Capítulo 11: Perdidas nos meandros do tempo
— O que está acontecendo? Por que nos chamou aqui? — Carol pergunta confusa, assim que eu adentro a biblioteca e tento recuperar o fôlego.
— Cadê a Letícia? — Pergunto, olhando ao redor e vendo que ela não estava lá, apenas Carol e Bianca.
— Estou aqui. — Vejo a garota entrar na biblioteca e fechar a porta.
Vou até onde ela estava e tranco a porta, com a chave que já estava na fechadura. Olho as três na minha frente, então respiro fundo, sabendo que provavelmente elas iam me achar louca. Seria super difícil convencê-las que elas terão um destino a selar juntas.
— Eu não sei por onde começar, mas reuni vocês aqui por um motivo. — Começo a falar, e as três me encaram preocupadas e confusas. — Vocês três tem algo especial que as uniu até aqui. O mundo é repleto de segredos e coisas que os olhos humanos simplesmente não enxergam. É como se uma névoa cobrisse... o mundo sobrenatural. O mundo oculto onde a magia prevalece.
— Quantos você fumou hoje? — Leticia pergunta, sem parecer estar brincando.
— Eu não fumei nada.
— Então porque seus olhos estão vermelhos? — Bianca me olha desconfiada.
— Eu estava chorando, mas isso não vem ao caso. — Troco de assunto instantaneamente. — Há algo muito errado acontecendo em Três Luas. Tem alguém mexendo com a realidade, mudando tudo, prejudicando o mundo da magia. Uma dessas pessoas é o André. Ele tem um pêndulo em formato de relógio que faz com que ele altere as coisas para o jeito que ele quiser, por exemplo, a Bianca era a Presidenta do Grêmio quando cheguei, e no dia seguinte era o André e ninguém reparou isso, só a própria. Bianca era milionária, André estalou os dedos e ela ficou pobre, e agora está milionária de novo. As coisas vivem mudando, vivem alternando, e eu fui a única que notou isso.
As três ficam em silêncio e se olham como quem estivesse silenciosamente dizendo "essa menina não está bem".
— Ah... — Bianca diz, sem saber o que responder. — Amiga, tem certeza que você está bem?
— Eu não sei se confio no André, mas essa história não faz sentido. — Carol diz, cruzando os braços e se escorando em uma parede. — Se isso for verdade, essa coisa de magia e tudo mais, então como você sabe?
— Eu acho que eu sou uma bruxa que veio de outra época. Eu lembro de quando uma mulher com o pêndulo exatamente igual ao do André me empurrou e foi quando eu acordei aqui no colégio, e desde então não lembrei de mais nada. — Digo nervosamente, sentindo meus batimentos extremamente acelerados. — Eu acho que eu tinha o objetivo de unir o que o mundo das bruxas chama de tríade. São três garotas destinadas a obter o poder da Deusa Hécate, unidas por um vínculo, determinadas a cumprir um objetivo.
— E você acha que nós somos essa tal de tríade? — Letícia ergue uma das sobrancelhas. — Quais os requisitos para sermos elas? E como você tem tanta certeza disso?
— Essa é a questão, Letícia. Normalmente elas são pré-destinadas a isso, descendentes umas das outras. São da mesma família por gerações, mas vocês não. Digamos que vocês tenham sido um "emergencial", e eu não faço ideia do porque. Talvez tenha acontecido algo com a antiga tríade... — Sinto um arrepio percorrer meu corpo enquanto eu falo e dou um passo a frente na direção da Letícia. — Você matou um homem.
— Uau. Que novidade. — Ela diz sem parecer surpresa, então pego seu pulso e viro para mim.
— E logo depois, esse símbolo apareceu. — Leticia estava sempre usando roupas largas e longas, blusas de manga cumprida, casacos ou moletom, e assim que ergo sua manga, vejo diversas cicatrizes profundas marcadas pelo seu pulso, além de uma tatuagem de um pássaro com as asas abertas. Não dava para ver direito, mas estava lá a marca da lua crescente cravada na sua pele. — Caroline e Bianca tem uma, cada uma representando uma fase da lua.
Letícia puxa seu pulso de volta e abaixa a manga imediatamente, me olhando nem um pouco feliz.
— Então o pré requisito é matar um homem? — Bianca pergunta, e eu sinto sua voz fraquejar. — Droga!
— Você matou um homem? — Carol pergunta chocada, e a Letícia as olha surpresa.
— Eu não me orgulho disso nem um pouco. Foi durante o incêndio. Segurei meu padrasto lá até ele ir. Queria livrar minha irmã daquele monstro. — Bianca se encolhe, mas se aproxima de mim e me mostra a marca no seu pulso. — Você viu minha marca antes. Parece uma bola, mas dá para notar que é uma lua cheia. E apareceu depois do incêndio, mas não é uma queimadura.
— Por que você nunca me contou? — Letícia pergunta preocupada, apesar de ainda estar surpresa, e se aproxima de Bianca.
— É uma coisa que eu queria que só morresse para mim. É um crime, eu sei, e me atormentou todos os dias da minha vida, mas foi necessário. — Bianca engole o seco e encara Caroline. — Você tem alguma coisa para dizer?
— Tenho. — A garota respira fundo, relutante a fazer sua confissão, mas enfim ela começa a falar. — Eu matei um aluno do colégio de freiras que estudei há dois anos, e ninguém nunca achou o culpado. E essa marca apareceu para mim também, mas eu nunca me orgulhem dela.
— Todos os homens que vocês mataram foram homens impuros, cujas almas eram corrompidas. Foi o melhor que fizeram, e foi isso que as trouxe até aqui. — Continuo fazendo meu discurso. — Pode parecer que estavam sozinhas naquele momento, mas a Deusa estava com vocês as acompanhando.
— Que tipo de Deusa sádica é essa que gosta de assassinato? — Letícia questiona incrédula.
— Uma deusa justa, eu diria. — Carol responde antes mesmo de eu abrir a boca. — Se o assassinato for de "homens impuros", que mal tem?
— O mal nem é para eles em si, mas sim para quem paga por isso. Por exemplo, o fato se eu ser a única aqui a ter sido presa por matar um homem, e a polícia não está nem aí se ele era maluco e tudo mais e tentou me matar. Eles tem que "cumprir com o regularmento" mesmo todos nós sabendo que para eles nunca tem regularmento que funcione! — Letícia responde indignada, e Carol se cala.
— Tudo o que tenho a dizer agora é que vocês fazem parte da nova tríade e eu preciso ajudá-las a deter o mal. — Falo esperançosa, acreditando que as três haviam acreditado em mim, mas era apenas o começo.
— Isso pode ser apenas coincidência. Magia não existe. — Bianca diz, e eu respiro fundo para não surtar de vez. É claro que isso ia acontecer.
— Vocês não vêem tudo o que acontece ao redor de vocês? Eu posso ajudá-las a ver isso, eu posso treinar vocês! — Coloco minha mochila em cima da mesa e abro o diário que Elly havia roubado para mim.
— Desde eras perdidas nos meandros do tempo, o destino das três sempre esteve entrelaçado pelas sombras da morte de um homem pecador. Uma tragédia ancestral, um evento que gravou suas sendas e selou seus destinos sob o olhar vigilante da Deusa Suprema. — Bianca começa a ler, e o resto apenas fica em silêncio ouvindo. — Onde você arrumou este livro?
— Uma amiga conseguiu para mim. É o diário de uma bruxa que conhece bem esse lado da magia. — Respondo, pensando em fazer uma cópia deste diário para devolvê-lo o quanto antes.
— A primeira, sob a égide da Lua crescente, personificava a face Donzela da Deusa, emanando pureza em cada gesto e pensamento. Sua missão era orientar os corações ao longo da trilha da inocência e da renovação. — Letícia começa a ler e solta uma risada no meio das palavras. — Eu? Inocência.
— Você realmente não é um exemplo bom de inocência. — Bianca coça disfarçadamente a cabeça e a Letícia a olha tentando esconder um sorriso.
— Ignorância do mal; pureza; simplicidade, ingenuidade.
— Isso significa sua pureza com os atos humanos, a inocência voltada à bondade, a incapacidade de cometer uma injustiça ou uma maldade. — Explico, e Letícia dá de ombros. — Eu sei que você é assim.
— Desculpa, é que eu sempre ouvi que eu iria para o inferno só por ser lésbica. Achei que o resto era irrelevante. — Ela responde folheando as páginas do diário.
— Para a deusa, o que basta é sua alma, não o que você é. — Respondo.
— A segunda, banhada pela luz plena da Lua cheia, personificava a face Mãe da Deusa, envolvendo o mundo em seu manto de proteção e nutrição. Era incumbida de velar pela harmonia e equilíbrio entre os reinos da magia e dos mortais. — Letícia lê e olha para Bianca. — Olha, o seu tem palavras mais chiques que o meu.
— Proteção. — Bianca repete e olha para mim. — Pode ser por eu ter protegido minha irmã àquele dia?
— Não só a ela, mas como todos ao seu redor. É um instinto próprio seu.
— Ah.
— A terceira, sob o prateado fulgor da Lua minguante, representava a face Anciã da Deusa, detentora da sabedoria que transcende o tempo. Cabia a ela guiar com seus conselhos sábios e sua visão além dos véus do destino. — Letícia lê, e dessa vez Carol que se aproxima.
— Quem me dera eu fosse isso mesmo. — Carol responde e dá de ombros. — Acho que eu só sou mais racional do que sábia.
— Você sabe ser racional quando precisa, e isso já é um grande exemplo de sabedoria. Sabe quando deve separar a emoção da razão e não deixa nenhum dos dois lados te dominar. — Falo, e ela me olha em silêncio.
— Para que a Tríade Divina emergisse plenamente no mundo mágico, era mister um ritual de iniciação, abençoado pela própria Hécate, a guardiã dos portais e senhora das encruzilhadas. Sob o luar, em meio às águas sagradas, as três eleitas deveriam consumar o cerimonial utilizando o sangue de um homem impuro. Neste rito de purificação, a ligação entre o plano divino e o terreno se fortaleceria, e o destino da magia seria selado pelos laços do sangue e da lua. — Letícia lê, se embolando em algumas palavras. — Luna, pode passar isso para humanês?
— Para vocês completarem o ritual de iniciação da tríade, devem matar um homem de sangue impuro, assim como os que vocês mataram. — Simplifico.
— Ah, não. Eu não quero voltar para a cadeia de novo, eu faço dezoito esse mês e agora não é mais reformatório. — Letícia se nega e fecha o livro, pegando sua mochila e indo em direção a porta. — Estou indo embora agora, a aula já deve ter começado e a gente aqui de doidice. Por isso seu nome é Luna, porque você é lunática!
— Eu sei que é difícil acreditar em mim, mas... — Antes que eu pudesse continuar falando, Letícia abre a porta e damos de cara com André.
— Olá, meninas. O que fazem sozinhas aqui? O professor Humberto está procurando vocês. — Ele diz curiosamente, encarando nós quatro.
— André! — Sinto uma raiva imensurável quando ele atravessa a porta com aquele sorrisinho sínico. — Elas ainda não acreditam em mim, mas uma hora irão e nós iremos deter você!
— Ah, para! — André bate a porta antes que Letícia pudesse sair.
— Isso tudo é loucura, não é? — Carol pergunta para ele, e André apenas sorri. — Você é um garoto normal, não pode mudar realidades.
— Então, na verdade posso. — André segura o pêndulo e tudo ao redor começa a girar.
Antes que pudéssemos perceber, tudo à nossa volta mudou. Pisco algumas vezes até me acostumar com a distorção de visão que tivemos, e imediatamente percebo que estou usando roupas diferentes. Era um vestido longo bege com uma espécie de avental marrom.
— O que é isso?! — Bianca esbraveja em choque, e eu logo vejo que elas estavam vestidas parecidas comigo.
Estávamos em uma espécie de biblioteca bem maior do que a da escola, com livros de capas duras e com o aspecto antigo, mesas e cadeiras de madeira e pouca iluminação. André não estava mais lá.
Abro a porta correndo e dou de cara com uma cidade completamente diferente, onde as pessoas usavam roupas antigas e andavam de carroça, as casas eram feitas de tijolos vermelhos e as estradas feitas de terra.
André havia nos enviado para o Período Independente de Três Luas.
Ou pior, havia levado o Período Independente para nossa época.
Eu estava de volta ao lugar de que supostamente vim.
Continua...
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