IIIII I
O padre Gerson acorda sobressaltado, seu coração doía em seu peito como se estivesse prestes a explodir.
— Senhor, por favor. Eu vos peço só mais algum tempo, eu não posso partir, agora ele precisa de mim, permita que eu fique mais um pouco. — O padre faz uma oração e sente seu coração se acalmando e ficando mais leve, até que a dor desapareça por completo.
Ele se levanta e caminha até a cozinha para beber um copo de água. Há mais de quarenta anos, ele cuida da paróquia de Nossa Senhora do Perdão, fundada em 1932 com o bairro Marsilac, na zona sul de São Paulo. Era uma comunidade muito unida e muito simples que lhe deu muita alegria. Mas há alguns anos, durante uma missa, ele sentiu fortes dores e, após consulta com um especialista, descobriu que o seu coração sofria de uma doença grave e precisava se submeter a um transplante.
Porém, ele se recusou a entrar na fila. Para receber um não por algum motivo, como não acreditar na ciência ou algo do tipo. E sim, porque já passava dos setenta anos, além da cirurgia ser de risco em seu proprio coração, ele sentia que já tinha cumprido a sua missão e que seria certo que alguém mais jovem recebesse aquela dádiva para que pudesse viver tudo o que Deus lhe reservara.
— Seja feita sua vontade.
Enquanto retornava para o seu quarto, padre Gerson escuta um barulho vindo da sacristia. Provavelmente algum animal perdido buscando abrigo contra a forte chuva que caia. Mesmo assim, ele decide investigar. Conforme avança, o barulho vai ficando mais alto, ficando claro que não se tratava de um animal, poderia ser "um assaltante?"
Padre Gerson descarta aquela ideia, imaginando o que levaria alguém a roubar de uma igreja e ainda mais a sua? Não havia nada de valor ali, toda sua congregação era formada por pessoas muito humildes e simples. O teto da igreja tinha goteiras e toda a estrutura precisava de reparos urgentes, e até mesmo o fusca oitenta e dois, doação de um fiel que ele usava para assuntos oficiais, andava dando sinais de que estava na final de sua longa estrada.
— Quem está aí? Não precisa se preocupar, não lhe desejo mal, meu filho, essa é a casa de Deus e todos são bem-vindos. — O som de algo quebrando faz com que o padre Gerson hesite, mas ele faz o sinal da cruz e continua em frente. — Não sei o que você está passando, meu filho, mas sei que podemos resolver tudo. — Padre Gerson abre a porta da sacristia e seu rosto empalidece ao se deparar com a uma moça toda ensanguentada caída no chão.
Ele vai até ela e a ajuda a se levantar e, com muito esforço, ele a leva até seu quarto e a coloca sobre a cama, e sai voltando em seguida com o kit de primeiros socorros. Após tratar as feridas da moça, ele se põe de joelhos e começa a orar, e assim começa sua vigília pela vida da enferma. Várias vezes naquela noite, padre Gerson achou que a garota não resistiria, e a cada vez ele orava com mais fé, clamando a Deus que salvasse aquela vida. E assim um novo dia chegou. Padre Gerson estava de cabeça baixa, orando quando sentiu alguém tocar em seu ombro. Ao olhar, ele vê a garota sorrindo para ele.
— Olá Gerson.
— Graças a Deus, você está bem.
— Mais ou menos obrigado por suas orações
— Você ouviu.?
— Sim, elas me deram forças para continuar.
— Não sabe o quanto eu estava preocupado, achei que dessa vez você iria se unir ao pai celestial.
— Eu peço desculpas por lhe deixar preocupado. Foi tudo minha culpa, eu vacilei.
Tudo bem, são ossos do ofício. Agora, por favor, me diga o que aconteceu com o que aconteceu, senhor Rafael? Quem foi capaz de deixar um anjo de Deus nesse estado?
Rafael narra sua luta contra Gabriel enquanto o padre Gerson escuta tudo calado com muita atenção.
E foi isso que aconteceu. Qual é o problema Gerson, que cara é essa?
— Não tenho certeza .
—Tem certeza de quê?
— Que esse homem realmente é mal.
— Que está dizendo, Padre? Sua fé está fraquejando?O mal só gera mais mal. Onde já se viu uma alma Infernal boa?
—Eu compreendo o que você está falando e concordo. Mas pelo que me disse em nenhum momento, ele tentou lhe matar..
— Talvez fizesse parte do plano.
— Sim é possível ou, talvez apenas talvez ele realmente seja uma boa pessoa.
— Prefiro não arriscar se não se importar..
— Tudo bem, só estava pensando em voz alta e o que faremos agora?
— Ainda preciso me recuperar, enquanto isso, peça a seus contatos para investigar esse sujeito.
— Como farei isso se nem ao menos sabemos o nome dele?
— Tenha mais fé, padre Gerson, olhe no bolso do meu sobretudo. — O padre pega-a e sente algo pesado ao mexer nos bolsos, ele encontra a pistola e a carteira de Gabriel. — Isso deve ajudar.
— Sim, com toda certeza vou começar a trabalhar imediatamente, senhor Rafael, descanse. — Está bem, Gerson vai em direção à porta e se vira sorrindo para Rafael.
Fico feliz que esteja bem o senhor e, se não for pedir demais, poderia no futuro não preocupar esse velho tanto?
— Pode deixar, isso não vai se repetir. — Padre Gerson sorri e fecha a porta atrás de si.
Sozinho, Rafael se ajeita na cama e fecha seus olhos. Seus pensamentos, a sua mente, retornam há milhares de anos quando, com outro anjo, observou um pequeno animal saindo de dentro do mar.
— Tenha cuidado, irmão, para não machucá-lo. Nosso pai tem grandes planos para ele. — Rafael encara a pequena criatura que parecia feliz em vê-lo como se soubesse de algo que ele não sabia.
Desde aquele dia. Rafael sempre acompanhou com interesse o desenvolvimento da raça humana. Ele sofreu muito ao ver Adão e Eva sendo expulsos do Paraíso e mais ainda quando Caim matou Abel. Quando o dilúvio veio, mal consegui conter as lágrimas de tristeza.
O amor que Rafael sentia por aquelas criaturas tão frágeis e de vida tão curta o fez tomar uma decisão assim, ele abandonou seu posto e veio à Terra. E se tornou o protetor dos humanos e da fé. Nas batalhas que se seguiram, ele luto sem medo, sempre pronto para se sacrificar. Com a certeza em seu peito de que era o correto, mas mesmo não querendo admitir as palavras do Padre Gerson haviam acendido uma pequena dúvida nele: "e se?"
Ele precisava entender, precisava da verdade, Rafael tinha que encontrar...
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