Capítulo 11
Silêncio. Horas de silêncio... Não consegui dormir e apenas esperei deitado as horas passarem. Pensar em duas semanas atrás me assusta. Sinto falta dos dias calmos ao lado de Juliet e de Anna, do movimento da cidade, do entra e sai dos vizinhos à procura de Juliet na casa. Sinto até mesmo falta de passar horas e horas estudando ou trabalhando. Depois da morte de Juliet nem tive tempo de pensar nos estudos e no trabalho, que será de mim? Sinto uma ânsia quase incontrolável de ir até o fim. Mas não sei o que está por vir, se quer se existe algo que posso chamar de "por vir".
Levanto-me entediado e caminho até a porta. Preciso sair daqui. As paredes do quarto não me cabem mais. Passo em frente ao mesmo lugar onde Vitor levou-me para ver a caixinha. Está semi-aberto. Luzes amarelas dançam no espaço entre a porta e a parede, provavelmente a luz de uma vela, ou, que sabe, várias. Este é um dos poréns de morar em meio à floresta: uma casa linda, enorme, mas sem energia elétrica. Na maior parte do tempo é bem complicado, mas no fim isso é só mais um ponto que faz dessa casa encantadora, mística e misteriosa. Às vezes, confesso, um pouco assustadora.
Não bato na porta. Sigo em direção à sala de jantar, que está silenciosa e vazia. Paro pela primeira vez para observar as imagens dos quadros que estão na parede acima da lareira. É Victor, jovem, mas ainda assim é ele. Ao seu lado, uma mulher bonita e sorridente segurando com as mãos um "mini Christopher" em frente à varanda da casa num dia ensolarado. Não pude deixar de rir. Na outra imagem, os três estão na floresta, o menino estava correndo quando a foto foi tirada, e numa pose cinematográfica: sorriso largo, cabelos ao vento. A mulher sorri encantada abraçada a um Victor levemente mais velho do que a primeira imagem. Sigo para olhar a terceira imagem: Victor e Christopher estão sentados em cadeiras de balanço na varando, parece ser fim de tarde de um dia nublado. No colo de Victor um bebê, com um laço cor de rosa na cabeça. A mulher não está lá, também não encontrei o sorriso nos lábios de Victor que tanto fora marcante nas últimas fotos.
- Já estás sentindo-te melhor? - Viro-me. Christopher.
- Bem, já. Na verdade não aguentava mais ficar deitado olhando para o nada.
- Era para dormires. Precisas recuperar-te.
- Eu sei, já estou bem melhor.
Viro-me mais uma vez para os quadros, dando uma última olhada pelo triste rosto de Victor na última fotografia.
- Esta é a minha mãe. - Christopher diz apontando para o segundo quadro, onde eles estão na floresta - Veja, este sou eu e este meu pai. - Ele ri.
- Tua mãe é uma senhora muito bonita. - Digo.
- Digamos que sempre será. - Diz sorrindo e vira-se para mim.
- O que houve com ela? - Pergunto temendo tocar em uma ferida aberta. Talvez esse seja um assunto que machuque muito, como falar sobre os pais de Anna machuca ela.
- Ela morreu. Já faz muito tempo. Pouco tempo depois do nascimento de Eloah. Veja, aqui é ela. - Diz apontando para Eloah nos braços de Victor na terceira imagem - Nossa pequena menina, que não teve o privilégio de conhecer a mãe.
- Sinto muito. - Digo virando-me e olhando para ele - Sinto mesmo.
Ele não responde, continua em silêncio olhando para as primeiras imagens e perdido nelas por uma tempo que pareceu durar horas. Também fico a observar as imagens, tão lindas... Duas contêm tanta alegria, tanto amor. A segunda contêm uma alegria contida pelo nascimento de Eloah e uma tristeza horrível pela perca de um alguém especial.
- Edgar? - Viro-me para olhar quem disse. Christopher continua olhando os quadros.
- Anna? - Ela está de mãos dadas com Eloah. Já disse que Eloah é a garotinha mais radiante que vi, não?
- Pensei que estivesses deitado, se recuperando.
- Já estou bem. Precisava levantar para respirar novos ares.
- Ainda acho que devias deitar. Ainda estás ferido! - Ela diz soltando a mão de Eloah e aproximando-se de mim - Vejas! - Diz tocando meu rosto ao lado do corte na minha testa.
- Isso não é nada. - Replico - Onde Victor está?
- Eu! - Vejo Victor entrar na sala de jantar - Vejam só! A família toda reunida e nem é hora de comer! - Diz e começa a gargalhar.
Família...
- Victor eu... - Começo a falar, mas sou interrompido:
- Eu sei, eu sei. Já está mais do que na hora e assim como teu pai, não tens um mínimo de paciência. - Sorrio.
Ele estende a caixinha e a põe a mesa. Eu nem tinha percebido que ele estava com ela nas mãos. Christopher vira-se e senta em uma das cadeiras da ponta, o que me faz lembrar de que ele estava olhando os retratos por todo esse tempo. Anna, Eloah, Victor e eu também sentamos. O colar e a chave está na minha mão. Estou segurando-os desde que voltei a casa do Louis. Estendo a mão e seguro a caixinha nas mãos. Deus, o que está por vir?
Ponho a chave na fechadura e abro lentamente a tampa da caixinha. Tremo. A sensação de que o futuro está nas minhas mãos me consome. Tremo. Tento controlar os sinais de nervosismo, mas é inegável que eu ansiei muito por isso, talvez, uma vida toda, eu só não sabia.
Papéis. É a primeira coisa que vejo. Retiro-o de dento da caixinha e desdobro. "Legends" Vejo escrito bem grande no topo da folha. "The lair" Vejo escrito abaixo.
- O que é isto? - Pergunto.
- Deixe-me ver. - Victor diz e pega o papel de minha mão - Lendas. - Ele diz - O Covil...
- O que quer dizer?
- Dieval estava atrás disso quando sumiu.
- De uma lenda? - Pergunto incrédulo.
- Sim! Lembras do que conversamos assim que tu chegaste aqui? Ele tentava provar a existência do mal. Como vejo aqui, ele tentava provar a existência de demônios.
- Queres dizer que meu pai desapareceu para tentar provar-te que o mal existe, só para tu acreditares em Deus? - Pergunto, alto de mais, talvez.
- Não ponha a culpa sobre mim! Enquanto tu nutrias ódio pelo teu pai, eu sofria a falta dele. E eu não quis que ele fosse atrás de sei lá o quê! Não pedi para que ele me provasse nada!
- Mas ele foi, não foi? Meu pai... Ele...
- Edgar, calma. - Anna diz tentando conter meus ânimos - Não vês que Victor em nada tem culpa? Eles eram amigos!
- Penso assim também. - Christopher diz - Acho que deves ver o que mais há nessa caixa.
Seguro a caixa nas mãos e retiro mais papéis. Além do pequeno livro (não era só um papel) que falavam sobre a lenda de " O Covil", encontrei mais três folhas soltas. Três folhas longas e velhas, com as bordas manchadas e escritos à mão. Uma delas parecia uma mapa, cheio de setas que levavam sempre floresta à dentro.
Abaixo dos papéis um medalhão. Abro-o. Juliet ao lado de um homem. Sim, meu pai. Dou-me conta de que nunca vi um retrato se quer do meu pai. Imaginava-o de tantas formas, mas agora, vendo-o de verdade, vejo que é muito mais parecido comigo do que eu pensava.
- Este é meu pai? - Pergunto. Sei da resposta, claro, mas preciso que alguém diga algo para ter certeza de que não estou enlouquecendo.
- Dieval. - Diz Victor, sem mexer um músculo. Apenas diz, trazendo-me para uma realidade tão mágica... Esse é meu pai! Tão parecido comigo... Os mesmos traços, o mesmo sorriso... Sinto as lágrimas escorrerem entre as maçãs do meu rosto. Não tento contê-las.
- Acho que por hoje já vivemos emoções de mais, não? - Diz Christopher.
- Pai? - Interrompe Eloah.
- Sim, meu bem? - Victor responde.
- Por que choras? Estás lembrando da mamãe? - Ela diz levantando-se e sentando no colo do pai, abraçando-o.
- Não, meu bem. Está tudo bem.
- Acho que... Eu estou indo. - Digo levantando-me com a caixinha nas mãos, dentro dela, os papéis, o livro e o medalhão. Vejo Anna levantar-se e seguir-me até o quarto.
Deixe-me ver, Edgar. - Ela diz quando entramos no meu quarto. Entrego a caixinha para ela e ela desdobra o papel com o mapa desenhado. Examina-o. Passa um longo tempo, que parece-me uma eternidade, examinando o mapa.
- Amanhã vamos embora. - Diz por fim.
- Atrás da caverna? - Digo sentindo uma mistura de medo e empolgação.
- Não! Vamos para casa.
- O quê? Não podemos, Anna. Não agora que estamos tão perto. - Sento-me na cama e fico a observar sua reação.
- Se tu não fores, eu irei.
- O quê? Por quê?
- Ele morreu Edgar! - Ela começa a alterar a voz - Não vês que esse é o mapa para a morte? Já entendemos o que aconteceu. Veja as lendas: falam de demônios, de sangue, de sombras...
- E esse é o meu dever: desvendar tudo isso!
- Não é não. Teu dever não é morrer, assim como o teu pai, por essa coisa se denomina "O Covil". Mereces viver.
- Mas Juliet...
- O que queres? - Ela interrompe-me aproximando-se de mim, ficando à minha frente - Seguir esse mapa, essa lenda, essa loucura, morrer e me deixar só? Edgar, que será de mim sem ti? Por favor...
- Não, não é só isso o que quero! -Digo sem conseguir pensar direito no que está acontecendo.
- Então o que queres?
Levanto-me de supetão, cedendo a um impulso que consome minh'alma toda vez que a vejo, e deixo seu olhar penetrar no fundo dos meus olhos. Aquela escuridão que não tem fim chamando-me para perto, conduzindo-me à ela...
- Tu.
Seguro em sua cintura e toco meus lábios nos dela. E o tempo, de repente, pára...
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