🛸 Raíssa Valentina 🛸

Dois dias depois

Mais uma semana se inicia. Esse último final de semana deve ter sido tenso para a família de Isabelle.

A mesma amiga de Milena, a menina popular, a bonitinha e que agora descobrimos seu segredo.

Todo mundo guarda segredos

O segredo de Isabelle era que é irmã de Livian Alves. Agora tem sobrenome para todo mundo da escola.Alves igual o da sua irmã.

Tudo foi revelado

Estou dentro do carro com Vicente, meu motorista, dirigindo enquanto escuta as suas músicas no rádio.

Não quero nem tirar sua atenção das músicas. Aproveito para pensar no que aconteceu sexta.

Meu plano inicial era enfrentar todos os que estavam na sala de vídeo, eu queria me defender sozinha como sempre faço, queria ficar e participar do jogo.

Não estava me importando muito se eles  iam gostar. Ia ficar sem dúvidas. Usar Milena como exemplo para dizer que foi ela quem me convidou me pareceu bem certo.

Espero não ter deixado ela chateada por ter os chamado de perfeitinhos

Isabelle, como sempre, mal educada e ignorante faltou me expulsar da sala. Eu odeio essa garota. Tenho certeza que ela teve raiva quando Milena me defendeu.

E a hora da revelação. Eu não conheço a garota dos patins direito, mas achei que seria fácil fazer amizade com ela. Nossa primeira conversa na sala de aula me deixou meio confusa.

Porém, tive pena dela envolvida com essa confusão. Dava para ver seu total incômodo por estar ali suja de bebida e brigando com a irmã na frente de todo mundo.

Não estávamos sozinhos. Só o 2° A com o 2° B. O 3° também estava com a gente. Viram tudo. Eu agora imagino como a história vai se arrastar por cada sala, por cada aluno, por cada corredor.

O pior de tudo nem foi isso. O diretor já ficou sabendo da briguinha que teve e não gostou nada da professora ter nos deixado sozinhos.

Vi a mensagem do diretor no grupo.

Ele não está nada satisfeito

Isabelle ainda tacou o copo da bebida no chão. O vidro se espatifou. No final todos sairam da sala comentando. E o que eles queriam saber?

Onde estava Isabelle e Livian?

Pego a mochila quando chegamos e me despeço de Vicente. Entro na escola. Sempre que  eu chego vejo os corredores lotados de gente, muitas conversas, uns gritos.

Agora a escola está silenciosa. Estranho. Vou até meu armário e observo o corredor. Poucas pessoas.
Alguns falam baixo quando passam com os grupinhos.

Algumas crianças do 5° ano e alunos do 6° passam por mim conversando. Eu até consigo entender o assunto. Eles estão falando sobre a confusão de sexta.

Todo mundo já está sabendo

Corro para a sala de aula e vejo que está fechada. Vou até a quadra e uns alunos estão jogando. Reconheço mesmo que de longe uma menina jogando. Confesso de estar aliviada de ver ela aqui.

Milena está jogando sozinha. Está meio afastada dos outros.Ela chuta a bola com toda a sua força em direcão ao gol e vejo que faz gol de primeira.

Observo seu jeito. Não está com a farda da escola, seu cabelo preso em um rabo de cavalo, all star preto desgastado. E de onde eu estava dava para ver o quanto ela chutava a bola com raiva.

Estranho. O diretor nunca abre a quadra no começo da semana. Só se aconteceu um milagre aqui. Não sei ao certo se eu devo me aproximar dela, chamar para a gente conversar ou cumprimentar.

Não sou uma das amigas dela. Nem sei como reagiria se eu interrompesse o seu jogo. Parece tão concentrada. Um garoto chega perto dela e toca no seu ombro. Ele é Jonas, amigo de Ruan e Milena.

Algo que Jonas diz parece fazer Milena relaxar um pouco. Passa a mão na testa e respira fundo. Meu celular toca. Agora eles notam minha presença.

Olho a tela. Papai aparece na tela e eu fico com vontade de atender. Só que não é uma boa hora agora. Desligo e mando mensagem para ele dizendo que eu ligo depois.

Meu pai tá separado da minha mãe e ele tá morando em Fortaleza

Ela começa a jogar com os meninos sem se importar comigo.

Sento na arquibancada e pego meu livro de história em quadrinhos. Coloco os fones no ouvido fingindo tá escutando alguma música.

— Parou aí — grita e levanto a cabeça — Continuamos depois. Valeu — diz para os meninos e se despede. Vejo ela correr pela quadra.

Observo um meio sorriso nos seus lábios que parece forçado.

Para bem na minha frente, coloca as mãos na cintura e solta o ar que estava segurando.

Os olhos estão um pouco inchados, com olheiras, sem maquiagem no rosto.

Nada de delineador. Nem o boné. Nem o cabelo solto.

A sua camisa larga tem um desenho de planetas e estrela cadente, a calça jeans é um pouco rasgada. Apesar do estilo eu não deixo de notar uma tristeza em seu olhar.

Aquela garota forte está destruída e faz um esforço enorme para parecer bem

— Estava me procurando? — se afasta um pouco e levanta a cabeça evitando me olhar.

— Pode continuar seu jogo. Eu fico aqui te esperando — sorrio apesar dela nem perceber — Se quiser... Te deixo sozinha. Tem problema não — gaguejo por não ter certeza se fiz bem em lhe procurar.

— É mercúrio retrógrado — diz rápido me deixando confusa.

Espera aí. Me perdi aqui

Volta do começo

— Mercúrio o que? — fecho o livro e tiro os fones. Ela finalmente me olha.

— A briga na sexta. Foi tudo culpa desse mercúrio retrógrado — cruza os braços e eu continuo sem entender — Desculpa. Você deve tá achando que estou doida.

— Relaxa. Doida sou eu — brinco rindo para descontrair — Você gosta dessas coisas, né? De planeta e universo? Esse tal de mercúrio deve ter a ver com isso.

— Isso é astrologia, Raíssa — ela ri com o meu comentário — Tipo assim. Ele é o planeta mais mental. Então aí  imagina quando esse planeta fica em movimento retrógrado é que o lado principal fica em risco. Temos que ter cuidado, ouvir mais, falar menos, procurar não entrar em conflito com ninguém, evitar fechar negócios.

— As coisas andam para trás, né? — eu acompanho seu raciocínio — Realmente os planetas influenciam em nossa vida. Obrigada pela explicação.

— Eu acredito que influenciam — ela dá de ombros — Agora outros acham baboseira. Acredito na astrologia.

— As brigas que acontecerem durante mercúrio retrógrado é culpa do planeta? — eu indago e ela puxa um pouco a sua correntinha no pescoço. Parece pensar.

— Acredito que sim. Desde pequena a astrologia parece interessante para mim e os signos. O dia que a gente nasce é de suma importância, porque influencia a nossa personalidade.

Ela ainda mexe na correntinha e parece ansiosa. O jeito que fala sobre as coisas na qual acredita é fofo. A sua empolgação deixa tudo interessante.

— Eu nasci em um dia de terça. O que isso diz sobre mim,minha professora? — eu umedeço os lábios e mordo o inferior. Sorrio.

— Se não me engano... É o dia regido por marte. Energia do fogo — começa a explicar e gagueja um pouco — As pessoas de personalidade forte que nascem nesse dia. Impulsivas, ambiciosas, líderes.

— Descreveu a antiga Raíssa, porque ela era exatamente assim. Se achava líder. Impulsiva? Dizem que ainda sou — eu sorrio — Ambiciosa não.

— Não te vejo como líder — ela tenta não rir e falha quando solta uma risada — Desculpa. Você combina com impulsividade e nada de timidez. Sempre tem algo para dizer. Ou fala algo engraçado, piadas bobas, conta mentiras. Tudo se resume no seu senso de humor.

— Eu vou ser comediante um dia? — bato palmas animada — Ver aí na sua bola de cristal.Você é vidente, menina.

— Idiota. Para de brincar. É sério — ela me empurra rindo e eu pego no braço dela para me apoiar — Me solta, garota. Sou vidente não.

— Você falou com tanta convicção. Fez foi descrever quem você acha que sou. É vidente com certeza. Diz aí os números da Mega Sena.

— É o que você demonstra ser — desfaz o rabo de cavalo revelando seu cabelo preto meio azulado — O dia que você nasceu revela quem você é de verdade. Já o que eu disse revela como eu acho que você é.

— Tudo bem. Agora falando sério — eu paro de rir — Senta aqui. Como foi o seu final de semana? Você está bem mesmo?

— Não quero me sentar. Claro que eu estou bem. Por que não estaria?

— Não quero ser intrometida, mas sinto que está mal — me levanto e logo ela se afasta — Tá tentando não tratar desse assunto. As vezes é bom a gente encarar o problema de frente.

— É um assunto que não me diz respeito e ao mesmo tempo me afeta — suspira afastada e pega na rede da quadra — Eu queria saber porque Isabelle nunca me contou. Ela tem uma irmã e eu descobri anos depois. Conheço ela desde o 8° ano, conheço Livian desde o 9° e nunca desconfiei delas serem irmãs.

— É complicado. Vocês são amigas a um tempão e ela escondia esse segredo — eu tento encontrar as palavras certas — Sabe como vai falar disso com Isabelle?

— Ela não vem. É sempre a primeira a chegar e até agora não chegou — dá de ombros — Típico dela se esconder assim quando a barra fica pesada. Isabelle não sabe resolver problemas.

— E Livian? Veio hoje? — noto um certo incômodo quando menciono a garota dos patins — Não sei muito sobre ela. Eu imagino o quanto ficou envergonhada de ter entrado em uma confusão.

— Também não vi hoje. Vai faltar — ela observa os meninos jogando — É melhor.Evita do povo falar baboseiras e julgar ela.

— Verdade. As pessoas não iam deixar barato — reviro os olhos — Eu acho ela legal. Ficamos em dupla na aula lá do Antônio...

— Vamos para sala? — me interrompe e sai andando na frente — Preciso muito de ventilador. Estou morrendo de calor.

— Eu vou na biblioteca. Aproveitar esse milagre do diretor ter aberto a quadra hoje e de ainda não ter tocado — corro atrás dela — Fica bem, tá? Se cuida.

Eu grito me afastando, passo na sala e deixo meu livro lá com o fone. Levo meu celular comigo. Corro para a biblioteca pensando na conversa com Milena e no seu incômodo.

Decido não tocar mais nesse assunto. Ela precisa de tempo. Não tem nada a ver comigo e preciso me concentrar mais em mim. Ajudei Milena a sorrir pelo menos.

Passo pelas estantes cheias de livros e fico sentindo o cheiro bom das folhas.

Chego no meu cantinho que não é mais só meu. O canto dos solitários penso em colocar esse nome em homenagem a mim e essa pessoa desconhecida.

Não me surpreendo ao ver um papel no livro.

As Crônicas de Nárnia

Essa pessoa deve amar esse livro

O papel é rosa claro. Uma cor bonita. Prefiro preto, mas na infância minha cor preferida era rosa. Pego o papel e eu observo a letra torta.

Talvez seja a hora de parar com esse bullying e não criticar a letra da pessoa desconhecida. Somos como confidentes então precisamos nos respeitar. Isso é o mínimo.

Se concentra, Raíssa

"Olá, Sky. Agora você tem um nome. Eu fiquei feliz por não ter me julgado nem ter entendido errado o propósito dessa primeira carta.

Também pensei antes de escrever de volta. Ainda estou insegura com essa troca. Você se sente bem com isso?

Então você estuda de manhã como eu. Que bom que nossas identidades nunca serão reveladas.

Hoje vi que umas revelações podem ser bombásticas e mal recebidas. Prefiro manter isso escondido para o nosso bem.

Eu acredito que cedo ou tarde você vai se encontrar em alguma profissão. Tente pensar no futuro com outra visão.

O que acha de tentar ver o futuro com algum sonho se realizando, alguma viagem ou um objetivo de vida?

Tenta não focar tanto em profissões. Eu não sei qual série você faz e espero que os conselhos estejam te ajudando.

Obrigada pela valiosa dica da faculdade particular. Posso pensar nisso no futuro. Eu entendo, Sky. Talvez estivesse escrito nas estrelas que eu leria seu desabafo. Já pensou nisso?

(Desculpa. Eu sou meio doidinha mesmo então não liga)

Vai que era para mim ler, né? E eu fico feliz de estarmos compartilhando essas coisas pessoais. Confesso que também achei estranho ver sua frase na mesa.

Fui contra todas as regras e risquei essa mesa empoeirada. Confesso também ter achado estranho saber que alguém estava vindo aqui.

(Pode continuar vindo para essa mesa, os livros velhos...) por que entendi isso como uma possivel ameaça disfarçada com um toque de humor?

E obrigada pelas dicas "importantes". Vou me lembrar disso com carinho. Pode deixar.

Não te conheço nem nada, mas acredito que você tem sim um apoio assim como eu. Apoio dos seus pais ou de amigos. Se forem seus amigos de verdade então vão estar do seu lado.

Sim. Posso visualizar meu futuro bem aí e tenho medos. Te contei meus refúgios. Os meus hobbies são ler (finge que aqui tem um emoji de surpresa como se você não soubesse que amo ler), outro hobbie é estudar. Não me acho interessante.

É bom saber que estou trocando cartas com uma pessoa que faz Cosplay.

Te recomendo fazer o Enem somente se quiser. É o tempo para você aprender, descobrir novas profissões, pesquisar e se informar através de jornais. Não faça por pressão.

Foi uma comparação justa da prova do Enem com o medo de elevador.

Eu lhe peço desculpas se se sentiu na obrigação de me ajudar só porque te contei algo assim tão pessoal. Não foi a minha intenção te assustar.

Gostei da dica.

Acreditaria se eu dissesse que já tentei fazer isso? Eu entrei em um elevador no ano passado e tentei contar de um até vinte no caso.

Apertei tanto os olhos que quando os abri estavam cheio de água.

Nunca tentei pensar em momentos bons que vivi dentro do elevador. As minhas pernas ficam bambas, coração acelerado.

O frio na barriga. Falto não conseguir me equilibrar lá dentro. É horrível.

Você não imagina o quanto é difícil para mim estar escrevendo com detalhes as sensações que sinto em todos os momentos no elevador.

Obrigada por me lembrar disso. Nunca somos realmente verdadeiros. Talvez eu mostre 60% de quem sou. 100% só para o (a) sortudo que conseguir conquistar a minha total confiança.

Você acha mesmo que quem está comigo a minha volta tem orgulho de mim? Tem certeza de falar isso para uma completa desconhecida?

Não quero te ofender. Só fiquei surpresa com seus conselhos.

Me trouxe algumas motivações. Me fizeram relaxar então eu te agradeço imensamente. Estou em um péssimo momento da minha vida.

Vou acreditar nos seus conselhos. Eles me vêem vitoriosa, porque eu sou. Uma grande guerreira. É isso aí.

Na parte final eu senti que deveria sim escrever isso.

A luz no finalzinho do mar que nunca conseguirei alcançar, porque não sabemos onde o mar começa e onde o mar termina. É uma imensidão.

Acho que algumas crianças como você e eu tem medo mesmo de escada rolante. Infelizmente não somos mais crianças. Eu deveria ter superado esse medo logo.

Parece simples e transformo em algo difícil.

O medo é um tipo de defesa

Você tem toda razão. As vezes é bom ter medo. Fica de aprendizado.

E eu adorei saber essa curiosidade. Impressionante e diferente ter o conhecimento das ervas e ainda mais estar sabendo diferenciar os cristais.

Escrevi muito. Espero não ter cansado você com essa carta.
Também é emoção para mim esperar seu retorno. Confesso ter elogiado mentalmente o modo como escreveu e não achei nada forçado.

Viagem no tempo não é bem comigo. Eu fico perdidinha nesse assunto. Acho até legal sua vontade de viajar no tempo. É algo admirável.

Incrivelmente belo

Não vou me prolongar mais. Estou em um péssimo dia. Tudo indica que será uma semana ruim se nada se resolver. Difícil manter o pensamento positivo quando tudo parece desmoronar.

Atenciosamente, Sunshine."