Capítulo 4
Mais uma vez palavras fazem-me perder o ar e não saber o que fazer, talvez eu esteja perdendo a capacidade de pensar. Acho que ficar sem reação seja melhor do que demonstrar certos sentimentos. Decido ouvir Anna, mesmo assustado e confuso, tento apenas prestar atenção.
Estamos sentados em volta da mesa de jantar, Anna trouxe-me aqui quando convenceu-me a comer. Ao menos estar sentado ajuda a disfarçar a minha fraqueza.
- Dieval Hasdywell, - Ela continua - Juliet falou-me dele algumas vezes. Ela tinha tanto medo, Edgar... Mas ele a amava, e essa nunca fora uma dúvida para Juliet.
- Mas isso não faz sentido, como ele... - Tento formular uma pergunta, mas recebo o olhar de reprovação de Anna por tê-la interrompido. Calo-me e deixo-a terminar.
- Lembro-me de quando ouvi falar dele pela primeira vez, eu tinha onze anos, tratava Juliet como uma mãe, o que ela realmente foi para mim, e perguntei-lhe por que eu não tinha um pai também, já que com o passar dos anos as memóriaa de meus verdadeiros pais iam-se perdendo. - Anna abaixa o olhar, talvez essa seja uma ferida aberta dentro dela: seus pais.
- Não é culpa sua. - Eu a interrompo, e juro que não farei novamente, ou ela vai matar-me com o olhar.
- Então Juliet disse-me que tinha de contar uma história, um segredo. - Ela continua como se não tivesse prestado atenção, o que eu sei que é mentira - Ela contou-me tudo, de como se apaixonou por ele aos dezoito anos, de como casaram-me quatro anos depois e de como eram felizes.
Minha mãe casou-se? Ora, estou parecendo um bobo, a cada palavra de Anna fico mais confuso. Quis perguntar-lhe sobre o casamento, mas o olhar de Anna dizia: NÃO ME INTERROMPA!
- Eles se amavam, Edgar. Os olhos de Juliet não mentiam, na verdade acho que ela nunca deixou de amá-lo, por isso não casou-se novamente. Ela disse-me que ele era aventureiro, amava fazer trilha pela floresta, o que sempre a deixava preocupada, mas ele a amava, de verdade. No entanto um dia ele saiu para fazer trilha e não voltou. Juliet o esperou por dias. Não sabes o quanto ela sofreu. Dois meses depois ela descobriu que estava grávida de você.
Então meu pai não sabia da gravidez? Ele não sabia de mim? Deus, como eu quero interrompê-la, fazer um milhão de perguntas. Mordo o lábio inferior para conter-me e ouço.
- A família de Juliet não aceitou a partida dele, pensaram que ele havia fugido, abandonando-a grávida. Proibiram-na até de usar o sobrenome Hasdywell, e por mais que ela contestasse, simplesmente não acreditavam. Juliet sofreu muito.
- Por que Juliet nunca contou-me sobre meu pai? - Eu a interrompo, não aguento mais. E é agora que seu olhar vai me engolir inteiro.
Anna olha-me com pena, o que me surpreende.
- Porque ninguém acreditava nela, Edgar. Até chamaran-na de louca, julgando-a incapaz de cuidar de você, seu único filho. Então ela decidiu se calar.
- Mas e a mim? - Não sei bem o por quê ou de quem, mas sinto raiva - Ela nem tentou!
- Tentou sim, - Agora é Anna quem me interrompe - e você gritou com ela. Negou-se a acreditar em sua própria mãe, em Juliet.
Uma facada no peito, acho que deve servir para descrever a dor que sinto, porque é verdade. Eu gritei com Juliet quando ela tentou contar-me a verdade sobre meu pai, nem se quer dei-lhe o benefício da dúvida. Eu gritei com a minha mãe segundos antes de ela morrer. Que tipo de monstro eu sou?
Choro. Sei que estou chorando porque as lágrimas escorrem quentes, lembrando-me de que eu estou vivo, e tenho de sentir a dor de ter magoado a mulher que mais amei, e amo, em toda a minha vida. Eu poderia ter feito tudo diferente, poderia tê-la ouvido, e talvez as coisas estivessem acontecido de outro modo. Gritar com Juliet foi um erro, daqueles que poderiam ser evitados, mas de repente muda tudo, afinal, não sabe-se quando é a última chance.
Os meus pensamentos parecem cartas de baralho sendo misturadas antes do jogo. Quero lembrar-me das palavras de Juliet...
- Tu irás em busca da verdade sobre teu pai. - Lembro-me e repito em voz baixa olhando para Anna que também chora. Ela assente como um leve movimento de cabeça - Mas como? - Pergunto num sussurro enquanto as lágrimas silenciosas dançam pelas maçãs do meu rosto.
- Tem uma pessoa, um homem. - Anna diz gaguejando, não sei se por estar chorando ou por estar esforçando-se para lembrar de detalhes a muito esquecidos.
- Quem?
- Victor, - Ela da uma pausa - Victor Weidder.
Um longo silêncio estendeu-se entre nós. Sinto-me perdido, e ao mesmo tempo preso, sem nada poder fazer para aliviar a sensação de angústia que alimenta-se de meus órgãos lentamente. Eu odiei por anos o homem que Juliet amou, e que a fez feliz. Eu fui arrogante, criei meu próprio buraco vazio de ódio e não aceitei ajuda para sair de lá. Eu não ouvi Juliet, minha Juliet. Lágrimas.
Não sei a quanto tempo estou parado perdido em pensamentos, cheguei a conclusão de que muitas vezes é mais fácil chorar sentindo a dor do que chorar sentindo a culpa. Anna também parece perdida, sem esboçar nenhuma reação. Levanto-me e vou para o quintal.
Tem uma grande árvore aqui, lembro-me de quando ela não era tão grande. Juliet adorava passar as tardes debaixo dela enquanto eu e Anna brincávamos no gramado. Bons tempos. Com o passar dos anos eu fui me afastando das brincadeiras, não sei bem o por quê. Logo eu estaria preocupado com os estudos e com o trabalho, que era o que mantinha a casa. Na verdade quando um homem cresce se afasta de muitas coisas boas, e se achega a coisas ruins.
Sinto tanta falta da presença de Juliet, lembro-me de quando chorava em seu colo, por estar com medo ou apenas triste, e ela ne consolava. Lembro-me de quando ela cantava para mim... Saudades.
Penso se faria difefente se soubesse que ela partiria tão cedo. Sim, faria. Eu a diria todos os dias o quanto a amo e o quanto ela é especial. Eu a consolaria se algum mal lhe fizesse sofrer, eu a amaria a cada segundo e a faria perceber esse amor, e a essência do que sinto e do que há entre nós, tão eterno e tão profundo, que nasce do âmago, e agora escorre pelos olhos. Mas já é tarde. Felizes são aqueles que ainda têm tempo, mesmo sem saber até quando esse tempo durará. O de Juliet acabou, e com ele a minha chance de fazê-la sorrir mais uma vez.
O dia está claro, mas a árvire nunca me pareceu tão sombria, talvez esteja de luto também.
Ajoelho-me aos pés da árvore, fecho os olhos e deixo lembranças me invadirem. Em pouco tempo ouço as gargalhadas, as vozes que cantavam e gritavam de alegria. - Venha Edgar, é sua vez. - Lembro-me de Juliet chamando-me para brincar. Sorrio, as lágrimas escorrem com pressa, mas eu sorrio. Sei que fui feliz, e que Juliet também foi feliz nesses momentos. Ao menos tenho lembranças para acalmar o coração.
Anna ajoelha-se ao meu lado, ela se embaraça com seu longo longo vestido laranja ao se ajoelhar, e eu quase gargalho. Só então percebo que estou feliz. A perca de Juliet machuca tanto que não posso descrever tamanha dor, mas acabo de descobrir que ela sempre estará viva em mim. Contenho-me e apenas sorrio.
- O que pensas em fazer agora? - Anna pergunta virando-se para olhar-me.
Deus, como ela é bonita. Seus olhos transmitem uma paz tão grande, não sei como pude não perceber durante todos esses anos, mas é assim que acontece, quando o homem cresce se afasta de coisas boas. E eu acabei mesmo afastando-me de Anna. A anos.
- Eu vou fazer o que Juliet gostaria que eu fizesse. Vou atrás da verdade sobre meu pai. - As palavras saem da minha boca como uma explosão, acho que esperei minha vida inteira por algo que me libertasse do ódio que sentia. Não queria que fosse preciso Juliet partir, mas eu farei isso por ela, por nós.
Anna sorri. Tão simples assim, ela sorri e sei que aquele sorriso acaba de libertar-me. Um sorriso doce e angelical, bastou ele para acalmar minhas guerras.
- Não, você não vai. - Anna olha para baixo, mas está sorrindo, ela segura as minhas mãos e fecha os olhos, sem deixar de sorrir - Nós vamos.
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"Quando tiveres a ânsia de fazer algo bom e corajoso, faça-o logo, antes que o medo te faça desistir"
- Tens certeza de que esta é uma boa ideia? - Anna pergunta-me.
- Claro, se deixarmos isso para outra hora acabaremos por não fazer. - Respondo.
- Tudo bem, ajude-me com as malas então.
- Não precisarás de muita coisa, Anna.
- Levarei pouca bagagem. - Ela diz aumentando a voz enquanto sobe a escadaria.
Sei que ir imediatamente é a melhor opção, Juliet costumava dizer que se esperarmos de mais para fazer algo, o medo nos impediria quando enfim decidirmos agir.
Subo as escadarias. Anna está segurando duas malas, tamanho mediano, uma em cada lado. Ela está empolgada.
- Vamos, ajude-me! - Ela pede.
Pego as malas de suas mãos e desço os degraus.
- Não levarás nada? - Anna pergunta-me quando ponho suas malas no fundo da velha caminhonete.
- Já peguei o necessário.
Entramos no carro depois de trancar a casa.
- Irão dar por nossa falta. - Anna diz quando começamos a seguir viagem.
- Falei com a Sra. Fallowrs que ficaremos fora por uns dias.
A viagem está silenciosa, estamos indo para o outro lado da cidade, no limite da floresta, onde Anna diz estar o possível endereço de Victor Weidder. Não faço a mínima ideia de quem é esse homem, ou se ainda está vivo, confesso que estou levando uma velha espingarda usada para caçar, em caso de necessidade ela não será muito útil, eu sei, mas é só por precaução.
Já anoiteceu, não vejo muitas pessoas nas ruas. Durante as últimas horas perguntei-me se não estava louco, a ponto de fazer uma besteira, mas uma linha de esperança faz-me seguir sem deixar espaços para dúvidas. Penso em Juliet, em Anna, e nos últimos acontecimentos que me cercaram. Os pensamentos fazem-me pisar no acelerador. Sim, eu estou no caminho certo.
Saímos da estrada e seguimos meia hora num caminho de terra. Sinto-me meio perdido, mas Anna afirma ser o caminho explicado por Juliet a anos atrás. Não que a memória de Anna não seja uma boa fonte de informação, mas não seria muito confortável passar a noite na caminhonete.
Avisto uma casa grande de varanda, velha, mas aparentemente bem cuidada. Já é noite, sinto medo ao imaginar o que o destino me aguarda, talvez seja o medo que Juliet disse que nos faz desistir.
- Acho que é aqui, Edgar. - Anna diz olhando-me sem expressão.
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