Capítulo 3
🛸 Raíssa Valentina 🛸
Fernanda me esperava do lado de fora da casa. O nosso motorista particular devia está cansado de tanto esperar, pois ele buzinava umas cinco vezes seguidas.
Vicente ligou o som e entendi o recado. Havia desistido de me chamar. Sempre era assim. Ele ficava buzinando e depois desistia. Deixava todo esse trabalho com minha babá, Fernanda.
Era bom ter uma babá, porque não me sentia sozinha nessa casa enorme. Com Fernanda podia conversar e fingir que ela era minha segunda mãe.Eu me sentia bem com a presença dela.
Mamãe vivia viajando por causa do seu trabalho, só via papai no final do dia e a minha companhia era a babá. Eu tinha tudo o que eu queria, mas sentia falta de ter atenção da minha mãe.
Mas eu amava o papai
Coloquei uma pulseira no braço e por fim o meu laço no cabelo. O meu cabelo castanho claro só combinava com meu inseparável lacinho. Eu sorri satisfeita e sai do quarto.
— Mas que chato, Fernanda. Já pode parar de me chamar — reclamei irritada e entrei no carro.
— Patroinha, finalmente — o motorista agradeceu — Você está atrasada.
— Eu nunca chego atrasada, Vicente — revirei meus olhos — Trate de ir logo e ficarei feliz.
— Vou ter uma conversa com seu pai, Raíssa — Fernanda entrou no carro sentando do meu lado — Está muito mal educada mocinha. Estou ficando até sem paciência com você.
Fiquei em silêncio e suspirei. Vicente me levou até a escola e eu fui o caminho todo sem falar nada. Sai do carro rápido e não me despedi de Fernanda.
Minhas amigas me viram e correram ao meu encontro. Abracei elas saindo de perto do carro e entramos na escola. Foi uma manhã normal como sempre.
Os meninos continuavam me olhando com sorrisos bobos
Éramos só crianças de 10 anos que não sabíamos nem paquerar e eu não queria paquerar ninguém. Só adorava ter essa atenção dos meus colegas.
Bem perto da aula terminar percebi que meu grafite tinha acabado. Reclamei só para mim escutar, me levantei e fui logo perguntar se meus colegas tinham um bendito grafite.
Ninguém tinha
Poxa. Era só um grafite
Já tinha perguntado para todo mundo e vi que faltava uma pessoa. Encarei uma menina no fundo da sala. Tinha cabelo preto, era alta e a sua farda estava muito suja.
Milena Lo... E alguma coisa mais. Era um nome estranho.
Tinha que admitir mesmo sem querer. Ela era muito fofa e tinha sua beleza ainda que escondida
Era a única que não tinha namorado numa época em que casalzinho tinha virado moda na escola
Além de mim que também me negava a ter um crush
Infelizmente aquela menina era muito esquisita e não falava com ninguém. Ótimo.
— Ei novata — eu me aproximei e coloquei minhas mãos na carteira dela — Tem grafite? Diz que sim pelo o amor de Deus.
Ela olhou para minhas mãos e levantou a cabeça lentamente. Seus olhos pretos estavam arregalados e senti que talvez respirasse mais rápido que o normal. O que estava acontecendo?
— O que foi novata? Tá passando mal? — me abaixei um pouco e franzi minhas sobrancelhas — Parece até que viu um fantasma.
— Não... Não tenho grafite — gaguejou ainda com os olhos arregalados — Por que tá falando comigo?
— E porque não falaria com a minha mais nova colega de sala? — eu devolvi com outra pergunta — Só queria saber isso mesmo. Se tinha grafite, mas tudo bem.
— Espera — ela me chamou quando eu ia saindo e respirou fundo — Desculpa. Fui muito mal educada. Eu não queria te tratar assim.
— Então... Bem-vinda a escola — sorri tentando ser simpática — Por que sua farda tá suja?
— Ah... Eu estava jogando — ela sorriu sem graça pegando na blusa da farda — Você devia ir me ver jogar — ela falou rapidamente e mordi o lábio tentando não rir.
— Meninas nem deviam jogar — eu balancei a cabeça rindo — Desculpa. Eu sou sincera. Deus que me livre de ficar correndo atrás de uma bola.
— Não te chamei para jogar — sua voz parecia estar irritada e me surpreendi — Eu te chamei para me ver jogar. Só que todo mundo aqui odeia ver as meninas jogando. Isso é incrivelmente ridículo.
— Nossa. Tudo bem, novata — levantei as mãos — Não quis ser preconceituosa nem nada. Só que isso não combina com a gente. Olha sua farda — apontei — Vai ficar toda preta.
— Não me importo. Eu gosto de jogar e isso é minha diversão — soltou o lápis na carteira e se levantou me encarando — O que você acha divertido afinal?
— Compras no shopping e aniversários — respondi sorrindo e levantei uma sobrancelha — Melhor do que correr e chegar em casa com a roupa toda suja.
— Somos muito diferentes — se sentou e sua mão encostou na minha.
Suas unhas estavam pintadas com uma cor bem clarinha. Encarei ela e percebi que sua respiração voltou a ficar rápida. Os seus dedos estavam frios e a sua boca parecia seca.
Eu sorri para mostrar que estava tudo bem e peguei na sua mão. Ela suspirou e me observou. Nunca tinha andado de mãos dadas com minhas amigas. Acho até que era a primeira vez que pegava na mão de uma menina.
Mas ali com aquele toque era diferente. Gostei de pegar na mão dela. Aquela sensação estranha voltou. Por que sempre sentia isso com garotas?
Milena parecia incomodada. Eu não conseguia entender.
— Sua mão tá fria, novata — sussurrei com um sorriso — Você tá com medo de mim?
— Medo? Eu... Nunca teria medo de você — sussurrou me surpreendendo ainda mais com sua reação — Desculpa — soltou minha mão e logo as escondeu debaixo da carteira.
Observei o seu jeito, parei de rir e por fim olhei para trás onde estava minha amigas conversando.
— Quer entrar para nosso grupo? — resolvi mudar de assunto — Nós vamos adorar sua companhia e você vai ser popular como a gente.
— Não quero ser popular — sussurrou tão baixo que mal ouvi — Tô de boa. Eu gosto de ficar sozinha.
Sua resposta me deixou com dúvidas. Acho que não era isso que ela queria me dizer, mas por algum motivo falou. Cada vez se tornava mais difícil de entender as atitudes dela.
— Como não quer entrar para o meu grupo? Todo mundo quer ser popular — cruzei meus braços — Eles fazem fila e buscam ser nossos amigos. Você também tá tendo essa chance.
— Que bom para eles, porque eu não vejo nada de mais em ser popular — ela voltou a escrever no caderno — Prefiro ficar na minha.
— Tenta sair da sua zona de conforto, novata — arrastei uma cadeira e sentei bem de frente para ela e finalmente a vi levantar a cabeça e prestar atenção em mim — Se você fosse a minha amiga ia aprender as regras do nosso grupo. E em poucos dias ia estar falando com todos os alunos. Eles iam te adorar.
— Gostariam de mim por eu ser como vocês e eu seria superficial — ela olhava para os lados e não fazia contato visual — E os riquinhos nunca me aceitariam. Se for para falarem comigo só por andar com vocês... Prefiro nunca ser popular. Todos iam ser falsos comigo.
— Uau. Que discurso, novata. Eu não sei nem se digo mais alguma coisa — eu sorri forçado — Tem razão. Nunca íamos te aceitar desse jeito. Continua aí com a sua incrível bola de futebol — levantei e sai sem olhar para trás.
Eu tentei ser legal
Eu fui simpática
Mas quem é essa garota que se acha tão inteligente e a dona da verdade?
Qual o problema dessa novata?
E quem em pleno século 21 não quer ser popular?
Coitada dela. Se acha tão sabida e dona da verdade.
Ótimo, Milena. Você acabou de perder a oportunidade de ser minha amiga.
Dias atuais
2017
A professora Kátia ajeita o óculos, volta a corrigir o trabalho, entorta a boca e enfim olha para mim. Seu óculos muito grande para seu rosto, o batom velho da cor vermelha nos lábios, algumas rugas aparentes.
Ela está com uma expressão cansada. E é como se não dormisse a dias. Entorta tanto a boca que me faz ter vontade de revirar os olhos. Pega o trabalho e por fim me entrega.
— Vai reprovar na minha matéria — diz simplesmente — As provas estão vindo e nem esse trabalho extra te ajudou. Então o que pensa em fazer?
— Eu tirei 6. Estou na média — mostrei o papel do trabalho para ela — A senhora não pode me deixar de recuperação.
— Suas notas não ajudam, Raíssa — ela suspirou — Recomendo que estude dia e noite para as provas. Me promete?
— Eu odeio promessas — guardei rápido o trabalho na mochila — E eu não estou tão desesperada assim. Vou estudar sim, mas só quando eu tiver tempo.
— Você entendeu o que eu quis dizer. É só se dedicar mais — se levantou — Você foi muito bem ano passado. Não entendo como suas notas ficaram ruins esse ano.
Professora Kátia enfim me deixa sozinha na sala. Observo as cadeiras vazias e o som das vozes estão do lado de fora. É o intervalo. Nesse tempo livre prefiro ficar trancada na sala.
Só que eu preciso distrair minha mente para parar de pensar na palestra. Não vejo a hora de ir para casa. Sou obrigada a assistir as palestras que de nada vão adiantar.
Penso no cosplay. Eu amo me vestir como os personagens das histórias em quadrinhos que gosto. E as perucas são sensacionais. Com o cosplay eu posso ser quem eu quiser.
Não preciso me esconder. Posso fazer de conta que sou aquele personagem
Fernanda, minha babá, diz que eu tenho medo de mostrar quem sou. Confessou um dia seu pensamento para mim.Ainda diz que tem a impressão que eu nunca sou totalmente sincera com ela.
Desculpa, Fernanda. Você tem razão
É tão difícil desabafar e contar os meus pensamentos para os outros. Eu odeio demonstrar sentimento e tenho raiva de quando fico com vergonha. O meu rosto fica logo vermelho.
Meu celular vibra e o pego. É uma mensagem da caixa postal. Meu celular vive recebendo esse tipo aqui de mensagem. Talvez para mim recarregar colocando crédito. Ótimo.
Procuro alguma mensagem para apagar e quando estou chegando no final vejo aquele nome. O bendito nome que não me deixa ter paz.
Karen
Antes seu contato era salvo aqui como amiga, depois quando começamos a namorar mudei para gatinha e assim por último o seu contato ficou meio que apagado. Salvei como Karen.
Eu nunca fui criativa para apelidos ou demonstrações de amor. Gatinha foi o único apelido fofo que encontrei. Apesar de nunca dizer em voz alta. Só quando estávamos juntas.
Terminei com Theo e comecei a ficar com Karen com 14 anos e ela tinha 15. Foi mágico todo o início.
Quando me acordei no dia seguinte após beijar minha amiga/namorada lembro que achei ter sido um sonho. Era como se cada dia me lembrasse e tivesse a confirmação que não era um sonho.
Só precisava me assumir
Mas tinha medo de como iam reagir
Eu tinha me libertado do preconceito da minha parte, da negação, do certo ou errado
Tinha valido a pena
Não precisava provar nada para ninguém
Podia fazer isso com calma
Eu não tinha vergonha de mim nem estava decepcionada comigo mesma
Tinha orgulho, muito orgulho
Eu tinha aprendido a me respeitar
A gente se encontrava, dormia na casa uma da outra, ainda ficávamos de baixo da mangueira conversando.
Porém, a diferença era o avanço daquilo tudo. Com o beijo não tinha mais como chamá-la de amiga. A gente se gostava. Tudo tão complexo e confuso e mágico.
Dizem que o primeiro amor a gente nunca esquece
Papai conversava comigo nos finais de semana quando eu tinha uns 12 para os 13 anos. Ele sempre queria me proteger. Perguntava como eu estava na escola e enfim chegava ao assunto mais temido. Papai queria saber dos meninos.
Tinha muita vergonha de conversar isso com ele. Mamãe nunca estava em casa e nunca tocou nesses assuntos comigo.
Eu contei sobre Theo, de estarmos ficando, não ser nada sério. Falei para ele sobre Karen e me aprofundava nesse assunto de amizade.
Eu dizia o quanto a gente era unida e que ela era minha melhor amiga. Papai ficava até aliviado de eu nunca querer falar sobre isso.
Achava bom eu não ficar pensando em coisas do tipo, dizia para mim estudar, brincar, ler minhas histórias.
Não sei o motivo de não conseguir nem contar a verdade. Papai merecia saber... Não merecia? Talvez ele ia ficar confuso e não ter o que dizer, mas acho que ele ia ficar do meu lado. Me apoiar.
Simplesmente não tinha coragem
Guardava tudo para mim
Com 13 anos veio a minha vontade para mudar o visual. Tudo começou com os 13 anos. Veio também o videogame, meu novo visual, o bendito casamento que a gente fez da Barbie. Éramos grandinhas.
Ainda gostávamos de brincar de Barbie. Brincávamos de correr, pular corda e tudo mais. Com Karen eu aprendi a ser criança de verdade.
Meus antigos amigos populares nunca aceitaram minha mudança.
— Por que tá vestida assim? — certo dia uma das minhas antigas amigas me fez essa pergunta — Isso não é fashion e você tá estranha.
— É meu novo visual, Andressa — eu respondi com um pouco de raiva — Vou indo porque tem alguém me esperando.
— A esquisita ali? Eu não acredito que você prefere ela do que a gente — olhou para menina e riu — Cuidado para não levar nome de estranha por andar com ela.
— Que me julguem. Caramba — disse abrindo os braços — Não tô nem aí. E eu não quero mais ser do grupo de vocês.
Isso aconteceu quando tinha 14 anos. Quando a gente criou coragem para se beijar na escola os meus antigos amigos viram.
A reação deles foi de total surpresa e eu fui julgada. Foi muito difícil.
As pessoas começaram a nos olhar de um jeito estranho.
Muitas vezes me olhei no espelho e falei comigo mesmo. Me perguntava o motivo de eu ter nascido assim. Tentava muito entender, mas nunca conseguia.
Tentava sentir orgulho de mim, mas era difícil quando todos só faziam me julgar
Com minha namorada eu tinha todo o apoio e a gente foi resolvendo questões que nem sabíamos que precisavam ser resolvidas.
Os pais dela não tinham ideia que estávamos juntas e até gostavam de mim.
Até que certo dia, abril de 2016, foi o dia da revelação. Passamos dois anos namorando e antes de complertamos mais um ano de namoro acabou que nós fomos pegas de surpresa.
Estávamos na praça e era de noite. Nós conversávamos rindo. Eu com 16 e ela com 17.
— Seu cosplay ficou perfeito — disse com um sorriso — Devia publicar amor. Todo mundo ia te elogiar.
— Não quero ser reconhecida assim — deitei a cabeça no ombro dela — Eu amo o que faço e guardo só para mim.
— Que mania de nunca querer mostrar seu talento — ela me abraçou — Sorte sua eu ainda estar do seu lado.
— Você não sobreveriria longe de mim gatinha — provoquei segurando a risada e continuei o abraço — Sobreviveria nem uma semana, doze dias e muito menos um mês.
— Nem se acha, né? Sei viver sem uma pessoa chata como você — me soltou e ficou séria, mas não aguentou quando eu comecei a rir — Você não leva nada a sério, Raíssa. Poxa.
— Para de me provocar, garota — eu ri e a puxei para um beijo.
A gente se beijou ali naquela praça que mal tinha gente.Porém, no meio do beijo escutamos um grito.
— Karen — a voz de uma mulher nos assustou e quando olhamos vimos a mãe dela — Filha... — ela chorava e se tremia muito.
— Mãe... Eu posso explicar — ela foi se levantando e eu peguei na sua mão — Posso explicar. Eu juro.
A conversa não foi nada legal. Foi uma mistura de gritos e choros. Eu tentei defender ela, mas não tinha como. Seus pais estavam muito irritados.
Eles puxaram Karen a tirando de perto de mim e disseram que iam conversar com meus pais para contar tudo. Nessa última fala eu engoli em seco ficando em silêncio. Só conseguia chorar.
Levaram ela a força para casa e desde então não tive mais notícias de Karen.
Passei meses triste em casa, não tinha vontade de comer, ficava deitada o dia todo, faltei aulas. Foi uma fase bastante complicada. Quase fiquei doente com tudo isso.
Tive pesadelos com os gritos dos pais dela
Tentei entrar em contato várias vezes e só depois de um tempo eu me convenci que nunca mais ia vê-la de novo
Liguei, liguei até enfim me convencer que ela tinha trocado de número
Sua família se mudou
O cosplay foi o que me trouxe forças para superar essas coisas ruins. Com o cosplay veio também as histórias em quadrinhos que eu me forçava a ler.
Amava aquilo, mas não estava no clima para ler.
Fernanda se preocupou muito comigo e batia na porta do meu quarto para eu poder ir comer alguma coisa. Informou a minha mãe que eu estava mal e não sabia como me ajudar.
Nem fazia ideia do que era
Com muito esforço fui me ajudando e cheguei a conclusão de que aconteceu o que devia acontecer. Precisava superar meu primeiro amor. Voltei a me sentir culpada.
Encontrei nos estudos um refúgio. Voltei a me alimentar e aproveitei para passar dias estudando. Eu vivia com a cara enfiada nos livros.
Estudar me fazia esquecer de todo esse pesadelo. Fiz pesquisas na internet e descobri a Bruxaria natural. Passei a me interessar nesses assuntos.
Meu pai não estava mais casado com a minha mãe. Estavam brigando muito e se divorciaram quando eu tinha 14 anos. Era o começo do meu namoro e o final do casamento dos meus pais.
Meu pai saiu de casa indo morar lá em Fortaleza e me deixando sozinha com a minha mãe.
Eu continuei falando com ele sempre pela internet por chamada de vídeo e eu pedi para ele mandar um dinheiro para mim. Queria mudar de quarto e mudar a decoração também.
Comprei várias coisas para meu quarto novo e desde então meu quarto é no andar de cima. Fernanda me ajudou a decorar.
Passei por fases na minha vida
A primeira foi a de passar de popular para estranha, a segunda foi meu novo estilo, a terceira foi me aceitar e ter orgulho de mim, a quarta foi me apaixonar por Karen e a última foi gostar de bruxaria, incenso, cristais.
Meu estilo até hoje é o mesmo de anos atrás. O estilo e-girl.
— Cabelo maneiro — me assusto com a chegada de alguém na sala.
Era um menino baixo com cabelo ruivo e o conheço como sendo um dos nerds e é do meu grupo. O Grupo 2.
— Valeu — sorri me recuperando desse susto.
Em 2016 pintei meu cabelo de rosa.
— Animada para viagem? — ele senta do meu lado — Dizem que vai ser agora nas férias.
— Claro. Essa viagem vai ser demais — concordo — Só falta esse povo doido se unir para viagem acontecer.
Ele concorda rindo e estranho o sinal ainda não ter tocado. Ele comenta sobre a palestra e lembro novamente do que quero a todo custo esquecer.
Decido sair da sala e ir a biblioteca. O sinal não toca. As quartas feiras sempre são assim.
A quadra abre na terça e na quinta e nos outros três dias o intervalo parece uma eternidade.
Mais cedo eu fui na biblioteca e com a sensação ruim de saber da palestra. Eu tinha a minha mesa especial naquela enorme biblioteca.
A mesa solitária onde tinha estantes empoeiradas.
Entro na biblioteca. E as pessoas ainda estão aqui lendo. Ignoro eles passando direto e vou até meu lugar silencioso. Eu simplesmente amo o cheiro de livro.
Ignoro minha alergia e um possível espirro quando me aproximo da mesa. O cheiro de livros misturado com poeira. Meu lugar abandonado no meio de um paraíso.
Suspiro, sento na cadeira olhando para cima, o som do silêncio invade os meus ouvidos. Posso escutar até um zumbido. Presto atenção no meu desabafo de mais cedo.
Como se não bastasse minhas dúvidas de profissão eu ainda tive que escrever o desabafo na bendita mesa. Ninguém vai ver mesmo.
Pisco duas vezes quando reparo em uma letra torta em baixo do que escrevi. Coço os olhos, meu coração acelera, me forço a ler umas três vezes o que está escrito.
"Relaxa. É normal ter dúvidas. Somos só jovens buscando nosso melhor e no dia certo você vai descobrir com o que se identifica."
— Não, não, não. Isso definitivamente não tá acontecendo — falo rápido e vou me afastando aos poucos. A cadeira range no chão.
Alguém veio aqui
Estiveram no Meu lugar preferido
Invadiram meu espaço
Mas quem viria até aqui além de mim?
— Droga, Raíssa. Deixa de ser burra — sussurro arrependida de ter escrito isso — Não posso deixar essa pessoa me ver. Invadiram meu espaço. Só eu posso ficar aqui.
Tento apagar o que escrevi esfregando o dedo com força na mesa. Não consigo. Sem sucesso. O que me deixa melhor é o fato de essa pessoa não saber quem sou.
É só uma frase qualquer que alguém escreveu. Simples. Não vão ter como me descobrir. Iria odiar tratar de assunto sério como esse.
Totalmente sem sentido manter uma conversa através de frases escritas em mesas de biblioteca.
Aquela letra não me parece familiar. A caligrafia nem um pouco bonita como a minha. Deve ser uma pessoa que nunca treinou com caderno de pauta dupla.
O sinal finalmente toca e me levanto em um pulo. Eu vou ter que voltar a ver aquele povo da minha sala. Eles que são tão diferentes de mim.
E bom... Não seria má ideia ter amigo imaginário agora
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