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Capítulo 4


📚 Milena Louise 📚

Imaginava como ia ser quando falasse com Raíssa pela primeira vez. As vezes não queria ter um diálogo, porque não sabia como ia conseguir falar.

E o que eu ia dizer era o que me fazia ficar cada vez mais insegura.Não sabia como chegar em alguém e puxar certo assunto. As vezes achava que a timidez nunca ia me abandonar.

Eu me lembro da primeira vez que vi Raíssa. Nesse dia não achei nada demais e nem liguei muito, mas depois de umas semanas fui começando a reparar nela.

Um dia estava indo para a quadra com bola de futebol. Vários alunos ficavam me olhando enquanto eu andava com a bola. Todos ali achavam que me conheciam.

A novata jogadora

Mas eu era muito mais do que isso

Era invisível na maior parte do tempo

Só me viam quando era obrigada a me levantar tímida e responder alguma pergunta da professora

Era uma das alunas inteligentes e umas pessoas me chamavam de nerd

Não gostava muito desse apelido

Eu achava que tinha qualidades e mais ninguém aqui via isso

Uma rodinha de meninos e meninas estava reunida vendo algo no celular. Os meninos riam.

As meninas de vez em quando diziam algo como "uau. Olha o vestido dela", "que mesa linda", "aqui tá parecendo uma princesa", "que festinha chique".

Eram os comentários e me deixei levar pela curiosidade. Fui entrando no meio dos alunos na rodinha e finalmente eu vi o que estava causando aquilo.

Era um vídeo de uma festa

Aniversário de Raíssa Valentina

Cheguei bem a tempo de ver ela com o seu vestido azul aparecendo na frente das pessoas. Realmente tinha muito bom gosto. Seu vestido estava lindo. Ela era o sucesso da festa.

Raíssa fez uma dancinha rápida, olhou para câmera e disse alguma coisa que não consegui escutar. Minha atenção ali estava muito além disso.

Se eu fosse um menino namoraria com ela.

Uma sensação estranha de ter pensado aquilo veio junto com a incerteza. Por que eu pensei assim?
Eu não deveria nem ter imaginado.

Meus pensamentos ficaram confusos e tentei ignorar. Sai rápido de perto dessa rodinha de alunos, sentei no chão bem isolada dos outros, coloquei a bola ali do meu lado.

Não posso me preocupar com isso. Não hoje. Não agora.

Era um dos pensamentos e mesmo sem querer ainda estava confusa. Precisava entender, tirar as dúvidas, saber lidar com esse fato. Aquilo me perturbava dia e noite. Me sentia feliz por um tempo ao vê-la e depois as sensações estranhas.

— Tive esse pensamento porque achei ela linda com o vestido e um menino com certeza ia gostar dela — disse sorrindo para tentar me convencer.

Eu sussurava baixinho com medo de alguém aparecer e me escutar falando sozinha.

Eu não conseguia parar de olhar para ela porque o vestido era lindo e queria um para mim

Era coisa da minha cabeça

Tinha tanto menino aqui na escola e eu precisava gostar de um deles

Talvez um menino bonitinho que jogava bola comigo. Eles pareciam ser legais

Já tinha se passado umas semanas e eu continuava vendo ela todo dia.
Com seu cheiro incrivelmente doce de frutas e flores e sempre masclando chiclete.

Eu tinha 10 anos e não sabia direito o significado das palavras

Tinha me apaixonado por uma palavra em específico

Incrivelmente

Não sabia bem o significado e mesmo assim falava bastante. Principalmente em casa

Eu me achava muito inteligente por falar palavras grandes

Sempre imaginava como ia ser quando falasse com Raíssa pela primeira vez. Eu me imaginava gaguejando nervosa ou deixando algo cair de novo.
Como foi da primeira vez que ela se aproximou de mim.

Deixei meu anel cair sem querer e nem falei com a garota

Porém, avancei uma grande barreira e eu não me sentia orgulhosa ou feliz. Eu finalmente tive um diálogo com Raíssa. Começou com ela vindo para perto de mim. Se aproximou, pediu um grafite e se preocupou comigo.

Não sei como estava meu rosto e com certeza devo ter ficado branca como o Gasparzinho, o fantasma brincalhão.

Só consegui raciocinar quando a vi se abaixar um pouco e me olhar com seus olhos lindos. A sua expressão era meio confusa. Achou que eu tava passando mal.

A primeira coisa que vi foi a sombra de uma pessoa, as mãos brancas e com unhas pintadas de rosa, por último vim enfim escutar sua voz.

Só lembrava disso

Ei novata. Tem grafite? e de mais nada. Era mesmo Raíssa falando comigo. Não era minhas imaginações. Foi bem difícil reagir e me esforcei para parecer legal.

Tinha que conseguir

Eu estava falando com ela. Precisava tentar sorrir. Não era um bicho de sete cabeça.

Aí fiz a besteira de perguntar o motivo dela estar falando comigo. Me culpei muito depois. A única coisa que podia reverter essa situação era um pedido de desculpas e foi o que fiz.

Ela me desejou as boas-vindas fazendo mais sentido a conversa do que eu.
E por fim fez a pergunta mais temida. Era algo anormal para todos. O povo da escola em especial.

Não aceitavam diferenças

Sempre ia ter "você tá feia", ou "você ta toda suja", ou ainda "por que sua farda fica preta assim?" e eu estava cansada de ouvir esse tipo de comentário.

Ela quis saber por que a minha farda estava suja. Disse que estava jogando e fiz outro erro de a convidar para me ver jogar.

Você devia ir me ver jogar

Esse convite a fez rir e ainda mostrar que era como todos os outros.
Era fútil, se importava com beleza e nem se preocupava em brincar de correr. Para ela a diversão se resumia em compras e aniversários.

Quando me olhou com aquele olhar de julgamento senti como se toda a minha admiração tivesse aos poucos sumindo. Só que sentia raiva também.

Raiva dos pensamentos confusos, por gostar de futebol, de quem eu era.

Somos muito diferentes

E realmente éramos. Nesse momento eu deixei minha timidez de lado e fui lá me defender sozinha. Defendi o meu amor pelo futebol. Confirmei até o que achava dos alunos ricos da escola.

Ficamos frente a frente e não foi nada como eu imaginava. Estávamos tendo ali um momento ruim e tenso.

E a situação meio que se acalmou quando me sentei encostando sem querer minha mão na dela.

O primeiro toque

A minha mão estava em cima da dela. A garota me encarou.
Foi meio impossível evitar. E ali o meu coração não acelerou como das outras vezes e vi diferença somente na minha respiração.

Por fim ela sorriu e me surpreendeu pegando na minha mão

Não estávamos com dedos entrelaçados ou andando de mãos dadas

E a sensação permanecia boa como se fosse comum pegar em sua mão

Sua mão tá fria, novata. Você tá com medo de mim? foi sua pergunta e ainda falou sussurrando. Não pude evitar e eu também sussurrei. Medo dela? Ah não. Nunca senti medo de Raíssa. Era muito mais complexo que isso.

As águas do mar revolto ficaram meio calmas e outra tempestade veio ali me derrubando de surpresa. Realmente o diálogo não estava funcionando.

Gostava de ficar nos lugares fingindo que eu não existia

A última coisa que eu queria era ser popular. Me misturar com quem fazia bullying comigo. Tentar a todo custo me incluir em grupinhos de pessoas legais para parecer ser como elas.

As vezes pensava que queria ser uma popular como Raíssa. Podia ter inveja dela. Inveja ou admiração. Nada mais.

Só que não me via no grupinho dela com seus amigos populares

O mar voltou a ficar revolto quando o convite veio. Me convidou para fazer parte do seu grupo. Tinha vantagens de ser conhecida, todo mundo te elogiar, falar com você.

As regras. Ali nem era o meu lugar. Como devia me enturmar e fingir costume? Eu precisava ser sincera.
Me defender do jeito certo. Mostrar que eu não gostava daquilo.

Estava quebrando toda a imaginação que havia criado na minha cabeça. Ignorando os elogios ao seu estilo, o seu jeito de líder e o vestido incrível do seu aniversário.

Deixei claro não estar interessada em participar. O meu "não" como resposta deixou ela irritada. Acho que esperava que eu fosse aceitar.

Aquela garota nunca tinha escutado um "não" na vida. Acho que eu fui a primeira a negar algo para ela.

Tem razão. Nunca íamos te aceitar desse jeito. Continua aí com sua incrível bola de futebol. Suas últimas palavras foram a confirmação do quanto éramos diferentes.

Tive vontade de chamá-la e até pedir desculpas. Só que se fizesse isso ia estar mentindo para mim mesma. Falei tudo sem deixar espaço para dúvidas.

Talvez esse fosse meu problema. Ficar nervosa e falar besteira, me defender e acabar magoando alguém, não sair nada como o planejado que passei dias e dias pensando.

Como que uma criança podia ser tão babaca daquele jeito?

E como eu ainda assim gostava dela ao ponto de eu ter pensado que se fosse um menino namoraria com ela?

Caramba. O que estava acontecendo comigo?

Dias atuais

2017

Tem uma tradição na minha família. A única regra é sempre lembrar de colocar nomes compostos nos filhos. Passado de geração para geração.

Minha mãe, Luciana Elise, tem os dois nomes compostos, meu pai, por ironia do destino também por se chamar Josh Caillou. Sim.

O nome Caillou igual do personagem do desenho animado.

Meu irmão, Jorge Caillou, e por último eu, Milena Louise. Somos a família dos nomes compostos. E papai nem deveria ter dois nomes próprios, mas o destino quis que ele continuasse a tradição.

Minha mãe contou histórias para mim e Jorge do tempo que ela descobriu a sua primeira gravidez. Jorge é o meu irmão mais velho.

Dona Luciana podia muito bem não ter seguido o costume e colocado um nome simples.

Só que estamos falando de Josh Caillou, o homem das superstições, do melhor doce de banana, do amor por coisas materiais e principalmente o homem das tradições familiares.

O destino quis brincar com mamãe. Até fazer ela se mudar para perto de uma loja onde o dono era ninguém mais e ninguém menos que o homem cheio de influência. O homem dos negócios. Mais conhecido como o americano.

Papai se mudou para o Brasil ainda bem jovem. Ele faz amizades rápido e tem um jeito calmo para resolver as coisas.Super concentrado e tem muito apego ao seu carro, por exemplo. Eu me inspiro muito nele.

Jorge tem 22 anos, adora fazer as pessoas rir, péssimo com declarações de amor, fofo e chato na maioria das vezes. Meu irmão é difícil de se explicar. Parece que cada dia descubro algo novo nele.

Pode ser uma paixão por cavalos, uma curiosidade sobre o seu jeito para ganhar um jogo de tabuleiro, a sua rapidez ao correr, as piadas infinitas, histórias de algum episódio divertido ou vergonhoso da sua infância.

Jorge é uma caixinha de surpresas

Amava descobrir algo novo nele todos os dias

Porém, agora não estamos mais juntos. Tudo mudou. Ele terminou os estudos a 4 anos atrás, estudou muito para passar numa prova, aprendeu a ser muito mais concentrado. E quem o via assim nem imaginava que antes era um garoto bem engraçado.

Um dia ele se acordou, foi falar com a gente na hora do café, seu humor estava ótimo e afirmou alegre que ia trabalhar por conta própria.

Não era uma das suas piadas

Realmente queria isso. Mas meus pais não gostaram muito da ideia dele trabalhar por conta própria, pois papai queria uma ajuda de Jorge na loja.

Meu irmão estava cansado de sonhar e nunca realizar seus sonhos, fazer provas e mais provas e nunca passar, deixar de dormir para estudar. O seu espírito de aventureiro engraçado voltava como se ele ainda fosse um adolescente.

Eu não queria que Jorge caísse em seus próprios sonhos. Ele sonhava alto. Eu passei dias conversando tentando o convencer que precisava ir com calma. Até que finalmente ele foi chamado para uma entrevista de emprego.

Desde então ele trabalha e além disso decidiu morar sozinho. Infelizmente o meu irmão quis sair de casa. Hoje em dia ele continua o piadista nas horas vagas, ama arrancar sorrisos de todos e o seu amor por cavalos nunca foi embora.

A casa fica triste sem Jorge. Não temos a alegria, luz, a seção de brincadeiras e risos. Meio que a casa fica vaga. Como se ele fizesse toda a diferença em um local. É impossível não sentir falta de alguém tão iluminado assim.

É estranho entrar no quarto que antes era de Jorge e ver o vazio, silêncio. Estou com muitas saudades dele.
Não vejo a hora de chegar o seu dia de folga para ve-lô. Ele sempre tá me ajudando ou me apoiando.

Com certeza se ele tivesse aqui agora saberia qual conselho dizer para me acalmar. Estou deitada na minha cama jogando a bola para cima até bater no teto. O meu quarto tá meio escuro.

A única iluminação é o pisca-pisca que fica próximo a janela. A parede do meu quarto tem alguns quadros com fotos preto e branco. Tem fotos dos meus avós na juventude, minha mãe criança e muitas da família toda reunida.

Eu adoro fotos preto e branco

Tem uma cômoda de madeira com um estilo meio antigo, um abajur com fitas cassete em cima da cômoda, prateleira cheia de livros e um porta medalhas na parede do lado das fotos antigas.

Medalhas que ganhei em competições

Um papel de parede de As Crônicas de Nárnia bem no canto da parede. E em cima tem um ventilador de teto. No meio do quarto de frente para a cama tem a televisão velha.

Aquela televisão é minha companhia diária. Eu me sinto bem com a TV assim ligada e as vezes deixo ela ligada a noite toda. Mamãe não pode nem sonhar com isso. Ela me mataria se soubesse.

Me levanto para dar uma batida de leve na TV de tubo e me deito novamente. A abertura da novela de Anelise e Pedro Antônio aparece. A música lenta devia me acalmar, mas não é o que acontece.

Todos os dias eu assisto essa novela e o tema gira em torno do amor de Anelise por Pedro Antônio. O casal protagonista faz todos pararem de fazer seus afazeres e correrem para frente da TV.

Nas casas vizinhas posso escutar o som alto da abertura e imagino tudo.

A vizinha está sentando agora no seu enorme sofá, seus cachorros do lado dormindo, seus filhos provavelmente estão brincando no quarto enquanto ela assiste roendo as unhas esperando a enorme abertura acabar

A rua toda está assistindo a novela. Escuto crianças rindo, gatos miando, sinto cheiro de pipoca e sopa.
Os vizinhos daqui gostam de sopa.

A nossa rua é bem conhecida por ter as pessoas aposentadas ou mães solteiras que são como mãe e pai de seus filhos. As únicas crianças ficam mais dentro de casa.

Finalmente aquela abertura termina. Continuo jogando a bola para o alto sem me preocupar com nada.

Hoje é o capítulo mais esperado

Anelise vai namorar com Pedro Antônio. Um namoro escondido. Não faço nem ideia de qual será a reação das minhas vizinhas. Será que ficarão felizes com o desenvolvimento do casal?

Eu amo esse casal. Já pensei muito em escrever um livro sobre eles. Mudaria os nomes, o lugar, história. Faria tudo acontecer do jeito certo e conforme minha vontade.Iria fazer meu próprio livro.

Enquanto todos assistem em suas belas televisões led pregadas na parede, eu assisto a novela na minha TV de tubo.

As vezes tenho a impressão de estar meio atrasada em um mundo moderno onde todos gostam de modernidade, internet e tecnologia.

Não presto atenção nos personagens da novela, o celular vibra novamente, suspiro cansada, jogo a bola mais uma vez para cima e bate com força no teto. A porta é aberta na mesma hora.

— Liana tá ligando, filha — mamãe diz segurando o telefone — Acho bom você atender sua amiga.

— Tô assistindo a novela — me sento rapidamente e jogo a bola no chão — Eu falo com ela depois.

— Não, Milena. É um convite. Ela quer ir para o shopping com você — diz com a voz animada — Ainda tá cedo. Eu deixo você ir.

Reviro os olhos na frente dela que logo me repreende apenas com o olhar. Peço desculpas. Minhas amigas querem sair comigo. Cinema, praça, shows, parques. Eu sempre aceito o convite quando é em parque de diversão.

Porém, sair para o shopping já é outra história. Liana, minha melhor amiga, vai querer ir na sua loja preferida, a loja de cosméticos,que fica no terceiro andar.

Para facilitar a vida das pessoas criaram o elevador e a escada rolante. Acho boa essa invenção. Só que me assusta o fato de eu ter medo de entrar em um elevador ou andar de escada rolante. Eu simplesmente fico paralisada.

Não sei lidar bem com pressão e odeio não seguir meus rituais diários.
As minhas amigas iriam rir de mim? Com certeza sim.

Confio em contar meus medos apenas para amigos virtuais. Meus amigos que conheci em grupos nas redes sociais. E eles me entendem, não me julgam, nem fazem piadas bobas.

Os vídeos de pessoas parecidas comigo me confortam

Ler os comentários e ver pessoas se identificando com meus textos também me deixa aliviada

Tenho uma conta em uma rede social onde eu publico alguns textos falando abertamente sobre como me sinto, o futebol, meus medos

Minha foto de perfil é uma imagem qualquer da internet e meu nome lá é fictício

Sou apaixonada por antiguidades, mas não posso negar o quanto gosto muito da internet

Na internet encontro refúgio. Não sou Milena Louise.

Tenho meus seguidores, amigos virtuais, aconselho pessoas que não conheço e minha identidade nunca é revelada

Aqui eu posso ser eu mesma

Vivo em dois mundos. O mundo real e fictício e me assusta o fato de preferir viver na ficção onde todos me aceitam como sou

— Ela já tá indo, Liana — mamãe diz me despertando e levanto da cama - Pode confirmar pelo celular. Até mais, querida.

Encaro ela indignada com a boca aberta e eu tenho certeza que a minha boca tá formando um O perfeito. Não acredito nisso.

— Desculpa, Milena. É para o seu bem. Precisa tomar um solzinho, filha, se não vai ficar toda branca — desliga e abre meu guarda roupa -— Nossa. Aqui só tem roupa larga. Cadê seus vestidos?

— Não gosto de usar vestido — lembro pela milésima vez — Minha roupa já tá pronta - aponto para minha calça jeans e camisa larga.

— Pelo menos não vai ter frio — suspira e percebo que ela tá tentando sorrir — Podia ir mais feminina, né? Ok. Entendi. Bom passeio.

Luciana sai do quarto sem balançar a cabeça, entortar a boca ou resmungar. Será que finalmente ela tá aceitando as roupas que gosto?

Obrigada, Universo. Isso sim é um milagre.

Não tem problema nenhum em usar roupa larga

Calço meus tênis, continuo com os olhos fixados na TV, faço o laço sem nem se quer me dar o trabalho de olhar para o tênis e desligo o pisca pisca.

Liana deve ter mandado trezentas mil mensagens com quatrocentas ligações perdidas. Celular não para de vibrar. Obrigada, Liana. Agora vou precisar sair com você.

Eu adoro Liana. É uma ótima amiga e foi a primeira a conversar comigo na escola pública. Ela é lésbica e namora Manoela do 2° A.

Porém, não sei como ela reagiria se soubesse dos meus medos e eu prefiro não arriscar.

Sou a popular. A pressão que colocam para mim ser perfeita é desgastante. Eu preciso agradar as pessoas sempre e se fizer algo errado colocarei até o meu futuro em risco.

Ser a melhor jogadora, melhor aluna, a melhor amiga, a garota adorável. Bonita. Popular. É muita pressão. Sinto que não posso magoar ninguém. E se um dia eu mostrar quem sou de verdade?

Se o mundo não me aceitar?

Estarei decepcionando pessoas que me amam como minha família

Então a verdadeira Milena só existe na internet através dos meus textos

Coloco meus anéis e gargantilha no meu pescoço, passo perfume, verifico a hora 14:20. Liana, você não faz nem ideia de como queria ter recusado o convite.

Tento pensar positivo. Talvez eu esteja me deixando levar e transformando isso em um problema grande. Sendo que eu posso resolver. Posso sair com Liana e as meninas.

Não sou mais aquela garotinha tímida do 4° ano naquele mar de alunos ricos da escola particular.

Agora me destaco, tenho meus "fãs", meninos estão do meu lado, pertenço a um lugar.

Não há motivos para paralisar

Talvez ela nem queira ir na loja de cosméticos e fiquemos só no primeiro andar. Se as meninas quiserem subir eu invento que quero ir na livraria sozinha. Perfeito.

Eu consigo resolver

Não vou fugir dessa vez

Saio na rua e encontro a calmaria e o sol da tarde. Hoje tá muito quente. Devia ter colocado meu boné. Tarde demais. Saio quase correndo para o ponto de ônibus. Não tem ninguém.

O ônibus então aparece na esquina e agradeço por não precisar ficar aqui sozinha. Entro, sento na cadeira perto do motorista e olho pela janela.

Acabo de quebrar meu ritual diário de assistir a minha novela toda tarde. Meu dia vai ficar confuso. Sou muito organizada em seguir horários e regras.

O ônibus para em um ponto e vejo que sobem alguns idosos. Observo todos e antes de o ônibus voltar a andar eu vejo ela. Livian Alves.

Meu coração acelera por um segundo vendo Livian passar pelo trocador, vindo na minha direção.

Ela senta em uma cadeira a frente da minha. O seu cabelo cacheado está molhado, seu fone grande destaca o seu rosto e escuto ela cantar baixinho.

Não consigo reconhecer a música que está cantando. Outra oportunidade perdida de saber seu gosto musical. Qual será as músicas que agradam ela?

É estranho não vê-la usando patins. Até parece que algo está faltando. Penso em desenhar ela.

Se soubesse desenhar teria o desenho dela a muito tempo. Poderia imaginar melhor como ela ficaria em um livro.

A amiga misteriosa da protagonista

Não me sinto hipnotizada agora. É mais a curiosidade de saber o motivo de ela me deixar tão intrigada.
Sorte vai ter a pessoa que conseguir descobrir quem é a verdadeira Livian.

— Ei. A filha do americano — a voz forte de Livian me traz de volta a realidade — Vai para o concurso de ukelele?

— Que? Não. Eu não vou — gaguejo com um sorriso nervoso — Nem sabia que existia concurso disso — deixo escapar.

— Ah que pena. Seria bom ter você como a minha concorrente — ela pisca o olho para mim — Eu queria concorrer com a filha do americano.

Meu coração acelera tanto que me deixa tonta. Nossa. Ela piscou o olho para mim. O Universo finalmente tá ao meu favor? Fez ela puxar assunto comigo. Obrigada aí, Universo.

— Milena. Meu nome — engoli em seco vendo a necessidade de a corrigir — Eu não sabia que existia concurso disso. No Brasil não é conhecido - tento fingir que sei tudo sobre ukelele só para continuar a conversa.

— Eu sei, Milena, sempre te vejo com o seu grupinho — sorri amigável — Vocês não parecem mesmo gostar de tocar. Estou certa?

— Eu curto violão - disse sincera sem fingir nada — E você gosta de ukelele?

— Eu amo tocar ukelele — ela se vira um pouco para me olhar melhor — Já até pensei de tocar na escola. Seria uma boa experiência. Iriam me achar misteriosa e inteligente. Ótimo ter essa reputação, né?

Não sei bem o que dizer a respeito. Meio que não conheço ela direito. Parece ter sido irônica. Com certeza sabe todas as suposições que fazem sobre ela e talvez tenha raiva de algumas.

Os alunos sempre julgaram ela

— A garota do patins — completo sem saber como agir diante da ironia — Eles te conhecem assim também — gaguejo com a voz quase falhando — E foi com quantos anos que aprendeu a andar de patins?

Limpo a minha garganta tentando controlar as batidas do meu coração, pois é difícil manter naturalidade perto dessa garota.

— Estávamos falando do concurso de ukelele e você muda o assunto para os patins? — pergunta rindo e tira seu fone revelando um brinco pequeno na orelha — Olha. Já deu a minha hora.

Acompanho seu olhar pela janela e vejo que estamos chegando ao lugar onde vai ocorrer o Concurso.

Universo entendi que não vai ser tão fácil manter a conversa com Livian Alves.

— A gente se ver por aí — se levanta e o seu cabelo ainda está molhado — Eu vou me inscrever. Até mais, Milena — sorri e o clima de mistério fica de novo no ar.

Desce do ônibus me deixando sozinha e olho pela janela a vendo entrar e sumir de vista. Estou processando tudo que aconteceu.

Nunca pensei que fosse falar comigo

Lembro novamente dos meus medos e entendo um pouco o que o Universo está tentando me dizer. Ele me fez falar com Livian e conhecer gente nova.

São os meus medos que estão em jogo

Penso na biblioteca e no desabafo que vi na mesa empoeirada. Claro. Como não pensei nisso antes? É mais fácil falar dos seus problemas com pessoas que não te conhecem.

Desculpa, Liana, mas vou ter que faltar e não vou para o shopping. Tenho outros planos.

Que me desculpe essa aluna ou aluno, mas sinto que preciso ajudar seja quem for. Meu espírito de salvadora da pátria me confirma isso.

Posso tá errada? Sim. Só que a essa altura do campeonato preciso arriscar.

E eu também tenho que desabafar como você. Nós dois vamos sair ganhando. Eu converso melhor com desconhecidos e você é um deles.

Sinto como se tivesse em uma cena de filme. Isso me parece estranho. Tipo... eu nem conheço essa aluna ou aluno. Nem sei com quem vou ter que lidar.

Eu desço do ônibus quando chego em frente a escola e entro. Passo pelo vigia e minto dizendo que vou fazer pesquisa na sala de informática.

Eu entro na biblioteca vendo que todos estão em sala. Um silêncio total. Aqui é o meu refúgio assim como no meu quarto.

Passo pelas estantes de livros e ando na biblioteca vazia. Encontro a mesa empoeirada lá no fundo. A esperança se vai quando eu vejo que não tem nada escrito.

Percebo que as letras estão apagadas como se alguém tivesse ido ali e tentado apagar. Pode ter sido a aluna ou o aluno do desabafo. Então viram o que eu escrevi.

Olho para os lados e uma ideia surge na minha mente. Eu procuro um pedacinho de papel no meio da pouca iluminação, pego a mesma caneta daquele dia e por último corro até a estante.

Pego o livro As Crônicas de Nárnia

Escrevo rapidamente com minha letra torta. Nossa. Que letra feia, Milena.

"Olá. Como prefere que eu te chame? Fui eu que escrevi em baixo do desabafo. Um dia vamos terminar o ensino médio. Eu fico imaginando como vai ser.

Muitas responsabilidades, tristezas, nostalgias.

Eu tenho sonhos. O meu futuro já está quase todo planejado aqui na minha mente. Terminar o ensino médio, fazer o Enem, continuar estudando e um dia quem sabe conseguir superar as minhas notas.

Eu sou daqui da escola. Talvez esteja me achando bem sem noção por estar te escrevendo de novo. Porém, certas coisas valem a pena.

Vale a pena aconselhar alguém, trocar experiências, trocar cartas. Seja o que for. Qualquer meio de comunicação é válido.

Por mais que meu futuro esteja quase todo planejado... Também tenho medo. Talvez eu seja como você. Tenho minha família para me apoiar, amigos que eu amo, meus hobbies. E encontro refúgio na ficção e internet.

Somos normais. Apenas precisamos ser nós mesmos. As vezes a pressão que eles fazem com os jovens é o que atrapalha todo o processo. Decidir assim a nossa futura profissão do nada. Meio que essa prova do Enem também é desgastante.

Não me entenda mal. Gosto do Enem. Só acho que é uma prova longa e muito cansativa. A pressão aumenta e a gente meio que não tem para onde correr.

É como ser obrigado a entrar em um elevador. Você tem medo de andar de elevador, mas está em um lugar onde não tem escada normal. Então você meio que enfrenta seu medo.

É bom ser jovem. Aproveite esse tempo. Não fique pensando muito em profissões. É o momento de viver a juventude.

Eu mostro uma versão minha para os outros. Todos devem achar que eu sou super segura, confiante, feliz.

Enquanto na realidade não me sinto vitoriosa. Apesar das medalhas que ganhei em competições.

Imagine estar em um mar revolto cheio de ondas no meio de uma tempestade. Você não sabe nadar. Aterrorizante, né? Ou tentar agir normal antes de colocar o pé na escada rolante. Você vê os outros andando na escada rolante e pensa que para eles é fácil.

Você fica com as pernas trêmulas, a boca seca, mãos suando, sente como se fosse desmaiar. Passa imagens na sua mente.

Colocar o pé, se desequilibrar e acabar caindo ou acontecer coisa pior.

Por que quando nós estamos em uma situação de risco ou medo começamos a pensar besteira?

A parte mais complicada para mim é os pensamentos negativos.

Me deixam mais ansiosa.

Se quiser me contar algo da sua vida eu estarei aqui

No momento não vou revelar quem eu sou. Nem me sinto pronta para isso.

Atenciosamente, Sunshine."

Escrever em forma de carta me faz ter a sensação de estarmos mais perto. Fico livre para me comunicar melhor. Coloco o papel dentro do livro e deixo lá em cima da mesa.

Espero que entenda o que quero dizer e veja a carta. As Crônicas de Nárnia está bem perto da pequena conversa que nós tivemos no dia anterior.

Sunshine. Estou curiosa para saber qual nome que a aluna ou o aluno vai escrever nas cartas. Me sinto feliz pela primeira vez no dia. Valeu a pena ter perdido a novela.

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