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26. Filha da Noite

Lana estava no limiar.

O limiar entre a chama e a escuridão, entre o ar e a inspiração. Naquele breve momento onde as coisas ainda vão existir, mas não existem de fato.

Seu corpo flutuava, leve, e uma miríade de sinapses invadia seu raciocínio. Não eram pensamentos de fato. O pensar também estava limitado àquele estado de proto-existência. Não. Se tratava do movimento que a mente faz para compreender a si mesma, buscando saber se pertence a um corpo físico ou a um fluxo universal.

Lentamente, os fios começaram a se interligar. O leve se tornou denso, o frio se transformou em calor e o vazio preencheu a si próprio.

Um pensamento surgiu.

Eu morri?

E, então, todo o resto surgiu com ele.

Cogito ergo sum.

O mundo físico a preencheu de uma vez.

O corpo de Lana começou a girar, envolvido em uma espiral frenética. Ela sentiu seus membros esticando, formando curvas para acompanhar o movimento. Os ossos soltaram um estalo alto.

Ela gritou um grito jamais ouvido.

A rotação aumentou. O mundo passava tão rápido agora que Lana se sentia próxima a arrebentar, como se seu corpo tivesse sido esticado como um elástico.

Um grito ecoou na escuridão. Lana não sabia se tinha vindo dela ou do mundo que a cercava.

De repente, tudo parou.

O corpo de Lana caiu com um baque pesado e ela sentiu cada parte de seu ser chocando-se contra uma estrutura sólida.

Teria permanecido encolhida se uma luz forte não tivesse tocado seus olhos, reclamando-a para o mundo das coisas despertas.

Deu-se conta que estava deitada sobre um piso de madeira desgastada. Levantou-se com dificuldade e se viu de pé em um longo corredor, ladeado em ambos os lados por portas que se defrontavam de modo simétrico. Na parede curta, localizada ao fundo, havia uma porta de madeira diferente das outras. Não era distinta por causa de sua configuração, mas por causa da luz que emanava de suas frestas.

Lana engoliu em seco quando reconheceu o lugar. Estava de pé no corredor da estalagem e a porta iluminada era a mesma pela qual tinha entrado com Heng mais cedo.

Começou a correr na direção dela. O tempo, entretanto, parecia incapaz de obedecê-la. Embora seus pé saíssem do chão, seu corpo permanecia no mesmo lugar, a impossibilitando de avançar.

Ela tentou correr mais rápido. Nada aconteceu.

Parou. Soltou um grito que extravasava um misto de ódio e desespero.

Fitou as portas que a flanqueavam. Na porta da direita, havia uma pequena pintura do símbolo solar, feita com tinta dourada na altura dos olhos. Na porta da esquerda, havia entalhado o símbolo da lua na altura do peito.

A porta da direita era mais bonita, chamativa. A porta da esquerda, porém, continha um símbolo sagrado. Aquela era a marca da Deusa e Lana tinha sido ensinada a nunca voltar as costas para a divindade.

Moveu-se naquela direção. Com alívio, percebeu que não tinha estagnado daquela vez e que seus pés a impulsionaram para frente. Olhou uma última vez para a porta brilhante no fim do corredor e inspirou fundo. Com um movimento certeiro, abriu a porta à sua frente.

Primeiro, Lana se viu cercada pela escuridão. Por um segundo, acreditou ter retornado ao estranho delírio que a aprisionara apenas alguns minutos atrás, mas o chão sob seus pés indicava o contrário. Além disso, estava um frio terrível, do tipo que fazia qualquer um se encolher. Lana abraçou o próprio corpo e prosseguiu.

À medida que ia avançando, a sombra cedia espaço à penumbra e ela começou a identificar as formas na escuridão. Estava em um tipo de salão abandonado, tão grande que era impossível identificar onde ele terminava. Cada passo seu ecoava contra o mármore encardido e, ao longe, ela conseguia ouvir o som de água gotejando.

Soltou um espirro. O som espantou um bando de corvos que se escondia na escuridão e fez com que os pássaros alçassem voo, crocitando. Lana os via de forma imprecisa, mas ainda sim correu atrás deles. Os pássaros, afinal, sempre encontravam uma saída.

Eles a conduziram ao que ela acreditava ser a parte central do recinto. Sentiu o ar fugindo dos pulmões assim que reconheceu o lugar onde estava e deu um passo para trás, assustada.

Lana estava em casa, embora aquele lugar pouco lembrasse o seu lar. Ainda sim, era uma versão destruída do Salão de Inverno em Kamen Shanize.

A claraboia estava destruída e o vidro formava um buraco pontiagudo por onde a neve caía, em redemoinho. Os flocos se depositavam sobre a grande mesa de carvalho que encentrava o salão, formando uma pilha meio derretida que escorria pelas laterais.

Quando algo importante acontecia, era no Salão de Inverno que os principais senhores do Norte se reuniam para deliberar e fazer justiça. Nada daquele cenário conservava a suntuosidade a que Lana estava habituada. Era estranho ver aquela mesa inchada, com a madeira destruída, e com as doze cadeiras quebradas e caídas. O espaldar azul dos assentos tinha sido rasgado e as penas tinham se espalhado, sendo levadas pelo vento. A pintura no mármore, localizada no centro do salão, estava desbotada e puída, com vários pedaços faltando.

Mal dá pra reconhecer o símbolo lunar, Lana pensou enquanto a avaliava.

As paredes brancas estavam cobertas por um fungo azul e brilhante, que normalmente crescia na umidade do inverno e que os nortistas sabiam ser mortal. O cheiro que ele emanava era terrível. Lembrava mofo, morte e todas as coisas que se perderam, mesmo sendo significativas.

Lana sentia vontade de chorar. Aquele era seu lar. Aquele era um lugar de justiça. Se o Salão do Inverno estava sim, ela mal conseguia imaginar o que teria acontecido com o resto do castelo. Mal conseguia imaginar o que tinha acontecido com seus pais e com todas as pessoas que ela tinha conhecido.

— Mostre-se, você que se esconde na escuridão. — uma voz disse.

A mulher tinha surgido de repente, imponente sobre o símbolo arruinado da deusa no centro do salão.

Ela própria parece uma deusa, Lana constatou.

Era alta e esbelta, trajando uma armadura inteiramente confeccionada em prata e adornada com símbolos ancestrais. O elmo estava adornado com penas azuis e brancas, quase tão longas quanto o seu cabelo prateado e liso. Numa das mãos, portava uma grande lança de prata, alta e brilhante como a própria lua. Sua pele era tão escura quanto a de Lana, mas seu rosto era etéreo, com traços mais belos do que qualquer outro que Lana já tivesse visto.

Era uma heroína rediviva, saída dos antigos mitos. Era uma filha da noite, forjada para lutar banhada em prata e livrar os homens dos terrores do escuro.

Lana deu um passo à frente, deixando que a luz precária tocasse seu rosto. A mulher misteriosa a avaliou longamente.

— Você tem a face daquele que eu amei, mas não é meu amado. Você lembra o filho que eu gerei, mas não é meu filho. — a guerreira disse. — Quem é você?

— M-meu nome é Lana Solo, senhora. — ela respondeu, ainda impressionada com a figura a sua frente.

O cenho da mulher se tornou carregado. Ela apontou a ponta da lança para Lana.

— Mentiras não são permitidas na minha casa, menina. Diga quem você é e talvez eu a deixe viver.

Lana hesitou, mas sabia o que deveria ser feito.

— Lana Altharian.

Lana tinha perdido o hábito de dizer quem realmente era. Sentiu-se estranha quando disse o próprio nome, mas, ao mesmo tempo, a verdade contida naquele ato a libertava.

A guerreira relaxou a postura. A expressão no seu rosto ficou mais suave e a firmeza cedeu espaço a uma visível curiosidade.

— Diga-me, criança. — ela começou. — Seria você um membro da antiga Casa Altharian, cujos membros descendem dos reis do passado, ou esse é a uma casa que, no seu tempo, não tem mais valor?

— Essa é a minha Casa. — Lana respondeu. — Lar dos reis antigos e também dos reis de agora.

— Elbor...

— É o meu pai e rei de meu reino. — Lana completou. — Assim como Eldric, meu avô, foi antes dele.

Fisgada pela surpresa, a guerreira prendeu o ar. Seu rosto tinha uma expressão estranha e Lana sentia que podia notar todas as nuances de suas emoções, passando da curiosidade ao medo. A mulher sorriu, mas não disse nada. Avaliou o rosto de Lana longamente, medindo as palavras.

— Tive muitos nomes enquanto ainda estava viva. — ela finalmente disse. — Os homens me atribuíram o tempo e a montanha. A cidade e a tempestade. Porém, uma dessas alcunhas se revelou superior às outras.

Ela desviou o olhar brevemente, como se refletisse, mas retornou seus olhos para o rosto de Lana.

— À você me apresento como Elden.

Lana sentiu o ar de seus pulmões escapando diante de tanta surpresa. Ela recuou alguns passos, mas manteve os olhos na mulher, embasbacada.

— Como a Elden de Syrax? — ela perguntou. — Aquela Elden?

— Eu nunca tomei a cidade de Syrax, embora ela tenha sido meu lar durante muito tempo. Acho que, de um jeito inusitado, fui eu que pertencia a ela. — a guerreira disse. — Ainda sim, essa sou eu e esse é um dos muitos nomes que pertencem a mim.

— M-mas... — Lana gaguejou bobamente. — Você é uma Filha da Noite!

Elden sorriu de um modo compreensivo e encantador.

— Talvez seja por isso que eu estou morta enquanto você ainda vive.

Aquilo não estava certo.

Os Filhos da Noite nasciam entre aqueles que possuíam o sangue das tribos e cresciam para se tornar pessoas notáveis, escolhidas pela Lua para lutar em armaduras de prata e cultivar a justiça. Tais seres lendários não se casavam com reis nem sucumbiam durante o trabalho de parto. Nada disso fazia parte do mito.

— Senhora, você... Tudo isso não faz sentido! — Lana disse, frustrada.

— Minha jovem, Lana. — Elden disse. — A medida que você envelhecer, perceberá que pouca coisa na vida faz.

A primeira esposa de seu pai tinha ganhado um lugar duradouro nos registros históricos devido ao amor do rei, mas eram os motivos desconhecidos que a tornavam notável. Infelizmente, na corte nortista, poucos se aprofundavam na história da rainha Elden; em geral, apenas se tocava superficialmente no assunto. Conhecendo tão pouco sobre ela, Lana tinha tentando imaginar seus detalhes enquanto crescia. A imaginação, no entanto, estava longe de se aproximar da verdade.

Lana sabia que Elden não tinha títulos de nascença, mas jamais tinha imaginado que ela era uma mulher das tribos. Lana também tinha ouvido falar de sua beleza extraordinária, mas não imaginava que ela era fruto de uma magia inata.

Ela sabia que seu avô havia desprezado seu pai depois do casamento. Agora, compreendia as razões por trás disso, e seu coração se enchia de pesar.

—Eu sei o que você deve estar pensando. —Elden disse. — Na época eu também fazia mal juízo do rei Eldrich. Hoje... Embora eu ainda não goste dele, consigo compreender o pavor que ele sentia com a minha ascensão política.

— Senhora, eu nunca soube quem você era. Acredito que nem mesmo o seu filho sabia.

— A história é contada pelos vencedores, Lana. Em nome do amor, eu tive que abdicar da minha identidade. Seu avô ficou particularmente feliz em fazer isso.

— O que houve, senhora?

— A nuance política não é tão difícil de entender e resulta de um conflito antigo. — Elden respondeu. — Quando o vulcão expulsou os Primeiros Pais de suas terras, eles não tiveram saída a não ser migrar. Nenhum deles foi bem quisto nas terras que hoje pertencem ao Imperador e a solução foi subir cada vez mais em direção ao Norte. Encontraram o nosso lar na primavera, mas só sobreviveram ao inverno graças ao meu povo.

— Os Primeiros Pais não eram colonizadores. —Lana interveio.

— Isso é discutível. Um homem ambicioso em território alheio sempre pode acabar se tornando um colonizador. — Elden disse, com um sorriso triste. — Entenda, Lana. Mesmo que eles não tenham nos colonizado do jeito habitual, acabamos nos rendendo a eles. Eles conheciam coisas que meu povo não tinha como saber. Isso fez com que o acordo de convivência que nós tínhamos fosse terminado e o meu povo foi empurrado cada vez mais em direção às montanhas e para além delas. Houveram, é claro, muitos conflitos. Seu povo não se dignou a escrever sobre nenhum deles, mas toda criança das tribos cresce sabendo o que aconteceu. Lembramos para que não possamos repetir nossos erros. Vocês se esquecem para que não tenham que justificar os seus.

Lana tencionou uma resposta, mas parou antes que as palavras deixassem seus lábios. Nada que ela dissesse seria o bastante. Como reparar um erro que já durava há tantos milênios?

— Rum Naserath piorou e melhorou as coisas. — a rainha Elden continuou. — Embora sua construção tenha sido conflituosa, a Cidade da Noite nasceu como a possibilidade de unir todos os povos que tinham a mesma fé. Por um tempo, isso aconteceu. Mas, mesmo que as tribos tenham ensinado a fé lunar para os homens que vieram de longe, duvido muito que até mesmo nos dias de hoje elas possam partilhar o mesmo espaço que eles.

— Estão podendo cada vez mais, devido aos tratados recentes. — Lana se sentia envergonhada em pensar que estava defendendo o lado errado.

— Isso está longe de ser suficiente. — Elden abriu um pequeno e triste sorriso. — Mas talvez um dia tenhamos um líder que mude tudo.

Lana subitamente compreendeu.

— Meu avô temia que você fosse essa líder.

— Sim. — Elden assentiu. — Na verdade, suponho que o lorde Eldrich temia que eu convencesse seu pai a sê-lo.

— Meu avô temia que suas terras tivessem que ser redistribuídas.— Lana continuou. — Ou pior. Ter um líder a favor das tribos poderia significar que iríamos perder nosso poder. Que vocês voltariam a ser soberanos, assim como foram no passado.

Elden tornou a assentir.

— Era um medo comum. Não só seu avô temia isso, mas também os lordes do conselho. Muitos deles ficaram bravos quando seu pai preteriu suas filhas para se casar comigo. Elbor levou anos para ter todos eles ao seu lado novamente.

— De fato, meu pai permitiu que mais pessoas vindas das tribos estivessem entre nós. — Lana disse. — Mas não chegou nem perto do apocalipse que os lordes esperavam.

— Não. Eu nunca signifiquei aquilo que eu deveria significar, para nenhuma das partes.

— Você não foi uma vilã.

— Nem sequer uma heroína.

Elden trocou a lança de mão, como se tivesse subitamente consciente do peso dela.

— Filhos da Noite são mitológicos porque são raros. — ela disse. — Não é sempre que a Deusa escolhe alguém para oferecer seus dons. Fui reclamada quando eu tinha treze anos. Antes disso, eu costumava ser como qualquer outra garota no mundo. Um dia, porém, a noite caiu sobre e minha pele parecia ter se tornado fogo. Meu cabelo ficou prateado. A partir dali, eu soube que tinha um dever a cumprir, pois pessoas como eu só nascem uma vez a cada século.

Lana notou que não havia arrogância na constatação da rainha. Na verdade, tudo que havia era uma mulher curvada pelo peso da obrigação. Lentamente, as peças do quebra-cabeça começaram a se juntar.

— Você falhou com o seu povo. — Lana estava tomada por uma terrível tristeza.

— Falhei. —Elden admitiu. Ela não sorriu dessa vez. A tristeza permanecia lá, ainda mais visível dessa vez. — O rei Eldrich temia que eu fosse ser uma espécie de messias, mas, para o meu povo, essa era a esperança. Sendo honesta, eu acredito que talvez pudesse ter feito tudo que esperavam de mim. Se não tivesse feito, poderia ter aberto o caminho para que outros fizessem. Mas não. Eu escolhi seu pai. Escolhi ser a mãe do filho dele. Isso me custou tudo que eu tinha.

Lana compreendeu que Elden não tinha ninguém mais além de seu pai para pranteá-la. Antes de morrer a rainha tinha encontrado completamente desenraizada, impedida de fazer parte do mundo que a cercava. Não tinha mais ligação com sua tribo, pois deixá-los significaria ser igualmente rejeitada. E jamais seria considerada parte da alta sociedade nortista, já que os nobres nunca aceitariam uma mulher de origem tribal como igual. Tudo o que restava para ela eram as cinzas.

— Espero que meu filho possa fazer um trabalho melhor que o meu. — Elden disse.

Lana sentia que o peso de seu próprio coração podia sufocá-la.

— Senhora... — ela começou. As palavras morreram em seus lábios. Ela não sabia como dizer. — Oslo não será capaz de fazer isso.

Elden piscou, confusa.

— Por que ele não é um Filho da Noite? Isso já era esperado, minha querida.

— Porque... ele está morto.

Elden recuou, vacilante. Pela primeira vez, não exibia sua usual aura de força. Um olhar de descrença tomou conta de seu rosto. Então, suas feições se contorceram de dor. Um uivo angustiante escapou de seus lábios, fazendo com que um calafrio percorresse todo o corpo de Lana. A força abandonou seus músculos e a rainha outrora imponente caiu de joelhos, com as mãos apoiadas no chão. Embora Lana não pudesse ver as lágrimas escorrendo de seu rosto, percebeu o momento em que elas pingaram no chão.

— Senhora...

Lana deu um passo na direção de Elden, para consolá-la, mas a rainha a repeliu com um gesto efusivo. Quando a guerreira olhou seus olhos, seu rosto tinha uma feição difícil de encarar.

— Quem? — ela perguntou. Sua voz ressoou por toda parte, como se tivesse mil anos de idade.

Lana podia ter dito que seu irmão tinha morrido de cólera, mas ela sabia, em seu íntimo, que aquilo não era verdade. Ela precisava ser sincera.

— Acredito que a minha mãe o tenha matado, senhora. Certamente, houve algum tipo de veneno. Todos acreditam que não. Mas eu sei que sim.

— Meu filho morreu para que você pudesse se tornar rainha.

Lana recuou diante da fúria que viu nos olhos da rainha. Pela primeira vez, ela se deu conta que talvez não sobrasse nada dela para retornar para casa.

— Senhora...

A mão de Eden se fechou ao redor da lança.

— Quem é sua mãe?

— Minha mãe é Fenora, da Casa Varvakian.

Elden usou sua lança como apoio para se levantar. Começou a caminhar na direção da princesa, que, amedrontada, começou a retroceder. Os pés de Lana tropeçaram e ela caiu sentada no chão. A rainha apontou sua lança prateada para o peito dela.

Lana esperou por um empalamento que nunca veio.

— Que a Casa Varvakian seja duplamente amaldiçoada então. — Elden empertigou a coluna. Quando tornou a falar, sua voz envolveu o ambiente ao redor como se vibrasse a partir de todas as pedras do castelo. — Que Fenora sofra tudo que meu filho sofreu, sete vezes mais. Que seu sofrimento se estenda por dias e dias e que qualquer chance de alívio ou de cura seja tomada dela. Que ao morrer, ela se lembre da vida que tirou e que isso também seja motivo de sofrimento.

Um trovão soou, preenchendo o ar com som e estática. Sua luz iluminou o recinto através da claraboia. Lana fechou seus olhos, esperando pelo impacto. Quando tornou a abrir, Elden ainda estava lá, mas o relâmpago havia desaparecido.

— Por que não eu? — ela perguntou confusa.

— Por que você? — Elden replicou, recuando a lança. — Sua vida não vale mais do que qualquer outra no mundo.

— Minha mãe roubou a vida do seu filho. Pelas leis antigas, poderia ter roubado a vida da filha dela.

— As leis antigas só valem para você. São as suas leis e não as minhas.

Elden estendeu a mão para ela. Lana a agarrou e recebeu o impulso necessário para se pôr de pé.

— Vocês sequer se dignaram a enterrar meu filho direito. Não há vingança no mundo que compense esse peso.

— Nós o enterramos sim, senhora. — Lana interveio. — Meu pai mandou construir para ele um túmulo nas montanhas, onde todos os homens de bem são enterrados.

— Sim, eu o ouço chorar. — Elden ergueu a cabeça e se concentrou, como se tivesse ouvindo os lamentos do rei naquele exato momento. — Ele nunca para de se lamentar. Diga a ele que me deixe em paz. Melhor. Diga a ele que enterre eu e meu filho no solo ao qual pertencemos. Jamais descansaremos se não estivermos onde é nosso lar. Jamais verei meu filho novamente. Eu tenho esperado por ele durante todos esses anos...

Lana sentiu a tristeza pesando sobre ela novamente. Não havia nada mais difícil de encarar do que uma rainha despojada, aprisionada em um lugar arruinado enquanto esperava pelo filho que jamais ia voltar.

— Eu cuidarei de tudo isso quando voltar para casa, senhora. Prometo pela Lua e pelo Mar.

Outro relâmpago cruzou o céu, dessa vez bem mais distante que o anterior.

— A senhora não aguarda pelo meu pai? — Lana perguntou, de repente.

Elden a encarou, surpresa.

— Por que eu esperaria pelo seu pai?

— Ele jamais deixou de chamar pela senhora.

Elden balançou a mão, demonstrando a falta de importância que dava aquela questão.

— Nossos caminhos já estavam separados antes mesmo da minha morte. Eu o amava, mas há limites até mesmo para o amor.

Algo naquela frase fez com que Lana se lembrasse de seu primeiro amor, o menino das tribos que tinha sido acolhido no cerne de seu lar e que partira anos depois, levando consigo o coração da princesa.

— Eu estive muito perto de repetir o destino de vocês dois no passado. — ela disse, tomada com um pesar nostálgico.

— Talvez ainda o repita. — Elden disse. — Nosso destino pertence ao tempo e ele, como todo bom guardião, é silencioso. Porém, de uma coisa eu sei. Você não deseja o peso da coroa, mas terá que assumi-lo. Você deseja ter os filhos do Norte, mas suas crianças nasceram sob o estigma imperial.

— Não! — Lana gritou horrorizada. — Por favor, não!

Lana caiu de joelhos e juntou as mãos sobre o peito. Seus olhos estavam cheios de lágrimas.

— Por favor, de novo não. Por favor, me diga, senhora, como eu posso evitar esse terrível destino!

— O que deve acontecer acontecerá mesmo que você tente impedir. Mesmo que você nasça uma terceira vez.

— Eu não vou ficar assistindo enquanto o mundo se transforma em ruínas novamente. Eu não posso permitir!

— Mas deve aceitar. — Elden disse. — Aceite seu destino, Lana da Casa Altharian, para que ele seja brando com você. Lute contra ele e ele será feroz.

— O que eu devo fazer, senhora?

A rainha começou a articular um conselho, mas reconsiderou. De certa forma, não havia mais nada a ser dito.

— Encontre a floresta.

Elden tocou a testa de Lana com a ponta de sua lança. Diante da frieza do metal, a visão começou a se dissipar como fumaça. Lana tentou desesperadamente agarrar a imagem da rainha, mas ela fluiu por entre seus dedos. Quando finalmente recobrou a consciência, percebeu que estava de volta ao corredor onde tudo havia começado.

A porta no final do corredor ainda brilhava. Determinada a alcançá-la, Lana se ergueu. Dessa vez, não encontrou nenhuma resistência quando correu na direção dela.

As marcas úmidas das lágrimas ainda estavam em seu rosto, e Lana as enxugou rapidamente com a palma da mão. Empurrou a madeira pesada, primeiro com as duas mãos, depois com o ombro. A porta não estava trancada, mas exigiu mais esforço para ser aberta do que qualquer outra.

Do outro lado, o mundo estava mergulhado na escuridão. Nada disso a deteria. Determinada, Lana cruzou o umbral.

Ela havia encontrado a floresta.

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