Dezesseis - Especial Pili
Sinto muita falta das crianças, mas viver na floresta me deu uma nova confiança.
Não aprendi muita coisa sobre os poderes, mas aprendi com a simplicidade desses seres.
Os magos vivem com pouco. Tudo o que possuem vem da floresta. Usam seus feitiços apenas em ocasiões especiais ou necessárias.
Eles podem viver como poderosos, mas escolheram o reflexo de uma vida humana. Se ajudam, dividem tarefas e conquistas.
Ragok é assim. Barak é assim.
Aliatra é assim. Ela mudou.
Eu também mudei. Por mais que sinta falta das crianças, sinto que finalmente encontrei meu lugar.
Sou grato pelos Batea. Sem eles, não teria vivido com Haiti nem ajudado todas aquelas crianças.
Mas é graças a tudo o que aconteceu com a Ali que eu me encontrei. Sem ela eu não subiria a montanha. Nunca tive essa coragem sozinho.
- Deixa que eu seguro! - estendo os braços na direção de Barak, que tenta mover sua cama sem derrubar as cobertas. Prefere a cama perto da janela. Disse que gosta de dormir olhando para as estrelas e ser acordado pelos primeiros raios de sol.
Ele ficará em minha casa enquanto a sua própria não fica pronta. É claro que não estamos sozinhos. Dihdre e Heir não se foram desde que partilhamos aquela refeição com os Magos. Fico feliz em ter a família de Ragok aqui. Observo e aprendo com eles a cada segundo.
- É pesada! - Barak sussurra. - Não se importa mesmo que eu fique aqui, não é?
Nego com um gesto e arrumo as cobertas sobre a cama.
Barak é o que mais me surpreende a cada dia. Ele tem todas as razões para ser amargo, mas está sempre contemplando as pequenas graças que recebe.
Barak me faz entender o que é ser grato por algo que você jamais imaginou receber e também a valorizar as pequenas graças que já temos.
- Pode ficar aqui o tempo que quiser. A casa vive cheia, a família de Aliatra está sempre por aqui, mas se não se importar com isso, pode ficar. - garanto.
Ele dá de ombros, senta na cama e observa a movimentação dos magos lá fora.
- Passei tanto tempo só ouvindo choro e lamentação... Todo e qualquer som agora é maravilhoso para mim.
Me aproximo e sento ao seu lado. Barak não se move, permanece contemplando a constante movimentação de seu povo.
- Imagino como é difícil esquecer tudo o que passou.
- Esqueço fácil quando olho ao redor e vejo todos tão livres quanto eu. Ou quando vejo Aliatra com Ragok. Agora é mais fácil esquecer. - ele confessa.
Nem mesmo minha infância nas ruas do Xiador pode ser comparada ao que Barak sofreu nas mãos de Nigde. A cada dia entendo melhor o que Ragok sente em relação a ela. E sinto cada vez mais por minha amiga passar por tudo isso.
- Nós somos fortes, sabe. Pagamos muito caro pelos erros dos nossos antepassados. É maravilhoso ter alguém que esteja disposto a lutar para que possamos viver de forma dígna. - ele sussurra, parece melancólico. - Eu só queria que meu amado estivesse aqui. É difícil não poder dividir a alegria dessa nova vida com ele.
Penso em Haiti. Sempre foi difícil dividir qualquer coisa sobre esse mundo com ele. Haiti não suportava sequer ouvir o nome de Aliatra. Ele nem a conhecia.
- Posso imaginar como se sente.
Uma movimentação alegre se forma no meio dos Magos. Aliatra está correndo entre eles, com Daikin no colo. Aparentemente, boa notícias chegaram. Os magos erguem as mãos e seus pés deixam de tocar o chão. Pode-se ouvir um canto alegre, sem palavras, ecoar pela floresta. Aliatra, com eles, fecha os olhos e aprecia a fina garoa que cai sobre a comemoração.
- Kairon concordou com o ajuntamento, sem dúvida. - Barak confirma meus pensamentos.
- Quero aprender a voar - sussurro.
Barak se vira para me olhar. Sua aparência não me causa espanto. Não mais. Ele possui uma alma linda, que sobressai em todas as suas cicatrizes.
- A Ali ficou de me ajudar, mas desde que cheguei ela não teve muito descanso. - explico.
- Não é difícil. Eu precisei aprender um feitiço, por causa do meu tipo de Anśa. Você não vai precisar de muito. Anśa natural costuma ser puramente emotivo. É muito raro conhecer um sublime de Anśa natural que não seja pura emoção. - Barak me explica. - Foi o que Arva me ensinou.
Anśa natural está ligado as emoções.
- Tente fechar os olhos e ouvir a floresta. - ele indica.
Obedeço. O canto de alegria dos magos reverbera em meus ouvidos e enche meu coração. Neste momento, ainda ecoo as palavras de Barak sobre seu amado.
Meu desejo era que Haiti fosse compreensivo. Que me apoiasse. Que aceitasse minha ascendência sublime. Que me amasse exatamente como sou.
Isso, infelizmente, está muito longe de acontecer. Nós dois não temos mais essa chance.
Abro os olhos.
- Não consigo. - admito.
Barak coloca a sua mão na minha, sussurrando algumas palavras que não reconheço.
Em um segundo estamos sentados na cama, no outro já não sinto meus pés no chão. Nem Barak está. Ele, com suas palavras de feitiço, está me fazendo voar.
Seus olhos brilham de um jeito terno e quando passamos pela janela em pleno voo, tento entender o que o motiva.
- Meu amado não esta aqui, mas isso não quer dizer que eu não possa compartilhar as alegrias dessa nova vida com os que me rodeiam. - ele sussurra, subindo a mão pelo meu braço até meu cotovelo.
As palavras dele me fazem sorrir. Meu peito se enche de alegria. Em pleno voo, nos juntamos a comemoração dos magos.
Me sinto digno de estar aqui. Sinto que pertenço a eles.
Tudo o que eu poderia fazer pela minha relação com Haiti, fiz. Agora preciso fazer por mim.
De braços dados com Barak, me permito ser sublime.
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