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Capítulo 15

Chocada, Dara não conseguiu responder. Ante o susto, seu maxilar travara como se fosse um maquinário antigo e enferrujado. Tudo o que via através da portinhola baixa e estreita era um par de olhos amarelos, como ela jamais vira ou pensara existir. Seu silêncio irritou ainda mais o dono daqueles estranhos olhos:

- Por que não responde? Já cortaram-lhe a língua?!

- Sou Dara , a nova arrumadeira da casa, senh...

- Para mim, não passa de uma intrusa!

- Fui contratada pelo senhor e a senhora Winks.

Ao ouvir essas palavras da jovem, o dono dos olhos amarelos deu uma risada sinistra, que ecoou por todo o ambiente. Em seguida, fez um breve silêncio; quase tão arrepiante quanto seu sarcástico riso; que ele mesmo tratou de quebrar, em tom enigmático:

- Tem certeza do que diz?

- É óbvio que sim, não sou nenhuma louca! O senhor é que não parece estar em seu estado perfeito. Vai saber o que fez para o terem trancafiado aí dentro... Boa coisa não deve ter sido...

- Você não sabe de nada, sua intrusa insolente! - vociferou, com a boca encostada à abertura da porta - Eu sou o senhor e dono de tudo isso aqui!

- Hum-hum, sei... - seus enormes olhos e seu semblante constantemente expressivo denunciavam a sua descrença naquela afirmação.

- Duvida?

- Tudo bem, eu não vou contrariá-lo... - "Convém não contrariar os loucos", ela pensou, mas não ousou dizer. - O senhor pode ser o que quiser: eu não tenho nada a ver com isso mesmo. - concluiu, dando de ombros.

- Não tinha nada a ver com isso antes de subir até aqui. Mas já que o fez, passará a servir-me, intrusa.

- Posso saber o porquê que eu faria isso? - Dara desafiou, colocando as mão na cintura.

- Claro que pode. É porque não é um simples pedido... É uma ORDEM!

- Ah, é?... - irritada com o tom autoritário usado pelo enigmático ocupante da torre, a ruiva fez pirraça - Olha o que eu faço com a sua "ordem"... - em seguida, deu-lhe as costas e passou a descer os degraus de pedra da escada, tranquila e lentamente, como se estivesse pisando em plumas. Seus olhos azuis, já um tanto mais habituados à escuridão, a ajudaram na caminhada.

Impotente em seu cárcere, enclausurado na torre, ele limitou-se a repetir; entredentes; enquanto esmurrava a porta:

- Você vai voltar... Você vai voltar ou não me chamo Edgar Thomas Winks!

Novos barulhos de objetos metálicos sendo arremessados e de vidros sendo quebrados puderam ser ouvidos até mesmo depois que Dara já encontrava-se novamente em seu quarto.

Deitada com as costas no colchão, apertando seu relicário camafeu na mão e com os olhos fixos no teto, Dara demorou-se a dormir, ficando boa parte da madrugada à relembrar a incomum experiência que vivera naquela noite

*******

Três batidinhas rápidas, e o prisioneiro da torre prontamente abriu a portinhola. Punha-se de perfil junto à porta, àquela manhã, assim que Sebastian descera. Justamente o momento mais oportuno que Dara encontrara.

- Oh! Se não é a intrusa! Sabia que voltaria... - mantendo-se como estava, sem alterar um centímetro de sua postura.

- Não sou uma intrusa! E como poderia saber disso se nem eu mesma sabia?

- Eu sabia, é o que basta. - Dito isto, virou o rosto para a portinhola, encarando-a pela primeira vez à luz do dia.

Sentada, para ficar numa altura mais propícia à abertura na porta, num raríssimo momento em sua vida, Dara sentiu falta-lhe as palavras. Seus imensos olhos azuis mergulharam nos olhos estranhos daquele desconhecido deveras estranho...

- O que houve? Vai ficar me olhando com essa cara? Parece que viu um... - autocensurando-se, calou-se de súbito.

-...fantasma? - a jovem completou a frase, de forma espontânea, característica que lhe era contumaz. Ele fitou-a com o olhar, raivoso. Chegou ao ponto de mover os lábios, como se fosse rebater o comentário que encarara como uma ofensa, mas desistiu, preferindo incentivá-la à continuar.

- Prossiga. - pediu, num tom quase gentil.

- É que eu nunca tinha visto olhos da cor dos seus. Nem sabia que existiam olhos assim, e ainda tem a cor da sua pele...

- O que há com a cor da minha pele? - questionou-a, num tom de voz que deixava margem à dúvida se ele estaria mais curioso ou irritado. Ignorando quaisquer que fossem as possibilidades e as consequências do que diria a seguir, Dara respondeu prontamente:

- É alva demais! Assim, à luz do dia, posso ver melhor. Mesmo sendo eu ruiva, não chego à sua brancura. Parece brilhar, nem parece humano. Não é à toa que a fama o precede...

- Fama?... - ele perguntou, e agora não restavam dúvidas de que encontrava-se verdadeiramente interessado nas observações de Dara.

Já que ele queria saber, mesmo constrangida, ela continuou.

- Sim. Por toda essa região corre o boato de que essa torre é habitada por um fantasma. Todos evitam a mansão assombrada pelo temido "fantasma de Lockwood". É como referem-se ao senhor.

Edgar desviou o olhar e baixou a cabeça. Seus cabelos crescidos, mesclados entre frios negros e grisalhos, momentaneamente ocultaram-lhe o rosto; de feições maduras porém que ainda conservavam-se belas; e Dara tratou de desculpar-se.

- Desculpe. Não era a minha intenção magoá-lo com essa história de fantasma. Mas é que as pessoas falam e...

- ... não estão de todo erradas. - completou, pensativo, ao mesmo tempo em que caminhava com dificuldade em círculos dentro do limitado espaço que lhe fora reservado, como uma fera enjaulada, procurando uma saída que parece não existir - Hoje eu realmente não passo de um fantasma comparado ao que já fui um dia... - após um profundo suspiro, ele passou as mãos pelos cabelos, afastando os longos fios do rosto tomado pelo bigode e os pelos da barba. Em seguida, voltou a pôr os olhos na pequena abertura da porta, retomando o seu ar dominador - Mas você me ajudará.

- Não imagino como.

- Deixe a imaginação por minha conta. Só terá que trazer-me tudo o que eu lhe pedir.




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