Capítulo 17
📚 Milena Louise 📚
Fala sério, Milena
Não devia ter chamado Raíssa.
Não devia ter chamado Raíssa.
Não devia ter chamado Raíssa.
Eu digo mentalmente e tento agir normalmente, não quero deixar meu nervosismo transparecer na frente dela, preciso fingir estar a vontade.
Liana está andando de mãos dadas com Manoela e vez ou outra, contando com a décima vez agora, ela olha para trás e pisca o olho para mim.
— Vai em frente, Lila — sussurra bem baixinho e eu entendo por leitura labial.
Manoela não percebe nada e continua andando e falando.
Liana quer que eu comece com o plano de “investigar Raíssa”.
— Para de falar — eu sussurro.
Raíssa olha para mim.
— O que foi? — ela pergunta.
Eu começo a tossir, aperto os olhos e cruzo os braços enquanto tento fazer um sorriso convincente. Então, Liana para de andar só para olhar para trás rindo e Manoela fica sem entender nada.
— Não sabe nem disfarçar — sussurra novamente.
— O que aconteceu? — Manoela ri tentando entender.
— Depois precisamos dar aulas grátis para Milena — faz uma pausa dramática e grita em alto e bom som — Para ela aprender a ser uma boa atriz.
Eu sinto minhas bochechas esquentarem e isso indica que podem estar vermelhas.
Fala sério, Milena
— Não foi nada, Raíssa — sorri forçado — Ela só tá exagerando.
Liana puxa a mão de Manoela e, antes que eu possa raciocinar, um vento forte começa enquanto passamos perto de um pé de jambo.
O vento faz poeira e muitas folhas caírem e voarem alto, quase como se fosse possível ver redemoinhos se formarem no meio da rua.
O vento quase me leva e acabo me agarrando em Raíssa.
Rindo alto e com fios de cabelo rosa se apregando em seus lábios, pois o seu cabelo está arrepiado por causa da ventania, agarra a minha mão, cruzando nossos dedos, para nos proteger
Tento ver se as meninas estão perto, mas não consigo ver nada que não seja os redemoinhos de poeira se formando na rua.
Fecho os olhos e escuto Raíssa rindo, sua risada abafada, o meu boné sai voando e ela corre para pegar.
Observo sua “incrível agilidade” de alguém que sabe o que está fazendo.
O boné fica no meio de um monte de folhas que, por um milagre, finalmente estão se espalhando pelo chão e os redemoinhos de poeira estão sumindo.
Ela vem correndo e pegando na barriga. Tenho a impressão de ter achado tanta graça que ficou com a barriga doendo.
Para na minha frente respirando fundo.
— Aqui o seu boné, Petúnia.
— Obrigada, senhorita, por sua “incrível agilidade” para salvar ele.
— Relaxa. Foi fácil.
Observo o boné e faço uma careta. Decido brincar um pouco.
— Acho que não salvou o suficiente.
— Por que?
— O boné ficou cheio de poeira e folha, então se eu estou te devendo uma peruca nova, você também fica me devendo um boné novo.
— Assim não vale, Petúnia.
— Vale sim. Você tem perucas maneiras e não precisa de uma peruca nova.
— E você precisa de um boné novo?
— Claro que preciso.
Tento piscar o olho para Raíssa e continuo brincando.
Volta a pegar na barriga sem se importar em usar alguma desculpa esfarrapada, fazer uma brincadeira, ou algo do tipo.
Simplesmente fica quieta de repente e ajeita o cabelo.
Parece estar incomodada ou sem vontade de soltar seu jeito brincalhão e cheio de argumentos.
— Eu com os populares de novo — deixa escapar.
— Como assim? — sorrio — Você com os populares...
— Eu quis dizer... — morde o lábio e se afasta — Que não sou como você, Lila, e nunca serei. Então é estranho estar aqui no grupo dos populares.
— Entendi — me aproximo dela — Não precisa achar estranho. Só vamos nos divertir.
— Como não achar estranho? — olha para mim — Sinto que perdi o caminho para terra dos sem noção e estou sendo oficialmente... Uma nova moradora da terra dos perfeitinhos.
— Só existe essas duas terras na mente do Cabeção e do Formiga — seguro a risada — Aqui só existe uma terra e eu sempre estou disposta a receber novos integrantes.
— Mas que merda — reclama — Caramba, garota, para de ser sempre perfeitinha.
— Não estou sendo perfeitinha — pego nos ombros dela — Você acabou de estragar o clima.
— Que clima? — engole em seco e olha nos meus olhos.
— Eu querendo te dizer uma coisa bonitinha e você vem com xingamento — encaro seus olhos e um sorriso brinca nos seus lábios — O que foi? Você quer esconder seu lado fofo?
— Eu nunca fui fofa. Não tenho esse lado — continua fazendo contato visual e em nenhum momento desvia o olhar.
— Tem sim — suspiro criando coragem — O seu lado fofo de ler fanfic no meio da aula, um romance sáfico clichê, deve ser um daqueles romances água com açúcar, né?
O sorriso some de seus lábios e vejo seu rosto ficar vermelho.
Depois acaba com o contato visual.
— Desculpa...
— Tarde demais, Milena.
Raíssa dá um passo para trás e eu sinto o arrependimento chegando.
Não acredito que fiz isso
Eu e minha boca grande, eu e meus pensamentos, eu e meu jeito impulsivo nas horas erradas.
— Só vou te desculpar se você me pegar primeiro.
Ela me empurra e sai correndo pela rua, eu fico parada sem reação enquanto tento procurar uma boa desculpa, mas falho na tentativa.
— Tá muito lenta, Milena. Vai perder sua oportunidade de segunda chance.
Seus gritos me despertam e começo a correr sem pensar duas vezes, meus pés parecem que criam vida própria, o pé de jambo fica para trás junto com aquela conversa reveladora.
Liana e Manoela aparecem no meu campo de visão. Elas estão na calçada da casa de Jonas e Ruan, porque os dois moram perto um do outro.
Alcanço a garota antes de chegarmos na rua dos meninos, puxo ela pela cintura e ainda estou com raiva de mim mesma por ter falado demais.
— Desculpa aí, jogadora. Eu precisava de um pouco de adrenalina.
— Você precisava era fugir da conversa.
Ela dá de ombros.
— Mereço uma segunda chance?
— Talvez.
Eu entendi seu plano, Ray. Quer mudar o foco da conversa
Espertinha.
— Suas amigas estão logo ali — aponta distraída e vamos andando.
— Chegaram — Manoela diz — Achei que tinham se perdido junto com a ventania. Esse parque sai hoje ou não?
Liana abraça Manoela por trás.
— Deixa de ser chata, amor — beija a bochecha dela — Ainda temos tempo, Lila. Relaxa.
— Pois é. Para de ser chata, Manu, fica interrompendo nossa diversão aqui —digo brincando e aponto para mim e Raíssa.
Lembro de mais cedo quando joguei o travesseiro nas meninas e Manoela disse que eu estava interrompendo o namoro delas.
— Toma — Liana bate de leve na boca de Manu — Falou o que não devia e escutou o que precisava.
— É fã ou hater, amor? — faz um biquinho — Me defende.
— Sou sua fã, minha linda — ri — Mas dessa vez posso ser hater.
— Para de graça — bate em Liana — É para me defender.
Nossas idas ao parque são sempre assim.
Todo ano.
Manoela grudada na namorada e se divertindo ou brigando, como se estivessem no seu próprio mundinho, esquecem do resto do grupo.
Isabelle não está aqui. Se estivesse... Com certeza estaria agarrada no Ruan e nós quatro, junto com Jonas, iríamos estar andando do lado um do outro e os carros iriam passar bem perto da gente.
A gente anda sem se importar com os carros
Corremos muito.
Por isso nem vale a pena eu me maquiar, pois sei que vou ficar morrendo de calor e com a maquiagem borrada.
Ruan guarda o celular no bolso da calça e sai da calçada.
Ele encara Raíssa e quase enxergo um sinal de interrogação se formar na sua testa.
— O que ela tá fazendo aqui?
Sinto que ele pensa em perguntar, mas continua em silêncio.
Jonas me abraça e sinto o cheiro forte do seu perfume.
— Tudo bem, Milena? — ele pergunta — Boa tarde, Raíssa.
— Que boa tarde o que? — ela empurra Jonas — Quanta formalidade.
— Ah... É verdade — ele pega no pescoço meio envergonhado — Tem toda razão, Raíssa. Estamos nos ajudando para juntar a turma.
Ruan revira os olhos.
— Não é isso não — Liana vem em meu socorro antes que a situação fique mais embaraçosa.
Ray e Jonas se entreolham.
— Ray é nossa colega de sala e é muito bem-vinda no nosso grupo — completa — Não precisa de formalidades.
Sim, mas a ideia de chamar ela partiu completamente de você
Penso nisso e o plano volta com tudo para minha mente.
Saber se Ray está escrevendo as cartas.
Ah meu Deus. Tudo menos isso, por favor.
Chego próximo a ela e sussurro:
— Os meninos não sabem das suas qualidades.
— Eles não interessam. Não preciso provar nada para ninguém.
— Mas suas qualidades de gostar de crianças...
— Fazem parte de quem eu sou. As pessoas descobrem com o tempo.
— Só que...
— Relaxa. Tá tudo bem.
Me garantiu no final e eu só conseguir pensar que a maioria dos alunos da escola podia gostar dela.
A “esquisita” da escola é uma pessoa muito legal e bem aleatória. Faz parte da sua personalidade.
— Isabelle não vem mesmo — Ruan verifica a tela do celular — Não mandou nenhuma mensagem.
— É típico dela — respiro fundo — Isabelle não sabe resolver problemas.
— Não tem nenhum problema para resolver — ele comenta com as sobrancelhas franzidas — Tem algum?
— Não, imagina, nenhum — meu tom de voz irônico faz todos prestarem atenção na gente.
— Não começa, meu amor — pede — Por favor. Já conversamos e ficou tudo certo.
— Ficou? Tudo certo para quem? — arqueio as sobrancelhas — Porque eu só percebi que sua namorada tem alguns problemas familiares e precisa resolver.
— Problemas familiares? — ele fica interessado.
— Tá vendo só? — sopro um riso — Se nem você sabe dos problemas da sua namorada, eu é que não vou falar.
Isabelle tem inveja de Livian e se torna ainda pior quando sabemos que são irmãs
Esse é seu problema
— Vamos gente — puxo Jonas e Raíssa e não espero pelos outros.
Ruan nos acompanha ficando atrás e seus passos se assemelham a uma tartaruga andando devagar, continuo na frente acompanhada deles e não me atrevo a encarar a carinha triste do meu amigo.
Estamos nos aproximando da Bilheteria e a fila não está muito grande, isso é um milagre.
Horário
17h
Já são cinco horas da tarde e estamos dentro do parque, observo crianças chegando e elas ficam admiradas com os olhos brilhando de felicidade, olham para tudo.
É bonito ver as crianças felizes.
Vendedores de algodão doce, maçã do amor, pipoca e muito mais vendedores de tudo, tudo mesmo, passam por nós e deixam um cheiro doce pelo ar.
Tem gatos correndo pelo parque e se escondendo das pessoas, com medo, e eles ficam ainda mais fofos assim.
Sinto vontade de proteger os gatinhos
— A selfie em grupo que não pode faltar — Manu diz tirando a câmera fujifilm instax mini 11.
Raíssa passa o braço ao redor do meu pescoço e tenho a impressão dela estar tensa, como se estivesse fingindo.
Balanço a cabeça e forço um sorriso, nada convicente, para tentar apagar essas dúvidas da minha mente.
Lia, seu apelido carinhoso, aperta as bochechas da namorada e elas abrem um sorrisão para câmera.
Jonas e Ruan inventam de pular bem na hora.
— Vamos lá — Jonas se prepara e faz a contagem — Um, dois, três...
Eles pulam em sincronia e dizemos juntos:
— Xis xis xis.
E tiramos a foto.
Ray se afasta um pouco, mas antes que possa ficar mais longe, eu percebo que seu corpo se arrepia.
— Você tá incomodada com algo? — eu pergunto sem conseguir me conter.
— Milena — sua voz rouca me desperta e entendo que não está tudo bem.
Faço careta ao escutar sua voz e deixa um gosto amargo na minha boca, tipo como... Um desconforto, um incômodo, como se passasse para mim algo ruim.
Ray não está sendo ela mesma.
Estamos no mesmo lugar, prestes a brincar nos melhores brinquedos, respirando o mesmo ar. Mas não acho que fiz certo.
Péssima ideia convidar nossa colega de sala
Que nem é desconhecida.
Só que continua sendo uma péssima ideia
Como vou agir normalmente com ela assim?
Nenhum aluno gosta dela.
Esse deve ser o motivo para ela estar estranha por ter sido convidada para ir no parque com os populares.
Só que Ray é orgulhosa
Ela odeia ficar na defensiva ou ficar por baixo e nunca admitiria que esse é o problema.
— Eu...
Sou interrompida por um balão rosa que aparece bem na nossa frente, um outro balão vermelho surge logo em seguida, e só tenho tempo de tentar evitar um grito de susto.
A pessoa, especificamente uma garota, tira os balões da nossa cara e abre um sorriso bonito.
O sorriso dela se assemelha a raios de sol radiantes, brilhantes
Um sorriso inocente de criança
Me transmite um tipo estranho de paz.
— Que surpresa — são suas primeiras palavras — Todo mundo aqui reunido. Milena Louise e Raíssa Valentina.
Nossos nomes escapam facilmente dos seus lábios e sua voz indica que teve uma certa satisfação ao dizer os nossos nomes.
Suspeito
Muito suspeito
— Quem é você? — Lia olha desconfiada para garota.
— Adriana, prazer — se apresenta e solta os dois balões — Podem me chamar de Drica — acompanha os balões voando e indo embora.
— Filha da professora Cora — Ruan completa com a expressão divertida — Eu já te vi pela escola.
Drica bate palmas animada e eu tomo outro susto.
Ray encara Drica como se ela fosse de outro planeta, quase sendo possível ver o julgamento no seu rosto.
Só que eu sei que não é um julgamento, tipo, “que garota doida” ou coisa assim, não é esse.
— O que? A professora Cora tem uma filha? — Manoela ficou boquiaberta — Explica essa história direito.
— Eu nem sabia — comento e Ray concorda comigo.
Noto que Liana e Jonas estão com as pupilas dilatadas, tamanho o espanto diante da notícia.
— Dexovê — diz confusa e depois confirma — Sim, uai, eu sou a filha
da professora Cora.
Vamos começar pelo lado mais fácil, o fato de Drica ter o cabelo verde curtinho acima dos ombros traz um ar de garota estilosa misturado com coragem. O seu penteado é de dois coques.
Uma franja cai sobre seus olhos.
Um lindo colar de diamantes brilha no seu pescoço, tenho medo de tocar no colar e o fazer desaparecer, porque ele não parece ser real.
Meu Deus
Sua roupa não é igual as roupas das outras pessoas, ela usa duas blusas, uma blusa de mangas compridas da cor verde e outra blusa branca por cima, calça jeans rasgada e um tênis amarelo.
— Por que estão me olhando assim? — estrala os dedos chamando a nossa atenção.
— Nada não. Só estamos processando a informação — eu respondo — Você é mineira por acaso?
Eu mudo de assunto.
Nesse momento noto a presença de um anel pequeno no seu dedo, é um anel de sapinho verde.
Ela observa o anel com um olhar meio... Apaixonado?
Beija o anel e limpa a garganta.
— Sou mineira não, sá. Bem que queria ser de Minas Gerais. Tenho um amor muito grande por Minas.
— Me chamo Liana, ela é a Manoela, minha amiga aqui é Milena, eles são Jonas e Ruan e por último...
— Eu sei. Conheço todos ocês de vista. Essa aqui é a Raíssa Valentina, expert em matemática.
Raíssa nega rapidamente.
— Não, não, não. Não sou expert em nada.
— Ah, então eu estou me enganando. Ano passado ocê era a melhor aluna da sala.
— As coisas mudam, né?
— Te vejo sempre quietinha pelos cantos ou provocando Formiga e Cabeção.
— Caramba. São eles que provocam.
— Eu sei. Esses meninos são chatos.
Eu sinto cheiro de pipoca e sinto minha barriga roncar.
— Estou com fome. Vamos comprar pipoca. Vocês querem?
— Compra lá para mim.
— Eu não vou comprar nada, Ruan. Quer comer pipoca? Então vai lá e compra. Já é bem grandinho.
— Calma, meu amor.
— Para de me chamar assim.
Drica fica com um pouco de medo.
— Calma, pessoal. Acabei de chegar e ocês já vão embora? E se eu dissesse que esse ano tem atrações novas no parque?
— Atrações novas?
— Sim sim... É... Manoela, né? Eu estou responsável de mostrar essas novas atrações.
— Mostrar para todo mundo? Então por que escolheu a gente primeiro?
— Bom, eu quero ajudar ocês agora, uai. Não é uma regra. A primeira atração é uma garota que sabe tocar, sabe cantar e eu mal posso esperar para o dia que o mundo inteiro descobrir seu talento.
— Onde tá essa garota?
— Logo ali, Milena Louise. Certeza que vão gostar.
Por que ela faz questão de dizer meus dois nomes?
E também faz a mesma coisa com Raíssa?
Suas palavras parecem ensaiadas, minha intuição me avisa que Adriana está escondendo algo ou apenas quer fazer amizade, não sei.
Talvez queira socializar
Algumas pétalas pequenas passam voando e conheço por serem pétalas da flor de dente-de-leão.
Adriana fica maravilhada a ponto de pular para pegar as pétalas, ela é muito elétrica. Uma eterna criança feliz.
Acho bonito seu jeito fofo.
Meus amigos riem sem entender nada.
— Ah, eu adoro dente-de-leão! — exclama — Trazem a sensação de delicadeza e de vida. Quem quiser assistir a apresentação vem comigo e quem quiser pipoca... Fiquem a vontade.
As meninas levantam a mão junto com Ray e Ruan.
Bufo em resposta porque estou com fome.
— Vai lá, Lila. Eu pego sua pipoca — Jonas sugere.
— Obrigada mesmo — agradeço desanimada.
— Que rufem os tambores — Drica faz suspense — Fechem os olhos, dêem as mãos e me sigam.
Quanto mistério
— Eu vou na frente — minha convidada levanta o queixo com certo orgulho e entrelaça os nossos dedos, depois pega na mão de Drica.
Os outros três fazem o mesmo.
Andamos devagar de olhos fechados sendo guiados e vez ou outra, contando com a quarta vez agora, alguém pisa no meu pé sem querer.
— Sejam bem-vindos a primeira atração — avisa fazendo mais suspense — Essa é Livian Alves, minha amiga e a melhor cantora do mundo.
Meu coração acelera muito quando abro os olhos e me deparo com a seguinte cena: Livian Alves sentada em uma cadeira, um pequeno público de pessoas ao seu redor, um copo de alumínio no chão.
Ela segura um ukelele pintado com uma pintura linda, a pintura de starry nigh de Van Gogh.
O ukelele simplesmente é pintado.
Pisco atônita, maravilhada, perplexa, apaixonada e sentindo borboletas no estômago.
Gostar da garota errada faz parte, mas isso dói e dói muito
Livian Alves está esplêndida.
E eu só consigo admirá-la de longe.
No meio daquele público.
Adriana assobia e bate palmas para incentivar.
— Linda. Maravilhosa — ela continua assobiando — Só não conquistou o mundo ainda porque artista faz é assim. Primeiro: ser misteriosa e segundo: se amostrar a dona do talento.
Livian fica corada. Encara o pequeno público e começa a falar:
— Olá, senhoras e senhores, jovens e crianças. Estão a fim de escutar música, hein? Lô Borges que tal, hum? 1972.
Todos ficam na expectativa.
Livian começa a tocar uma melodia que não conheço de início, se concentra totalmente entregue aquele momento e canta baixinho:
— Vento solar e estrelas do mar. A terra azul da cor do seu vestido. Vento solar e estrelas do mar. Você ainda quer morar comigo.
Sua voz é tão linda que seguro um choro que está preso na garganta. Eu não posso beijar Livian.
Não posso beijar...
Eu e Livian nunca vai acontecer...
Ruan assiste o show e sua expressão de raiva deixa nítido o quanto aquilo pode ter afetado ele.
Parece que ele não gostou de ver sua ex namorada mostrando seu talento.
Ela continua cantando com bastante sentimento.
— Sol, girassol, verde, vento solar. Você ainda quer morar comigo.Vento solar e estrelas do mar. Um girassol da cor de seu cabelo.
— Se eu morrer, não chore não. É só a lua. É seu vestido cor de maravilha nua. Ainda moro nesta mesma rua. Como vai você? Você vem? Ou será que é tarde demais?
Já estou sentindo a vista embaçada e sei que estou emocionada, no dia do ônibus quando nos encontramos por acaso, ela disse que iria se inscrever no concurso de ukelele.
Porém, nunca tinha presenciado ela tocando e cantando. Isso é inédito. Odeio ficar vulnerável na frente dela e ainda precisar disfarçar o nervosismo.
As meninas aplaudem e Ruan permanece com raiva.
No meio de toda expectativa e emoção eu acabo esquecendo de Raíssa que observa tudo.
— Caramba. Quanto talento — comenta distraída.
— Ela arrasa — digo com uma certa rouquidão.
Supera, Milena. Supera. Supera.
Você precisa superar.
Limpo o rosto antes que a cena fique mais vergonhosa. Chorar não vai resolver nada. É melhor parar logo.
Liana me surpreende com um abraço forte carregado de companheirismo, minha expressão séria deve indicar alguma coisa, pois ela parece querer me apoiar.
— Eu estou aqui, viu? — sussurra — Conte comigo sempre.
— Do que tá falando, Lia? — forço um sorriso.
— Você sabe, Lila. E se não sabe... Vai descobrir em breve. Só saiba que eu estou aqui para te apoiar sempre, viu? Confia em mim. Eu te aceito e te amo.
A garganta fica apertada diante das suas palavras de incentivo.
Oi???
Me aceita?
Será que eu deixei claro meus sentimentos por Livian?
Só estou esperando o momento certo para contar para elas e para meu irmão, Jorge.
E conforme escutamos o barulho da barca, dos carrinhos de bate bate, da roda gigante, do samba e de tantos outros, a melodia da música termina e o copo de alumínio fica cheio de notas de cinco reais, dez reais, vinte e algumas moedas.
— Valeu, pessoal. Até a próxima.
Drica e Livian se cumprimentam e comemoram as primeiras conquistas, o dinheiro conquistado.
— A filha do americano veio prestigiar o meu show — troca olhares com Ruan e muda de vista rapidamente.
— Você foi muito bem — digo — Não esperava isso tudo.
— Tantos elogios me deixam tímida, tá? — pega no meu ombro.
— Só estou elogiando agora — eu me defendo sem graça.
— E os elogios na biblioteca? Sobre eu ser incrível e tudo mais? Esses elogios não contam? — fica corada de novo igual um pimentão.
Livian Alves encabulada é novidade para mim
— Fale baixo — peço conferindo para ver se ninguém escutou.
— Desculpe — sopra um riso — Drica vai grudar em vocês, sabe? Ela é assim. Sua presença é importante. Só não é amiga dela quem não quer mesmo.
— Então Drica não é... — mordo o lábio — Sociável? Ou tem dificuldade para se enturmar?
— Negativo. Vamos dizer que ela sabe se enturmar até demais — assopra um fio de cabelo que desce por sua testa — Sua melhor qualidade é ser sociável e muito companheira.
Um senhor se aproxima com uma câmera.
— Boa tarde quase boa noite, mocinhas — diz gentilmente e ajeita o óculos — Aceitam uma foto? Me ajudem com meu trabalho.
Livian não pensa duas vezes antes de entregar um dinheiro para ele.
— Obrigada, moça. Que Deus abençoe vocês. Formam um lindo casal.
Quase engasgo e preciso de tempo para absorver.
— Não somos um casal.
— Exatamente, mas se o senhor acha isso, obrigada pelo elogio.
Encaro ela sem conseguir esconder minha cara de choque.
Mais um sinal sobre: E se ela realmente gostar de meninas?
Preciso parar com essa mania investigadora. Estou doidinha
— Perdão. Perdão. Preparadas?
Concordamos quando nos posicionamos para a foto.
— Pronto e agradeço de novo. Aqui está a foto.
O senhor sai feliz da vida e contando o dinheiro que estava conseguindo.
— A foto é sua. De presente — ela me entrega.
— Você quem quis tirar — não consigo evitar e me arrependo na hora.
— Tudo bem — se afasta — Eu que quis tirar. Estava pretendendo deixar a foto com você.
Que fofa.
Muito aleatório.
Essa noite vai ficar marcada, não sei por que penso isso, mas é um bom sinal. A minha intuição não me deixa dúvidas.
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