Capítulo 18 - Reflexos do Passado
1086 palavras
Deitado em sua cama luxuosa, Lúcifer permaneceu envolto apenas pela toalha que lhe cobria a cintura. Seu olhar, perdido na vastidão do teto, refletia um tumulto interno que transcendia os limites do quarto suntuoso. Em meio à penumbra, ele começou a refletir sobre os capítulos de sua existência, como páginas de um livro cujas letras eram escritas com a tinta da eternidade.
Sua mente retrocedeu aos dias de glória nos céus, quando ele, como a estrela da manhã, iluminava o Paraíso com sua luz celestial. Lembrou-se dos laços que compartilhava com Amenadiel, Miguel, Uriel e Azrael, seus irmãos, companheiros na perfeição divina. Juntos, eles eram testemunhas do esplendor do Éden, uma sinfonia de pureza que ecoava entre as estrelas.
Entretanto, as notas dessa sinfonia celestial começaram a desafinar quando o desejo pela liberdade se infiltrou em suas mentes angelicais. O anseio por algo além do estabelecido pelo Criador semeou a semente da rebelião, e Lúcifer, junto com seus irmãos rebeldes, foi expulso dos domínios celestiais.
A queda do Paraíso foi um evento que deixou cicatrizes profundas em sua alma. A escuridão que o envolveu enquanto caía do céu era uma metáfora de sua própria queda na obscuridade. Ele, a estrela da manhã, transformou-se no Senhor do Inferno, uma metamorfose forjada nas chamas da rebelião.
Ao longo das eras, Lúcifer testemunhou a evolução da humanidade. Ele viu impérios surgirem e desmoronarem, civilizações florescerem e desaparecerem no fluxo implacável do tempo. Seus dedos, por vezes, tocaram eventos que moldaram o destino da humanidade, mas sua presença muitas vezes era obscurecida pela sombra de sua própria queda.
A lembrança de seu encontro com a médica Charlote surgia como uma chama vacilante em meio à escuridão. As dúvidas semeadas por Nefelim, o anjo caído, reverberavam em sua mente. O espetáculo da festa desenfreada que ele próprio orquestrara, uma tentativa de afogar suas incertezas em prazeres efêmeros, agora parecia vazia e superficial.
As imagens da médica, uma figura que ele havia considerado um raio de luz em sua escuridão, começavam a se distorcer. A pureza que ele idealizara, a semente do bem que supostamente poderia redimi-lo, agora parecia desbotada. Lúcifer questionava como uma humana, como Charlote, poderia ser a portadora da salvação para o todo-poderoso do inferno.
A desconfiança, alimentada pelas palavras de Nefelim, crescera como uma sombra sinistra. Seu coração, que momentaneamente acreditara em uma esperança de redenção, agora se via cético. A ideia de que ela pudesse ser uma exceção, uma figura divina capaz de transcender a natureza humana, desvanecia-se lentamente.
A revelação de que Charlote era mãe, com uma vida que incluía uma família, golpeava Lúcifer como uma admissão cruel de que ele havia sido enganado. A compreensão de que ela, como qualquer outra humana, tinha suas próprias complexidades e talvez até pecados, era uma verdade difícil de aceitar. A ilusão de uma cura para suas próprias mazelas desmoronava, deixando-o com uma sensação de traição.
Lúcifer, envolto em seus próprios pensamentos, contemplou a dualidade de sua existência. Ele era um ser que carregava consigo a luz celestial e as sombras infernais, um equilíbrio precário entre o divino e o demoníaco. A toalha que o envolvia era como uma mortalha, uma representação física de sua separação dos reinos celestiais.
Na quietude da noite, ele se perguntou sobre a possibilidade de redenção. Seria ele capaz de transcender sua natureza caída e encontrar a redenção que tanto ansiava? A médica, com sua presença marcante e seus feitos notáveis, permanecia como uma incógnita em sua mente, uma peça fundamental em um quebra-cabeça de escolhas que ele precisaria enfrentar.
Enquanto a noite se estendia, Lúcifer continuou imerso em suas reflexões, a luz tênue dos primeiros raios do amanhecer começando a infiltrar-se pelas frestas das cortinas. O capítulo de sua vida ainda estava sendo escrito, e as páginas continuariam a virar, revelando o que o futuro reservava para o Senhor do Inferno em sua busca pela redenção.
O peso dos muitos nomes pelos quais Lúcifer era conhecido ecoava como uma sinfonia de desespero em sua mente. Cada título, uma condenação, uma representação de sua queda dos céus e do favor divino. Para ele, uma entidade outrora próxima de Deus, a transformação em uma figura diabólica era uma ferida que ardia incessantemente.
A dualidade de sua natureza era uma constante lembrança de sua queda e das escolhas que o levaram a essa condição. A mãe de Lúcifer, Aurora, a deusa do amanhecer, testemunhou sua criação, não como uma entidade demoníaca, mas como um ser de luz celestial. Contudo, a punição divina lançou sobre ele uma sombra que o seguiria por toda a eternidade.
A perplexidade de Lúcifer residia na aparente contradição entre o amor de um pai e a severidade da punição infligida. A falta de compreensão sobre as razões por trás de seu castigo gerava um conflito interno, uma ferida emocional que transcendia os limites da existência terrena.
Os muitos nomes pelos quais era chamado pelos povos do mundo, todos carregados de conotações negativas, eram como correntes que o mantinham ligado ao seu passado caído. Cada um desses epítetos era uma lembrança constante de sua rebelião e da subsequente condenação que ele próprio havia selado.
Por mais que Lúcifer buscasse redenção, o mundo parecia ter decidido sua narrativa, perpetuando a visão de um demônio caído. Era como se os rótulos malignos o prendessem em uma existência de escuridão, sem considerar o fato de que, talvez, dentro dele ainda existisse um fragmento da luz celestial que um dia o banhara.
Assim, Lúcifer se via preso entre a dualidade de sua origem divina e a percepção distorcida que o mundo tinha dele. A busca pela redenção tornou-se uma jornada em que ele tentava transcender não apenas sua natureza, mas também os estigmas que o mundo impusera sobre ele. Enquanto ele continuava sua saga, a incerteza persistia, e a resposta para suas perguntas profundas sobre a justiça divina permanecia elusiva.
O príncipe das trevas sentia as amarras de sua própria confusão e, ao encarar a realidade, compreendia que a busca por redenção era mais complicada do que imaginara. A figura luminosa que ele idealizara agora se dissolvia em uma imagem mais humana, cheia de imperfeições e contradições. O embate entre sua natureza caída e o desejo de redenção ganhava uma complexidade ainda maior diante das revelações sobre a verdadeira natureza da médica.
A certeza que ele buscara na presença dela desvanecia-se, deixando um vazio em sua alma. E, assim, Lúcifer enfrentava não apenas a desilusão consigo mesmo, mas também a desconstrução da única esperança que ousara abraçar.
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