Criaturas divinas
Rigion já tinha chegado em Aredon, mas não fazia a mínima ideia de onde ir agora. Poderia simplesmente ir ao palácio e ver a cara de nojo no rosto da família, ou podia ficar na rua até morrer de fome... A primeira opção era horrível, mas ainda era melhor que a segunda.
Andou pelas ruas de Aredon, lugar onde ele viveu por anos, mas nunca pareceu verdadeiramente seu lar. Nenhum lugar parecia o suficiente para que ele se encaixasse, ele era estranho demais para qualquer um dos reinos.
Ele nunca soube qual era o verdadeiro poder de seus tios e primos, mal sabia o que seus pais eram. Ninguém nunca contou nada a ele, por isso Rigion não sabia que era um híbrido e que o que dominasse seu coração iria fazer parte de quem ele era para sempre.
Rigion sentia que algo ruim estava prestes a acontecer, porém não fazia ideia da própria importância e isso poderia o levar à ruina.
Se aproximou do grande palácio e tremeu por dentro, não era uma pessoa medrosa, porém tinha anos que ele não aparecia ali... Ia ser uma grande surpresa, e não seria uma agradável.
Ele não precisou bater na porta enorme daquele local, pois quando esticou sua mão, a porta se abriu e ele teve a oportunidade de ver o rosto da tia se contorcendo de dúvida e o do tio se contorcendo de desgosto.
- Rigion! - ela exclamou, ainda espantada pela presença do sobrinho - quanto tempo faz que não te vemos.
- Queria continuar assim - resmungou seu tio e Rigion quase riu de maneira irônica, mas não podia ser insuportável já que precisava de um lugar para ficar.
- Sim, faz muito tempo mesmo, tia - engoliu seco ao pronunciar aquele vocativo. Não tinha muito afeto por ninguém ali, além de que achava o primo um garoto mesquinho e mimado.
- Entre, garoto - ela disse de forma simpática e seu esposo a olhou, fulminando-a com os olhos.
Rigion aceitou o convite e entrou pela grande porta da casa, se lembrando de cada detalhe ali. O telhado era alto, as paredes da casa eram pintadas de preto e os móveis eram altamente refinados, alguns eram feitos de ouro.
Eles conseguiam tudo aquilo explorando o próprio povo, mas quem seria o maluco que iria contrariar eles? Ninguém ali detinha mais poder que os reis, pelo menos ninguém daquele reino.
Ele teve que repuxar o lábio de tanto ódio que olhar para aquele lugar lhe trazia. Lembrava da mãe e do pai trabalhando como condenados para ter uma vida abaixo da dos tios, que não se esforçavam nem metade.
- Como têm passado? - Michele perguntou, tentando quebrar a tensão que crescia - chegou quando em Aredon?
- Estou bem - mentiu descaradamente. Não ia contar para a tia que passava fome e frio na maioria dos dias.
Michele ainda era a única pessoa daquela família que valia algo. Seus cabelos loiros eram longos e cacheados, estavam soltos, balançando de um lado para o outro.
Argeon era moreno, seus olhos eram castanhos e chamativos. Era um cara muito bonito e nem Rigion poderia negar isso. Ele era o irmão de sua mãe, e tinha ficado muito bravo após ser notificado da morte dela.
- Cheguei ainda hoje, tia - se aproximaram da cozinha e ela pediu para que ele se sentasse e assim ele fez, sentando-se na cadeira confortável e se permitindo relaxar um pouco, mas não saía do estado de defesa - o que me lembra que preciso encontrar um lugar para passar a noite - disse de forma indireta, como se não estivesse se oferecendo para dormir ali.
- Que besteira, Rigion! - ela o repreendeu - você pode passar quanto tempo quiser aqui - sorriu e Argeon quase deixou os olhos saltarem para fora do rosto.
- Quanta hospitalidade, tia. Agradeço muito o convite - ele inclinou a cabeça para o lado e observou a mulher. Será que ela tinha alguma ideia de quem era o real Argeon? Não parecia ser uma pessoa totalmente ruim, e isso era uma opinião que ele tinha desde sempre - e como a senhora está?
- Estou bem! - se sentou delicadamente na cadeira de frente para Rigion e Argeon tomou a cadeira do lado - Arny, traga o café da manhã e adicione um prato a mais, querida - a empregada que estava escondida no canto da cozinha assentiu com a cabeça e foi fazer o que foi pedido.
- Maximus está por aí? - perguntou com a voz suave, mas estava implorando para que a resposta fosse um "não". Não gostaria de ver o primo hoje.
O pior é que Maximus poderia ter sido uma boa pessoa, ele e Rigion passaram uma boa parte da vida juntos, tinham quase a mesma idade, mas ele preferiu deixar o poder subir à cabeça.
- Infelizmente não, está resolvendo as coisas do reino - Argeon disse e Rigion quase solta um grito de alegria, mas se conteve.
- Ele anda saindo mais que o necessário ultimamente - comentou Michele com seu esposo - o reino não tem tantas coisas para resolver.
- Não é somente porque você não sabe, que não existe - ele deu de ombros e Rigion ficou apenas observando e fazendo leitura corporal. O tio e o primo estavam aprontando algo e sabiam que Michele não iria gostar.
Ele precisava urgentemente ficar a sós com a tia, tentaria fazer isso após o almoço. Se perguntasse sua origem para o tio, saberia que ele não responderia e nem deixaria Michele responder, então precisava ter paciência.
- Onde morou esse tempo todo? - voltou a conversar. Michele odiava ficar sozinha e era assim que estava na maioria do tempo, então quando tinha visita, ficava conversando pelos cotovelos.
- Acátion - ele disse tranquilamente e o tio quase cuspiu sua bebida. Michele olhou para o esposo sem entender nada.
- Reino de ladrões - ele murmurou e apertou seu copo. Argeon odiava Bettany e toda sua família, bem, toda sua família verdadeira. Aquela família inventada ele nem sequer conhecia.
Mas a mãe dela foi inteligente, porque sabia que quem queriam encontrar era ela e não a filha. Bettany ser altamente poderosa só era uma desculpa para se virarem contra ela, mas a realidade é que queriam chamar atenção da mãe dela.
Naquele mesmo dia, Argeon ficou sabendo dos planos do filho para sequestrar o amigo de Rigion, porém sua esposa não podia saber de nada, afinal, não sabia dos planos de Argeon e Maximus.
Ele não queria ferir o sobrinho, mas se fosse necessário... Iria. Talvez aquela rainha sem juízo se entregaria no lugar...
Argeon quase sorriu ao notar o plano que tivera. Ainda na próxima noite irá prender Rigion junto de seu amigo e enviará uma carta para a rainha a comunicando do que fez.
Ele mataria dois coelhos com uma só cajadada, pois teria Bettany morta, Rigion vivo e Arabella tentaria a qualquer custo salvar a vida de sua tão amada filha, devolvendo o Escudo e perdendo parte de sua proteção, se tornando apta à morte.
Olhou para sua esposa amada, sentindo seu coração afundar ao lembrar que quando Michele soubesse de tudo isso, o odiaria para sempre. A esposa não era dada a vinganças, e amava muito Arabella, as duas tinham se conhecido por causa da mãe de Rigion, Naira.
Arabella e Naira eram muito próximas, e Argeon não poderia matar a melhor amiga de sua irmã na sua frente, então adiava o máximo possível seu plano. Mas sua irmã não estava mais ali para se decepcionar com ele.
Mal sabia Rigion que tinha tanta proximidade com a família de Bettany, que as mães deles se consideravam praticamente irmãs e que as coisas iriam ficar ainda piores do que estavam.
O café da manhã tinha se encerrado e Argeon decidiu procurar seu filho para lhe contar as novidades, isso deu o tempo necessário para que Rigion pedisse ajuda para a tia.
Os dois estavam andando pela biblioteca do castelo, era um lugar gigante e cheio de livros, porém o cheiro de poeira era forte, como se ninguém frequentasse ou limpasse aquele local.
- Tia... - ele começou a falar meio receoso, mexendo levemente as mãos. Michele parou de andar para dar atenção ao sobrinho e fez um gesto para que ele continuasse - se a senhora pudesse... Eu gostaria de saber o que eu sou...
- Sabe, Rigion... Quando eu soube que você matou sua mãe, minha cunhada que eu tanto amava - disse amargamente, ainda vivia o luto. Rigion apenas ficou em silêncio, pois se odiava tanto por isso - eu fiquei irada. Por um momento, cheguei até mesmo a desejar sua morte.
- Eu também - ele murmurou, se sentindo abalado por lembrar de todos aqueles acontecimentos. Aquelas memórias nunca saíam de sua cabeça, não importava o quanto ele se esforçasse.
- Não, querido, não se odeie - colocou as mãos sobre os ombros dele, e ele se permitiu relaxar e dar um suspiro pesado - você não tinha conhecimento, logo, não tinha controle. Não é culpado pelo que aconteceu... Seus pais tentaram te privar de viver uma vida cheia de preocupações, pois sabiam que você continuaria bom.
- Me perdoe, mas não tenho a mínima ideia do que a senhora está falando - ele se encostou em uma das estantes, arqueando a sobrancelha. Nada estava fazendo sentido para ele.
- Você, Rigion, tem um poder raríssimo. Sua mãe era um anjo, seu tio e Maximus ainda são... O único problema é que Maximus foi para o caminho do mal e Argeon nunca se decidiu completamente, o que o deixa vulnerável.
- O que são anjos?
- Criaturas divinas, são criadas com um propósito especial - ela foi andando pela biblioteca, escorregando seu dedo apontador em cada um dos livros, até achar o que ela queria - aqui está - entregou o livro pesado para ele, que começou a folhear todas as páginas.
Foi passando as páginas e viu diversos tipos de asas, mas nenhuma parecia com a dele. Então pensou nelas e elas começaram a sair lentamente, o que era estranho já que ele nunca conseguia mandar nelas.
- Espero que Argeon e Maximus me perdoem, mas... Esse é o par de asas mais lindo e brilhante que vi na vida - tocou as asas brancas de Rigion, que significavam pureza. Quanto mais branca a asa, mais puro o anjo era - vendo assim, não sei dizer se seus pais erraram ou acertaram.
- Minha mãe teve tempo de descobrir qual era seu propósito? - sentia as palavras cortarem seu coração e relâmpagos começaram a cortar o céu.
- Teve sim.
- E qual era o propósito dela? - inconsequentemente arregalou os olhos, ansiando por aquela resposta.
- Você.
- E qual é o meu? - bateu os pés impacientemente no chão, tentando não sair correndo para Acátion, para os braços daquela maluca que o deixava doido.
- Aí você precisa descobrir - Michele sorriu e Rigion bufou. Ele precisava de respostas - só nunca deixe a maldade dominar seu coração - o avisou e deu um beijo em sua testa, indo embora da biblioteca e deixando Rigion sozinho com seus pensamentos.
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