• Capítulo 1 •
A HISTÓRIA DE UM IMPÉRIO
Finalmente me formei em Administração!
Não aguentava mais meu pai me enchendo o saco sobre como é importante que eu tenha meu diploma e que seja competente na gestão da empresa da família que ele tanto se orgulha.
Ok, me orgulho da sua história, afinal, meu pai veio de uma vida sem nada e conquistou um império tecnológico para si.
Tá, a empresa é relativamente nova, mas ele é quase tão famoso quanto o Steve Jobs, vamos dizer assim. A Bluberry Company tem 20 anos de mercado, mas poucos em que realmente ganhou um espaço respeitável no ramo da tecnologia.
A história do meu pai até que é engraçada. Quer dizer, agora é engraçada.
Cresci ouvindo meu pai dizer que teve que conquistar todos os seus objetivos com muito suor, isso porque ele não tinha literalmente nada quando criança, já que foi largado em uma lata de lixo quando era recém-nascido e uma freira o encontrou, fez a bondade de levá-lo para um orfanato e foi lá que ele cresceu. Ele não tinha nome, muito menos sobrenome, tinha apenas uma fita roxa enrolado na fralda com um pingente de um cacho de mirtilos. Sim, isso mesmo, a fruta.
Enfim, preciso parar de devanear.
Depois que a freira o deixou no orfanato, ela pediu que o chamassem de Benício e assim o fizeram, contudo, devido ao pingente curioso, acabaram o chamando de mirtilo na maior parte do tempo. Claro que não chamavam por carinho, era uma forma de bullying mesmo, principalmente as crianças do lugar. No entanto, papai diz que, conforme foi crescendo, o grau de importância que ele dava para isso, só ia diminuindo.
Meu pai cresceu e foi aprendendo a lidar com sua vida e condições. O orfanato era um lugar bem pobrinho, tinha ajuda da igreja católica do bairro, mas não era o lugar mais benquisto das redondezas. A cada ano que se passava, ele progredia nos estudos e deixava as freiras voluntárias que ensinavam as crianças impressionadas. Aprendeu a ler e escrever com bastante rapidez e tinha uma curiosidade que o deixava sempre pronto para um novo aprendizado, e sagaz para qualquer dificuldade. Ele sempre nos conta que seu primeiro contato com a tecnologia foi quando, aos 10 anos, estava fazendo um trabalho extra de limpar as casas de alguns fiéis da igreja — o que era imposto para as crianças para que "agradecessem" a ajuda que davam ao orfanato — e se deparou com os donos de uma casa em questão que falavam sobre a grande novidade lançada pela Apple, o microcomputador, Apple II¹, que começou a ser vendido dois anos antes. Depois de ouvir falar disso, tudo virou uma desculpa para procurar sobre. Fora que ele já era curioso o suficiente para desmontar e montar os aparelhos disponíveis para si, mesmo que o orfanato não dispusesse de tanta tecnologia assim.
Meu pai foi crescendo e, junto com ele, o mundo tecnológico foi se renovando e ele queria renovar seus conhecimentos de igual forma.
Ainda sem sobrenome, sem um futuro certo e tendo que pensar em como se sustentar — já que estava perto dos 18 anos e teria que sair do orfanato —, papai passou a consertar os rádios dos vizinhos que davam defeitos. Até mesmo aquelas televisões engraçadas da época, ele disse que de tanto fuçar tudo que encontrava, acabou entendendo como funcionavam. E foi nessa brincadeira que ele conheceu o meu avô, pai da minha mãe.
Vovô era um empresário bem sucedido desde a Revolução Industrial. Brincadeira, ele não era tão velho assim. Porém, de todas as histórias que ouço dessa família, Armando Bragança nunca foi pobre. Bom, ele meio que adotou meu pai; não legalmente, afinal, ele já ia fazer 18, mas se tornou uma espécie de padrinho que queria investir no seu futuro e nele próprio. Eu sei, vocês devem estar pensando que meu avô é um docinho de coco, mas não, não é. Deixe-me explicar...
Como vovô era um grande empresário da década de 80, ele já possuía toda tecnologia inventada até o momento. Quando soube que meu pai, um órfão pobre e maltrapilho, entendia dessas coisas que ele não fazia ideia de como mexer e não queria pagar uma fortuna para que o ensinassem, então ele resolveu fazer uso do cérebro do meu pai e economizar seu próprio dinheiro. Ele fez uma doação generosa ao orfanato para que não precisasse adotar meu pai, mas pudesse levá-lo para sua casa assim mesmo, ele apenas esperou meu pai fazer 18 para providenciar uma certidão de nascimento e fazê-lo alguém, independente e maior de idade. Foi aí que meu pai ganhou seu sobrenome. Quer dizer, escolheu o próprio sobrenome. Contra tudo e todos, papai passou por cima das humilhações e levou em consideração apenas sua história e o pingente que ainda carregava consigo. Foi a partir daí que ele passou a ser chamado oficialmente de Benício Mirtillo. Com dois Ls, o acréscimo representava um L de liberdade. Bonito, eu sei.
Vovô também pagou os estudos do meu pai. Bem no ano em que ele completou seus 18 anos, a PUC/RJ² estava adotando o curso de Engenharia da Computação, era a grande novidade na época para quem já estudava Engenharia Eletrônica, o que foi o interesse inicial do meu pai, isso até conhecer a Eletrônica com ênfase na Informática, o que veio a ser o curso no qual se formou e, com os recursos do meu avô e o cérebro do meu pai, tornou-se um brilhante e jovem engenheiro da computação.
Bom, passando por essa parte legendária, vem a parte em que prova que meu avô não era nem um pouco o bom samaritano que poderiam achar, afinal, assim que meu pai se formou, vovô meio que o fez de seu escravo particular. O grande Armando Bragança era dono de metade do comércio do Rio de Janeiro, ou seja, para cada ponto que lhe pertencia, meu pai foi obrigado a cuidar de toda a parte eletrônica e tudo que tinha a ver com tecnologia da época, até mesmo trabalhos caseiros, já que ele morou com meu avô durante um tempo. Foi assim que ele se apaixonou pela minha mãe, aliás.
Enquanto ele tinha que trabalhar para pagar o favor que meu avô tinha feito — era isso que meu avô dizia, pelo menos —, ele acabou tendo ainda mais contato com minha mãe enquanto andava pela casa principal, porque sim, meu avô tinha uma espécie de fazenda e meu pai meio que morava no celeiro. Triste. Ou não.
Depois que meu pai voltou da faculdade, mamãe já não era mais a menininha que era quando a conheceu, ela havia se tornado uma mulher, que inclusive estava noiva de um cidadão que sempre me esqueço do nome, mas tinha nome e posses, como meu avô queria, contudo, também tinha quase a idade do meu avô, o que era terrível e mamãe era miseravelmente infeliz com esse arranjo. Ela estava prometida de se casar com 21 anos. E foi então que papai e ela fugiram juntos quando ela tinha 20.
Depois de deixar meu avô louco por isso, voltaram 4 anos depois, apenas porque minha vó, Clarissa, estava no leito de morte. Minha mãe queria ter voltado antes, mas soube que meu avô tinha prometido recompensa pela cabeça do meu pai, então eles acabaram se estabelecendo no interior de Minas, até não dar mais, pois minha mãe, Eva, nunca se perdoaria se sua mãe morresse sem conhecer a neta. Pois é, minha irmã mais velha, Amanda, estava com 5 meses na época.
Bom, o que sei é que meu pai foi pego por um cara a mando do meu avô logo que entraram na cidade, contudo, ele, mamãe e Amanda foram levados para a fazenda e, assim que meu avô pôs os olhos na Amanda e soube seu nome — uma homenagem a ele, apesar de tudo —, apaixonou-se pela bebê e preferiu esquecer toda a discórdia do passado.
Vovó acabou não resistindo à pneumonia, mas babou sua neta antes de falecer. Vovô, porém, transferiu toda a dor de perder a sua amada esposa para a alegria de conhecer sua neta. Ele até quis deixar meu pai no comando das empresas, mas este recusou gentilmente, apenas usou os contatos do meu avô para construir seu próprio negócio. Ele até cogitou a possibilidade de se mudar para o Vale do Silício³ devido a ofertas dos grandes figurões da computação na época, mas ele preferiu seguir seu próprio caminho no Brasil, com minha mãe, Amanda, e até meu avô. Mamãe e ele se casaram assim que Amanda fez 1 ano e, 5 anos depois, eu nasci. Em um momento de grande felicidade, pois a Bluberry Company estava para ser inaugurada oficialmente no mercado.
Pois é, meu pai quase trabalhou com o Jobs e ainda teve ofertas para trabalhar com o Bill Gates, mas ele preferiu sua família ao invés de seguir um sonho antigo e, com isso, não só conquistou uma bela amizade com seu sogro, que melhorou bastante o comportamento e até o apoiou, como construiu um novo sonho para si, fazendo com que fosse possível que os dois mundos em sua cabeça se juntassem em um só.
— Majú, está mexendo nesse bloguezinho outra vez? — Amanda se joga na minha cama, quase fazendo meu notebook cair do meu colo.
— Estou, por quê? Por acaso isso fere a família? — respondo irritadiça, ela sabe que odeio quando menospreza meu site.
— Credo, que mau humor! — Ela se vira pra mim com um sorriso no rosto, mas seus olhos demonstram quão preocupada está com alguma coisa...
1. Foi um modelo de da , já muito conhecida na época. O modelo é do final da , sendo vendido a partir de de .
2. Faculdade Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
3. Região da Califórnia conhecida pela alta concentração de empresas e indústrias tecnológicas.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro