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Capítulo VIII


VIII.1. Aventura na praia

Bra alinhava os lápis de cor, antes de dar início à tarefa artística de pintar uma cena quotidiana na folha branca de papel. Gostava de se organizar antes de começar qualquer coisa, percebendo que, depois da ordem, viria o caos e depois vinha a ordem, porque a mãe detestava coisas desarrumadas.

No vidro da janela soaram duas pancadinhas discretas. Bra sobressaltou-se. A janela ficava no primeiro andar e se alguém batia no vidro significava que só podia ser uma pessoa.

- Pan-chan!

Abriu a janela de par em par, a filha de Gohan saltou para dentro do quarto.

- Vamos treinar – anunciou.

Bra fez beicinho. Negou com a cabeça, sacudindo o rabo-de-cavalo.

- Não posso. A minha mãe não me deixa sair de casa.

- Ora... – Pan sussurrou: – E por que é que julgas que vim pela janela e não pela porta? Para podermos sair à socapa. Vá, despe esse vestidinho de menina bem comportada, veste o dogi e vem comigo.

- Pan-chan, se a minha mãe descobre... Ou se o meu pai descobre, faz-me o mesmo que fez ao nii-chan.

- E o que é que Vegeta-san fez a Trunks-san?

- Rebentou-lhe com a boca.

- E Trunks-san deixou?

- O meu pai é muito forte.

Pan cruzou os braços e anunciou:

- Eu não vou deixar!

Bra começou a rir e Pan riu-se com ela.

Ainda teve dúvidas, olhou para os lápis alinhados, para a folha branca de papel. Tudo em ordem, preparado para o caos. Pan percebeu e empurrou-a até ao armário.

- Não percas tempo. A tua mãe ainda aparece aqui e estraga-nos a nossa brincadeira.

- Pensei que íamos treinar.

- E treinar não é a mesma coisa que brincar?

Bra concordou entusiasmada:

- Hai!

Vestiu o dogi verde que costumava usar quando se treinava com o pai na Câmara de Gravidade, guardado no fundo de uma gaveta do armário. Enquanto se calçava revelou com tristeza:

- O 'tousan nunca mais se treinou comigo. Acho que ele já não quer que eu seja uma verdadeira saiya-jin.

- Não digas isso, não é verdade. Não é a Dimensão Real que precisa de verdadeiros saiya-jin, é a Dimensão Z. Vais ver que, quando regressarmos a casa, Vegeta-san volta a treinar-se contigo.

- Honto?

Os olhos de Bra brilharam.

- Claro que sim! E vais lutar contra quem, nesta dimensão, Bra-chan? Os nossos inimigos não estão aqui.

- Pois, deves ter razão.

Bra levantou-se, ajeitou o cinto que lhe prendia a túnica por cima das calças largas. Saíram pela janela e desceram até ao jardim a pairar no ar, dominando perfeitamente a sua energia vital.

- Onde é que vamos treinar?

- Na praia.

- Na praia?!

- Não faças essa cara, Bra-chan. A praia fica aqui perto e existem muitas ilhotas isoladas onde podemos brincar à vontade. O ojiisan treina-se nessas ilhotas, com Ubo-san.

- Ah!

Pan agarrou na mão de Bra, abriram a cancela e desceram a rua numa corrida.

- Como é que vamos para a praia, Pan-chan? A correr?

Dobraram uma esquina, aproximaram-se de um grupo de pinheiros que espalhavam uma sombra aprazível num terreno onde ainda não se tinha construído nenhuma vivenda. Havia caruma espalhada e algum lixo também, latas enferrujadas, sacos de plástico e pacotes de batatas fritas.

- Não. Vamos nisto!

Pan retirou uma pequena motorizada vermelha que, naquela dimensão, tinha o nome de scooter, e que estava escondida atrás dos troncos dos pinheiros. Bra avisou a amiga:

- Acho que nós não podemos conduzir isto. Somos muito pequenas, não somos? Tu tens oito anos e eu tenho sete.

- Hai! – Concordou Pan a segurar a scooter pelo guiador. – Por isso, vai ser uma grande aventura!

- Podemos meter-nos em sarilhos.

- Só se conduzir isto for interagir.

A observação de Pan fez Bra soltar uma gargalhada. As duas riram-se e depois subiram para o assento almofadado, num tom mais claro de vermelho, a filha de Gohan à frente, pois era a mais velha, e a filha de Vegeta atrás, agarrando-se à amiga. Pan carregou num botão do centro do painel de instrumentos, situado no centro do guiador, a motorizada deu um solavanco. Já não tinha o descanso, era a perna curta e musculada de Pan que segurava o peso desta, acrescido do peso das duas ocupantes.

- Onde é que a foste arranjar, Pan-chan?

- É da minha mãe.

- E ela não vai dar por falta disto?

- Esperemos que não. Ou seremos castigadas. Estás pronta, Bra-chan?

Estava na altura de esquecer os receios e de partir à aventura. Bra lançou um punho ao alto e gritou entusiasmada:

- Hai!

A scooter meteu-se na estrada. Um pouco antes da rotunda que conduzia à saída da urbanização, viraram para um caminho empoeirado que atravessava um lugar deserto, entregue à natureza. Havia muitos buracos e a motorizada saltitava pelo caminho, com o motor a protestar por causa das sucessivas acelerações e travagens.

- Porque é que estamos a ir por aqui?

- Para evitar a polícia. Eles estão sempre ao pé do aeroporto. Vamos por este atalho e, num instante, estamos na praia.

- Eu disse-te que somos muito pequenas para conduzir uma coisa dessas.

- Estás com medo, Bra-chan?

- Não. – Apertou a roupa da amiga com mais força. Atirou cheia de bravata: – Eu até queria que a polícia me apanhasse. Dava um murro na barriga de um deles e voava para fugir.

- Nani?

Bra continuou com a fantasia:

- Diz lá se não era engraçado. Um murro na barriga e depois eu voava... Imagina só a cara do polícia de boca aberta a ver-me voar.

Pan começou a rir com Bra. Riram-se tanto que Pan acelerou a motorizada sem querer. Passaram por cima de uma fileira de buracos, chocalharam por todos os lados, Bra magoou o traseiro, gritou, engoliu uma nuvem de pó, engasgou-se e riram-se ainda mais.

Mais adiante entraram na estrada alcatroada que levava até à praia. Conseguiam ver a ria, entre a mata de eucaliptos, e conseguiam cheirar o aroma salgado da água que refletia o sol que baixava no horizonte. A scooter aumentou de velocidade, o motor zumbiu. O vento brincava com os cabelos delas, sorriam com aquela inesperada liberdade. O troar de um avião a descolar na pista do aeroporto, que terminava na elevação que ficava à esquerda, encheu-lhes os ouvidos e Bra olhou para cima. Acenou ao avião que conquistava os céus, a gritar eufórica. Pan sorriu.

O som do avião foi substituído pelo som de uma buzina estridente e maçadora. Um automóvel azul ultrapassava a scooter e o homem que ia ao volante gesticulava e falava, a apontar a testa com um dedo, como se estivesse a chamá-las de loucas. Pan disse:

- Bra, faz-lhe adeus!

- Hai!

Bra acenou ao homem com a mesma euforia que dispensara ao avião. O automóvel ultrapassou-as com uma aceleração repentina. Abanou a cabeça comentando:

- As pessoas da Dimensão Real são muito esquisitas.

Na curva seguinte, antes da reta que levava à ponte por onde se entrava na praia, a scooter virou para a direita, galgou uma pequena rampa, contornou umas traves de madeira desconjuntados que tinham sido, em tempos, uma espécie de portão, e entrou num caminho de terra batida. Galgaram alguns metros a acelerar entre pinheiros, arbustos e erva rasteira ressequida. Bra apontou para trás.

- A praia fica ali! Para onde vais?

Pan avançou com a scooter para dentro de umas moitas, desligou o motor calcando no botão. Saltou do assento, arrastando Bra com ela. A motorizada caiu de lado, no meio da vegetação.

- Chegámos! – Anunciou.

- Chegámos onde? Isto não e a praia.

- Baka! Não podíamos entrar na praia a conduzir isto, há polícias na praia.

Bra acalmou-se.

- Ah...

- Segue-me.

Desataram numa corrida, fazendo o caminho inverso. Depois do portão destruído e descendo a rampa, atravessaram a estrada alcatroada. Meteram-se pelos arbustos da berma e desceram o barranco que levava às águas calmas da ria. Pan parou e apontou para a paisagem do fundo.

- Vês estas ilhotas?

- Hai.

- A maré está a baixar a e cada vez vão aparecer mais.

- E como é que vamos para as ilhotas?

- A saltar.

- A saltar?

Pan deu uma cotovelada em Bra e piscou-lhe o olho. Dobrou as costas, fletiu os joelhos, impulsionou o corpo, alcançou uma altura considerável e foi aterrar na ilhota mais próxima. Chamou-a com um aceno. Bra pulou com o mesmo ímpeto. Enterrou as pernas no lodo quando chegou junto da amiga. Pan voltou-se para outra ilhota, que impunha um salto maior.

- Estás a ver aquela?

- Hai!

E antes de tomar balanço, já Bra tinha saltado. Pan também saltou, mas Bra escapou-se para outra ilhota, incitando para que começassem um jogo, a ver quem chegava primeiro, a testar quem saltava mais alto. Fugiam, de ilhota em ilhota, afundando os pés no lodo e na areia, repisando algas secas, Pan adiantando-se a Bra, Bra fugindo de Pan, às gargalhadas e aos gritos.

Quando encontraram a ilhota perfeita, afastada de todas, num local deserto e onde viam, ao longe, os barcos a passar pelos canais pouco profundos da ria, estenderam-se a descansar. Depois, entreolharam-se e riram-se ainda mais, porque tinham ervas e areia colados ao cabelo.

E só depois iniciaram os treinos.

O combate era lento e divertido, brincavam mais do que lutavam. O peso esquisito dos corpos da Dimensão Real confundia Bra e atrapalhava Pan, mas tentavam superar as dificuldades o melhor que podiam e descobrir técnicas novas que potenciassem as limitações que sentiam.

As investidas sucediam-se, ora de Pan, ora de Bra. Empenhavam-se de coração e alma, acreditavam naquilo que estavam a fazer, concentradas e esforçadas. Por vezes, parecia que era a sério. Depois, alguma tropeçava nas próprias pernas, caía com espalhafato e havia risadas, troça, comentários inocentes, uma pausa acolhida com alívio.

Bra estendeu-se na areia branca e fina. Abriu as pernas e os braços. O suor encharcava-lhe o dogi, escorria pelo rosto vermelho, o rabo-de-cavalo meio desmanchado. Pan sentou-se ao lado dela, ofegante.

- Por que é que... – disse Bra entre a respiração irregular – que estamos tão... tão cansadas?

- São estes... corpos – respondeu Pan entre arquejos. – São diferentes, perdem demasiada energia.

- Isso não é uma coisa má?

Bra sentou-se, limpando o suor da testa com a mão, colando grãos de areia à pele. Sacudiu a mão, mas não conseguiu livrar-se da areia.

- Bem... Se queres que te diga... acho que não. – Pan fechou os punhos. – Ao treinarmos nesta dimensão, com estes corpos esquisitos, ficaremos mais fortes quando regressarmos à nossa dimensão.

- Hai! Parece que estou a treinar na Câmara de Gravidade.

Pan sorriu. Segurou a amiga pelos ombros.

- E temos de ser mais fortes para podermos lutar contra Zephir e ganhar.

- Nós... vamos lutar contra Zephir? – Estranhou Bra fazendo beicinho.

- Hai! – Afirmou Pan. – Para derrotar um feiticeiro tão mau, todos os guerreiros da Terra terão de se enfrentar a ele. Vão precisar também de nós as duas.

A possibilidade de lutar ao lado do pai e de o deixar orgulhoso com as suas proezas, fez Bra sorrir. Pan levantou-se. Colocou-se em posição defensiva, retesando os pequenos músculos que lhe doeram, por estarem a ser tão esforçados naquela tarde.

- Continuamos com os treinos? Não podemos descansar, ou perdemos tempo. Temos de estar na nossa máxima força quando formos para o Templo da Lua.

Bra também se levantou, foi colocar-se no seu lugar.

- Espero bem que desta vez consigamos chegar até esse templo – disse.

- Hai, quero conhecer esse feiticeiro tão mau.

Bra estremeceu e perguntou:

- Não tens medo?

- Não! Tu tens medo, Bra-chan?

A filha de Vegeta negou enfaticamente com a cabeça.

- Nem te atrevas a sentir medo, senão ele lança-te um feitiço, como fez com o teu irmão.

A observação irritou Bra.

- Cala-te!!!

Pan abriu muito os olhos.

- Nani?

- Não te atrevas a falar nisso, Pan!

Percebeu que pisara terreno minado e não queria deixar a amiga zangada. Pediu num fio de voz:

- Gomen nasai...

- Vais ver o que é que te vou fazer!

E, inesperadamente, Bra atacou. Pan agarrou no punho dela, cerrou os dentes e disse aborrecida:

- Não te esqueças que foi o meu tio que morreu.

Defendeu alguns golpes e aplicou um murro que fez Bra dar uma pirueta e aterrar de cara voltada para baixo. Apoiou-se nos braços, soergueu-se a tossir e a cuspir areia.

Segundo ataque. Bra saltou, fez uma simulação, conseguiu derrubar Pan com um pontapé. Procurou atingi-la com um soco, Pan levantou-se, dando uma cambalhota invertida. Atacou, seguiu-se uma breve luta corpo-a-corpo, a energia aumentou, as duas meninas cintilavam. Investiram uma contra a outra, Pan agarrou nas mãos de Bra, entrelaçaram os dedos, mediram forças. O chão começou a tremer, a água agitava-se em pequenas ondas que espumavam nos limites da ilhota.

- O que é que as meninas estão a fazer aqui?

As duas miúdas separaram-se. A comoção que modificava a paisagem desapareceu imediatamente, o chão parou de tremer, a água acalmou-se. Olharam para ele e disseram ao mesmo tempo:

- Ubo-san!

O jovem pupilo de Son Goku segurava numa mão quatro peixes de escamas prateadas. Vestia uma camisa de xadrez desabotoada e umas calças largas enroladas por cima dos tornozelos.

- E o que é que tu estás a fazer aqui? – Desafiou Pan.

- Eu moro aqui perto.

- Nós também.

- Não moram na praia, que eu saiba.

- Moramos perto da praia.

Bra puxou pela túnica de Pan, sussurrando:

- Não te metas com ele. Não vês que está zangado?

- E depois?

A filha de Gohan cruzou os braços, insistindo no desafio. Ubo desatou a rir.

- Descansem, meninas – disse num enorme sorriso sincero. – Descansem, que o vosso segredo está seguro. Eu não vou contar aos vossos papás que as encontrei por estes lados, a fazer coisas que não deviam.

- Treinar não faz mal nenhum! – Exclamou Pan.

Bra estava encolhida atrás dela.

- No entanto, o meu silêncio... tem um preço – anunciou Ubo inclinando-se para diante, sobressaltando Bra que se encolheu ainda mais, acicatando os nervos de Pan, que já se via a lutar contra o pupilo do avô. Adotou uma posição que lhe permitiria partir para o confronto e defender a amiga.

- O que é que tu queres? Nós não temos dinheiro.

- Não quero dinheiro, Pan-chan.

E então, contra o que Pan esperava, em vez de um ataque rápido, de um golpe traiçoeiro, Ubo hesitou e, quase envergonhado, perguntou:

- Porque é que nós estamos na Dimensão Real?

Pan e Bra entreolharam-se.

- Não sabes? Toda a gente sabe – disse Bra confusa.

- Estamos aqui por causa do feiticeiro mau – explicou Pan.

A fronte de Ubo crispou-se.

- Chama-se Zephir – continuou Pan. – Ele não sabe lutar, mas tem ao lado dele guerreiros muito fortes que foram capazes de derrotar o ojiisan e Vegeta-san.

- Foi o feiticeiro mau que fez mal ao meu irmão e foi por isso que Goten-san perdeu a vida – acrescentou Bra.

- Hai, o feiticeiro conseguiu derrotar os guerreiros da Terra – completou Pan.

- Hai, no Templo da Lua – concluiu Bra.

Perturbado, Ubo afastou-se, às arrecuas. Despediu-se delas com um aceno atabalhoado, as palavras mastigadas na boca que elas mal o conseguiram entender, e foi-se embora a voar, pairando vagarosamente por cima da água.

Com uma mão na testa a servir de pala, para proteger os olhos do sol, Bra observou Ubo a afastar-se, até se confundir com o horizonte.

- Pan-chan, por que é que Ubo-san se foi embora assim? Pensei que nos fosse castigar.

- Sei lá... Ele ficou tão esquisito quando lhe falámos de Zephir.

- Achas que Ubo-san tem medo de Zephir?

- Se tiver medo, é um idiota – sentenciou Pan com desdém.

***

Fizeram o caminho inverso, saltando de ilhota em ilhota até alcançarem a estrada que levava até à praia. Se foram avistadas por alguém, não se aperceberam e também não estavam preocupadas com isso. Atravessaram a estrada, subiram a rampa, passaram pelo portão partido e andaram pelo caminho de terra batida em passo normal. Estavam cansadas, mas nenhuma se queixou, nem revelou o facto, temendo a censura da outra.

Bra disse:

- Sabes que ontem conheci uma menina da Dimensão Real?

- Honto?

- Chama-se Ana e é amiga do meu irmão. Esteve a almoçar connosco. Quero dizer, fingiu que almoçou... Acho que não gostou da comida da minha mãe, porque não comeu nada.

- Ana? Que engraçado – disse Pan pensativa. – Eu também conheço uma menina da Dimensão Real que se chama Ana. É aluna do meu pai, vai lá a casa para aprender a falar japonês.

- Será a mesma menina?

- Era muita coincidência, não achas?

- Hai – concordou Bra.

Encontraram a scooter no sítio onde a deixaram. Pan foi novamente a conduzir e regressaram a casa, depois daquela maravilhosa aventura na praia.


VIII.2. Pequenas distrações

Esquecendo-se completamente de onde estava, sonhando com a paisagem verdejante da sua meninice e com o rio onde pescava com o pai, distraiu-se e foi atraiçoado por um bocejo.

- Professor, vamos embora.

Gohan olhou para o aluno que se chamava Marco e que se sentava na primeira mesa da fila do meio.

- Vamos embora – insistiu.

Os outros alunos aguardavam a resposta, canetas e lápis suspensos.

- Não vamos nada embora – disse Gohan endireitando-se na cadeira. – Continuem a resolver esses exercícios.

- Estes exercícios são aborrecidos – disse o Miguel. – Nós já demos esta matéria no ano passado, na cadeira do professor Duarte.

- Precisamente, estamos a rever a matéria do ano passado. E os exercícios não são aborrecidos. São para serem resolvidos! – Culminou a última frase engrossando a voz, procurando ser autoritário.

- E a aula vai ser só resolver exercícios?

O Miguel começava a irritá-lo. Pediu silêncio às filas de trás, onde se juntava um grupo de alunas mais faladoras e reforçou:

- Quanto mais depressa acabarem os exercícios, mais depressa saem da aula. Quero toda a gente a pensar em números e a resolver os problemas... Onegai shimass.

A plateia emudeceu. E Gohan corou.

Novo deslize. Estava demasiado distraído, havia duas noites que não dormia em condições. Primeiro, tivera a impressão que sentira a Porta dos Mundos a abrir-se. Na noite seguinte, não conseguira descansar com medo de sentir o mesmo.

- O professor sabe falar japonês? – Perguntou a Susana.

- Sei – gaguejou. – Eu... sou japonês. Nasci no Japão, pode-se dizer.

- A sério? Não parece. Achas que o professor parece japonês, Sónia?

A Sónia negou com a cabeça.

- O que é que foi que disse em japonês, professor? – Perguntou o Miguel.

Gohan suspirou. Uniu as mãos em cima da secretária.

- Pedi-vos que resolvam os problemas, por favor.

- Poderia falar um bocadinho mais em japonês? – Pediu a Susana sorrindo.

- Porquê?

- Ah, é tão giro! Nunca conheci ninguém que soubesse falar japonês, uma língua assim... diferente.

Por momentos, recordou-se da Ana.

Sentiu-se acanhado, mas concedeu. Seria talvez um pequeno preço a pagar para ter os alunos novamente concentrados nos exercícios de matemática.

- Acredito que, depois de me ir embora desta dimensão, vou sentir a vossa falta e gostaria muito de poder levar uma recordação vossa para casa, pois apesar de não quererem fazer o que vos peço, por minha culpa também, são alunos fantásticos, com um grande futuro.

Ninguém se moveu por longos segundos de silêncio. A Susana estava boquiaberta e foi o Miguel que verbalizou o que todos estariam a pensar:

- O professor muda de voz quando fala em japonês.

Gohan apoiou a testa numa mão. Aquilo ia de mal a pior.

- Não querem continuar com os exercícios? – Murmurou.

A Susana recuperou a postura sorridente e disse:

- Ah, mas o professor quando fala em japonês é tão... é tão...

- Sexy? – Arriscou a Sónia.

Gohan meneou a cabeça, sentindo-se afundar na cadeira.

- É tão... fofinho! – Completou a Susana.

Gohan olhou para a aluna.

- Nani?

- Sim, muda de voz, é verdade. Mas fica com uma voz tão querida!

Ouviram-se gargalhadas.

- O professor conhece "Dragon Ball"?

A pergunta gelou-o. Vinha da última mesa, da fila da direita. Gohan reparou no Paulo, que esticava a cabeça para se mostrar. Tentou manter-se calmo.

- "Dragon Ball"? – Indagou fingindo-se admirado.

- Sim. São uns desenhos animados japoneses muita fixes – explicou o Paulo.

A Susana disse logo:

- E achas que o professor vê desenhos animados?

- E depois? Até pode ver! O pai de um amigo meu vê esses desenhos animados. E como o professor vem do Japão pode conhecer, aquilo lá foi muita famoso. Conhece as aventuras de Son Goku?

Gohan levantou-se da cadeira e anunciou esganiçado:

- A aula terminou! Acabaram-se os exercícios! Podem ir para casa!

As mãos tremiam quando fechou o livro de matemática que tinha aberto em cima da secretária.

O Miguel foi o primeiro a sair da sala. Os outros alunos ainda demoraram alguns minutos a perceber que era mesmo a sério. Começaram a arrumar os cadernos devagar, à espera que o professor se lembrasse que aquilo tinha sido um mero devaneio e que os mandasse regressar aos exercícios aborrecidos, mas convenceram-se que a aula terminara quando o viram a recolher os livros e os papéis fotocopiados para dentro da mala de cabedal castanha. Saíram em silêncio. O último a abandonar a sala foi o Paulo que se aproximou dele.

- Disse alguma coisa que não devia, professor?

Gohan sorriu.

- Não, Paulo.

- É que pareceu... Por causa daquela história dos desenhos animados.

- Descansa, está tudo bem. Resolve os exercícios em casa. Na próxima aula, vamos corrigi-los.

- Mas é mesmo verdade que vem do Japão?

Gohan acenou que sim.

- Então, agora que não está mais ninguém aqui...

- Queres saber do "Dragon Ball"?

O rapaz encolheu os ombros.

- Eh... Se não for nenhum segredo.

- Por acaso...

Gohan agarrou na mala e saiu da sala, com o Paulo.

- Acaba por ser – completou e a lembrança do pai, dentro do rio, a exibir um peixe enorme nos braços, arrancou-lhe um sorriso rasgado, os óculos descaíram para o nariz.

- O quê?

- Um segredo.

Desceram as escadas juntos.

- Não estou a perceber, professor. É segredo que vem do Japão?

- O que queres saber sobre "Dragon Ball"?

- Conhece?

Chegaram à porta do edifício da faculdade. Divertiu-se a imaginar qual seria a reação do Paulo se soubesse que o professor de matemática era o filho de Son Goku.

- Conheço melhor do que julgas – disse Gohan, ajeitando os óculos na cara.

- Ah... Conhece alguém que participou na série?

- Hai. Podemos dizer...

- Quem?

- Ouve, Paulo. "Dragon Ball" é apenas... um mundo normal. Igual ao teu.

O Paulo riu-se.

- Igual ao meu? Aqui não temos saiya-jin!

- Olha que podes estar enganado.

Piscou-lhe o olho e despediu-se, deixando o pobre rapaz intrigado com aquela resposta. Saboreou a pequena maldade, uma experiência mínima mas que lhe deu uma alegria tremenda. Dirigiu-se ao parque de estacionamento, onde deixara a bicicleta. Apetecia-lhe continuar a prolongar aquela satisfação e decidiu que iria dar uma volta à praia antes de voltar para casa, para se rir para os céus e dizer, em voz alta, em japonês, gritar aos ventos que era filho de um saiya-jin e que se chamava Son...

- Gohan!

A alegria escoou-se por um ralo pequeno e estreito.

Estacou, como se o tivessem atravessado com uma lança.

- Gohan!

Era uma voz conhecida, porém, que o chamava com descontração. Voltou-se e encontrou o pai sorridente que se encaminhava na sua direção. A imagem da lembrança anterior, no rio, o peixe exibido, materializava-se diante dos olhos, com os contornos nítidos da Dimensão Real. Mas sem rio e sem peixe. Franziu o rosto, irritado.

- Otousan! Tu não me podes chamar pelo meu nome!

Goku disse acabrunhado:

- Gomen nasai, Gohan. Mas não me lembro como é que te chamas na Dimensão Real. Eu nem me lembro como é que eu me chamo!

- Chamo-me Gomano!

- Ah, pois... Gomano...

- E mesmo que não te lembrasses, podias evitar chamar por mim no meio do parque de estacionamento da universidade. Não vês que está cheio de gente?

E abriu os braços como que a querer indicar todo o cenário que os rodeava, animado com alunos, professores e funcionários que passavam de um lado para o outro.

- Pois...

- O que é que queres...? – Parou a pergunta a meio ao reparar no olho negro e nos arranhões na cara do pai. Fez outra pergunta: – O que foi que te aconteceu?

- Nada. Estive a treinar-me com Vegeta. Foi agradável.

- Deve ter sido... A julgar pela tua cara.

- Vegeta está parecido. Não utilizámos todo o nosso poder, mas deu para aquecer. Transformamo-nos em super saiya-jin!

- Ah... Então foram vocês que andaram a provocar os sismos de há duas noites atrás?

- Honto? – Goku abriu muito os olhos. – Sentiste os tremores de terra?

- Eu e toda a gente da cidade e arredores, 'tousan.

- Pois... Eu bem lhe disse para ter mais cuidado, mas Vegeta é teimoso. Não interessa, já passou e ninguém se lembra mais disso.

- Se não existirem mais tremores de terra. Ou as pessoas daqui ficarão a pensar que um vulcão estará prestes a explodir na serra. Temos de ser discretos... Não foi isso que combinámos?

Goku imitou-lhe o gesto de há pouco. Abriu os braços e indicou todo o cenário que os rodeava.

- Estar aqui não é ser discreto.

- 'Tousan! – Corou com a censura velada.

- Professor Gomano. Boa tarde.

Uma mulher juntava-se a eles, Gohan reconheceu-a. Era a professora Teresa que se desfazia em mil e um sorrisos simpáticos e em mil e uma conversas infindáveis quando o encontrava. Ultimamente, tinha a mania de lhe oferecer lanches no bar da faculdade. Ele aceitava, porque não podia ser indelicado com ela, não estava no seu feitio, mas tinha a impressão de que, ao fazê-lo, alimentava um monstro guloso de mal-entendidos e de falsas expetativas. Gohan sorriu sem vontade e disse entredentes:

- Boa tarde, professora Teresa.

- Ainda não o tinha visto hoje, professor Gomano.

- Tenho estado ocupado... Aulas.

- Por acaso, hoje também tenho estado muito ocupada. Reuniões de científico, sabe como é.

- Pois... sim.

- Um aborrecimento pegado. E, ainda por cima, enganaram-me para coligir a ata da reunião. Levo trabalho para casa.

- É realmente... um aborrecimento.

- Sentiu o tremor de terra de que se fala tanto?

Sem querer, Gohan deitou uma olhadela a Goku.

- Não – gaguejou. Acrescentou, passando a mala de uma mão para a outra: – Ouvi no rádio que foi de noite.

- Sim, foi perto das zero horas.

E disse "zero horas" como se fosse muito diferente do vulgar "meia-noite".

- Estava a dormir

- Ah!... Deita-se cedo. Faz muito bem. Devemos fazer jus ao ditado, não é verdade? Deitar cedo e cedo erguer...

Reparou em Goku e recuperou a postura correta e irrepreensível de professora universitária. Estendeu-lhe a mão para o cumprimentar, mas Goku não reagiu e olhou confuso para a mão estendida. Gohan deu-lhe uma cotovelada e, para disfarçar, disse:

- É... É o meu pai.

- O seu pai?

- O que foi? – Perguntou Goku sem entender a cotovelada.

- Aperta-lhe a mão! – Ciciou Gohan.

A professora Teresa percebeu que as palavras não saíram no habitual castelhano e olhou-o admirada. Gohan sorriu como um pateta. Goku apertou a mão da professora.

- Teresa. Muito prazer.

- Teresa?

- Ela chama-se Teresa – segredou-lhe Gohan.

- Ah! – Goku sacudiu o braço da mulher, compreendendo, por fim, o gesto e as palavras dela. – Eu chamo-me Son Gok...

- Gonçalo! – Gritou Gohan.

A Teresa olhou-o embasbacada. E Gohan repetiu, sem gritos:

- Gonçalo. O meu pai chama-se Gonçalo.

- Ah.

Gohan fixou um olhar penetrante no pai. Goku encolheu os ombros, a desculpar-se em silêncio que os nomes que Bulma arranjara eram muito difíceis de decorar. A professora Teresa repartia a atenção pelos dois e descobriu as marcas no rosto de Goku.

- Mas... o que foi que lhe aconteceu, senhor Gonçalo? – Perguntou a torcer a cara numa careta de horror.

- Porquê? – Estranhou Goku.

Foi Gohan que adiantou uma explicação:

- O... o meu pai pratica artes marciais e esteve a treinar-se recentemente.

- E os treinos são assim tão duros?

Goku riu-se de gosto.

- Se conhecesses o meu adversário...

- São, são duros – interrompeu Gohan com medo que o pai começasse a falar em Vegeta e em super saiya-jin e em sismos.

- Mas está a treinar-se para algum torneio?

- Um torneio?

- Sim. Uma competição...

- Não. Treino-me para me manter em forma e para derrotar os guerr...

- Para se manter em forma, só isso – tornou Gohan a interromper.

- Deve ter cuidado, senhor Gonçalo – advertiu a professora Teresa com um sorriso sedutor. – Tem uma cara demasiado bonita para estragá-la com treinos muito violentos.

- Ahn? – Goku piscou os olhos.

A professora Teresa lançou um olhar lânguido para Gohan dizendo:

- Já percebi onde foi buscar esses olhos encantadores. Tem os olhos do seu pai, sabia?

- Acho que sim – respondeu e teve a impressão que não era ele quem respondia.

A professora Teresa olhou para o relógio de pulso e concluiu:

- Bem, já se faz tarde e tenho muito trabalho à minha espera. – Acenou discretamente com os dedos da mão esquerda. – Até amanhã, professor Gomano.

- Até amanhã

- Gostei muito de o conhecer, senhor Gonçalo. Espero ter o prazer de o voltar a ver.

Goku sorriu. A professora Teresa afastou-se e Gohan suspirou de alívio. Mudou novamente a pasta de cabedal de mão. No entanto, tinha o estranho pressentimento que havia mais bombas para cair na tranquilidade da sua vida da Dimensão Real.

- Gohan, aquela mulher sabe que és casado?

A pergunta deixou-o engasgado.

- Porquê?

- Pareceu-me muito interessada em ti.

- Impressão tua.

- Hum...

Viu a professora Teresa entrar num automóvel cinzento, a sentar-se diante do volante, a compor o cabelo arruivado olhando-se ao espelho retrovisor. O melhor seria começar a recusar um ou outro lanche...

Mudança de assunto, mudança radical, uma das especialidades de Goku. Perguntou-lhe:

- Queria falar-te sobre a Porta dos Mundos, Gohan.

- Nan dá?

- Para além do tremor de terra, não sentiste mais nada?

- Hai. Uma impressão. Acordou-me no meio da noite. E achas que foi a Porta dos Mundos?

- Tenho a certeza.

- Um de nós esteve quase a interagir? Quem?

- Trunks. E Vegeta está convencido que foi com aquela tua aluna. Como é que ela se chama?

- A Ana? Como é que Vegeta sabe isso?

- Desconfia... Eu consigo dar-lhe razão. Devemos ter muito cuidado a partir de agora. Nunca mais estiveste com a rapariga, pois não?

- Eh... – Gohan coçou a cabeça. – Depois daquela reunião estranha na casa de Vegeta-san, em que me pediste para acabar com as aulas de japonês, não vi a Ana durante duas semanas. Mas ela encontrou-me, na universidade, pediu-me que retomasse as aulas e eu disse-lhe que sim.

- Gohan! Tinha-te pedido que terminasses com essas aulas.

- 'Tousan, se interagir fosse ensinar japonês à Ana, já tinha acontecido quando lhe dei a primeira aula. No entanto, não existe motivo para preocupações. Não tem aparecido nestes últimos dias, nunca mais a vi.

- Hum... Se ela voltar a aparecer, inventa uma desculpa e acaba outra vez com as aulas.

Gohan torceu a boca. Concordou, relutante:

- Está bem.

- Se ela esteve afastada por duas semanas, afasta-a por mais duas. Pode ser que Bulma entretanto termine a máquina das dimensões. Vais-te embora e pronto. Então é que acabam as aulas de vez.

- Poderá acontecer assim – disse, ainda pouco convencido.

Goku olhou em volta, respirando fundo o aroma dos pinheiros.

- O sítio da tua universidade é bonito.

- Ah... Não é a minha universidade.

- Ubo já está em casa e eu vou para lá – anunciou, concentrando-se no horizonte. – Gostei de conversar contigo, Gohan. Não te esqueças, mantém-te atento em relação a essa rapariga chamada Ana. Djá ná!

Gohan ficou azul ao vê-lo levar dois dedos à testa. Gritou, de braços estendidos:

- Não, otousan! Espera!

Tarde demais. A Shunkan Idou funcionou e Goku encontrou-se na sala da pequena e desconfortável casa de madeira onde vivia, em frente a Ubo que se sentava à mesa. Descobriu os quatro peixes de escamas prateadas numa vasilha e os olhos brilharam a antever o banquete daquela noite.

O rapaz levantou-se assim que ele chegou.

- Ah! Que belos peixes!

A alegria evaporou-se quando Ubo lhe perguntou num só fôlego:

- Quem é Zephir, sensei?

Goku julgou que alguém o tivesse esmurrado.

- Na-nani? Quem é que te falou de Zephir?

O aviso de Dende regressou aos seus ouvidos. "Ubo não pode sequer saber da existência de Zephir". Abanou a cabeça para o fazer desaparecer. Ubo esperava uma resposta, sem uma expressão definida no rosto paralisado.

- Eu... eu não te podia falar de Zephir – explicou sufocado. Fora apanhado na mentira e sabia que a relação de confiança que existia entre mestre e pupilo tinha sido quebrada.

- Porquê?

- Porque... Disseram-me para não te falar de Zephir.

Ubo fez um esgar, estalou a língua, inclinou a cabeça para o lado direito, mimando um trejeito odioso de Majin Bu. Goku sentia as gotas de suor a nascer na orla do cabelo, a empapar a testa.

- Porque é que não me foste buscar para te ajudar a combater contra Zephir no Templo da Lua?

- Já te expliquei.

- Podia ajudar-te. – Rasgou um sorriso trocista, insistindo em mimar Majin Bu. – Sou tão forte como tu.

- Proibiram-me de te levar comigo.

- Eu fiquei à espera... Uma noite inteira, sentado na praia. Depois, quando o sol nasceu, senti os combates. Sempre à espera. Obediente... como um cão.

- Ubo, por favor, escuta-me. Tu não te podes aproximar de Zephir.

O rapaz baixou a cabeça, colou o queixo ao peito com um suspiro arranhado. Começou a respirar entre roncos, como se tivesse adormecido. Goku arrepiou-se. Os gestos, as reações, eram os de Majin Bu, o espírito a revelar-se perigosamente e logo naquela ocasião em que falavam do feiticeiro maldito que se servia da magia do Makai, a mesma magia que um dia controlara Majin Bu.

O aviso de Dende fazia mais sentido do que nunca.

Goku disse, controlando o medo:

- Tu és um excelente guerreiro. O melhor que a Terra terá no futuro, quando os saiya-jin já não forem suficientes para a proteger. Mas, nesta história, com Zephir e esse Templo da Lua... Não é a tua aventura. Gomen nasai, Ubo-kun.

Os roncos suspenderam-se.

Ubo olhou para ele com os olhos injetados de sangue.

- Não passas de um egoísta!

- Ahn?

- Não confio mais em ti. Acabou-se!

Goku tentou alcançá-lo, Ubo esquivou-se. Abriu a porta, o odor húmido a maresia irrompeu pela casa adentro, as roupas colaram-se ao corpo, deixando Goku ainda mais gelado.

- Eh! Para onde é que vais? Estamos num sítio estranho e tu não tens para onde ir.

- Cá me arranjo... Provavelmente, vamos ficar neste sítio estranho para sempre.

- Não vamos nada! Nós vamos voltar para derrotar Zephir.

- Nós? – Ubo riu-se com uma gargalhada estridente. – Eu não entro nessa história. Como foi que disseste? Essa não é a minha aventura... Sayonara.

E saiu.

Goku deixou-se cair numa cadeira, escondeu a cara nas mãos. Magoado, desejou que aquela conversa tivesse sido parte de um pesadelo. E desejou, acima de tudo, com um travo amargo no coração, regressar imediatamente à Dimensão Z e destruir Zephir para sempre. O maldito feiticeiro corrompia a sua vida e ele, impotente, não o conseguia travar.

Regressar, mesmo que fosse interagindo com alguém.

E arrependeu-se de ter pedido o que pedira a Son Gohan.


VIII.3. Improvisando

- Pan-chan!!!

A miúda congelou os movimentos, parando a meio de uma passada.

- Onde é que te meteste para vires nesse estado?

Videl estava zangada e, sobretudo, atónita. A filha voltou-se, baixou a perna e forçou um sorriso, mostrando a dentadura branca, querendo claramente comprá-la com o ar mais angelical que amanhara à pressa.

- 'Kaasan...

- Pan-chan, começa a falar.

Vestida com o dogi, suja de lodo, de areia e de manchas de água salgada, os cabelos despenteados e peganhentos de suor, sangue seco no canto da boca, era evidente o que Pan tinha andado a fazer, mas Videl queria ouvi-la confessar a desobediência, porque Pan sabia muito bem que as ordens eram para nunca, mas mesmo nunca, sair de casa.

Pan apagou o sorriso, empinou o nariz que sempre fora empinado, e Videl sabia que naquela característica saía indubitavelmente à mãe, e contou:

- Estive a treinar... Na praia... Com Bra-chan.

- Nani?! Com toda a gente a ver?

- Não. Fomos para uma ilhota afastada de todas as ilhotas, para que ninguém visse.

- E como é que foram para a ilhota afastada?

- Saltando...

- Saltando?!!

Pan limpou o ouvido direito com um dedo.

- 'Kaasan, estás a gritar muito.

A porta da rua abriu-se e Gohan entrou em casa.

- Koniichi-wa!

Mas a alegria do cumprimento diluiu-se ao ver que a cena na sala se coloria de um tenebroso cinzento, porque Videl estava muito zangada e porque Pan encolhia-se diante da figura autoritária da mãe, apesar de empinar o nariz.

- O que é que se passa aqui? – Indagou aproximando-se cauteloso, apertando a mala de cabedal, como se a pudesse utilizar como escudo caso a cena resvalasse de cinzento para preto.

- A tua filha esteve a treinar-se, na praia, com Bra-chan. Não vês o estado em que ela está?

Gohan analisou Pan, espreitando por cima dos óculos.

- Precisas de um banho.

Videl indignou-se:

- Precisa de um castigo!

A miúda reagiu:

- Nós não estávamos sozinhas. Ubo-san estava lá connosco, a vigiar os nossos treinos e a cuidar de nós.

- Ela esteve a treinar com quem? – Perguntou Gohan.

- Com Bra – respondeu Videl.

- Hum...

- Gohan-san, esta menina merece um castigo.

Os olhos de Pan entristeceram. Olhou para o pai e para a mãe, Gohan percebeu que tentava desesperadamente encontrar uma saída para aquela situação. Videl prosseguiu irritada:

- Desobedeceu-me, anda a treinar-se contra a nossa vontade, tentou esconder de mim o que andou a fazer esta tarde, desencaminha a Bra, que é uma menina amorosa.

- A Bra-chan conheceu a Ana-san – murmurou Pan.

- Não se vai escapar desta. Acho até que ela levou a minha scooter para essa aventurazinha na praia, não a encontrei esta tarde quando fui até à garagem. Até pensei que tivesses sido tu e que finalmente tinhas posto de lado essa bicicleta velha e escolhido ir para a universidade de uma maneira mais...

- Espera, Videl! – Cortou Gohan. Ajoelhou-se, agarrou nos braços da filha, encarou-a e pediu: – O que foi que disseste?

Pan encontrara a saída. Corou ligeiramente, assimilando o triunfo, e repetiu assertiva:

- A Bra-chan conheceu a Ana-san.

- Como?

- O que é que ela está a dizer? – Perguntou Videl admirada.

- A Ana-san esteve a almoçar ontem na casa de Bulma-san. Foi assim que a Bra conheceu a Ana-san.

Videl levou as mãos à cabeça e guinchou:

- Nani? Bulma-san enlouqueceu?!

- Tens a certeza que a Bra conheceu a Ana, Pan?

- Hai, 'tousan. A Ana é amiga de Trunks-san.

Gohan pôs-se de pé.

- Mas o que é que se está a passar aqui? – Indagou Videl em pânico, os dedos emaranhados no cabelo, cotovelos espetados.

- Não sei, mas é muito estranho. Hoje, o meu pai esteve comigo na universidade para me avisar que deveria ter cuidado com a Ana.

- Goku-san? Ele também te falou dessa rapariga? Mas porquê?!

- Acalma-te, Videl.

Voltou-se para a filha.

- Vai tomar banho e trocar de roupa. Preciso falar com a mãe, está bem?

- Hai.

Pan correu escadas acima, sem nunca olhar para trás.

Com muito cuidado, Gohan puxou pelos braços da mulher para separá-los da cabeça. Videl deixou-o manejá-la, libertou os cabelos negros e revoltos, olhava-o transida de medo. Ele agarrou-lhe nas mãos que tremiam.

- O que é que essa rapariga quer de nós? Por que é que insiste em misturar-se connosco? Será que ela foi enviada... – Baixou a voz. – Pelo feiticeiro?

- Não. Ela conhece-nos, é só isso.

- Como?

- Através de "Dragon Ball", que é o nome pelo qual conhecem a Dimensão Z. Hoje até estive a falar com um aluno meu sobre "Dragon Ball"

- Outro intrometido?

- Calma. "Dragon Ball", ao que parece, é muito famoso e há bastante gente que já viu, que sabe o que isso é. É normal que tropecemos, de vez em quando, em alguém que nos conheça. Sabendo isso agora, creio que o feiticeiro fez-nos um grande favor em não nos enviar para o Japão. Acho até que ele mencionou isso antes de fazer o feitiço da Porta dos Mundos... Intriga-me por que razão nos concedeu essa vantagem.

- E que interessa essa vantagem se até neste país, onde era suposto passarmos despercebidos, somos reconhecidos?

- Talvez faça parte do jogo.

- Tenho medo, Gohan.

- Não tenhas.

- Há duas noites, senti uma impressão. Tu também a sentiste, percebi que despertaste ao mesmo tempo que eu. O que foi isso?

- Interagir...

Videl gritou. Gohan abraçou-a.

- O meu pai e Vegeta-san estão convencidos que foi Trunks com a Ana-san – explicou ele, massajando-lhe as costas.

- Não a quero nunca mais na minha casa.

- Ela nunca mais veio.

- E se vier?

- O meu pai disse-me para mandá-la embora.

- E desta vez vais fazer o que o teu pai te pede, não vais?

Hesitou. Mas respondeu, desfazendo o abraço.

- Hai.

- Não percebo como essa rapariga, que deverá ser assim tão perigosa, acaba a almoçar na casa de Bulma-san. – Rangeu os dentes. – Ah! Aquele Vegeta! Sempre disponível para nos pregar sermões e, no fim de contas, as transgressões mais graves nascem ou acontecem na sua casa. Estou capaz de o desfazer!

Gohan sorriu. Preferia ter a mulher furiosa, do que amedrontada.

- Trunks está interessado na Ana.

- Nani? Isso não tem futuro.

Encolheu os ombros.

Agarrou na mala de cabedal, afrouxou o nó da gravata, soprando. Disse-lhe que iria despir-se, tomar banho, preparar-se para o jantar. Disse-lhe também que aquele assunto da rapariga da Dimensão Real estava encerrado. Disse-lhe ainda que queria passar um serão agradável em família, sem sobressaltos.

Videl olhou para cima, como se lhe fosse possível ver através do estuque e do cimento o que se passava no primeiro andar da vivenda. No silêncio, escutaram o ruído de um chuveiro. Era a filha deles.

- Com esta história toda, esqueci-me do castigo de Pan...


VIII.4. A emoção da transgressão

Olhou-se ao espelho pela milésima vez, penteou a franja com os dedos, mas a melena era rebelde e por muito que tentasse, teimava em descair para os olhos. O que não era mau de todo, bem vistas as coisas, pois sempre lhe disfarçava a cicatriz. Yamucha ajeitou a gola do blusão, levantando-a, para lhe dar mais estilo.

- Que tal estou?

- Se mexeres mais, estragas a perfeição – respondeu Puar enjoado.

O gato azul estava com ciúmes, Yamucha sorriu. Era compreensível. Puar era um prisioneiro, enquanto ele voava livre, experimentando os prazeres ínfimos e cuidadosamente selecionados da Dimensão Real.

Esperava pela Dedé, para mais um encontro romântico. O primeiro tinha acontecido na terça-feira passada e terminara da melhor maneira. Tinham vindo para a casa dele, beberam vinho gelado, trocaram um par de beijos, ela enfiara-se na cama dele e só saíra na manhã seguinte.

Tinha sido uma noite selvagem e inesquecível, ao ponto de, num momento de maior excitação, ele ter jurado sentir que a Porta dos Mundos se tinha entreaberto e tudo por culpa dele, que se entregava àquela mulher mais despido de alma, do que de corpo, quase transparente, carente, um coração solitário a bater na presença de uma companhia eternamente aguardada.

A noite anterior, a de quarta-feira, tivera a mesma dose de loucura. Bebera demais, falara de dimensões e de feiticeiros, confessara-se apaixonado. A Dedé, que também tinha bebido, ria-se com ele, dizia-lhe que teria ali uma companheira disposta a escutá-lo, dizia-lhe:

- Senhor Eduardo, está bêbado, mas eu estou a adorar.

Ele gostava quando ela dizia o nome inventado dele depois do "senhor". Seduzia-o e ele despia-se outra vez, primeiro a alma, depois o corpo. Amavam-se desenfreadamente, inventando que tinha sido sempre assim, o Eduardo e a Dedé, o casal perfeito.

Ela percebia que ele gostava quando o chamava de "senhor". Insistia no tratamento, reforçando-o, adotando tons diferentes, consoante as ocasiões. Casual, desinteressado, caloroso, suspirado, suado. O senhor Eduardo derretia-se como manteiga e ela derretia-se atrás, os fluidos misturando-se.

Puar sofria com aquele enlace, porque quando ele aparecia com a Dedé, tinha de se refugiar no exterior, na varanda estreita do pequeno quarto. Passava as noites ao relento, enregelado e, de manhã, quando ela se ia embora e ele podia finalmente regressar ao interior da casa, vinha mais azul do que já era, resfriado e amuado. Yamucha tentava fazê-lo perceber, era só uma aventura. Uma pequena transgressão. Puar fulminava-o com o olhar e dizia-lhe:

- Se interagires com ela, és um homem morto. E eu não te vou defender de Vegeta-san.

A campainha tocou, duas vezes. Yamucha enxotou o gato azul. Puar escapou-se para o quarto, enfiou-se logo na varanda, resmungando e praguejando. Yamucha abriu a porta. A Dedé sorriu-lhe, resplandecendo com todos os seus anéis e colares, cheirosa como uma flor dos trópicos, vestida de um vermelho que o encandeou. Também lhe sorriu, antecipando o final da noite, quando ele haveria de a despojar de todos os panos, dos anéis e dos colares e ficaria apenas o perfume a perigo de flor dos trópicos.

- Boa noite, senhor Eduardo.

- Boa noite, Dedé. Quer entrar e beber alguma coisa, antes de irmos jantar?

- Obrigada pelo amável convite, senhor Eduardo. Mas podemos ir andando, se não se importa.

- Não me importo nada. Vamos.

Agarrou nas chaves do carro, atirou-as, apanhou-as no ar.

Outro detalhe sedutor era que não se tratavam por tu. Mantinham uma distância polida que era como atear fogo a um rastilho quando brincavam entre os lençóis.

Yamucha fechou a porta do apartamento, passou um braço pela cintura da mulher, que colou a anca ao corpo dele, esfregando-se languidamente e começando, dessa maneira descarada, o jogo de sedução daquela noite.

Adorava estar com a Dedé. Era como se estivesse outra vez com Bulma. Fechava os olhos e embarcava na fantasia, com uma alegria de outros tempos.


VIII.5. Tudo diferente, tudo igual

Entrada no meu diário, data: setembro 1996

Pousei o auscultador devagar, fixei o telefone.

Tinha acabado de recusar um convite do André que queria encontrar-se comigo naquela quinta-feira à noite. Mentira-lhe, dissera-lhe que estava cansada, tinha sido um dia arrasador no trabalho e queria descansar. Ele aceitara, convencendo-se que eu estava a preparar-me para o fim-de-semana. Recordara-me que sexta-feira era já no dia seguinte e que iria mesmo conseguir a chave do apartamento do primo de Évora. Eu concordara com a charada, sim, descansava para sexta-feira, haveria de ter a mala pronta e iríamos passar o famoso fim-de-semana juntos, os dias e as noites.

Mas eu estava cheia de dúvidas.

Olhei para a palma da mão esquerda, onde tinha o papel com o endereço e o telefone do professor. Agarrei no auscultador, mas não o tirei do descanso. Não conseguia, era como se o tivesse colado ali com a mentira, quando desligara o telefonema do André.

Não sabia classificar a minha relação com o André, quando tinha o coração cheio de um sentimento esquisito, paixão misturada com ternura e arrebatamento, pelo anjo dos olhos azuis que, descobrira-o maravilhada, era mesmo alguém de outro mundo, não celestial, mas de lá perto. E quando o André antecipava um fim-de-semana especial e eu não sabia como lhe dizer que não e desconfiava que não lhe iria dizer que não.

Respirei fundo.

Não era capaz de telefonar ao professor, não sabia o que dizer ao telefone se ele me atendesse, escutar-lhe a voz com pronúncia castelhana, tratá-lo pelo seu verdadeiro nome e dizer-lhe que iria aparecer na casa dele, porque, apesar do interregno de uma semana, eu gostaria imenso de continuar a aprender japonês, agora ainda mais sabendo que ele era filho de quem era.

Doía-me só de pensar no André. Na desilusão dele, na minha desilusão. Na mala que eu teria de fazer, no fim-de-semana longo e inacabado, pleno de enganos.

Amarrotei o papel, enfiei-o no bolso das calças. Voltei costas ao telefone. Agarrei no caderno dos apontamentos e saí de casa.

Fim de entrada.

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