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A música do capítulo se chama Coven in charing cross, da banda Coven. É uma banda obscura de Chicago, atuante em fins dos anos 60, e que foi praticamente "limada" dos manuais do rock. Embora bandas como Sabbath e Led Zeppelin sejam consideradas as precursoras do Heavy Metal, a Coven trazia elementos realmente macabros. A música acima descreve um ritual de bruxaria (não vou nem colocar a tradução aqui... vade retro, homem de terno!), e consta que, ao contrário do Sabbath, que apenas brincava com elementos do gênero (o baixista era um grande fã de ocultismo, mas nenhum dos membros da banda era exatamente fã de fantasmas e afins, pra valer), os integrantes da Coven levavam realmente a sério aquilo que cantavam...
"A morte é libertação, não punição." (Rei Einon, no filme "Coração de Dragão")
Capítulo 6
Três dias depois...
— O descontrole não te levará a lugar algum, Petrus. Acalme-se. Não vai dar pra tapar o sol com a peneira porque já tá na boca do povo. Então, mesmo demitir a turminha não resolve. Não há motivo pra mandar a Lari ou a Sarah embora. Ambas são muito competentes, nenhuma delas joga contra nós. Precisamos manter a tranquilidade.
— Sim, sim, Hermes... me desculpe pelo descontrole. Esses dias estão pesados demais. Perder a Cleo... depois, essa merda de história, essa situação estúpida, a imprensa em cima, urubus malditos que vivem da destruição alheia. Falta do que fazer. Bando de vagabundos...
— Foco, Petrus. Ouça a voz de seu avô... — Sorriu com certa dose de candura o contador e conselheiro pessoal do Senhor Diamandi.
— Eu sei lidar com fornecedores, com técnicos, com planilhas, números, contas bancárias, produtos. Eu não sei lidar com essa porra toda. Você me entende, Hermes?
— Entendo. Mas me deixe lidar com essa parte e mantenha-se focado na burocracia. Este é o seu talento. O meu é contabilidade e... gente.
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Um taciturno Mathias tomava seu café em casa, observado pela esposa acabrunhada. Em que momento ele mudou? O jeito calado era anterior à demissão. Ele nunca havia sido mandado embora antes, a sensação era nova. Mas, em seu âmago, não era o que importava. De qualquer forma, não pretendia mesmo passar sequer no bairro mais, com seus descampados e grandes lagos, e projetos de povoamento planejado para a classe média. Mathias e Andressa estavam prestes a completar sete anos de casados. Na época, ele era assistente de pedreiro, e pouco tempo depois foi trabalhar no Diamandi, a convite do próprio Petrus, a quem conhecera quando trabalhava justamente na construção da casa do dono do tradicional mercado. Essas lembranças o atormentavam todas as noites, desde...
Andressa insistia para que ele consultasse um médico. Devia ser depressão, o stress estava grande desde que ele fora transferido para a recém-inaugurada sede, com novas atribuições. Era o corpo e a mente cobrando o preço de tanta mudança. A morte de Cleo, da forma como ocorreu, inexplicável, mexera com todos. Era questão de dar um tempo, esperar a poeira baixar e, quem sabe, conversar com Petrus. Ou, talvez, voltar a trabalhar com construção civil. Era mais fácil lidar com tijolos, cimento, argamassa e cal do que com gente, no fim das contas. Ela era perceptiva o suficiente para notar sua mudança, desde que foi promovido no Diamandi. Era muito mais feliz lidando com coisas, carregando peso, tarefas dinâmicas, interações práticas. A partir do momento que sua voz ganhou comando, as coisas mudaram dentro dele. Sutilmente. Lentamente. Mas ela percebia, pois o conhecia como ninguém. Mais ninguém notara quando ele estava à beira do precipício, anos antes. Ele havia brigado com o pai após passar quase um mês preso por roubar um carro. Estava tentando se adaptar a morar sozinho, mas passava até fome, e gastava o que ganhava com cerveja e afins. Nem sua mãe o apoiou na época. Muito menos os irmãos, todos envergonhados. Mas ninguém o entendia também. Somente Andressa, que o conheceu logo após sua soltura (facilitada por pagamento de fiança - um de seus tios, o "tio torto" da família - e bons antecedentes). Foi num bar. Ela estava com amigas, ele estava sozinho. Ela achou curioso um homem jovem e interessante, sozinho, debruçado no balcão, balbuciando com o barman. Não estava bêbado. Parecia, antes, um tanto mal com a vida. Ela era atraída por agruras, por verdades, por histórias que fossem além da superfície. O que ela viu nele foi verdade. O que ela viu em seus olhos foi honestidade, num sentido mais amplo que o mero seguimento das leis e regras.
Talvez fosse o excesso de honestidade, então. Na época, Andressa o compreendeu e o ajudou. Acabaram se casando. Ainda não tinham filhos, mas era um projeto para breve. Entendiam-se muito bem na cama também. Ela gostava do jeito bruto dele, ele gostava da sensualidade natural e cheirosa dela. Por mais que a traísse (e ela não soubesse). Ele se pegou pensando diversas vezes em Larissa. Tinha sonhos devassos com ela. Os pensamentos eram ainda piores, por saber que ela não o tolerava. "Gostosa filha da puta, se eu te pego, te faço gozar até pelo rabo." Dizia para si, entredentes, quando a via passando pelo mercado. Larissa sentia os olhares sórdidos pela sua visão periférica e se retesava, chegando a doer-lhe os calcanhares.
Todo Carnaval tem seu fim. Mathias possuía uma arma de fogo. Foi com ela que chegou ao fim seu Carnaval, enquanto Andressa dava um pulo até o mercado do bairro. Ela ouviu o som distante e arrepiou-se. Sentira a verdade: Mathias já não estava mais ali há algum tempo.
Alberto soube da morte do seu ex-imediato pela televisão. Não se surpreendeu. Naquele mesmo dia, voltou ao Diamandi (e odiou rever o prédio) para fazer seu acerto no setor de recursos humanos. Reviu Larissa ("safou-se, hein? Posso imaginar os motivos"), e observou Sarah passando ao longe em direção ao seu depósito ("ao seu lar"). Com um turbilhão de pensamentos esvoaçantes, continuou sua lenta caminhada rumo ao RH. Assinou o que precisava ser assinado, trocou sorrisos plásticos com quem deveria trocar, e despediu-se de Larissa com um sorriso mais franco e legítimo. Ela sorriu de volta. Gostavam-se. Nada contra, segue a vida, cada um na sua. Com mais nada em comum. Ou quase. Alberto desceu as escadas, despediu-se rapidamente e alegremente de alguns colegas. Tinha ótima convivência com a grande maioria, com seu jeito despojado, alegre, de bem com a vida. Nem mesmo uma demissão era capaz de lhe tirar o sono. A vida é cheia de possibilidades. Novas janelas escancaravam-se à sua frente. Antes de sair, resolveu ir ao banheiro. Sentiu um ar gelado no corredor de acesso, as luzes pareciam um pouco fracas. Logo ao entrar, deu um encontrão em alguém. Um homem alto, de terno.
— Perdão, senhor — desculpou-se por reflexo.
O homem de terno, mais alto que Alberto, girou a cabeça e olhou para baixo, em seus olhos. Olhos nos olhos. Não havia nada ali. O que Alberto viu não poderia ser descrito. Sentiu náuseas e voltou de costas, então virou-se e saiu num trote ligeiro, quase uma corrida. Para nunca, nunca mais voltar.
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E aí, o que acharam da atitude do Mathias? Ouvi gente comemorando ou é impressão minha? rsrsrs
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