Capítulo 3
Por instantes senti que meu cérebro deixou de pensar. Aquelas palavras simplesmente não fazem sentido. Como? Por quê?
Os olhos de Juliet arregalados como se em sua frente estivesse o próprio segredo da vida, confundiem ainda mais meus pensamentos. Por instantes meu corpo perde os sentidos e eu passo a ser apenas uma criatura qualquer perdida em um mundo sem sentido ou luz do sol. Um nada.
Meus pulmões não fazem-me mais respirar, posso ouvir o som das batidas do meu coração, quando de supetão Juliet estende seus braços e caminha em minha direção. Não consego me mover, perco-me na escuridão do olhar de Juliet banhado em lágrimas, e numa nova e desastrosa sensação de confusão, onde eu não sei o que fazer ou o que pensar. Então tudo acontece. Tão de repente e em câmera lenta, vejo o olhar de Juliet se perder do meu e seu corpo cair ao chão.
Enfim meus pulmões enchem-se de ar outra vez. Meu corpo move-se tão rapidamente como se não precisasse de comandos mentais para isso. Em tão pouco tempo ajoelho-me ao chão, segurando com as mãos a cabeça de Juliet e observando perplexo uma última lágrima escorrer de seus olhos fechados.
- MÃE! - Grito. Medo, dor... Anna surge atrás de mim, grita e sai novamente. Nada mais faz sentido. Choro. choro pela dor que sinto, choro por sentir-me só, por saber que não mais ouvirei sua voz, não mais a terei. Acabou. Meu corpo se contrai e entre soluços abraço o corpo inerte de minha amada Juliet. Palavras nunca descreverão o vazio que se forma em meu peito, parte de mim morre com ela. Eu só quero dois minutos a mais, quero abraçá-la, dizer que a amo. Quero Juliet de volta. Lágrimas, lágrimas, lágrimas...
- Não, NÃO! Juliet, VOLTE!
Não lembro-me bem do que aconteceu depois, Anna voltou acompanhada do Doutor, tiraram Juliet de meus braços e a levaram para o hospital da cidade. Não tive forças para levantar-me e ali mesmo fiquei.
Horas se passaram, eu sei. A noite caiu com um pesado fardo sobre mim. Eu estou só, na casa ouve-se apenas o meu pranto. Deus, como dói.
- Edgar? - Anna.
Anna aproxima-se de mim, senta no chão ao meu lado e, sem mais palavras, deixa-me chorar em seu colo. Choro descontroladamente até que a dor e o vazio enche-me de tal modo que as lágrimas vão embora, deixando-me apenas o torpor.
- Sabes o que se passa, não é? - A voz de Anna desperta-me de uma espécie de transe.
- Juliet partiu...
- Quando o Dr. Frandlie chegou ela já estava, bem, ela não estava. O Doutor falou-me que ela devia ter passado por um momento de grande emoção, então seu coração, o seu coração não... - Anna começa a chorar.
Sento os papéis se inverterem, agora sou eu o consolador e Anna a consolada. Em quanto Anna chora aos soluços, ora tentando conter-se, ora explodindo em pranto, eu acaricio seus longos cabelos negros. As ondas escuras como o ébano de seu cabelo deslizam entre meus dedos. É a única forma que encontrei de mostrar-me presente nesse momento de tanta dor.
Se ao menos eu conseguisse chorar. Talvez eu não tenha mais lágrimas, apenas um vazio, um grande e sombrio vazio que nunca, jamais, se preencherá, porque Juliet partiu.
Já é noite, tarde da noite. A única luz que permite, pouco que seja, que eu enxergue algo no quarto silencioso é a da janela, vinda de poucas estrelas, dos postes quase apagados da rua ao lado e da lua minguante que se esconde atrás de nuvens. A noite nunca fora tão acolhedora para mim, o seu silêncio, as sombras escuras que se formam por toda parte, os animais que observam do topo das árvores incansavelmente, o frio, a solidão... A noite parece ser a única a me entender, a dividir a mesma dor, a mesma falta.
A tempos Anna adormeceu em meu colo. Olhar para ela faz-me lembrar de Juliet. "Tu irás cuidar de Anna, Edgar". Penso em quanto carinho Juliet sentia por Anna, sei que ela amava-a como uma filha, e mesmo quando a doença a ameaçou ainda se preocupava com Anna. Porque agora, sem Juliet, Anna está só.
Levanto-me e carrego Anna até seu quarto. Sinto fome, sede, só agora lembro-me que desde cedo não fiz nada a não ser chorar. Tanto faz, alguém já morreu por passar um dia sem comer? Vou para o meu quarto e enquanto caminho descalço pelo chão frio sento-me cansado como nunca antes. Fecho a porta e deito-me na cama na tentativa de adormecer. Sem lágrimas, sem choro, apenas o vazio.
Acordo feliz e bem disposto, ouço gargalhadas e num pulo levanto-me da cama para seguir o som. É Anna e Juliet. Ah, como estão felizes, elas cantam, dançam e brincam em volta da grande árvore que temos em nosso quintal. Anna gira e rodopia sem parar, fazendo os babados de seu vestido dançarem no ar, ela sempre gostou daquele vestido, era seu preferido, fora o primeiro vestido que ganhou de Juliet quando veio morar conosco. Uma menina, apenas uma menina.
- Mamãe! - Eu grito.
- Venha mostrar-me como é sonhar, viajar pelo mundo inteiro... - Elas cantam sem me notar.
- Mamãe! - Grito mais uma vez.
- Venha mostrar-me como é sonhar, voar nas asas do vento... - Cantam cada vez mais alto.
Anna se assusta com algo, para de rodopiar de uma lado para outro e corre para dentro de casa.
- Mamãe! - Grito mais alto, já assustado, mas Juliet não me ouve.
Então de uma hora para a outra, Juliet para de cantar e começa a chorar, o que era dia torna-se noite tão rapidamente que não consigo entender. Juliet começa a soluçar, em pânico, e eu tento correr até ela, mas por mais esforços que eu faça não consego sair do lugar, tento gritar, mas minha voz não sai, então começo a chorar desesperadamente, e tudo vai ficando escuro, escuro, e eu não consigo enxergar nada. Grito.
- Edgar! Edgar, acorde! - É Anna. Ela abraça-me, deixando sentir seu calor a me acalmar. Eu mal consigo entender o que aconteceu. Foi um pesadelo, apenas um pesadelo. Ficamos abraçados em silêncio por um tempo, enquanto aos poucos as batidas do meu coração se acalmavam.
- Precisamos ir, Edgar. - Disse-me.
- Ir? - Perguntei ainda desorientado.
- Sim, - Ela abaixa o olhar - precisamos enterrá-la.
Foi horrível. Enterrar Juliet foi ainda mais difícil do que entender que ela partiu. "Infelizmente, não há o que ser feito", lembro-me do Doutor dizendo. Algumas pessoas perguntaram-me como eu estava, e de alguma forma todas evitaram perguntar o por quê de eu não ter ido ao hospital, seguido do velório, de Juliet. Talvez tenham combinado isso. Preocupei-me em apoiar Anna, que chorava sem conseguir parar. Afinal, cuidar de Anna fora o último pedido de Juliet. Não, espera, o meu pai...
Acho que as lágrimas de Anna secaram também, ela também sente o torpor a cada segundo. Ao chegar em casa, depois de repetir que queria apenas ficar sozinho para os que insistiam em ir conosco, fui convencido por Anna a comer, ela falou-me de como foi ajudada por vizinhos e amigos no hospital, como o Dr. Frandlie fez questão de cuidar do velório e enterro, por ser muito próximo à nossa família, e de como todos se preocuparam por eu não os ter seguido até o hospital, mas que entenderam-me, ou apenas tomaram a decisão de não irem atrás de mim.
A dor existe, e é tão profunda que não consigo explicá-la com palavras, ou com qualquer outra coisa. É simplesmente insuportável.
Sento-me à vontade para contar a Anna o que aconteceu segundos antes de Juliet partir. Conto-a tudo, cada palavra dita por Juliet, o que eu senti e pensei (ou não pensei) ao ouvir todas aquelas coisas e a confusão que se formou em minha mente. Anna ouve-me atentamente, esperando que eu termine de falar. Quando termino ela abaixa a cabeça, como sempre faz quando está triste.
- Dieval.
- O quê? - Pergunto-a sem entender o que dizia.
- Dieval, seu pai se chamava Dieval.
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