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Capítulo 17

      Não há espaço que possa me conter, nem gravidade que me prenda ao chão. Como uma força da natureza, sem respeito por nada, sem medos, eu me lanço sobre o palco com uma sede insaciável de encantar. 

      A pessoa a quem mais quero fazer feliz sou eu mesma. Eu só danço pra mim. Eu sempre me importo comigo em primeiro lugar.

      Em alguns momentos sinto que a beleza da dança vai escapar das minhas mãos. Mas os riscos valem a pena. As pessoas podem não saber o que é um developé, não compreender como uma garota de 1,65 pode saltar tão alto e girar seu pequeno corpo no ar, e cair em pé. Porém, sabem admirar a beleza de uma dança ousada. A beleza de uma bailarina negra atrevida. E elas explodem em gritos e aplausos quando eu me deixo cair de bruços esticando meu braço para o alto.

      Em estado de graça, curvo meu corpo em agradecimento e corro para longe dos olhares admirados do público. Eles tiveram o que queriam. Eu fiz minha parte e tô feliz.

      Ganho abraços das minhas colegas, que estão tão ou mais eufóricas que as pessoas da plateia. 

      — Linda demais! — Pamela me balança de um lado pro outro.

      Rebeca, pra variar, nem se aproxima de mim e sai de braços cruzados. Escuto ela cochichar com a amiga puxa-saco (vulgo Tamires) que não sabe o que as pessoas vêem em mim. Meio rude, não é? Mas se o meu sucesso continuar a incomodando, então estou no caminho certo.

      Depois dos últimos participantes se apresentarem e Tânia Dressler agradecer a presença de todos, começa a cerimônia de premiação. Os primeiros a serem chamados ao palco são os bailarinos da categoria mirim, que recebem suas medalhas das mãos dos solistas da Promoarte. Jordana, Alice e Angel estão lá, lindos em seus figurinos.

      A indumentária para a premiação consiste em collants para as garotas. Os garotos usam calça preta justa e baby look, meias e sapatilhas brancas. Parece até que estamos numa cerimônia de formatura.

      — Olha quem tá ali, Bombom — Pamela aponta com o queixo para o canto da primeira fila de cadeiras.

      Curiosa, direciono o olhar para a direção apontada e vejo Odin, encostado na parede, braços cruzados. Parece desinteressado de tudo, aborrecido, querendo que tudo isso acabe logo.

     — Achei que ele não tivesse vindo — fico surpresa. — Não o vi em momento algum.

      — Humpf! Deve ter chegado hoje — minha amiga dá de ombros. A forma zombeteira como me olha faz eu temer uma piadinha inoportuna. — Admita, amiga. Você ficou contente de vê-lo, não ficou?

      — Quer parar de me encher? Por que eu ficaria contente de ver um cara que não suporto?

      — Eu acho que você está em negação.

      Solto um grunhido por entre os lábios. Espero Pamela prestar atenção a uma bailarina que está recebendo uma medalha de terceiro lugar e volto a olhar para o louro. Ele está bem longe de mim e duvido que consiga me distinguir entre tantas meninas de collant preto, apesar de eu ser uma das poucas de pele negra.

      Como num filme clichê (odeio filmes em que tudo é previsível), Odin me encontra. Que ótimo! Mesmo seus olhos estando fora de um alcance em que eu possa ver seu sarcasmo irritante por trás deles, consigo imaginá-lo me provocando. Ele tem prazer em fazer isso, desde aquele dia na padaria de seu Germano.

      Afundo minhas costas na poltrona, cruzo os braços e solto o ar pela boca. Os nomes vão sendo anunciados, os bailarinos sobem ao palco e descem rapidamente. Acho que todo esse cerimonial não se estenderá por mais de uma hora. Pelo menos é o que eu espero.

      Olho de novo para aquele canto e Odin não está mais lá. Deve ter ficado entediado. Rapazes que sempre tem o que querem ficam entediados facilmente.

      Então, os vencedores dos pas de deux são chamados. Rebeca e Bruno ficam em primeiro lugar na modalidade clássica e ela vibra de um jeito discreto, como se soubesse que iria vencer. Depois de receberem as medalhas das mãos de Alice (que está caracterizada como Cisne Negro), os dois descem.

      A garota passa por mim segurando com uma das mãos a medalha dourada. Parece estar me perguntando: gostou do meu prêmio? Eu tenho várias iguais a esta.

      Não ligo. As conquistas dos outros não importam pra mim.

      VENCEDORES DA VARIAÇÃO CLÁSSICA, FEMININO, CATEGORIA JÚNIOR!

      Pamela entrelaça seus dedos aos meus, empolgada. O nervosismo dela abala minha estrutura, me faz perder um pouco do meu equilíbrio, e o nome Vitória Couto ecoa pelas caixas de som. Ela acena sorridente enquanto sobe os degraus pra receber sua medalha de terceiro lugar e volta irradiando simpatia. 

      A tensão cresce dentro de mim. Eu preciso sair daqui me sentindo uma vencedora, preciso mostrar para Tânia e para a Letícia que está valendo a pena todo o tempo e todos os recursos que estão apostando em mim.

      SEGUNDO LUGAR, LETÍCIA BALLET…

      As pontas das unhas da Pamela rompem uma pequena película da pele da minha mão. Não consigo piscar.

      COM VARIAÇÃO DE ESMERALDA, REBECA HOROWITZ!

      Pamela e eu viramos a cabeça ao mesmo tempo. Rebeca se levanta. O sorriso em seu rosto de princesa não consegue ocultar a frustração que está sentindo por não ter sido a melhor entre as participantes que dançaram clássico.

      Não importa quem fique em primeiro lugar. Seja lá quem for, merece todos os aplausos. Em pé.

      PRIMEIRO LUGAR, LETÍCIA BALLET…

      As pontadas de empolgação voltam a me atingir. A vencedora é uma aluna da nossa escola. É incrível!

      Já não há tanto vigor no aperto da mão de Pamela na minha. Ela tem o defeito de ser muito humilde. O que não é o meu caso. Eu sei que sou boa, sei que fiz uma ótima noite apresentação ontem e um grito de felicidade está se formando na minha garganta, que só vou soltar assim que o locutor ler o nome escrito na ficha.

      COM VARIAÇÃO DE DIANA, SOFIA CHRISTINA DA SILVA!

      Me levanto da cadeira como que empurrada por uma mola, e extravasando minha felicidade, fujo aos gritos e aplausos do público andando a passos rápidos em direção àquele grupo de solistas da Promoarte. A etapa de subir os degraus quase me passa despercebida, quando percebo, já estou aqui em cima. Perto das estrelas da produtora.

      Jordana, sorrindo, vem até mim e põe a tão cobiçada medalha no meu pescoço, me dando um abraço.

      — Parabéns, Bombom. Você mereceu.

      Muitas mereciam. Rebeca. Vitória Couto. Naiane. Juliana. Tantas meninas fizeram apresentações incríveis e empolgaram a plateia, levando-as a um estado de emoção que não dá pra explicar, muito menos esquecer.

       Mas quem venceu fui eu, Bombom. 

      — Obrigada — falo meio sem jeito, incapaz de esconder minha emoção. 

      Minha felicidade estaria completa se minha família estivesse num daqueles assentos. Queria receber um abraço dos meus pais, que eles soubessem que é graças ao sacrifício deles que eu estou aqui, e eu sempre vou me dedicar pra obter vitórias muito maiores que esta que eu alcancei, pra que um dia eu possa retribuir tudo o que fizeram por mim.

      Desço os degraus sem pressa, saboreando cada aplauso. Me sento de novo ao lado de Pamela, que se mostra uma pessoa acolhedora ao me receber num abraço apertado, provando que é possível ter amigos no balé.

      Ela olha para minha medalha e a segura pra reparar melhor no desenho. Eu ficaria feliz se ela tivesse vencido. 

      — Ela é linda — consigo sentir uma pequena sombra de tristeza em sua voz.

      — Da próxima vez você vai conseguir — tento animá-la e o sorriso se expandindo em seu rosto me convence de que ela não é de se frustrar. 

      Não há vencedores ou derrotados aqui. Todos os que vieram e dançaram são vitoriosos.

      — Se Deus quiser, vou — ela responde.

      Entrelaço meus dedos nos de Pamela, sustento seu olhar no meu, e vendo sua cumplicidade, sua felicidade pela minha conquista, agora não tenho nenhuma dúvida de que tenho uma amiga tão fiel quanto Gigi foi pra mim em todos esses anos.

      Incapaz momentaneamente de continuar prestando atenção aos anúncios, lanço olhares para todas as direções em busca de alguém. E acabo o encontrando.

      Odin.

      O rosto dele está muito melhor, ele até sorri, e diante dessa mudança meu rosto também muda. Dou um sorriso.

      Os minutos passam. Tem início a premiação das meninas da categoria júnior, modalidade contemporâneo. De novo fico em expectativa.

      TERCEIRO LUGAR, LETÍCIA BALLET! COM SOLO “INCIDENTAL”, REBECA HOROWITZ!

      A bailarina de olhos azuis vai receber sua medalha, acena sorrindo e volta ao seu lugar. Como todo mundo, eu aplaudo, mas unicamente porque a respeito e acho infantil não reconhecer o talento dos outros. 

      Ela nem se esforça pra esconder que está desapontada. Melhor eu nem chegar perto depois que sairmos daqui.

      SEGUNDO LUGAR, AGATHA TOLLER STUDE DE DANSE, COM O SOLO “MAR REVOLTO”, NAIANE SANTOS!

      Acho legal que Naiane tenha recebido um prêmio. Ela é uma das bailarinas que mais me impressionou nesse fim de semana, e também é negra.

      A segunda colocada é um contraponto da Rebeca, pois enquanto minha colega de escola está amuada, de braços cruzados, a garota que acaba de ser chamada irradia uma felicidade contagiante. Tânia Dressler a parabeniza com satisfação.

      Presto atenção aos dedos do locutor, que abrem o último envelope. É como se eu ouvisse o farfalhar da folha de papel deslizando pra fora do envelope, tão ansiosa estou pelo anúncio do nome da vencedora da modalidade contemporâneo.

      PRIMEIRO LUGAR, LETÍCIA BALLET…

      Minha boca semiabre num movimento sutil. Meus lábios secam.

      COM SOLO “ESTRELA SOLITÁRIA”, SOFIA CHRISTINA DA SILVA!

      Num primeiro momento, penso ter ouvido mal. Parece um sonho. Ou que minha mente só está projetando algo que eu queria. O balanço do meu corpo, provocado pelos braços de Pamela e Juliana, no entanto, me acordam. 

      Eu venci também o contemporâneo. Eu ganhei tudo o que disputei. E estou sendo aplaudida.

      Evito olhar para os rostos de Rebeca e Tamires, que devem estar a ponto de terem uma síncope, e faço o mesmo caminho de há pouco.

      Agora é Alice quem põe a medalha no meu pescoço. Seu sorriso é discreto, altivo. Talvez ela não esperasse que eu vencesse. Talvez ninguém esperasse.

      — Garota, você é foda — ela reconhece ao me abraçar.

      — Obrigada, Alice.

      Um fotógrafo faz sinal pra que eu faça uma pose ao lado dela, segurando minha medalha. Dou um sorriso. E minha foto agora faz parte do acervo de bailarinos da Promoarte.

      Tudo foi perfeito. Não tem nada que eu queira mudar.

                             …

      Um fato inusitado (e bem divertido) aconteceu depois da cerimônia de premiação: os fotógrafos da Promoarte pediram pra que eu posasse com a Rebeca e a Vitória, para uma das fotos oficiais do Festival. Como fiquei em primeiro lugar, me posicionei entre as duas, com Rebeca à minha direita. 

      Antes do cara clicar, olhei pelo canto do olho a segunda colocada bufar aborrecida, claro que um vulcão querendo explodir dentro dela. Estou ansiosa pra ver essa foto no site da produtora. Em contrapartida, dei meu melhor sorriso, segurando minha medalha.

      E quando eu me dispunha a sair por um dos flancos, o fotógrafo pediu pra que eu e Rebeca ficássemos, pois faltava a foto das vencedoras da modalidade contemporâneo. Naiane se aproximou, toda tímida e sorridente, e Rebeca ficou à minha esquerda desta vez, já que seu solo obteve a terceira colocação.

      A beldade de olhos azuis saiu pisando duro, incapaz de ocultar sua frustração. Pelo pouco que conheço de Letícia, sei que ela não vai deixar passar batido essa falta de profissionalismo.

      Aproveitando o momento em que Naiane e eu estamos a sós, fico de frente para ela e lhe tomo uma das mãos.

      — Adorei a sua apresentação — dou um sorriso acolhedor pra ela. — Espero que a gente possa competir juntas mais vezes.

      Naiane corresponde dando um sorriso. Parece ser tímida.

      — Eu também amei a sua variação de Diana e o seu solo, Sofia. Você é foda tanto dançando tanto clássico quanto contemporâneo.

      — Pode me chamar de Bombom. Gosto mais.

      — Bombom… Que apelido tão xuxuzinho — o riso gracioso dela me diverte. — Por que não usa como nome artístico?

      Até hoje nunca havia pensado em adotar um nome artístico.

      — Sei lá. Quem sabe um dia?

      — Pensa bem. Vai ficar legal pra você.

      — Você estuda em qual escola mesmo?

      — Agatha Toller Stude de Danse, de Jundiaí. E você?

      — Letícia Ballet. Fica em São Paulo.

      Naiane morde o lábio inferior, o sorriso insistindo em ficar em seu rosto tão angelical. 

      — Você tem Instagram? — me pergunta.

      — Tenho sim.

      Nós duas tiramos nossos aparelhos de celular das mochilas e não só trocamos Instagram, como pegamos o contato uma da outra.

      — Foi super legal conhecer você — ela se despede de mim com um beijo no rosto e um abraço. Olhada à contraluz, sua pele negra resplandece, lhe dando um ar de fada.

      Quando ela se retira, vou para um local menos movimentado, tiro as sapatilhas e as ponteiras. Removo com calma os esperadrapos, fazendo uma careta de dor. Como eu imaginava, meus dedos estão em estado bem deplorável. Ainda bem que resisti à dor.

      Visto o moletom da escola por sobre o collant, e quando me viro pra sair, dou de cara com Letícia.

      — Eu estava te procurando, menina. Vamos.

      — Pra onde?

      — Para um restaurante. Tânia quer que nossa escola jante junto com ela.

      — Mas Letícia, eu tô suada e fedida — fico vexada por não estar em condições pra jantar com a dona da produtora. — Como você quer que eu vá assim?

      — Deixa de ser fresca, garota. Todo mundo vai. E a Tânia não liga. Afinal, é um restaurante que serve comida simples, ninguém vai reparar que vocês estão usando moletom de escola de balé.

      Jordana me alertou que Letícia não aceita recusas. Além disso, sempre que ela propõe algo e pede nossa opinião, ela o faz já com a decisão tomada. Ou seja, a vontade dela sempre se faz cumprir.

      — E então? — ela empina o queixo, esperando que eu me mexa.

      Como estou com fome e de repente forrar o estômago não seja uma má ideia, faço um aceno positivo com a cabeça e acompanho minha professora até a saída, onde os outros estão nos esperando.

      — Tânia já está nos esperando — Letícia avisa. — O restaurante é logo ali, podemos ir andando.

      Pamela e eu ficamos pra trás, e enquanto andamos, conversamos sobre assuntos aleatórios. Mal me lembro da existência de Rebeca, que não diz uma única palavra e caminha de cabeça baixa, como se estivesse andando para uma guilhotina.

      O cheiro da comida é delicioso. Tânia nos aguarda, o sorriso confiante e a pose empoderada sempre presentes.

      — Podemos nos sentar. Só está faltando o Odin, mas logo se juntará a nós.

      A menção do nome do modelo louro e arrogante me faz expelir o ar pela boca. Mas por que ele não estaria? Afinal, é a mãe dele, e além disso, ele a está ajudando. Se bem que nem sei que tipo de ajuda é. Só o vi duas vezes neste fim de semana, e mesmo assim, não me pareceu em nenhum momento estar desempenhando alguma tarefa, por insignificante que fosse.

      — Bombom! — ela estende pra mim as mãos, obviamente esperando que eu corresponda. — Não tenho palavras para expressar o quanto fiquei impactada com a sua dança, com seu jeito brasileiro, atrevido, arrojado… Amei!

      Impactada. Que palavra agradável de ser ouvida. É impossível não sorrir depois de ouvir um elogio como esse, mas não escancaro um sorriso de orelha a orelha como uma menina emocionada.

      — Fico contente que tenha gostado — me limito a um enlevo de sorriso; só quero jantar e voltar logo para São Paulo.

      — Fazia tempo que não via uma plateia tão empolgada, tão vibrante, aplaudindo uma artista de forma emocionada, e o que presenciei hoje me deu certeza de que logo teremos uma nova diva negra dos palcos, como sempre quisemos.

      Palavras existem pra serem ditas, mas às vezes é bom ficar calado. Tânia não está medindo suas palavras devido ao seu entusiasmo. Não quero que depositem tanta expectativa em mim, afinal acabei de chegar.

      E a Rebeca, a Tamires, a Pamela e os outros? Todos dançaram bem e também merecem reconhecimento, então não vejo por que ficar enchendo minha bola. Não que eu tenha medo de encarar uma provável rivalidade com quem quer que seja, mas se for possível evitar…

      — Tânia, obrigada pelos elogios, mas todo mundo da nossa escola teve atuações incríveis.

      Tânia assente, o sorriso cedendo lugar a uma expressão grave. 

      — Claro que sim. Você foi a estrela da noite, mas todos foram maravilhosos. Rebeca e Bruno evoluíram muito como bailarinos — ela põe a mão no ombro da garota morena de olhos azuis, que não tem pudor algum em demonstrar sua raiva inconfessa.

      — Aliás — Tânia olha de um jeito panorâmico pra todo o nosso grupo —, todos vocês estão de parabéns. Todos evoluíram bastante como artistas, todos hoje encaram com seriedade os compromissos que bailarinos têm, e isso é um passo muito importante na jornada de vocês.Tenho orgulho de todos vocês. Muito.

      Pamela e eu trocamos um olhar travesso, sorrindo. Tânia se mostra uma ótima política. Quase dá para acreditar na sinceridade de seu discurso.

      — Vamos comer, então? — a diretora artística da Promoarte propõe.

      Andamos até um grupo de mesas, não muito no fundo. Passamos em frente à cozinha, de onde garçons saem equilibrando travessas com arroz, feijão, fritas e carne assada. O cheiro da comida é tentador, fazendo meu estômago roncar.

      — Como vocês são menores de idade, apenas Letícia e eu vamos beber. E então, Letícia? Uma taça de vinho?

      — Você está muito burguesa hoje, Tânia — acho graça na observação da nossa professora. — Quem a conhece bem, sabe que não dispensa uma boa cerveja. 

      — Foi só uma sugestão. Tudo bem, então. Vamos tomar cerveja.

      — Assim é melhor.

      Espero Tânia se virar para acenar para o garçom, então encosto a boca no ouvido de Letícia a fim de tirar uma dúvida.

      — Ela é quem vai pagar, não é?

      — Shhhhh! Vai sim. 

      É como se dois pesos de 60 quilos fossem tirados dos meus ombros.

      — Olha quem chegou — Tânia olha por sobre meu ombro.

      Quando me viro, vejo Odin ladear uma das mesas e se sentar ao lado da Pink.

      — Boa noite, me desculpem pelo atraso — ele sorri sem emoção.

      Rebeca e Bruno sorriem. Há pessoas que ficam babando fácil por um rosto bonito.

      — Nem fizemos os pedidos, ainda, Odin — Tânia diz. 

      O rapaz de olhos azuis confere algo na tela de seu celular, e só então me olha (ainda que de um jeito fugaz, voltando a olhar para o aparelho). 

      Empatia é uma qualidade inexistente no modelo.

      Uma vez feito os pedidos, dividimos impressões dos dois dias de competição através de uma conversa descontraída.

      Os bailarinos (gays assumidos – e foda-se os preconceituosos!) pontuam as qualidades dos competidores das outras escolas. Bruno ficou em primeiro lugar na modalidade contemporâneo e em terceiro com clássico, e o êxito nas duas apresentações o deixou bem falante.

      Corto um pedaço de carne com a faca de serra, a levo à boca com o garfo e mastigo bem devagar enquanto estudo a fisionomia do louro aborrecido. Me pergunto: o que ele está pensando?

      Algumas vezes ele deixa escapar um suspiro entediado quando Tânia diz algo que soa esnobe. Tenho que admitir que ela está fazendo um esforço tremendo pra parecer uma de nós, mas não adianta. Ela sempre acaba conjugando o verbo na primeira pessoa do singular.

      — Tá na cara que ele não está gostando nem um pouco de jantar com a gente — Pamela fala ao pé do meu ouvido.

      Pelo visto não sou o único que percebeu o desconforto de Odin.

      — Apesar dos poucos contras em Barra Bonita, nosso evento foi um sucesso — Tânia beberica um pouco de sua cerveja — e vamos produzir algo muito melhor em Presidente Prudente daqui a duas semanas.

      Meu estômago se revolve. Duas semanas?

      — Eu não vou pra lá — Odin limpa a boca com o guardanapo.

      Todos os olhos se cravam no garoto. A mãe o encara.

      — Não vai?

      Odin nega com um aceno.

      — Eu tenho outros planos.

      — Você vai desfilar?

      — Não.

      — Vai se apresentar em algum programa ou honrar compromissos profissionais?

      — Não — o louro toma com calma um gole de cerveja.

      Uma atmosfera de tensão se forma em nossa volta, os olhos de Tânia se estreitando.

      — O que você fará daqui a quinze dias que o impede de me ajudar?

      — Vou viajar. Com o Marcos e o Russel. Para Londres.

      — Viajar! — Tânia faz uma careta de desagrado. — Você não está falando sério, está?

      Odin encara a mãe. O semblante de deboche se transmuta em uma carranca de puro desafio. 

      — Não posso? Não sou maior de idade?

      — Com essa sua atitude irresponsável, de quem só quer curtir a vida, pouco se lixando para os compromissos que assumiu com a produtora? Eu diria que esses bailarinos adolescentes têm muito mais maturidade que você.

      Parece que vou sufocar com esse nó que de repente aparece na minha garganta. Mesmo eu não gostando do jeito do Odin, Tânia está indo longe demais. Se ele não explodir agora, então tem gelo nas veias ao invés de sangue.

      — Seu trato com as pessoas é comovente…, mamãe! 

      Batendo palmas de um jeito sarcástico, Odin empurra para trás a cadeira e se retira. Chocados, todos nós nos entreolhamos, evitando focalizar o rosto de Tânia.

      — Vou ao banheiro — falo de repente, me levantando.

      Só posso estar louca. Ser uma pessoa impulsiva talvez seja um de meus maiores defeitos, e eu sei que isso vai me dar muita dor de cabeça um dia, mas não posso me omitir de fazer alguma coisa que eu acho que é o certo.

      Passo reto pela porta do banheiro e saio à rua. Olho para os lados, avisto Odin andando de cabeça baixa, com as mãos nos bolsos da calça jeans. Aperto o passo, me mantendo a uma distância em que ele não possa ouvir o barulho dos meus tênis na calçada.

      Ele chega a uma praça, se senta num banco. Então me aproximo e paro ao seu lado. Sua cabeça se vira devagarinho. As orbes azuis se detém nos meus, a raiva latente pulsando por cada músculo do rosto. Raiva e também dor.

      — O que você quer?

      Estremeço. Respiro.

      — Não sei — aceno a cabeça em negação ao responder.

      Ele retruca com um risinho sarcástico, balança a cabeça. Então percebo que parte de sua raiva arrefecer. Sorrio, sem graça.

      Faz um gesto com a palma da mão para que eu me sente ao seu lado, o que acabo fazendo.

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