Reunião de família
Eu passei anos da minha vida tentando provar o meu valor ao meu pai. Ele era um Deus ganancioso que sempre conseguia obter tudo o que almejava, não se importando com as consequências que seus atos causasse ou a quem tivesse que ferir para consegui-las. Sua força se tornou lendária após derrotar incontáveis inimigos, incluindo seu próprio pai, a quem odeia falar sobre, matando ele e roubando o seu lugar como governante dos deuses. Apesar dele ter conquistado tudo, ser o mais poderoso entre todos os deuses, nada disso o satisfazia, sempre procurava algo a mais, algo além que qualquer um, inclusive o próprio, pudesse saber.
Eu simplesmente odeio ser o filho do Deus dos deuses, odeio ser o filho de Alexandre Ferraz!
Minha mãe, a rainha dos deuses, Medusa, assim como o meu pai, muitas vezes esquecia da minha existência, não se importando com nada que eu fizesse. Toda a sua atenção e cuidados, sempre iam mais para a minha irmã Méli, que apesar de termos nascido juntos, ela era um minuto mais velha que eu. Apesar disso, não odiava a minha mãe e principalmente a minha irmã, longe disso. Eu curtia demais aprontar com a Méli, sendo a única que não me maltratava e nem me desprezava. Adorava me divertir com ela no mundo dos mortais em segredo dos nossos pais. A sua beleza sempre era motivo de exaltação por parte dos humanos, que a reverenciavam toda vez que a viam, chamando ela de "Deusa da doçura ou Deusa do carisma", embora eles não conhecessem a sua verdadeira face. Apesar de ser uma mulher já formada, ela sempre se transformava em uma criança diante de algum mortal. Seus olhos azulados pareciam com águas cristalinas, seus cabelos lisos dourados, escorriam por cima de seus ombros, deixando cobrir um pouco de um dos seus olhos. Seu sorriso é o que mais encantava os mortais, deixavam eles bobos, pelo menos mais do que o normal. Pena dos humanos que se apaixonavam demais por ela e tentavam abusar dela de alguma forma. Para esses pobres tolos, ela sempre os levava a algum canto escuro e mostrava a sua face demoníaca, os devorando.
Eu, por outro lado, sempre passava despercebido por entre os mortais que quase não notavam a minha presença em meio à eles. Passei a minha vida toda ficando nas sombras dos meus irmãos que eram mais fortes e mais habilidosos que eu. Ser o caçula de sete filhos não é fácil, embora minha mãe gostasse de falar que os filhos mais novos sempre costumam surpreender, e que acabam conquistando grandes feitos, o que me animou quando mais novo, mas agora percebo que foram apenas histórias para eu não me sentir inferior. Ao contrário dos meus irmãos que possuíam os dois olhos azuis, traço marcante da nossa família, eu possuía apenas o olho esquerdo de tal tonalidade, tendo o outro olho de cor esverdeado. O meu cabelo tomava a cor de esmeraldas, com alguns fios caindo sobre o meu olho direito. Um estranho sinal de nascença que se assemelhava a um pássaro flamejante marcava o meu pescoço, marca essa que só eu possuía, o que me deixava cabuloso por minha irmã gêmea não ter também.
Fui convocado para ir a mais uma reunião de família, coisa que eu mais detestava, pois era só mais um lembrete diário do quanto que eles me achavam patético. Mesmo a contragosto, fui obrigado a ir.
Em poucos minutos, cheguei a morada dos deuses supremos onde residia a minha casa. Sua grande extensão de terra acima das nuvens servia de abrigo para a família ou aqueles que o meu pai achava digno. Uma ilha inalcançável é como ficou conhecida popularmente entre os humanos, e em suas crenças acreditam, que se fossem bons o suficiente em vida, na pós vida eles iriam flutuar até a ilha e morar entre os deuses. Tolos! Meu pai e principalmente os meus irmãos, os vêem como sendo inferiores e indignos, mesmo que o grande Deus dos deuses tenha nascido entre eles. De acordo com a minha mãe, meu pai não foi sempre assim. Ele era um Deus bondoso que fazia de tudo pela humanidade, os protegendo, inclusive, dos outros deuses. Porém com o tempo, e principalmente por ter perdido os amigos que eram humanos, que um dia desapareceram sem deixar vestígios, ele enlouqueceu. Ela disse, que ele revirou esse mundo de cabeça para baixo a procura deles, mas os mesmos não foram encontrados. Ele acabou descontando a sua frustração em qualquer um que aparecesse, principalmente nos humanos que acabaram sofrendo com a sua ira. Já haviam se passado duzentos anos desde então.
Como sempre, eu fui o primeiro a chegar no grande salão branco, onde as reuniões eram marcadas. Fui logo tomando o meu assento no trono preto que sempre era designado, e para o meu descontentamento, a sala era redonda e cada trono, de cores distintas, era alojado um ao lado do outro formando um perfeito círculo, e lógico, eu acabava sentando de frente ao trono principal que pertencia ao soberano do recinto.
Assim que eu me designei a sentar, uma queda naquele chão duro foi o que ganhei em troca. O meu assento foi apenas uma ilusão criada por aquele que era conhecido como "o Deus ilusionista", vulgo, o meu irmão idiota.
— Shorororo…— Sua risada esquisita denunciava a sua presença.
— Argh! Muito engraçado, Pémptos. — disse com raiva, olhando o trono púrpura vazio ao lado do meu ser preenchido por ele após uma névoa roxa.
— Calma, irmãozinho. Não aguenta uma brincadeira? — Seu tom de deboche e desprezo era o que mais me irritava. Sua face sempre se mantinha oculto através de uma máscara branca com detalhes púrpura de raposa que cobria o seu rosto, mostrando somente um brilho azul de seus olhos, e um manto com capuz de mesma cor cobrindo o resto de seu corpo. Ele adorava pregar peças na gente, e eu, lógico, sempre era o alvo principal.
— Deixe-o em paz, Pémptos! — Sua voz grave e grossa ecoou pelo lugar. Dessa vez, foi o primogênito da família, Theóforos. Ele era o mais alto entre nós. Tinha os olhos característicos da família, com a pele escura e o cabelo curto. Seu corpo musculoso e definido chamava a atenção de todos, incluindo Deusas ou mortais. Sua força era tremenda e absurda, causando tempestades com apenas um de seus socos, virando assim, o deus da tempestade, ou como gosto de chamá-lo, o idiota exibido. — Pare de perturbar os fracos. — disse ele por fim, antes de sentar no assento marrom ao lado do trono do nosso pai.
— Shorororo! Você poderia seguir o seu próprio conselho, não acha? — Seu olhar recai no trono cinza vazio. — Não é mesmo, Nicolas? — o mesmo citado aparece sentado com as pernas cruzadas em seu assento.
— Não me envolva nos seus assuntos. — respondeu ele sério.
Nicolas é o quarto filho e o segundo mais velho dos filhos homens. Sua personalidade era de alguém que não gostava de se meter em conflitos e que sempre fugia de confusões. Se tornou o Deus do orgulho após nada o fazer se abalar ou mudar o seu jeito de ser. Nem mesmo o nosso pai conseguiu mudá-lo. Suas orbes azuis e cabelos ondulados ruivos eram o que ele chamava de seus "tesouros intocáveis".
— Tá vendo aí, não sabemos do que você está falando, há, há, há, há… — Caiu na gargalhada Theóforos, não se importando em ser o único ali com humor.
Nenhum de nós gostávamos de ir nessas reuniões familiares. A gente não suportava ficar perto um do outro, eu principalmente. Queria sair correndo daquele lugar o quanto antes, contudo, uma punição severa viria em seguida, sendo aplicada pelo soberano do lugar.
Depois de tantas conversas fiadas por parte de meus irmãos, me ignorando ou me humilhando, percebemos as ausências de nossas irmãs. Ninguém ali sabia onde a Zoi, íris e a Méli se encontravam. O silêncio pairou no ar junto com a impaciência de esperar mais.
— Cadê o nosso pai? — perguntou o idiota exibido já se levantando de seu assento.
Um barulho de trovões foi o que bastou para ele voltar a se sentar de imediato. Isso só poderia significar uma coisa…
— SENTEM-SE, AGORA! — Sua imponência foi seguida de barulhos de trovões. Seus olhos demonstravam a sua autoridade junto à sua postura. O meu pai, o grande Deus dos deuses, estava presente.
Ele caminha em direção ao seu trono dourado, seguido pela minha mãe, a Deusa dos mares, e pela minha irmã gêmea. Cada um sentando em seu devido lugar.
— Meu pai, porque nos reuniu hoje? — o primogênito perguntou após se virar em sua direção, mas não obteve nenhuma resposta do mesmo — Cadê as…?
— SILÊNCIO!!! — mais barulhos de trovões eram audíveis. Ele começou a encarar todos os filhos presentes ali, parando obviamente em mim. Quase me engasguei ao fitar aqueles olhos com as escleróticas negras e as íris azuladas em minha direção. Meu corpo se contorcia em resposta.
— Hoje seremos só nós — o clima tenso é quebrado pela suave voz de minha mãe. Todos os olhares são voltados para ela, me fazendo voltar a respirar normalmente. — A Zoi está no submundo vigiando o Hades, e a Íris, está cuidando de um outro assunto no momento.
Outro silêncio paira no ar. A gente se entreolhava e voltava atenção para o mesmo ser que mantinha a sua expressão séria e carrancuda.
— Os mortais…— ele começou a falar depois de um tempo. Sua expressão demonstrava estar descontente com algo. — …. estão me causando uma dor de cabeça. — Todos prestavam atenção atentos às suas palavras — As tecnologias deles avançaram muito além do previsto, chegando a conseguir ferir mortalmente um de nós...
— Como assim, senhor? — O Pémptos se pronunciou quase como um sussurro.
Bastou uma olhada do Deus dos deuses para ele perceber o seu erro, que foi interrompê-lo enquanto o mesmo se pronunciava.
Eu não consegui evitar de deixar escapar uma risada de satisfação ao vê-lo se encolher todo.
— Graças às habilidades da Zoi, descobrimos que um humano chamado Yori Nagasaki, conseguiu sequestrar o Láthos. — seu olhar recai em todos do recinto. — Apesar dele gostar de ser sempre sequestrado pelos humanos a cada semana, dessa vez foi surpreendido por algo que nenhum de nós estávamos esperando. Esse cientista humano criou uma arma que é capaz de nos ferir e me arrisco dizer, de até nos matar. — o espanto foi geral. Um humano matando um deus? Isso era incabível! — Agora ele e seus seguidores acham que podem contra nós. — Podia sentir os raios e trovões ficarem agitados no lado de fora por tamanha que era a sua irritação.
— Não se preocupe,meu pai, eu mesmo vou eliminá-los! — disse o idiota exibido, se levantando de seu assento novamente.
— NÃO!!! — Sua voz ecoou pelo ambiente.— Eu preciso que você e seus irmãos façam outra coisa. — O Theóforos continuava em pé, esperando alguma ordem. — Os Titãs estão na dúvida se vocês são fortes ou não. Quero que mostrem o quantos que vocês são poderosos, os derrotando em batalha.
— Mas pai, iremos deixar que os humanos façam o que bem entenderem? — Esse idiota adorava amedrontar os mortais.
Uma ideia surgiu em minha mente. Se eu resolvesse esse problema dos humanos, talvez, eu ganharia o respeito do meu pai, e até dos idiotas dos meus irmãos. Eu tinha que mostrar o meu valor a eles, e essa seria a minha chance.
— P-Pai? — Todos me olharam quando me levantei e andei em sua direção — Por favor, me deixe cuidar desse problema? — Me ajoelhei com a cabeça abaixada diante de sua presença.
— Você? Um fracote desastrado como você não duraria um minuto em uma batalha. — o babaca do Theóforos depositou o seu pé imundo sobre a minha cabeça. Eu queria queimá-lo, mas aguentei firme mantendo-me na mesma posição. — O que você…
— SILÊNCIO! — Não tive coragem em erguer a minha cabeça para fitar em seus olhos. Eu suava frio a cada respirada forte e profunda que eu dava. Cada segundo parecia uma eternidade — Mandriel! — Levantei a minha cabeça para encará-lo — Você será o responsável por lidar com os humanos. Extermine esse tal de Yori Nagasaki e seus seguidores, e oblitera qualquer resquício dessa tecnologia que pode nos ferir.
— Sim, meu pai, eu não o decepcionarei. — disse me levantando. Estava animado e ansioso. A qualquer custo, eu precisava me sair bem nessa missão.
— Mostre para eles o terror em terra. Faça-os se arrependerem e implorar por misericórdia, e depois… mate todos!
— Sim! — eu disse por fim, antes de sair daquele local para iniciar o meu objetivo, partindo para o mundo mortal.
Eu preciso cumprir essa missão com perfeição. Não posso falhar, não mesmo. Fique vendo, pai, não vou te decepcionar. Eu vou achar esse humano e fazê-lo sofrer!
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