𝗖𝗮𝗽𝗶́𝘁𝘂𝗹𝗼 𝗜𝗜 - 𝖠 𝖬𝖺𝗀𝗂𝖺 𝖣𝖺 𝖬𝗎́𝗌𝗂𝖼𝖺.
Eveline despertou com o aroma de café que vinha da cozinha. Sua barriga roncou de fome sem esperar nem mais um segundo. Ela se sentou na cama, tentando enxergar com a claridade do quarto, e quando entendeu que era de manhã, recordou de um alto e charmoso homem de longos cabelos brancos. Humph! Foi só um sonho...
Mexendo-se incomodada com a pele pinicando, ela percebeu que havia uma quantidade absurda de panos em seu corpo. Sua mente fez uma rápida trajetória na noite anterior, percebendo que caíra no sono sem ao menos se despir. Imaginando que teria de lavar os lençóis por ter dormido com vestes sujas, bufou e foi até sua cômoda para trocar-se.
Aos poucos, Eveline, foi acordando e recordando que há algumas horas havia, realmente, visto um homem jovem e charmoso no bosque, que apenas elogiou sua música e sumiu. Ela não sabia se sentia medo ou excitação por um espírito tão intrigante quanto o dele.
Ela se olhou no espelho e passou a mão em sua túnica azul-marinho. Tinha que se concentrar no dia de hoje e esquecer aquele homem, afinal provavelmente não o veria mais.
Saiu de seu quarto amarrando os cabelos em um simples coque, Eveline ouviu sua mãe preparar algo na cozinha.
— Bom dia! — Ela sorriu para Helga que continha seu carrancudo rosto de sempre.
A senhora murmurou um cumprimento sem ânimo, e continuou a cortar algumas maçãs.
Entretanto, apesar de seu rosto sério, Helga estava incomumente quieta, o que, Eveline, considerava como seu estado de paz. Por isso, ela até pensou em dizer a mãe, subjetivamente, sobre a noite passada. Talvez, tentaria arriscar saber a opinião dela sobre o tal homem charmoso.
Ela suspirou alto demais quando sentou agarrando o pão sobre a mesa.
— Isso é hora de acordar?! — então a calma esvazio da casa — Prometi a Thomas que você iria ajudá-lo na mercearia, antes de ficar fazendo barulho com sua música inútil na praça! — Ela colocou um prato repleto de maçãs na mesa com brutalidade e olhou a filha com uma raiva aflorada.
Eveline sentiu seu estomago pesar, como se no fundo sua mãe soubesse que ela estivera no bosque, e estava só esperando ela sentar-se para não conseguir fugir de seus gritos. O par de olhos verdes da garota tentaram esconder o medo.
— Está duas horas atrasada!
— Desculpa, mamãe, irei apenas comer e já...
— Não vai comer nada nessa casa, pode pegar um pedaço de pão e correr como nunca na sua vida! — Seus olhos castanhos faiscaram — Não quero saber que chegou mais tarde ainda na mercearia, e se por acaso, eu souber que você deu prioridade a outra coisa, irei quebrar e botar fogo em seu violino, agora suma da minha frente!
Eveline mordeu os lábios com força, antes de ir pegar suas coisas no quarto. Quis conter um sorriso de alívio, há poucos segundos via sua liberdade ir embora junto com o riacho que desbocava no Lago Espelhos de Prata, agora só precisava ir à aldeia e ajudar senhor Thomas como de costume.
Com um pedaço de pão na boca, e sua bolça no braço ela já estava a caminho da porta de entrada, quando Helga limpou a garganta. Suando frio, Eveline virou-se lentamente.
— Leve, hum... — ela tentava soar indiferente — Leve essas maçãs a Thomas... hum... por mim...
— Claro, mamãe! — Sua voz saiu abafada pelo pão.
— Já disse para não falar de boca cheia, menina!
Ela segurou o pão com uma das mãos enquanto pegava o prato encapuzado com um pano, sorrindo.
— Desculpa, até mais.
Eveline seguiu seu rumo a aldeia, quase saltitando de alívio e felicidade.
♫
O sol brilhava no topo do céu, indicando ser meio-dia, quando Eveline ultrapassou os arcos que indicavam a entrada da aldeia. Ithelwood estava deslumbrante como sempre.
As casinhas de madeiras com telhados de palha, traziam o ar rústico da comum vida no campo. O riacho que desembocava no Lago Espelho de Prata serpenteava o local trazendo sobre si três pontes lindas de pedras com trepadeiras brincando em seus guarda-corpos, assim como nas varandas das casas.
No centro, cujo Eveline já avistava mesmo da entrada da cidade, havia uma praça com uma majestosa fonte de águas cristalinas que refletiam o sol.
Tentando sentir todos os perfumes de uma vez só, Eveline respirou fundo e sorriu largamente caminhando até a mercearia.
Eveline, definitivamente, era muito conhecida na aldeia, ou por sua melódica música, ou por sua beleza encantadora. Seu cabelo saía de um tom quase pálido da raiz e transformava-se em um dócil castanho-claro-avermelhado nas pontas, seu olhar marcante e amoroso deixava qualquer jovem louco, e seu sorriso gentil hipnotizava a todos.
Eveline cumprimentava, ao menos, duas pessoas por passada, e sempre lembrando o nome da maioria. Ela saudou o carteiro John que, deixava mais um buquê de flores na casa de Dona Rose cujo acreditava na existência de um admirador, sem, em momento algum, desconfiar do próprio entregador. A jovem também cumprimentou a doce Vovó Abigail que vendera o buquê, minutos antes, ao carteiro. E, logo antes de entrar na mercearia, sorriu para senhor Leopold, um fiel cliente de Thomas, que saía assoviando do estabelecimento.
— Bom dia, Tom! — Eveline deixou sua bolsa atrás do balcão, ainda com o prato de sua mãe na mão — Mamãe enviou para o senhor, são maçãs-verdes, suas favoritas!
Senhor Thomas apareceu de trás da cortina que dividia o estoque dá loja.
— Eve, achei que não viria mais! — Ele tinha um sorriso tão dócil em seus lábios que Eveline exibiu os dentes num riso — Huum, maçãs verdes, ótima sobremesa essa. — Ele riu. — Já almoçou? Preparei um ensopado de abóbora, seu preferido.
— Oh, senhor, sua gentileza me deixa sem palavras!
Ele abriu os braços num sinal para abraçá-la. Eveline não se controlou, Thomas já era praticamente como seu pai, então agiam como pai e filha fora do olhar de sua mãe.
— Já pedi para não me chamar de senhor, me sinto mais velho que o senhor Leopold, e olha que ele já perdeu as contas de quantos anos tem... — Num riso em conjunto, Thomas fez um breve carinho no topo da cabeça de Eveline e sorriu afastando-se — Queria que você me chamasse de pai...
Eveline ficou sem graça. Ela via Thomas como o pai que nunca teve, isso porque seu verdadeiro progenitor morreu precocemente numa noite de Lua Vermelha, quando adentrou o bosque em busca de lenha. Mas Eveline não sabia se seria apropriado chamar Thomas de pai, mesmo não tendo conhecido o próprio.
— Achei que estivesse satisfeito com Tom... — Ela tentou manter o clima com um sorriso meigo, aquele que dá sempre que quer agradar alguém. — Acho que irei começar a tocar, vamos atrair mais clientes a essa mercearia chocha!
Ele desviou o olhar, meio decepcionado com a resposta, mas manteve o riso alegre e se afastou indo até as prateleiras para ajeitá-las uma última vez.
Eveline pegou seu violino, o arco, um banquinho alto e abriu as portas da mercearia, sentando-se na entrada para tocar.
Sem mais delongas, posicionou o instrumento e encostou o arco nas cordas arrancando um acorde inicial da música.
Aquela composição se chamaria "O som do meio-dia".
Atraídos pela melodia doce e encantadora de Eveline, muitos ouvintes se juntavam ao redor. As janelas e portas se abriam revelando pessoas hipnotizadas com a suave música.
A garota estava concentrada, seus olhos fechados e sua mão conduzindo o arco com maestria e firmeza, como se tocasse esse conjunto de acordes todos os dias.
O silêncio tomou a aldeia. Como se até a natureza quisesse ouvir aquela música. Então criando um corpo mais alegre para música, Eveline mudou completamente o ritmo, porém, dessa vez, sentindo a melodia exclusiva de cada ser se juntar a ela.
Era algo suave, a garota sentia que a melodia que emanava das pessoas, e dos animais era tão fraca, era tão delicada. A conexão entre as melodias parecia que poderia quebrar a qualquer instante. Ela sentia isso, sentia que se fizesse algo rebuscado nas notas, a atenção quebraria e os ouvintes levariam um choque.
Eveline manteve o ritmo, e abriu os olhos pronta para finalizar a música quando viu que havia pelo menos quarenta pessoas a observando de perto. Ela sorriu tímida, e continuou a tocar, quando viu que era hora de finalizar.
Aplausos e mais aplausos a deixaram sem jeito. Jamais sentira aquilo, a delicada conexão entre melodias que poderia se partir tão facilmente como uma folha.
Ajeitando sua coluna rígida, ela se alongou um pouquinho, observando as pessoas adentrarem a mercearia.
— Obrigada, minha querida... — Senhora Gina, uma velhinha dona de casa, deu um sorriso banguelo para Eveline — Sua música me lembrou que tinha que comprar alguns ingredientes para fazer um bolo. — Suas mãos seguraram a da garota — Trarei um pedação para você caso fique até mais tarde.
Eveline sorriu desajeitada.
— Não precisa, senhora, eu já fico contende de saber que a ajudei!
A velhinha maneou com a cabeça, mas entrou sem dizer mais nada. Vendo a fila de cliente aumentar e sumir dentro da loja, Eveline foi chamada novamente
— Minha jovem, Eveline, poderia me dizer o que tem a me recomendar dessa vez? — Dona Rose ria abobalhada observando a musicista — Da última vez me recomendou um creme facial, muito bom do Tom!
Sentindo-se feliz por ter acertado o gosto da, desafiadora, senhora Rosa, Eveline posicionou o instrumento pedindo um instante.
Ela tocou uma melodia suave, delicada e harmoniosa, que lembrava muito uma rosa. Então aos poucos visualizou uma áurea perdida, em dúvida e cansada. Eveline já tinha percebido que no fundo, Dona Rose não era a mulher alegre que sempre aparentava, então pensando em algo que poderia lhe fazer feliz, pensando no que a completaria, ela se empolgou.
Eveline sabia que vagar analisando a áurea das pessoas, principalmente da aldeia, era extremamente difícil, e sentia que em algum deslize algo poderia acontecer.
Suas notas não se controlavam, e ela sentia que vagava pelos espíritos de cada um ali. Bonito, ausência, alegre, depressivo, ofendido, odioso, genuíno, perdido, vertiginoso, cheiroso, bagunçado, amedrontador. Sua cabeça doeu com a quantidade de informações. Seu coração estava acelerado. Então sua melodia fez algo que nunca havia feito. Ela penetrou sua mente como algo gélido, mas sedutor, algo que queria saber tudo o que ela sabia, algo que buscava conhecimento sobre a sua vida. Seu corpo começou a pesar. Ela quase soltou o violino quando o arco começou a parar de mexer.
Acalme-se!
A voz fez sua mão congelar. Deixando um acorde vagar sozinho pelo eco da aldeia. Seu olhar foi direto para a sombra de um beco do outro lado da praça.
Seu coração acelerou.
Leander a encarava preocupado.
Dessa vez mesmo distante, Eveline sentiu seu espírito. Ele estava em dúvida e... cansado.
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