Capítulo 11
Na manhã seguinte, os olhos de Dara pareciam ainda maiores enquanto fitavam Margot, à mesa do café. A outra parecia evitar o seu olhar mais do que já costumava fazer, de modo que não houve outro jeito: mais uma vez teve de ser ela à quebrar o silêncio.
— E ontem à noite, hein...? — sem obter resposta, viu-se forçada a ser mais direta — Você ouviu aquilo?
— E quem não ouviria aquela chuva?
— Não me referia à chuva apenas, mas aos outros barulhos — destacou a moça ruiva.
— Não sei do que está falando. — a cozinheira finalizou apressadamente o seu café e dirigiu-se à pia, onde pôs-se à descascar e picar alguns legumes.
Dara encostou as costas na pia, ao lado de Margot.
— Vai dizer que não ouviu? — a jovem insistiu.
— Ouvi a chuva, que era o que tinha para ser ouvido. — impacientou-se a mais velha.
— Não! Não mesmo! Ou então, o seu sono é muito mais pesado que o meu. — e, aproximando-se um pouco mais da colega de trabalho, acrescentou — Eram batidas, pancadas, estrondos, vidros sendo quebrados, explosões e uns gritos estranhíssimos... Não é possível que não tenha ouvido! Não ouvir toda aquela barulheira só é admissível ao Sebastian, por motivos óbvios.
— Eu já disse que não, eu não escutei nada disso. — a outra afirmou, sem desviar o foco do que fazia.
Dara fez uma cara de quem não acreditava em nada do que Margot dizia, mas resolveu não insistir. Mudou de assunto.
— E o Sebastian, onde está? Não vem tomar café?
— Ele já tomou. Agora está ocupado.
— Ele sempre está ocupado logo cedo, mas eu nunca vejo onde... — constatou, sondando.
Com a faca — com a qual cortava os legumes — em riste, a cozinheira advertiu-a:
— Você ouve demais, observa demais, fala demais e pergunta demais! O que quer? Perder a língua?!
— Margot, o que deu em você?! — petrificada, Dara agora estava com os olhos quase a saltarem das órbitas de tão esbugalhados diante da lâmina à reluzir próxima ao seu queixo.
— Em mim? Nada — a cozinheira voltou a cortar os legumes como se nada anormal houvesse acontecido — Estou apenas avisando que, bisbilhotando assim, você não dura nada nessa casa. Você não dura... — sussurrou, num tom inaudível para a jovem, que havia se afastado após o recente susto — Aliás, o que você deveria fazer é arrumar o que fazer. De preferência, arrumar as suas malas e ir embora daqui enquanto pode.
— Do que você está falando?
— De nada, de nada. — deitando a faca na tábua onde picava os legumes, olhou diretamente para Dara — Desculpe, eu não queria assustá-la. Deixe-me sozinha, sim? Preciso terminar o desjejum dos patrões.
— Eles ainda não desceram? — surpreendeu-se a moça.
— Aqueles lá nunca levantam cedo, muito menos logo que ele retorna de viagem. Permanecem trancafiados, por vezes, o dia inteiro. Perfeito para a sua fuga! Quando fossem dar por sua falta, você já estaria longe... Eu faria vista grossa, que é o que eu mais sei fazer. O que me diz?
******
O vento gélido daquela manhã, combinado à densa neblina que envolvia todo o morro, conferia à propriedade dos Winks um ar ainda mais sombrio do que costumava apresentar.
Dara caminhava no terreno encharcado, em volta da casa. Enquanto refletia sobre as palavras de Margot, aproveitaria para checar a árvore do jardim, que fora incendiada na noite anterior.
Abandonado, inclusive tendo no centro um chafariz desativado, o jardim tinha naquela árvore seca de galhos retorcidos no formato de garras cadavéricas, seu ponto mais alto no quesito estranheza.
A árvore, antes cinzenta, tornara-se escura como carvão após o incêndio da noite anterior. Podia-se notar um pouco de fumaça desprendendo-se dos galhos mais altos, justamente aqueles que roçavam na janela de vidros quebrados da misteriosa torre.
Estava assim distraída, com o rosto voltado para cima, quando viu um vulto surgir por trás dos cacos de vidro que ainda restavam próximos da janela: "Sebastian?!"...
Dara esfregou imediatamente os olhos e procurou uma posição melhor para visualizar a tal aparição. Porém, ao voltar seus olhos azuis para o alto, o vulto já não estava mais lá.
Estaria se deixando influenciar pela fama fantasmagórica do casarão e, por conta disso, passara a imaginar coisas?
Encontrava-se pensativa quando ouviu o seu nome sendo mencionado por uma voz masculina que não lhe era totalmente desconhecida, embora não ligasse de pronto a voz à pessoa. Vinha da direção do portão, e ela foi até lá.
— Você?! O que faz aqui? — Dara ficou surpresa ao encontrar Philip próximo ao portão.
— Vim ver como estava após a noite passada...
— E por que isso agora? — medindo-o com o olhar, desconfiada.
— Ora, por quê? Porque foi uma noite muito difícil para todos nós lá no vilarejo, imagino para vocês nesta casa, então...
Lembrando-se dos conselhos de Margot, ela tentou despistá-lo, fingindo-se de desentendida.
— Não sei do que está falando. Nunca choveu por estas bandas antes? — andou de um lado a outra do portão. Ele a acompanhou.
— Você sabe muito bem que não é à chuva que eu me refiro. — colocando a mão sobre a dela, que segurava a grade.
— E é a quê, então? — ergueu o queixo, na defensiva, recolhendo a mão para junto do corpo.
— Muitos de nós vimos o que aconteceu à árvore aí, do jardim. — revelou, enquanto apontava para a pobre planta — Foi assustador! Eu preocupei com você.
— Não tem porquê preocupar-se comigo. Além do mais, foi um raio que a atingiu.
— Não, não foi. Todo o mundo viu que o fogo que atingiu a árvore saiu de dentro da casa. Mais precisamente, de lá... — indicando a torre com o olhar. Instintivamente, Dara também olhou em direção à torre, enquanto Philip continuava a falar — Há algo de misterioso ali, e não parece nada bom. Não foi à toa que esta mansão conquistou a má fama que tem, e muito disso se deve àquela torre. Melhor, ao que habita nela.
Curiosa, a jovem ruiva voltou-se para o quitandeiro.
— Que habita nela? Está afirmando que alguém vive ali?
— "Alguém" ou alguma "coisa", algum "ser"... Enfim. Seja lá pelo o quê ou por quem for, é através do que há ali que os Winks dominam a pequena cidade de Lockwood. Pelo medo. — Se ao menos soubéssemos do que se trata de fato, teríamos meios de nos defendermos.
— Você também sente medo?
— Não, eu não. Não por mim. Temo por você aqui, vivendo vivendo numa casa sem ter quem a proteja.
— Oh! Então estou diante do cavalheiro mais corajoso da região. Está me oferecendo proteção, senhor Philip?
— Diante de tais circunstâncias, pode-se dizer que sim. — afirmou, todo vaidoso, à esticar as alças do suspensório.
— E o que o faz achar que eu preciso da sua prima proteção?
Ele não estava pronto para aquela resposta. Não sabia o que dizer, enquanto ela prosseguia:
— Fique sabendo que eu não preciso da proteção de ninguém. Sempre soube me virar muito bem sozinha.
O rapaz também não deixou por menos.
— É mesmo? Não foi o que me pareceu lá na quitanda. — relembrou.
— A-aquilo foi uma exceção. — gaguejou, momentaneamente desconcertada, mas logo se recompôs, com uma pose altiva — Uma questão de limitação física. Mas se era pra ficar me jogando na cara o favor que me fez, nem deveria tê-lo feito! Eu teria trazido o cesto de qualquer jeito, nem que fosse arrastando-o pelo caminho!
— Eu não duvido disso, eu só...
— Ótimo! Agora o melhor que tem a fazer é ir embora. Não quero que os meus patrões me vejam conversando com um estranho. Passar bem, senhor Philip.
Enquanto afastava-se do portão, ainda pôde ouvir do rapaz, às suas costas:
— Não sou mais estranho que os seus patrões. Um dia perceberá isso, só espero que quando finalmente se der conta, não seja tarde demais! Passar bem também, senhorita Dara. — ele avisou, e em seguida, partiu.
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