Capítulo 20 - Anna Barganne
Minha cabeça dói simplesmente porque ouço o som da minha respiração. Agora, ninguém mais está no meu quarto. Já há um tempo Victor, Christopher e Eloah saíram, deixando-me em paz para descansar. Como eu queria, afinal, mas é tão difícil dormir quanto ficar acordada.
Eu sofri um acidente. Foi o que Victor disse-me. Talvez por isso, minha menina, ainda não esteja lembrando das coisas, mas ficarás boa logo - dissera-me ele mais cedo. E disse-me isso após aquele homem sair do meu quarto. Edgar, seu nome. Era alto, bonito. Tinha cabelos castanhos e olhos verdes. Olhos tão profundos! Inquietantes, com certeza. Faziam-me sentir perdida, ao mesmo tempo salva. Mas ele foi embora. Provoquei isso, eu acho, pois preciso mesmo descansar. Espero que ele volte.
- Anna? - Ouço a voz baixa de Eloah ao bater levemente à porta.
- Entre. - Digo apenas.
Vejo a porta abrir-se vagarosamente e Eloah entrar por ela. Calmamente, senta-se ao meu lado. Ela tem olhos cor de mel e cachos de cor clara moldando-lhe a face. Sempre gentil, muitas vezes eufórica, tão feliz e sorridente. Lembranças menos rescentes de nós duas surgem: Eloah segurando minha mão e correndo escada acima. Sorrio.
- Estás bem? - Diz-me, sussurrando.
- Não consegui dormir. - Confesso enquanto ela senta ao meu lado na cama.
- Oh, pois devias! Eu volto outra hora. - Levanta-se outra vez.
- Não... - Digo. Peço. Não conseguirei dormir, de qualquer forma, e sinto necessidade de entender certas coisas - Fique. Por favor.
- Bom, já que queres. - Volta a sentar-se ao meu lado.
Como Eloah está bem proxima, deito minha cabeça sobre seu colo. Ela separa meus cabelos, fazendo movimentos de massagem em minha cabeça. Ah, sim, isso é bom!
- Devias ter dormido. Estás aqui acordada há quatro horas?
- Sim. Acordada o tempo todo.
- Isso não será bom para tua recuperação - Para a massagem, acho que sua atenção foi dar ênfase ao que dizia. Depois de um som de confirmação da minha parte ela continua.
- Como foi o meu acidente? - Pergunto por fim. Tenho uma lista de perguntas e decido começar pelas mais simples.
Ela pigarreia - Na floresta - Diz apenas.
Viro-me, ainda em seu colo, mas desta vez podendo ver seu rosto.
- A floresta que rodeia esta casa? - Pergunto.
- Sim - diz-me.
- Como foi?
Ela foge do meu olhar, desta vez mira para sua frente, deixando-me observar seu queixo - Não sei como explicar o que houve, Anna - Pareceu-me sincera.
- Claro. - Sussurro - Eloah... - Tento fazer com que ela olhe outra vez para mim - Eu não me lembro do passado. - confesso.
Ela franzi o cenho, como a estranhar o que digo. Sento-me, sem tirar meus olhos dos dela.
- Não me lembro de ser... criança. Não me lembro de nada que tenha acontecido há mais de alguns meses! - E choro. Sem que eu movimente um músculo da face, as lágrimas escorrem. "Perdi minha história", lembro de ter dito em voz baixa horas depois de estar sozinha no quarto.
Eloah chora. Nenhuma lágrima escorre por sua face, mas vejo-as transformarem de seu olhar. O queixo dela treme e seu olhar se perde. Não dói só em mim.
- Do que te lembras? - Esforça-se para manter a voz calma.
- Não sei exatamente. Está tudo tão confuso, Eloah. Não sei mais o que são lembranças e o que é imaginação. Lembro-me de ver Victor à porta com uma faca enorme nas mãos. Lembro-me de tu segurando minha mão e trazendo-me ao quarto, lembro-me de Christopher andando pela casa.
- Lembra-te apenas daqui? - Pergunta-me. Tremo ao ler terror em seus olhos, em seus lábios, em seu corpo.
- Sim... - Choro. Cubro o rosto com as mãos enquanto soluços se formam em minha barriga e deslizam por minha garganta. Que mais deveria lembrar? Algum outro lugar? Alguma outra pessoa?
- Calma, Anna. É preciso que tenhas calma. - Diz ao abraçar-me.
- Eu lembro que a mamãe morreu. - Digo, limpando o rosto e olhando-a nos olhos outra vez.
Eloah afasta-se, bruscamente. Seus olhos parecem querer fugir de sua delicada face. Ainda olhando para mim, ela dá passos para trás, até sair da cama. Ela tropeça, quase cai, mas não tira seus olhos de sobre mim e sua feição de surpresa não se desfaz.
- A mamãe? - Diz e parece sufocar imediatamente. Sinto como se sua voz acabasse de ser roubada, e a minha também.
- Sim. - Digo depois do silêncio congelar meus osso - Não foi recentemente, foi? Mas eu lembro!
- Lembra-te da mamãe? - Ela parece agora desesperada. De andar para trás já chegou à parede e colou-se nela como se isso a deixasse segura.
- Não... - lamento - Mas lembro-me de que ela morreu.
Eloah abre a porta - Preciso chamar meu pai!
- Não! - Impeço-a de descer correndo as escadas, levanto-me da cama - Diga-me antes quem é aquele homem!
Vejo então uma lágrima cair de seu olho, escorrer por sua bochecha pálida e pingar de encontro ao chão. Sinto minhas bochechas quentes e úmidas, devo estar a chorar também. De dor, desespero ou medo? Outra vez minha cabeça lateja. Choro, sem tentar conter, apenas choro. Perco-a do campo de visão.
Minutos depois Victor sobe ao quarto. Carrega-me e leva-me novamente à cama. Oh, como dói! Abraço-o aos prantos, aos soluços, aos gemidos.
- Ajude-me Victor, dói!
- Acalme-se, menina! - Pede.
Tento, mas não consigo. Imagens vem à minha mente e dispersam-se imediatamente, antes que eu possa entender o que cada uma delas significam.
Uma árvore grande, antiga.
Grito. A dor é insuportável. Minhas têmporas ardem, queimam. Os sons misturam-se uns aos outros, formando um zumbido único e penetrante. O frio toca minha pele e tremo, completamente, enquanto sinto morrer.
- Busque-o na cidade! - alguém grita.
Ergo os olhos, escuridão.
##
De imediato deduzo que é noite. A temperatura mais fria, os ventos fortes e o som das folhas das árvores balançando. Luz amarelada invade meus olhos, são as velas. Abro totalmente os olhos. Estou no quarto, outra vez. As janelas estão fechadas, assim como a porta. A única luz é a de poucas velas sobre um candelabro. Levanto-me.
Inspiro. Estranhamente, nada me impede de fazer isso sem nenhuma dificuldade. Olho-me: um longo vestido de cetim, não mais a calça e a camisa que usava antes. Espero que Eloah tenha feito isso - murmuro.
Percebo que estou descalça ao sair de sobre o tapete e pisar o chão frio do quarto. A porta não está totalmente fechada. Olho-a. Sim! - Decido por fim.
Tento abrir e fechar a porta com cuidado, para não fazer barulho. Desço cuidadosamente os degraus enquanto o som de vozes fica cada vez mais altos e fácil de decifrar.
- Não podia ser simples mesmo, não é? - Diz uma voz masculina. Acho que trata-se de Christopher.
- É como se eu tivesse me perdido no meio de uma história. Eu achava que... - Diz uma voz, também masculina, parece familiar. Sim, familiar, mas ainda é difícil dizer.
- De qualquer forma, ela precisa saber. É sua vida, sua história. Não podemos... - Eloah, reconheço de imediato.
- Tenho de protegê-la, é só. Vês que o perigo sou eu?
- Edgar! - Ouço Victor advertir o que a voz acaba de dizer. Edgar. Aquele homem... Quem ele tem de proteger? Sou eu? E por que ele é um perigo?
- Anna? - Assusto-me com a voz de Christopher.
Percebo que parte de mim está à mostra enquanto outra parte se esconde atrás da parede. Que tola!
Junto coragem e caminho, lentamente, para a sala de jantar, para a mesa pequena demais em comparação ao cômodo, onde todos estão. Inspiro. Expiro.
Cheiro de livros velhos invade minhas narinas.
- Olá... - Digo, cabeça baixa.
- Menina! - Victor recebe-me calorosamente, mas com um tom de voz mais baixa do que o normal.
Sento-me ao lado de Eloah, único lugar vago na mesa. De maneira levemente desconfortável, Edgar está à mina frente. Olho-o furtivamente. Ele olha-me de volta. Um misto de emoções me invade ferozmente. Aqueles olhos parecem... falar comigo. Poderia ter se passado apenas um segundo, alguns minutos ou até um dia inteiro, mas quando todo o meu corpo queima de uma sensação completamente nova, olho para baixo e assim fico.
- Estavam falando de mim? - Pergunto.
- Sim. - Diz Victor, colocando sua mão sobre a minha, em cima da mesa.
- Podem continuar.
Ouço uma risada. Baixa, contida. Penso em levantar a cabeça para saber de onde vem, mas sei que não resistiria em olhar novamente os olhos dele, daí sabe-se lá quantos dias passariam para que eu voltasse a mim.
- Estás bem agora? - Victor pergunta-me.
- A cabeça não dói mais. - Respondo.
- Que bom!
- Não posso dizer o mesmo do coração. - A sala silencia-se subitamente - Eu preciso saber de algumas coisas.
As mãos de Victor, que já há um tempo não estavam sobre as minhas, caminham estranhamente sobre a mesa. Ele parece nervoso. Sim, está nervoso. Estranha e confusamente nervoso.
- Victor não é teu pai.
Ao ouvir, não pude mais manter minha cabeça baixa. Ergo-a, encarando o homem. Edgar. Que está ele a dizer?
Sua feição permanece séria, rígida, e ninguém contesta o que ele diz.
- A mãe de Eloah e de Christopher, a falecida esposa de Victor, não é tua mãe. Estás nesta casa há não mais de dois meses. Sofreste um acidente, precisas agora voltar para casa.
Emudeci. As ideais se confrontam em minha mente. Se perdem, se matam, ressurgem fortes e reais. Não acredito de imediato, tampouco julgo mentira, apenas choro internamente por não saber a verdade. Queria odeiá-lo por estar a dizer essas coisas. Queria muito. Com todas as minhas forças, mas sou ainda incapaz de sentir qualquer coisa. O que sei é que Victor, Eloah e Christopher são as únicas pessoas as quais me lembro, como poderão não ser minha família?
- Não a choque dessa forma. - Diz Victor. Sua voz não condena Edgar e não pede que ele pare. Diz apenas algumas palavras que julga necessária, sem entonação alguma.
Nem a voz de Victor tirou meus olhos arregalados dos olhos calmos, frios e ao mesmo tempo suplicantes de Edgar. Sem palavras, o espero continuar.
- Não queremos mentir para ti, Anna. Queremos apenas proteger-te do que te machucou. Não fosse isso, ainda estarias lembrando de quem és.
Então sou eu mesma quem querem proteger. Mas isso tudo ainda é confuso demais! O que me machucou? O que me roubou de mim?
- Teus pais verdadeiros foram embora quando tinhas 4 anos de idade. - Minha cabeça começa a doer - Foste educada como filha por uma adorável mulher chamada Juliet. Ela também faleceu. Recentemente. E teus verdadeiros pais estão de volta, querem reencontrar-te.
Verdadeiros pais? Juliet? As perguntas surgem, desaparecem, imagens surgem, desaparecem, em meio a confusão, lanço:
- E quem é Victor? Quem são todos eles? - Pergunto diretamente à Edgar - Porque eu não lembro dos meus pais, mas lembro-me deles!
- Eu compreendo. - Diz apenas e, juro, li dor em seu olhar - Mas não lembras deles há dois anos atrás, não? Como disse, o conheces há cerca de um mês e meio.
Não deixa de ser verdade. Cada palavra. Eu não lembro... assim como não lembro de nada.
- Mas também não lembro de nada. - Confesso.
- Mas lembrarás, e quando o fizer quero que estejas protegida, ao lado dos seus verdadeiros pais, longe do que te fez mal.
- Quem és tu para tomar decisões por mim? - Percebo que a irritação de não entender nada do que está acontecendo explode nessa frase. Quem ele pensa que é?
- É o melhor, menina Anna. Acredite. - Diz Victor, voltando a segurar minha mão.
- E nunca estaremos longe. A veremos sempre! - Completa Eloah.
Prendo as lágrimas que começam a se formar. Elas não podem fugir assim, não demonstrarei fraqueza dessa forma!
- Mas eu não os conheço!
- Daqui a dois meses, os conhecerá melhor do que conhece à Victor e todos que aqui moram. - Diz Edgar. Ah, como quis pular sobre a mesa e bater-lhe com força quando disse isso. Ele não entende! Eles são tudo o que tenho! Ao ranger os dentes de raiva, pergunto-me porque ele se excluiu dessa colocação. Como se eu o conhecesse por mais tempo.
- Então querem me ver longe? - Levanto da mesa, puxando minha mão de sob a mão de Victor.
Afasto-me da mesa, todos aparentemente calmos. Só eu estou fora de mim neste lugar? Acabo por ficar mais irritada.
" vira-se e olha em meus olhos. Sim, exatamente como eu queria que acontecesse, e por algum motivo passo a acreditar que tudo ficará bem. Seu olhar é tão profundo e terno, a imensidão verde parece querer contar-me segredos em silêncio.
- Anna - Ele diz sem desviar seus olhos dos meus e apertando minhas mãos de leve -, eu nunca deixarei que te machuquem."
- Ahhh! - Grito enquanto lembranças surgem violentamente e outra vez um zumbido ensurdecedor me enlouquece. A cabeça, novamente, dói extremamente. Sinto minhas pernas falharem. Como que de imediato, alguém me segura antes que toque o chão em uma queda. Deve ser ele. Edgar. Vejo-me desejando ardentemente que fosse ele, que fosse suas mãos em minha cintura. Se estava falando a verdade ou não, não importa mais, sei que posso confiar. Aqueles olhos... não parecem capazes de mentir.
- Estás bem? - Ouço sua voz sussurrando em minha orelha direita quando o zumbido fica mais baixo e a cabeça passa a doer menos. Estranhamente, a sensação vai amenizando ao invés de levar-me a perder os sentidos, como na última vez.
- Encontrar meus verdadeiros pais será o melhor para mim? - Pergunto, voz fraca.
- Sim...
Ele ergue-me. Desta vez, consigo ficar de pé outra vez. Olho-o nos olhos:
- Então leve-me o quanto antes.
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