque não aprecio escândalos com gente grosseira e de reputação duvidosa. Mas eu logo lhe telefono para esclarecer toda esta situação, senhor Eduardo. Nós os dois vamos ter uma grande conversa.

Girou sobre os calcanhares e afastou-se num andar afetado, Yamucha conseguiu respirar novamente. Encurvou as costas, cansado, como se tivesse acabado de livrar um combate complicado num torneio de artes marciais. Bulma censurou-o, para rematar a cena:

- O que é que tinhas na cabeça para arranjares uma namorada na Dimensão Real? Continuas a não conseguir resistir a um rabo de saia... Nem mesmo aqui. Que vergonha, Yamucha-san!

Se dissesse a Bulma que estava com a Dedé porque a achava parecida com ela, era um homem morto e guardou esse comentário. Perguntou se podia sentar-se com eles e Kuririn respondeu-lhe que sim. Estalou os dedos para chamar a atenção do empregado e pediu uma água gaseificada.

- Nunca pensaste que podias interagir com essa Dedé? – Indagou Kuririn.

Antes de responder, Yamucha olhou para Vegeta que fingia ignorá-lo.

- Bem... na realidade, não – mentiu. Acrescentou atrapalhado: – Não aconteceu, certo? Não interagi com ela. Esqueçam a Dedé.

- Se tu também a esqueceres – atirou Bulma provando o café que tinha arrefecido. Pô-lo de lado.

Yamucha não soube como responder. Aquela relação não teria consequência, mas era divertido fingir que a Dedé era Bulma e que era assim que poderia ter sido se tivessem continuado juntos.

Pan e Bra brincavam uma com a outra, trocando segredos, gelado e bolo, totalmente alheadas à confusão dos adultos. Maron vigiava-as, sorrindo com a alegria delas.

Gohan disse:

- Vegeta-san... Reparei quando cheguei, mas não tive oportunidade de dizer nada, porque, entretanto, tivemos o pequeno percalço com Yamucha-san... O que foi que aconteceu com a tua cara?

- Andou a lutar com o teu pai, ontem à noite – explicou Bulma acendendo um cigarro. Soprou o fumo para o lado. Número 18 franziu a cara, não gostava de vê-la a fumar ao pé da filha.

- Porquê?

- Por causa de Trunks e da tua aluna.

Vegeta olhou para ele.

- A Ana-san já não é minha aluna – explicou Gohan, devolvendo o olhar.

- Honto? Mas tinha ouvido que as aulas tinham recomeçado, apesar de terem sido canceladas logo após o acidente de Trunks...

- Concordei em receber a Ana-san quando ela me apareceu à porta, nesta quinta-feira à noite – explicou a Bulma. – Não iria mandá-la embora, seria tão indelicado da minha parte.

Videl resmungou qualquer coisa.

- Falámos sobre nós...

- Sobre nós? – Indagou Kuririn.

Gohan sorriu e disse:

- Falámos sobre Namek. Não, não é nada estranho porque ela sabe quem nós somos, conhece o nosso passado. As nossas aventuras! – E deu uma entoação dramática a essa frase. Deixou de sorrir, quando o dramatismo se escoou na expetativa dos rostos que tinha voltados para ele, como numa sala de aula. – Foi a desculpa perfeita. Nós estamos a braços com outra, digamos... aventura, para simplificar. Disse-lhe que não nos poderia voltar a ver, especialmente Trunks. Eu também senti a Porta dos Mundos a querer abrir-se no início da semana, soube que foi ela com o teu filho, Bulma-san. Não lhe expliquei porque é que não nos podia voltar a ver, não lhe falei sobre interagir... Pedi-lhe apenas que se afastasse e a Ana-san compreendeu as razões que invoquei. E tenho a certeza que vai acatar o meu pedido.


X.4. A dança do destino

Entrada no meu diário, data: setembro 1996

O mar estava sossegado, manso como um lago. Um tapete cinzento a refletir o céu da mesma cor, as duas realidades, mar e céu, unindo-se no horizonte longínquo num abraço indistinto. Observava o mar e fazia-o há muito tempo, horas a fio, naquela tarde de sábado. Depois de ter tentado comer uma sandes, a fingir que era o almoço, estacionara o automóvel no parque da praia, junto ao pequeno muro onde começava a areia e deixara-me ficar hipnotizada pelo mar, as ondas preguiçosas a estenderem-se pelo areal, largando conchas e pedras redondas como recordações efémeras, roubadas pela onda seguinte, invejosa e destruidora.

Sentia-me vazia, incompleta e culpada por aquilo que tinha acontecido na noite anterior entre mim e o André. Não fora capaz de me despedir com uma explicação, deixara-me simplesmente ficar especada no passeio à espera de nada. Acabara com ele de uma maneira reles, criando entre nós um abismo cheio de equívocos e de mágoas. Devia ter contado a verdade, revelado que estava apaixonada por outro. E o André haveria de me perguntar, "eu conheço?", eu responderia envergonhada "só se conheceres Dragon Ball" e ele haveria de exclamar "um desenho animado?" e eu haveria de corar e de tentar refutar com "mas ele existe, ele está aqui" e ele haveria de se rir na minha cara e eu haveria de sair da vida dele para sempre e jurar que nunca mais o queria ver e o resultado haveria de ser o mesmo, na praia, a ver o mar cinzento durante um tempo infinito. Só que sem o abismo de equívocos e de mágoas.

Naquele momento, tomei uma decisão. Era um desenho animado, certo, mas enquanto existisse no mesmo plano físico, quer se chamasse Tiago, espanhol, Trunks ou outra coisa qualquer, eu haveria de viver aquela fantasia até ao fim, absorvendo todas as pequenas dádivas, efémeras como as conchas e as pedras redondas trazidas pelas ondas. Cheia de coragem, mas com a mão a tremer, rodei a chave e liguei o motor do automóvel. Abandonei o mar e a sensação de vazio que me dava, amplificando o abismo dos equívocos e das mágoas, e dirigi-me para a urbanização das Gambelas. Estacionei o automóvel. O coração batia no peito e na cabeça, o som de um lado ecoando no outro. Fiquei sentada mais de dez minutos, a decidir-me se iria sair, se deveria sair, se conseguiria sair, se sairia mesmo.

Saí. Abri a cancela baixa, percorri o curto caminho empedrado que cortava o jardim, subi os degraus, parei, olhei para o botão dourado da campainha. O silêncio envolvia-me, acalmando o coração, o som e o eco. Mais alguns minutos se passaram.

Num impulso, agi e pressionei o botão dourado. Calquei-o o tempo suficiente para a campainha soar durante três segundos, com o timbre de um sino. Passei a mão pelos cabelos, puxei as fraldas da camisa por cima das calças de ganga, abri e fechei as mãos. Estava nervosa.

Soaram passos no interior. A porta abriu-se. Fiquei muito direita, igual a uma estátua. Apareceu o rosto de Trunks na nesga de espaço formada entre a ombreira e a porta.

- Koniichi-wa... Trunks.

- Koniichi-wa, Ana.

Manteve a nesga, tão estreita que só cabia parte do rosto, um olho e metade do outro, a boca crispada, avaliando a minha presença ali, se deveria conceder-me passagem ou não, debatendo-se num dilema quase irresolúvel.

Recuei um passo.

- Desculpa. Não devia ter vindo.

- Espera!

Escancarou a porta.

- Entra.

Hesitei. Pela sua expressão tensa percebi que o dilema continuava irresolúvel, mas que tinha tomado uma decisão. Reparei no hematoma roxo em redor do olho esquerdo, consequência do murro que tinha levado na noite anterior. E como se lesse os meus pensamentos, explicou:

- Não te preocupes. O meu pai não está em casa.

Gracejei, sentindo uma pedra no estômago:

- Mas eu não tenho medo do teu pai, é ele que tem medo de mim. Lembras-te?

Vi-o esforçar-se para reagir à minha piada com um sorriso, só que o dilema irresolúvel impedia-o de quebrar a máscara afivelada àquele rosto angelical. Mas se ele estava tenso, eu também estava. Se me perguntasse o que fazia eu ali, não lhe saberia responder e fiquei aliviada por ele não ter feito a pergunta.

Fechou a porta atrás de mim e pediu-me que o seguisse. Reparei que estava sem sapatos, calçava meias escuras, vestia umas calças de fato de treino e uma sweat azul decorada com letras garrafais em tons de verde. Ele reforçou a afirmação de há pouco, para me tranquilizar:

- Só estou eu em casa. Saíram todos, foram passear até à cidade. Ficaremos à vontade.

- Está bem.

Subiu a escadaria que levava ao primeiro piso da vivenda, subi atrás dele. No corredor comecei a escutar o som de uma canção abafado pelas paredes e ele explicou quando alcançámos a entrada do quarto dele:

- Estava a descansar enquanto ouvia música. Nunca pensaste que passasse uma tarde de sábado de uma forma tão aborrecida, pois não?

- Ouvir música não é uma coisa aborrecida.

- Tendo em consideração a minha reputação...

- Que reputação?

Ele disse satisfeito:

- Ainda bem que me tens em alta estima.

- Desde que deixaste de ser "o espanhol"... sabes muito bem que sim.

Entrámos no quarto dele. Sentei-me na ponta da cama, ele sentou-se no chão junto à aparelhagem posta num canto, entre a esquina de uma parede onde se acumulavam revistas e uma estante desorganizada. Um mar de cassetes áudio coloridas espalhava-se perto da aparelhagem. Noutra parede reparei na cómoda desconjuntada.

- Estavas zangado?

- Hum?

Apontei timidamente para a cómoda.

- Ah... Aquilo. Sim, muito zangado.

- E costumas descarregar na mobília?

- Quando não o posso fazer em alguém...

Olhou para mim por cima do ombro, pela primeira vez com um sorriso genuíno. A música tinha terminado.

- Admirada?

- Não. Afinal, tens sangue saiya-jin.

Voltou-se para a aparelhagem, agarrou numa cassete, abriu e fechou a caixa.

- É estranho ouvir-te dizer isso.

- É estranho estar aqui contigo, a ouvir...

Começou outra música. Desatei a rir.

- O que foi? – Perguntou admirado.

- Essa música.

- O que é que tem?

- É música dos anos sessenta! – Exclamei divertida.

- Não gostas?

As paredes do quarto vibravam com um rock 'n roll de Chuck Berry chamado "Sweet Little Sixteen".

- Gosto... Gosto bastante. Mas não imaginava que ouvisses este tipo de música. Pelo teu estilo, és mais... Quando usavas o cabelo comprido, apostava mais num rapaz do grunge.

Voltou-se para mim, com um sobrolho franzido.

- Não estás a perceber o que te estou a dizer, pois não?

- Não... As minhas referências são diferentes das tuas. Somos de mundos diferentes.

A lembrança de que tudo não passava de uma fantasia atingiu-me inesperadamente. Inspirei fundo, querendo prolongar aquele instante em que estava no quarto dele, a ouvir música que não tinha nada a ver com o estilo dele, ou o que quer que ele era no meu mundo.

O timbre jovial da voz de Chuck Berry regenerava, lentamente, o ambiente entre nós.

- Pois... - escutei-me a dizer, sem saber bem o que devia dizer a seguir.

Ele percebeu o meu embaraço.

- Estas cassetes eram, supostamente, da minha mãe. Encontrei-as na arrecadação da casa, arrumadas numa caixa. Fiquei curioso e pus-me a ouvi-las. – Acrescentou com simpatia, queria agradar-me: – Também gosto desta música.

- Acho que faz algum sentido as cassetes serem da tua mãe. Nos anos sessenta, Bulma seria uma rapariga nova. – Meneei a cabeça. – Não a consigo imaginar a gravar estas músicas nas cassetes, a ouvi-las, no meio do flower power e tudo isso.

Voltou a franzir o sobrolho. Estava a fazer figura de idiota e calei-me.

Parou a cassete que estava a tocar, interrompendo o refrão de Chuck Berry. Retirou a cassete, colocou outra. A música mudou para sonoridades mais suaves e românticas. Senti um arrepio. Tentava seduzir-me, ou escolhera aleatoriamente. Fiquei-me pela segunda hipótese, afinal ele não conhecia o conteúdo das cassetes, nunca as escutara, não saberia distingui-las pelos títulos.

As Shirelles cantavam "Will You Still Love Me Tomorrow". Ele sentou-se na cama, ao meu lado, de costas para mim.

"Is this a lasting treasure

Or just a moment's pleasure?

Can I believe the magic of your sights?"

Os ombros dele tremiam. Esforçava-se por superar o nó na garganta que impedia a voz de surgir, as palavras de aparecer. Começou num sussurro:

- Son Goten...

Aguardei no curto silêncio melodioso das Shirelles.

- Queres saber por que razão Son Goten não está na tua dimensão? Ele não veio connosco... Não podia. Eu matei-o.

A revelação foi como uma bofetada.

- O quê? O que foi que disseste?

- Eu matei Son Goten, Ana... Matei o meu melhor amigo.

Os ombros dele continuavam a tremer. Começou a fungar. Chorava, como naquela noite no carro dele, no meio da serra e compreendi que me contava exatamente a mesma coisa, mas agora de maneira que eu o percebesse. Agarrei-lhe nos ombros, encostei a cabeça nas costas dele, abracei-o toscamente para tentar consolá-lo. Sentia a angústia em cada lágrima, a dor esmagadora e corrosiva que o desfazia por dentro.

- De certeza que foi um acidente – disse eu.

- Mesmo que tivesse sido um acidente... O mal está feito. Derramei o sangue de Son Goten e amaldiçoei-nos a todos.

- Haverá uma maneira de desfazer o mal.

- Talvez...

- As bolas de dragão poderão devolver a vida a Son Goten.

- As bolas de dragão estão na Dimensão Z.

- E tu vais regressar à Dimensão Z. Não acreditas nisso?

Ele abanou a cabeça. Eu estreitei o abraço.

A canção das Shirelles terminou e entraram as Ronettes, com "Be My Baby".

"The night we met

I knew I needed you so.

And if I ever had the chance

I'd never let you go"

- Deves acreditar.

- Porquê?

- Mesmo que o inimigo pareça demasiado poderoso, Son Goku consegue sempre derrotá-lo. Devias saber isso, sem qualquer sombra de dúvida.

- E tu devias saber isso? – Limpou o nariz com a mão.

- "Dragon Ball" – respondi.

- As bolas de dragão – traduziu.

- Sim, são a resposta.

Inclinou a cabeça para trás, encostou-a na minha. Deixei-me ficar na delícia daquela proximidade, abraçada a ele, a ouvir as Ronettes a cantar:

"Be my baby now

My one and only baby"

- Então, assim, já conheço os teus segredos. Espero que não me mates a seguir, como sempre me disseste que o farias se me contasses os teus segredos.

- Acho que, desta vez, irei atingir a estante, para descarregar a minha fúria.

- Estás a falar a sério?

- Nem penses que conheces todos os meus segredos.

- Há mais?

- Hai... - Hesitou. Revelou acanhado: – Quando era mais pequeno, fazia xixi na cama.

- Estás a falar a sério? – Tornei.

- Bem, agora sim. Conheces todos os meus segredos.

Um encantamento perigoso, um feitiço de contornos esbatidos. O jogo estava escondido de propósito, para que a armadilha não fosse inteiramente visível. Mas eu não queria saber de mais nada a não ser do calor dele, de como era real e de como estava comigo, numa tarde inesquecível de sábado que começara com a contemplação de um mar cinzento, onde afogava, um por um, os equívocos, onde mergulhava, uma por uma, as mágoas.

O intervalo mudo entre as canções fez-me estremecer. Entraram os Beatles a cantar "This Boy". Trunks encarou-me sério.

- Ensinas-me a dançar?

Agarrou-me na mão e levantámo-nos. Concordei, inclinando a cabeça ao de leve.

Se estávamos a ouvir músicas dos anos sessenta, iríamos dançar decentemente, como se estivéssemos nos anos sessenta. Ajeitei o braço dele na minha cintura, levantei o outro braço onde apoiei a minha mão direita, abri espaço entre nós. Olhei para ele e começámos a arrastar os pés pelo chão, ao ritmo da canção, embalando-nos mutuamente, fingindo que dançávamos.

Trunks colou a cara à minha, sentia a respiração dele no meu ouvido. Acabou com o espaço que existia entre nós, encostou-se ao meu corpo e continuámos a dançar.

"Oh!, and this boy would be happy

Just to love you"

Nos braços de Trunks, acreditei piamente na voz rouca de John Lennon. E aquele pedaço de tempo foi eterno.

O cheiro dele entontecia-me, o calor dele derretia-me. Rendia-me incondicionalmente e entregava-me sem qualquer dúvida.

A canção terminou, mas continuámos a dançar, mesmo no intervalo mudo entre as canções.

- Ana-san – arfou no meu ouvido.

- S-sim...?

De repente, ele parou e eu também. Começou outra canção. Não consegui escutá-la. O nariz de Trunks roçou no meu, senti um sopro do hálito dele, a tentar-me para viajar para planetas inexplorados. Já não podia voltar atrás, não queria. Concentrava-me nos lábios húmidos, perto dos meus. Abri ligeiramente a boca. Beijou-me.

Explodi num fogo-de-artifício colorido!

Deitou-me na cama, beijando-me sempre. Não me conseguia mexer, estava paralisada de terror porque não fazia ideia de como reagir perante aquela situação inédita. Puxou-me a camisa, abriu-a com um safanão. Ouvi os botões saltitarem no soalho de madeira envernizada. A minha pele arrepiou-se. As mãos dele apalparam-me os seios e sustive a respiração.

Por todos os santos e por todos os demónios, aquilo estava mesmo a acontecer!

Começou a beijar-me a barriga, gemendo suavemente, disparando choques elétricos por todo o meu corpo. As mãos mantinham-se nos meus seios, o tecido do soutien não era barreira que valesse para disfarçar o calor das mãos dele. Depois dos beijos, era agora a língua que me explorava a derme, enchendo-a de saliva e de arrepios. Fiquei tensa, endurecendo todos os músculos, petrificada como se tivesse sido atingida pelo olhar mortífero da mitológica Medusa.

Parou de me lamber a barriga. Através da franja desalinhada, olhou para mim, inclinando ligeiramente a cabeça para a esquerda. Perguntou:

- O que é que se passa?

Gaguejei acanhada:

- Eu não... Nunca... Eu nunca estive... Não...

Ele deitou o corpo musculado sobre o meu, o peso dele deixou-me ofegante. Fixou aqueles belos olhos azuis no meu rosto.

- É a tua primeira vez?

- Sim. Estou um bocado nervosa, pois isto é uma grande nov...

Colou os lábios aos meus para me calar.

- Chiu.

Sorriu com candura.

- Confias em mim?

Entre duas inspirações, respondi:

- Sim.

- Então, não tenhas medo. Cuidarei bem de ti.

Depois, beijou-me docemente, saboreando a minha boca, deixando que me perdesse na boca dele. Sentou-se, puxou por mim e sentei-me de frente para ele. Despiu a sweat e ao vê-lo despido, um corpo perfeitamente desenhado, fez-me corar. Agarrou nas minhas mãos, pousou-as no seu peito. Começou a beijar-me o pescoço e fiquei tonta. Tentou desapertar-me o soutien, mas os dedos, ágeis em calcar nos meus pontos sensíveis, não conseguiram dar com a maneira de abrir o fecho.

- Ajuda-me aqui...

Ri-me. Levei as mãos às costas, desapertei o soutien. Ele olhava-me com uma paixão irradiante. Trocámos mais beijos, ele segurava na minha nuca. Adorei sentir a sua mão na minha nuca.

Suspirei o nome dele:

- Trunks...

Fim de entrada.


X.5. A Porta dos Mundos

Um estalido na alma.

O regresso, desejado e temido, acontecia. Irreversível e inevitável.

Um remoinho poderoso e negro com uma luz no fundo... Esperança? Mais tragédia, porque com aquele regresso o feiticeiro transformava-se num deus. Uma tragédia brilhante, o Universo a implodir e a refazer-se.

O inimigo agigantava-se. E se o seu poder os tinha suplantado antes, agora iria esmagá-los.

O regresso que todos sentiram.

O rosto de Vegeta ensombrou-se, subitamente perturbado. Acontecia aquilo contra o qual mais lutara, acontecia e ele ali, demasiado longe e sem poder fazer nada. Bulma, estranhamente, sorriu e Maron também. Voltavam para casa!

Os outros ficaram quietos, simplesmente à espera que acontecesse.

O regresso...

Goku, sentado na areia da praia, a olhar o mar cinzento, preocupava-se com a ausência do seu jovem pupilo. Tentava encontrar-lhe o ki, mas Ubo evadia-se dele, camuflando a sua presença, fugindo, querendo continuar a fugir. Sentiu o estalido na alma. Compreendeu. Levantou-se, a tensão invadiu-o.

E murmurou, entre dentes:

- Kuso!

A Porta dos Mundos tinha acabado de se abrir.

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