Capítulo 10
Após matarem a saudade, Ágnes — a senhora Winks — descansava a cabeça sobre o peito nu do marido, quando este lhe fez uma pergunta.
— E aquela novata, é de confiança? — questionou, apreensivo.
— Creio que sim. É uma pobre coitada. Deve estar agradecida por ter um teto para pôr a cabeça debaixo... — concluiu, com uma risadinha maldosa.
— Mesmo assim. Ela me pareceu muito jovem, e jovens costumam ser curiosos... Tens algum trunfo contra ela que possamos usar para calá-la, caso se faça necessário?
A bela mulher beijou o peito dele, erguendo a cabeça em seguida, para olhá-lo nos olhos:
— Ela é órfã. Não tem conhecimento de nenhum parente vivo ou morto. Quer uma escolha melhor?
— Ágnes, meu amor, você é genial! — puxou o rosto da esposa com as duas mãos e tascou-lhe um beijo luxurioso. — Totalmente desprotegida. Sem parentes para reclamar caso algo terrível venha a lhe acontecer... Deveras prático! — o brilho da maldade reluziu em seus olhos negros, no instante em que uma ruguinha de sorriso se formava no canto da boca, mesmo local que fora escolhido por Ágnes para aplicar-lhe mais um beijo, que logo após, olhando-o nos olhos, o aconselhou:
— Mas só se necessário. Depois do "acidente" com a última arrumadeira, foi muito difícil conseguir esta. A fama da mansão mal assombrada ajuda em partes, mas prejudica em outras.
— Está bem, você é a patroa, é você quem manda. — Sorriu, cinicamente — Mas, por falar em assombração, como vai o nosso fantasma? — elevando o olhar para o teto, numa referência à torre.
— Andava até mais calmo, mas essa noite certamente irá se manifestar com grande fúria.
— É, eu sei. É essa a recepção que ele sempre me dá, mas não me importo. O que importa é que estamos juntos. — sorriu, curvando o corpo sobre o dela, afinal, a noite estava apenas começando...
*****
Todos na casa já haviam se recolhido às suas alcovas quando uma pesada chuva começou a cair. Dara fez o contrário da maioria e, ao invés de fechar, abriu a janela. Em seguida, deitou-se na cama, de barriga para cima, e passou a arrastar o pingente de camafeu; que trazia preso à uma correntinha de prata, próxima ao pescoço; de um lado para o outro. Raramente abria-o para olhar as feições desbotadas daquele casal desconhecido guardadas em seu interior — provavelmente, seus pais. Reconhecia traços em si, sobretudo da jovem de olhos grandes e expressivos na fotografia oval, em tom sépia.
A chuva aumentou de intensidade, e ela achou que seria muito bom dormir ouvindo o som dos pingos grossos e do vento assobiador que os traziam.
Tamanho foi o seu espanto, porém, ao ouvir um forte estrondo. Arregalou os olhos e não voltou mais a pregá-los. Era como se algo pesado tivesse sido arremessado ao chão, e vinha de dentro da casa.
Em seguida, mais barulho, agora de diversos objetos: peças metálicas, explosões e vidros estilhaçados. A impressão que se tinha era que a casa estava sendo alvo de um bombardeio, mas o ataque vinha de seu próprio interior.
— Oh, meu Deus! O que é isso?! — Dara sentou-se atordoada ao ver o clarão alaranjado iluminar as paredes do seu quarto. Vestiu o roupão e foi até a janela, onde pôde detectar exatamente onde a misteriosa chama havia atingido: a árvore seca do jardim crepitava, completamente incendiada.
— O que está acontecendo aqui?... — perguntava-se quando, apossando-se de uma vela, resolveu deixar o quarto.
Enquanto andava pela casa, os barulhos continuavam, de modo que ela pôde se guiar e não teve dúvida: vinham da misteriosa torre.
A chuva violenta atrapalhava um pouco, mas ela tinha a impressão de ouvir de quando em quando gritos e gemidos furiosos, num timbre assustador, tanto que a fizeram arrepiar.
Já estava no meio da sala quando viu os patrões no alto da escada principal.
— O que faz zanzando pela casa à essas horas, Dara? É esse o seu nome, não é? — o patrão, agora com os cabelos soltos à cair-lhe na altura dos ombros, tinha o rosto em destaque, iluminado pela vela que também trazia. A patroa, ao lado dele, também tinha os cabelos desfeitos. Pêga de surpresa pela aparição dos dois, Dara demorou-se um pouco à responder, o que o irritou deveras — Vamos, estamos esperando uma resposta!
— Calma, querido. — a senhora Winks tentava contê-lo.
— É que não estou conseguindo dormir com todo esse barulho. — respondeu, finalmente, a funcionária.
— "Barulho" É apenas chuva, querida. Lá, de onde você veio, não chove? — Ágnes tentava acalmá-la.
— Chuva, sim, mas esses barulhos... — interrompeu-se no instante em que percebeu mais um estrondo — Ouviram?!
— Vento, trovões... Normal. — Edgar, sem se abalar, foi taxativo.
— Eu vi da janela do quarto que uma árvore, que já não era lá essas coisas, está pegando fogo!
— Um raio a atingiu, mas a própria chuva irá encarregar-se de apagá-la. Não há porquê se preocupar com isso, portanto, recolha-se imediatamente.
— Edgar tem razão. O que deve fazer é ir para o seu quarto. — Ágnes concordou com o marido de maneira menos rígida, mas ainda assim, firme.
Dara percebeu que aquilo não era uma recomendação, mas uma ordem.
— Com licença, então... E boa noite.
Enquanto retornava ao seu quarto, a jovem podia sentir o olhar dos patrões sobre si, pesando em sua nuca. Uma sensação incômoda que a fez se arrepiar ainda mais do que ao ouvir os terríveis gritos que escutara há pouco.
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