Capítulo 26: O sangue de um homem pecador
Olha, eu sei que o pêndulo do tempo ia nos trazer para Saint Luna, mas em que época estamos? — Carol questiona confusa, ao estarmos chegarmos à Saint Luna.
As ruas estreitas e iluminadas da cidade estavam decoradas com lanternas de abóbora iluminadas e decorações extravagantes de Halloween . Casas vitorianas com varandas ornamentadas exibiam guirlandas de folhas secas e abóboras esculpidas, criando uma sensação encantadora e um tanto assustadora.
As pessoas de Saint Luna, vestidas com trajes típicos da época, caminhavam pelas calçadas com lanternas de papel iluminando seus rostos. Jovens em jeans e camisetas com logos de bandas de rock dos anos 60 riam enquanto trocavam histórias de fantasmas e lendas urbanas locais. Alguns vestiam fantasias improvisadas de bruxas, vampiros ou personagens icônicos da cultura pop da época, adicionando um toque de nostalgia à noite festiva.
— Bem-vindas aos anos 60 de Saint Luna! — Anuncio, observando os olhares incrédulos das garotas.
— O que exatamente viemos fazer aqui, em outra época? Achei que iríamos vir de avião ou teletransporte, sei lá. — Letícia diz perplexa com o ano que as trouxe, mas tudo tinha uma explicação.
— Trouxe vocês aqui para que finalmente iniciem o ritual da tríade. Estamos ficando sem tempo, vocês precisam cumprir este ritual antes que seja tarde demais. — Explico, puxando o grimório que Elly havia me ajudado a roubar algumas semanas atrás. — Para que a Tríade Divina emergisse plenamente no mundo mágico, era mister um ritual de iniciação, abençoado pela própria Hécate, a guardiã dos portais e senhora das encruzilhadas. Sob o luar, em meio às águas sagradas, as três eleitas deveriam consumar o cerimonial utilizando o sangue de um homem pecador. Neste rito de purificação, a ligação entre o plano divino e o terreno se fortaleceria, e o destino da magia seria selado pelos laços do sangue e da lua
— Certo, mas estarmos em pleno Halloween significa alguma coisa? — Miyu, a qual eu decidi trazer conosco, questiona.
Ela ainda estava machucada com a morte do irmão, mas estava determinada a encontrar Morweena tanto quanto nós. Por ser uma bruxa experiente, cujos poderes poderão ser úteis para a captura de Morweena, achei que seria bom tom trazê-la conosco
— Porque a época do Samhain é a época em que há intensidade mágica entre as bruxas. É o melhor momento para fazer rituais poderosos. — Explico, ainda sem ter certeza de como aquilo parecia tão real vindo de mim. — Você trouxe tudo, certo?
— Acho que sim. — Miyu diz, chegando a bolsa de pano que carregava consigo.
— Essa parte de sangue de um homem pecador, teremos que matá-lo, certo? — Bianca questiona. — Mas sabemos pelo menos quem?
— Eu acho que não quero matar ninguém. — Letícia diz, insegura.
— Desmond White, conhecido como O Fantasma Predador. — Respondo, e as três me olham em choque.
— Tudo bem, agora eu quero matar. — Leticia conclui.
— O Fantasma Predador? Isso é sério? — Bianca se aproxima de mim, ainda sem acreditar. — Ele não foi morto?
— Estamos um dia antes da morte dele. Ele será descoberto só daqui a treze anos, quando já tiver falecido por ataque cardíaco, portanto, a linha do tempo não será alterada. — Explico, já adiantando sobre as consequências que uma pequena mudança no passado poderia acometer.
— Quem é esse cara? O que ele fez? — Miyu questiona, e eu acredito que ela não saiba quem foi Desmond por ter vivido no Japão a maior parte da sua vida, logo, a notícia lá sobre o Fantasma Predador não teve a mesma comoção como nos Estados Unidos.
— É um serial killer que matou mais de oitenta mulheres nos anos cinquenta e sessenta. Era um predador sexual, e ficou anos conhecido como O Fantasma Predador pela sequência das mortes dele serem as vítimas sem as mãos e sem os olhos. A maioria dos corpos foram encontrados enterrados no concreto da casa dele, mas ninguém desconfiava de Desmond. Era um homem íntegro, viúvo e que participava frequentemente dos eventos da Igreja. As crianças o adoravam, e felizmente ele não fazia nada com elas. Dizem que ele fazia doações frequentes para orfanatos e abrigos de animais, e se fantasiava de Papai Noel durante o Natal. — Carol explica detalhadamente, e Miyu a olha surpresa.
— Que loucura! Bom, será ótimo que ele morra do jeitinho que ele merece. — Miyu conclui. — Luna, já repassou o plano para elas?
— Vamos para um lugar primeiro.
Como eu imaginei que viríamos na época de Halloween, decidi colocar uma fantasia de bruxa durante a passagem de tempo. Carol, Bianca, Miyu e eu usamos um vestido longo. O de Carol era roxo com detalhes de renda pretos, voltado mais para o estilo gótico, enquanto o de Bianca era verde, com um espartilho bege. Já Miyu usava um vestido que se dividia entre a cor vermelho sangue e preto. Eu vestia um mais simples, de cores que alternavam entre o marrom, o bege e o lilás, com um véu que cobria meu braço.
Como eu sabia que Letícia não gostava de usar vestidos, saias ou coisas mais femininas, para ela optei por uma calça de couro com cadarços laranjas que passavam pela sua perna, e uma blusa preta com uma calda longa e detalhes em laranja. Além disso, todas nós usávamos um chapéu longo de ponta, como os típicos de filme.
Andamos por dentro da floresta, onde demos de cara com alguns jovens que decidiam explorar e assustar outras pessoas. Mesmo assim, era uma trilha familiar, cuja natureza emanava grande energia mágica, quase como uma barreira poderosa. Também havia a luz lunar que nos iluminava e nos acompanhava, fazendo-me sentir infinitamente mais poderosa.
— Estamos chegando? — Bianca questiona cansada, enquanto atravessamos uma parte mais fechada da mata.
— Já chegamos. — Aviso, observando a vasta extensão que havia após a floresta.
Havia uma cabana bem simples, próxima a um lago que refletia a luz da lua. O espaço era grande, frequentemente usado para os Sabbaths do coven de Saint Luna durante gerações.
— Uau! Que lindo! — Carol exclama assim que nos aproximamos da cabana. — Alguém mora aqui?
— Não é uma cabana de moradia. Ela é apenas utilizada pelas bruxas para eventos e rituais. — Explico, entrando no lugar e me aproximando do altar da Deusa Mãe e do Deus Cernunus.
— Quem são esses? — Bianca pergunta, apontando para as figuras.
— A Deusa Mãe, popularmente conhecida pelo seu panteão grego como Hécate. — Miyu explica, antes que eu pudesse o fazer. — E o Deus Cernunus, marido da Deusa Mãe. É reconhecido pelas bruxas wiccas, mas a principal adoração das bruxas é voltada para Hécate.
— Essa não é a Deusa que nos "escolheu"? — Letícia pergunta, fazendo aspas com as mãos. — Por que ela não pode nos ajudar? Ou pegar a Morweena?
— A deusa está desaparecida. — Respondo, lembrando-me das visões que tive nas últimas semanas. — Mas sempre escolhe bruxos e bruxas que confia e que estão destinados a proteger o mundo real dos perigos e desavenças mágicas. Sejam elas uma tríade, que são escolhidas de geração em geração, de século em século, para representarem cada face dela. Ou, podem ser apenas bruxos, bruxas, aprendizes destinados a cumprir um único objetivo. Também pode ser um legado, o Legado de Hécate, mas esse é um caso extremamente único. Só aconteceu duas vezes, e a última vive em Três Luas. É a que detém o maior poder, totalmente concebido pela própria Deusa.
— E por que ela não vai atrás da Morweena? — Carol pergunta. — E como você sabe disso tudo?
— Eu tentei encontrar a bruxa que é o legado de Hécate, mas estava lidando com um problema um tanto maior. — Coloco minha pequena mochila no chão e tiro um mapa de lá, abrindo-o na mesa. — Apesar de não lembrar quem sou e de não ter nenhum tipo de poder, ultimamente venho conseguido me recordar desse vasto mundo mágico. Me recordo também dos Pilares da Magia, que é o que a Morweena está em busca.
— Pilares da Magia? — Questiona Miyu. — Acho que já ouvi falar.
— Os Pilares da Magia são o que sustentam toda magia existente. São portais dos quatro reinos da existência: plano material, plano espiritual, plano etéreo e plano astral. Hécate era a guardiã desses quatro portais, e por isso direcionava o plano material para as bruxas protegerem. — Termino de explicar, torcendo para que elas tivessem entendido tudo. — Agora vamos ao plano de como capturar o Fantasma Predador.
• • •
— Não esqueçam: sem interações diretas com outras pessoas, sem fazer nada além do planejado. Não podemos alterar a linha do tempo, senão nossa realidade altera completamente. — Aviso para Letícia e Bianca, que concordam com a cabeça.
— Mas eu nem sei falar inglês. — Diz Letícia.
— Não precisa. As bruxas conseguem se comunicar em qualquer idioma. — Explico, e felizmente elas não questionam nada sobre isso. Já devem estar se acostumando com as habilidades que possuem.
— Estou com medo. E se eu for a próxima vítima dele? Por que eu sou a isca? — Bianca pergunta preocupada e tensa. Dava para ver que a mesma estava nervosa.
— Porque você é a mulher mais gostosa aqui. — Letícia diz, ficando na frente de Bianca. — Não se preocupe, você vai estar comigo.
— Vai dar tudo certo, Bia. — Carol diz, tocando levemente o ombro de Bianca. — Vocês são poderosas. Aquele maníaco não é nada perto de uma bruxa poderosa igual a você.
Olho confiante para Bianca e Letícia, que apenas respira fundo e entram na lanchonete.
Pela data em que estávamos, sabíamos que a última vítima do Fantasma Predador ocorreu há três meses. Ele não tinha uma sequência exata de datas, matava quando lhe dava na telha, mas com as vítimas com as mesmas características: mulheres jovens, bonitas e atraentes, e as quais demonstravam não serem submissas ao patriarcado, que lutavam pela igualdade de gênero, mulheres que faziam suas próprias escolhas.
— Qual é o seu pedido? — Assim que Letícia e Bianca se sentam em uma das mesas, bem na frente de Desmond, uma garçonete se aproxima e começa a anotar o pedido.
— Quero um cheeseburger com fritas e um copo de milkshake de morango com calda de menta. — Diz Bianca, olhando para o cardápio. — E para a minha noiva a mesma coisa, por favor.
— Ah, claro. — A garçonete diz com um tom de discriminação, mas anota o pedido delas. — Mais alguma coisa?
— Não, obrigada! — Letícia agradece, e a mulher logo dá as costas. — Meu amor, você tem certeza que não quer que eu te leve para casa? Sabe que o caminho da floresta é escuro e vazio. Pode ser perigoso.
— Não tem problema. Não vai acontecer nada comigo, eu sou uma mulher forte e independente. — Bianca diz, e eu percebi sua voz tremer um pouco.
Acredito que não faça parte da encenação delas, mas Letícia percebeu o nervosismo de Bianca e segurou sua mão, apertando-a levemente. Bianca olha tensa para Letícia e retribui o gesto.
— O que vamos fazer enquanto isso? Assistir elas comerem? — Carol questiona, e Miyu puxa uma sacola da sua bolsa.
— Roubei o saco de doce de uma criança enquanto ela brincava. — Miyu diz com a voz mais normal do mundo, puxando uma embalagem de jujubas coloridas e oferecendo para Carol e para mim. — Querem?
— Você é cruel! — Carol diz indignada, e eu aceito uma jujuba. — Luna!
— O que foi? — Pergunto com a boca cheia de jujubas. — Eu teria feito o mesmo.
Enquanto Bianca e Letícia fingiam ser um casal sáfico feliz e comiam seus lanches, observei cada expressão corporal de Desmond. Ele parecia desconfortável, e mesmo após ter terminado seu lanche, ficou no mesmo lugar fingindo ler um jornal. Ele dava rápidas olhadas para Bianca, interessado nela, planejando seu próximo alvo.
Assim que Letícia e Bianca pagam pelo lanche e saem da lanchonete, Carol, Miyu e eu corremos para o outro lado da rua, escondendo-nos atrás de uma van parada.
— É agora! — Alerto as duas meninas que estavam ao meu lado, observando as duas garotas na frente da lanchonete.
Disfarçadamente, Desmond se levanta da mesa e vai até o balcão pagar pelo seu pedido, enquanto olhava sua presa na tentativa de não perdê-la de vista.
— Vai com cuidado, está bem? Está tarde, não gosto que você fique andando sozinha por aí. — Letícia diz, próxima a Bianca, que apenas sorri de lado.
— Não se preocupe, meu bem. A Deusa Mãe está me protegendo. — Bianca diz, para complementar ainda mais o desejo assassino de Desmond, que era um católico conservador o qual repudiava religiões de sagrado feminino.
Sabíamos que Bianca já era o alvo de Desmond e que ele não iria perder a maravilhosa oportunidade que surgiu, mas, acho que a Letícia se empolgou um pouco para garantir que Bianca fosse a isca perfeita de Desmond, tudo o que ele repudia.
— Não esquece que eu amo você. — Diz Letícia, e Bianca pareceu um tanto desestabilizada. Eu já não estava entendendo se aquilo ainda fazia parte da encenação ou não.
— Eu também te... — Antes de Bianca completar, Letícia se aproxima e a beija.
— Finalmente essas boiolas se resolveram! — Carol diz, começando empolgada e ficando confusa logo em seguida. — Eu acho.
— Não se impressione. Isso apenas faz parte da encenação para atrair o Fantasma Predador. — Diz Miyu, preparando a corda que usaríamos para prender Desmond.
O beijo durou pouco. Letícia se afasta de Bianca com um sorriso bobo, como se tivesse esperando muito tempo por aquilo, a oportunidade perfeita. Bianca se mantém estática, ainda em choque pelo ocorrido e com o rosto levemente avermelhado. Letícia logo dá as costas e sai andando pela rua, deixando para que Bianca prosseguisse com o resto do plano.
Logo, Bianca anda pela rua escura, passando ao lado de várias crianças e adultos fantasiados. Ela logo pela uma rua mais estreita, que passava bem dentro da floresta. Desmond mantém uns cinco metros afastado dela, mas como o planejado, começa a segui-la. Então, ele puxa uma faca do bolso e se aproxima ainda mais.
Miyu fecha os olhos e usa telepatia para se comunicar com Bianca, provavelmente para avisar sobre o perigo iminente. Miyu utilizava teletransporte para seguirmos Desmond sem que ele notasse a aproximação, mantendo-nos escondidas da sua visão.
— Agora!
Miyu se transporta junto com Caroline para trás de Desmond, e imediatamente Caroline aplica uma seringa no pescoço do homem, que aos poucos perde a força no corpo e desmaia. Bianca vira na nossa direção e se aproxima correndo, ainda sem acreditar no que estávamos fazendo.
Ajudo Miyu a amarrar os braços e as pernas do homem. Logo, ela nos teletransporta para o lago, onde Letícia estava nos esperando. Pego a athame dourada e dou nas mãos de Carol.
— Você vai fazer isso. Sabem as palavras do ritual, certo?
As três assentem e caminham até a água. Miyu e eu ajudamos a carregar o corpo de Desmond, que ainda estava desmaiado, e tiramos as cordas dele. E então, nos afastamos e deixamos o ritual acontecer.
"Dea amat nos ad matrem suam, et suscipe verba conveniunt suum, et facti in tres augmenta lunae. Nos reverebuntur ordinem vestrum sequimini, et cultus, ita pro nobis offerre impuro fonte lavari, cibum lacrimis in gratiam tui."
Elas repetem a frase em latim durante algumas vezes, e então uma ventania começa a criar ondas pelo lago. Carol passa lentamente a athame no pescoço de Desmond, fazendo seu sangue se espalhar pela água. As três o empurram para trás, finalizando o ritual com sei afogamento.
Logo, as três mergulham na água e suas roupas ficam totalmente cobertas com o sangue de Desmond, com o sangue de um homem pecador, assim como deve ser.
A onda de poder que nos atinge confirma que o ritual deu certo.
Agora basta encontrarmos Morweena.
Continua...
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