Você é uma vergonha como um Deus
Ache-os…Ache-os…Ache-os…
Uma ardência em meu pescoço me fez acordar e me deparar com aqueles olhos vermelhos que não paravam de me encarar. Só depois de um tempo perdido em seu olhar penetrante que me dei conta de que estava deitado em seus braços. Levantei as pressas empurrando ele para o lado enquanto tentava me recompor, mesmo com as minhas bochechas queimando mais que meu pescoço pela vergonha que eu estava sentindo.
— Q-quem é V-você? — perguntei depois de me afastar um pouco dele — Porque está me perseguindo? — falei em seguida, já que o mesmo se mantinha em silêncio.
Ele apenas me encarava sem dizer nada. Estranhamente, ele estava encobrindo o seu pescoço com a sua mão esquerda. Um leve brilho escapou por entre as brejas de seu dedo, mas que logo foi se apagando. Por coincidência, a ardência que eu estava sentindo se foi depois disso.
— O que significa essa marca em seu pescoço? — Ele resolveu quebrar o silêncio que se alastrou por um tempo. — Como você a conseguiu?
Mesmo não tendo uma razão para respondê-lo, fiquei curioso para saber o motivo de sua pergunta, pois até então, ninguém havia me questionado ou não deram a mínima sobre a marca em meu pescoço.
— Isso? — Coloquei a mão no meu ombro apontando para o desenho do pássaro de fogo — Isso é apenas uma marca de nascença. — Encarei diretamente em seus olhos — Porque a pergunta? — Não precisei que ele respondesse. Assim que tirou a sua mão que encobria o seu pescoço, notei a mesma cicatriz marcada no mesmo lugar que a minha. — Porque você também tem essa marca? O que isso quer dizer?
— Eu ia te fazer a mesma pergunta — respondeu ríspido. — Isso deve ser apenas uma coincidência. Não é nada que me ligue a um Deus idiota que nem você.
— O que foi que você disse? — Falei irritado por ele ter me insultado.
— Eu disse que você é um idiota, atrapalhado, e que não presta nem para derrotar alguns simples humanos. — O seu tom de deboche me tirou do sério.
— Olha aqui, você sabe com quem está falando!? — Fiz com que saísse chamas intensas nas minhas mãos. Se ele ousasse me deixar ainda mais irritado, iria se arrepender. — Você é apenas um…
Bastou eu piscar meus olhos para ele desaparecer de minha frente. Olhei ao redor à procura do mesmo, e tudo o que eu vi foi as minhas chamas se apagando sozinhas, sem que eu fizesse nada.
— " Um semideus "? — Me assustei quando escutei a sua voz na minha retaguarda — Posso ser um semideus, mas garanto que sou bem melhor do que você ou "gente da sua laia". — Assim que me virei para confrontá-lo, o mesmo já havia fugido.
Quem era ele?
Só depois de muito refletir, lembrei-me do motivo de estar ali, e me desesperei por não encontrar o humano que eu tinha que eliminar. O local estava todo em ruínas, com várias cinzas de humanos espalhadas por todo ele.
O meu alvo estava entre eles?
Eu não saberia dizer. Me pergunto, como é que vou explicar isso para o meu pai e meus irmãos, que com certeza já esperavam que eu falhasse.
Sem motivos para permanecer nesse lugar, voltei o mais rápido possível para o Olimpo, ainda sem ideia do que eu iria dizer. Assim que cheguei, encontrei a Méli discutindo com a nossa irmã Zoi. Ambas estavam com os seus semblantes muito sérios.
— O Pai nos aguarda no grande salão — Méli veio ao meu encontro — E ele não está nada contente. — disse ao passar por mim.
Já até imagino o porquê.
Era certo que eu iria levar uma bronca do meu pai e ser mais uma vez humilhado pelos meus irmãos. Não tendo muita escolha ou escapatória, me direciono para o grande salão sob os olhares da Zoi, que me olhava fixamente de uma forma estranha.
Chegando no grande salão principal, todos já estavam sentados em seus respectivos assentos, menos o soberano do lugar que sempre gostava de ser o último a chegar. Minha mãe já foi logo pedindo para que eu sentasse logo e esperasse o meu pai chegar. Enquanto me direcionava para o meu assento, não pude deixar de notar os olhares de desdém dos meus irmãos ao me fitarem. Não dei a mínima,pois já era acostumado com eles se achando superiores a mim ou a qualquer outro ser. Mas um dia, eu ainda iria fazer com que eles se arrependessem de serem tão arrogantes.
Após um momento de espera, o deus dos deuses chegou no recinto com a sua face neutra. Estava difícil saber o quão irritado ele estava. Assim que se sentou, assumiu uma postura rígida, e depois que encarou todos os seus filhos um por um, terminando,claro,em mim, respirou fundo. Agora o seu semblante demonstrava o seu descontentamento e a sua…decepção?
É possível que meu pai realmente acreditasse em mim?
— Theóforos, como foi com os Titãs?
— Obtivemos sucesso em mostrar para eles o quanto que nós somos poderosos. — Um sorriso de vitorioso expande em sua face — Foi muito fácil. Eu mesmo lutei contra dois deles e venci. Os outros…— olhou rapidamente para os outros irmãos — até que lutaram bem.
— Excelente! Sabia que eu poderia contar com você para lidar com a situação. — Eu invejava a confiança que meu pai tinha nos meus irmãos. Queria ser elogiado por ele um dia, provando que eu também mereço ser digno de sua confiança. — Zoi, e quanto a você?
Estranhamente, minha irmã ficou quieta por um instante, parecendo evitar de olhar diretamente nos olhos de nosso pai. O seu semblante era de alguém que escondia algo, e de fato escondia. Ela não desconfiava que eu sabia do seu maior segredo, que tentava manter escondido a sete chaves. A Zoi recebeu a missão de vigiar o Deus do submundo, porém, o que ela gostava mesmo de vigiar, era a esposa dele, Perséfone. Ambas se envolviam amorosamente sempre quando podiam, escondidas das vistas de todos. Quando se travava da Deusa do submundo, a minha irmã, a grande Deusa da Vigia como ficou conhecida por não deixar nada escapar de seus poderosos olhos, ficava completamente cega por ela.
— O-o Hades continua sob controle, meu pai. — disse ela, com a voz um pouco trêmula.
— Muito bem, minha filha. Continuei monitorando ele, não deixe nada escapar.
— Sim, meu pai.
Com todos recebendo elogios pelos êxitos em suas missões, fiquei ainda mais apreensivo por ser o único que falhou em cumpri-la. Pensei em inventar alguma desculpa para sair o quanto antes daquele lugar, porém, até nisso falhei. Meu pai já se apressou em chamar a minha atenção diante de todos.
— Mandriel, como foi com os humanos? — seus olhos me acharam antes mesmo de eu conseguir me esconder. Aquele olhar causava arrepios por todo o meu corpo.
— Fo-fo-foi b-bem. Eu…
— Não ouse mentir para o nosso pai, seu insolente! — Pémptos me interrompeu, lançando uma esfera de energia de cor púrpura em minha direção, me fazendo cair do meu assento. — Shorororo!
— Explique-se, Pémptos!
— Acontece, meu pai, à pedido do Theóforos, eu mandei um de meus bichinhos espiões segui-lo sem ser visto ou notado. — Um inseto voador roxo surgiu diante de nós. Ele sobrevoava a minha cabeça. — Além de ter sido derrotado pelos humanos e capturado por eles, o Mandriel deixou o humano que deveria exterminar fugir com um Semideus que nunca vi antes, e ainda foi salvo por ele. Shorororo, ele é uma vergonha para a nossa família.
Com a verdade exposta, não sabia o que fazer e nem como reagir. Continuei parado naquele chão sem coragem de levantar a minha cabeça e encarar os olhares de julgamento dos demais. Temia a punição que com certeza viria em seguida.
— Zoi, eu vou deixar esse semideus com você. Descubra quem é e o que fez com o humano que deveria estar morto.
— Sim, soberano! — disse ela se levantando e fazendo uma referência.
— Pémptos, ajude-a! — O outro se levantou, não antes de pisar em mim, e seguiu a Zoi para completarem a ordem recebida.
— O resto de vocês, dispensados! — escuto todos se levantando e se preparando para sair. — Menos você, Mandriel. — Eu ainda não ousei levantar a minha cabeça e nem a sair do lugar.
— Boa sorte, maninho. — escutei a Méli dizer antes de sair junto com os outros.
Um silêncio pairou no ar por um instante. Cada segundo parecia uma eternidade, uma tortura particular feita para mim. Não sabia onde enfiar a minha cara de tanta vergonha e humilhação que eu estava sentindo.
— Levante-se! — Ordenou ele. Sua voz potente ecoou por todo o lugar.
Mesmo com as pernas bambas e suando frio, acatei a ordem sem demora. Seus olhos estavam com a cor ainda mais intensa e profunda, se destacando das suas escleróticas escuras, ao me fitarem. Meu corpo gelou, mas meu coração acelerava tanto que eu pude senti-lo saindo pela minha boca.
Eu vou morrer!
— Você é uma vergonha como um Deus! — o tom elevado demonstrava a sua irritação. Eu engoli em seco. — Eu não sei aonde que eu errei em sua criação. Seus irmãos só me trazem orgulho, já você, problemas atrás de problemas. Não serviu nem para derrotar um simples humano. Que decepção!
— Pai, eu…
— SILÊNCIO!!! — Sua voz se elevou junto a barulhos de raios e trovões. — Não me interrompa enquanto eu estiver falando. — uma pausa momentânea fez, me fazendo abaixar a minha cabeça como resposta. — A partir de hoje, até que me prove que merece estar diante de minha presença, você estará banido do Olimpo, e não poderá mais ser chamado de Deus.
— Mas pai, eu…
— Eu retiro agora a sua imortalidade! Vai viver junto aos mortais como um deles.
Antes que eu pudesse falar alguma coisa, sua mão pousou em minha cabeça e com a saída dela, retirou a minha imortalidade junto com os meus poderes. Com esse ato, minhas forças esvaíram-se, e logo um breu total tomou conta dos meus olhos, me fazendo cair ali mesmo naquele chão branco e duro.
Sons de pássaros e um forte cheiro de maresia me fazem acordar. Meu corpo ainda se encontra fraco pela drenagem de energia.
Onde eu estou?
Me pergunto após me levantar daquele chão arenoso sob os meus pés. Olho em volta, e tudo o que eu vejo é acúmulos de areia por todo lado e um extenso mar aberto que cobria todo o horizonte, revelando que eu estava no mundo dos humanos, em um lugar que eles chamam de praia.
O que eu devo fazer agora?
Expulso da minha casa, sem nenhum lugar para ir ou ficar, sem meus poderes ou a minha imortalidade, fiquei sem nada.
Caminho sem rumo ou direção, apenas deixando o mar me levar para onde ele quiser após me adentrar nele. As águas puxam o meu corpo com vontade de obtê-lo para si, me chamando e me atraindo. Sem esforço, deixo que ela me leve. Ao menos alguém ainda está me querendo e me desejando. Uma grande onda se formou como uma boca querendo me devorar, aumentando o seu tamanho e me ultrapassando em altura. Ela me atraia para dentro de si e como alguém faminto, fechou a sua enorme "boca" me engolindo por inteiro. Meu corpo pesava feito uma âncora naquelas águas. Antes eu me sentia ligado ao mar, ligado a minha mãe, mas agora ele me rejeita, almeja me devorar e me consumir. Águas invadem os meus pulmões em uma velocidade incrível, tinham ânsia em me possuir.
Que bom…pelo menos agora eu posso ser útil para os seres marinhos, me tornando nutrientes para eles…
Minha visão turva ficava cada vez mais escura, combinando com a escuridão que se encontrava naquele mar.
Adeus…o que…?
Um forte brilho alaranjado se fez presente naquele breu todo. Meu pescoço queimava conforme o brilho se intensificava. E de repente, uma mão surge por entre as águas, segurando as minhas e me puxando para a superfície.
Assim que me dei conta, estava deitado sobre a areia com alguém me beijando, um beijo estranho que assoprava ar em meus pulmões, e com sse ato, acabei expelindo toda a água que eu havia inserido.
Cof,cof,cof,cof…
Depois que toda a água salgada saiu do meu corpo, voltei a respirar normalmente. Olhei para o lado para ver a pessoa que havia salvado a minha vida, e mal pode acreditar que era o mesmo semideus que eu havia encontrado antes, o dono de um belo sorriso e um olhar quente da cor de sangue.
— Você de novo? — Ambos falamos simultaneamente.
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ΩNotas do autor Ω
Gente da sua laia: expressão ofensiva para se referir a uma pessoa que faz parte de um grupo de má índole. No caso, o Damon usa essa expressão para se referir aos deuses que, na visão dele, todos não prestam por serem arrogantes demais e por maltratarem os demais.
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