Capítulo 5
Capítulo 5
O portão de metal soou bem alto atrás do último boi. Os ombros de Daniel doíam, embora esse tivesse sido seu único trabalho enquanto o veterinário cuidava do gado e administrava a vacina. Ele observou-os soltarem o boi do outro lado do pasto, junto do rebanho, onde ele gritou seu desgosto e correu de volta para os da sua espécie. Eles não eram nada como as vacas de olhos corados que Daniel via nos anúncios de leite. O gado na fazenda parecia tão forte quanto os homens que os manejavam.
— Ei Dani, eu me perguntei o que você faria hoje — disse Samuca.
Daniel olhou para cima para ver Samuel caminhando em direção a ele e não podia negar a onda de alívio. Na verdade, alívio não explicava exatamente o que ele sentia, mas era mais fácil chamá-lo assim. Ele se endireitou, esticou as costas e gemeu com os estalos satisfatórios.
— Esses caras não me deram nenhuma outra opção — ele disse e inclinou a cabeça para os dois homens que estavam parados, mas observando a conversa.
— Bom. Por um tempo achei que você poderia ter entrado no carro do seu irmão e pego a estrada para longe daqui.
— Eu pensei isso também, mas ei, eu ainda estou aqui.
O ex-policial riu e tocou a aba do chapéu de Daniel. — Eu estou pronto para encerrar o dia, então que tal nós pegarmos uma cerveja dos caras e planejar como você vai chegar nas cavernas?
— Claro — disse Daniel, um pouco confuso com a sugestão. Assim que ele voltasse para a estrada, era um caminho reto até a saída para o Parque Nacional Cavernas de Peruaçu, então o que havia para discutir? Ele seguiu Samuel para uma fileira de pequenos chalés de tábuas de madeira com varandas que se estendiam por todo o comprimento. Todos os edifícios da fazenda pareciam ter uma varanda, refletiu Daniel, mas apreciou a sombra que ofereciam. Aquele grupo de prédios acabou sendo as moradias dos peões, onde foram recebidos por um velho em uma igualmente velha cadeira de madeira. Ele ergueu a garrafa de cerveja em saudação quando se aproximaram.
— Samuel Lopes, eu queria saber quando você estaria mostrando seu rosto por aqui novamente.
— Você sentiu minha falta, Beto? — Samuca respondeu e sentou-se na beira da varanda.
— Eu sempre sinto falta de alguém que vai ouvir meus contos quando o sol se põe.
— É assim que aprendemos. — Samuel olhou para Daniel, que estava parado, meio sem jeito, observando a conversa e disse — Esse é meu amigo Dani. Ele vai pras cavernas amanhã.
— É um prazer conhecê-lo, Daniel. Meu nome é Roberto de Souza, mas por aqui sou o Beto. Por favor, junte-se a mim em uma cerveja, porquê de alguma forma acho que é para isso que o jovem Samuca está aqui.
— Não apenas a cerveja, velho, mas algo gelado é sempre bem-vindo. — Samuel sorriu, enfiou a mão no refrigerador ao lado do velho peão e passou uma garrafa para Daniel. — Beto está nesta fazenda há mais tempo que qualquer um, incluindo o dono. Ele conhece a terra e pode te ensinar muito se você aguentar a falação dele.
Beto se balançou de volta na cadeira e riu. Ele olhou diretamente para Daniel e disse — Ele está certo, você sabe. Todos nós sabemos como contar um causo aqui, mas se você souber ouvir atentamente, sempre encontrará o fio da verdade.
Daniel não tinha certeza de como responder ao velho, então ele apenas sorriu e tirou a tampa da cerveja. O forte cheiro de lúpulo subiu do gargalo da garrafa. Ele nunca foi um bebedor de cerveja, mas coberto de poeira e suor, Daniel nunca cheirou nada mais doce. O primeiro gole refrescou sua língua e ele olhou para cima para ver Samuel sorrindo para ele.
— O que é? — Ele perguntou.
— A expressão em seu rosto, companheiro. — Ele riu e tomou um longo gole de sua garrafa. — O gosto é bom no final de um dia de trabalho.
Daniel não podia discutir, e a rigidez nas costas e nos ombros ecoava o sentimento.
— Então, o capataz conseguiu os planos para o novo poço de água? — Beto perguntou e inclinou a cadeira para encostar na parede da cabana.
— Uh-huh — Samuel murmurou ao redor do gargalo da garrafa. — Nós checamos o levantamento da terra e descobrimos que a ideia dele é muito boa. Ele vai entrar em contato com a prefeitura e ver se podemos ir em frente e elaborar alguns planos.
O velho assentiu pensativo. — Vai ser bom ter mais um poço. As últimas chuvas da estação estão quase aqui, mas as cisternas, mesmo cheias, não estão dando conta da época da estiagem.
Daniel olhou para o céu sem nuvens e viu Samuel piscar para ele.
— O que te faz dizer isso, Beto? O céu está tão azul como era ontem e no dia anterior — Samuel perguntou e deu um tapinha no lugar vazio ao lado dele para que Daniel se sentasse.
— Há mais indicações sobre o clima do que a cor do céu —, Beto o repreendeu. — Observe os insetos, ou se sua visão é tão ruim quanto a minha, observe os pássaros que se alimentam dos insetos. Até o gado sabe que a chuva está a caminho.
Todos os três homens olharam para o rebanho disperso ao longe, fazendo exatamente o que estavam fazendo o dia todo.
Samuca sacudiu a cabeça. — E não se esqueça do barômetro que você tem em seu quarto.
— Isso também — o velho respondeu e levantou a garrafa, sabendo que ele tinha sido pego em sua artimanha.
— Seu polícia!
O grito chegou bem a tempo de avisar a Samuel que uma bola de futebol estava indo direto para ele. Com uma mão desajeitada, ele conseguiu pegá-la e salvar a maior parte de sua cerveja.
— Carlinhos, seu idiota — Samuel gritou de volta e jogou a bola para ele.
Um pequeno grupo de homens juntou-se a eles em torno do refrigerador, mas teve a boa vontade de estocá-lo com garrafas próprias. Daniel conhecia dois deles, mas os outros obviamente ouviram sobre o estranho que o ex-policial tinha arrastado.
Eles passaram por comentários calmos até que Marcos declarou — A Mortícia aqui fez um bom dia de trabalho, por isso não se deixe enganar pela aparência dele.
Samuel quase engasgou com a boca cheia de cerveja e esticou a perna para dar um chute no falador.
— Está tudo bem — disse Daniel, e pela primeira vez, estava tudo bem. Ele sabia que não havia malícia nesses caras, e ele definitivamente não parecia pertencer ao meio deles.
— Então, quem está pronto para um jogo de futebol antes do jantar? — Carlinhos sugeriu e passou a bola para Samuel.
Samuel gemeu, mas pôs-se de pé e colocou a garrafa de cerveja no deque da varanda. — Estou dentro.
Daniel sacudiu a cabeça. — Vou passar. Eu não sou muito de esportes com bola.
Marcos riu lascivamente e disse — Então você não é como o polícia? — Sua risada foi interrompida por uma bola de futebol empurrada firmemente no estômago.
— Vamos, seu idiota — Samuel chamou enquanto corria para a terra vermelha compactada em frente aos alojamentos. — Você vai só falar ou jogar?
Daniel observou os homens subindo e descendo no campão improvisado, não totalmente certo de quem estava de que lado e isso não parecia importar. Eles gritavam xingamentos, faziam jogadas ilegais e riam muito.
— Vocês são um par estranho — Beto disse baixinho do nada.
— Eu o conheci ontem. Bem, anteontem, eu acho — disse Daniel e se virou para olhar para o velho.
— Isso não significa que vocês não são um par. Vocês são como duas metades de uma história esperando para ser contada.
Daniel franziu a testa e balançou a cabeça, mesmo que o comentário tenha feito um pouco de cócegas em sua barriga. — Eu não tenho ideia do que você está falando.
— Tudo bem — Beto começou. — Conte-me sobre seus desenhos, os que eu vejo saindo por suas mangas; e eu estou supondo que eles estejam em outras partes do seu corpo também.
Por alguma estranha razão, Daniel quase puxou o tecido sobre os braços para esconder suas tatuagens. Ele nunca se sentiu assim antes, mas era como se o velho peão pudesse enxergar através dele. — Eu sou um tatuador e tenho um estúdio no centro de BH há alguns anos.
— Mas, por que você os usa?
— Eu acabei de dizer ...
Beto o interrompeu com uma voz gentil, mas determinada. — Isso não me diz por quê. Que tal eu contar o que vejo?
Daniel encolheu os ombros porque, embora estivesse nervoso com o que o velho poderia dizer, estava curioso.
— Armaduras. Você usa suas tatuagens como uma armadura e o metal em seu rosto como espinhos. Você quer avisar o mundo para ficar longe, embora não seja o que você realmente precisa. Eu estou perto?
Muito, fodidamente perto, Daniel pensou, mas disse um silencioso. —Talvez.
— Funciona, na maioria das vezes, mas e aqui? — O velho bateu a mão contra o peito. — Isso não te deixa oco por dentro? Não é por isso que você está indo para o Coração?
Tanto tempo gasto em terapia e o velho peão acertou tudo naqueles poucos minutos. Daniel não pôde responder e foi forçado a voltar seu olhar para os homens no campo de várzea, argumentando se era falta ou pênalti.
— Samuel é uma história diferente.
— Como assim? — Daniel perguntou baixinho, observando o homem rir e correr com a bola.
— Ele tem um coração tão grande quanto uma daquelas cavernas do parque, mas não tem armadura. Ele perdeu isso. Não, ele não a perdeu. A armadura de Samuca explodiu e agora ele sente tudo um pouco demais.
— É por isso que ele está aqui?
— É por isso que vocês dois estão aqui. Vocês têm que fazer essa jornada juntos. Leve-o com você amanhã.
— Ele não tem trabalho para fazer aqui? — perguntou Daniel, embora o pensamento de Samuel viajando com ele preenchesse um pouco do vazio.
— Todos os trabalhos podem esperar. Ele vai com você. Ele gosta de você e, além disso, você precisará dele para lhe mostrar o caminho. Dentro do parque só pode andar por aí com um guia credenciado e ele é um.
— A estrada é muito reta. Eu não acho que vou me perder. Chegando no parque eu me viro. Me encaixo com alguma excursão.
— Mas você não pode ir desse jeito, Daniel. É hora de você andar.
— Ah, eu não penso assim — declarou Daniel e olhou em volta para a expressão muito séria do velho.
— Você veio por um motivo, mas é a jornada, não o destino que é importante. Acredite em mim, Daniel, ande até o Coração e você encontrará o que está procurando.
Daniel abriu a boca para argumentar, depois fechou de novo. Por mais que desafiasse toda a lógica, ele confiou no velho.
— Bom —. Beto sorriu. — Está decidido. Agora vá para os chuveiros antes que este grupo turbulento termine com seu jogo. É o pequeno prédio no final dos alojamentos.
— Sim claro. Obrigado — disse Daniel, um pouco chocado com a conversa. Levantou-se e começou a andar para carro para pegar sua mochila quando ouviu atrás dele:
— Você terá que correr, está ficando tarde ...
Daniel se virou e perguntou — Perdão?
Beto apenas sorriu — Eu não disse nada
**
Olá caminhantes,
Como estão? Então... e esse velho? Como ele sabe tanto? O que Samuca e Dani vão encontrar pelo caminho? Tá ficando interessante. Quero saber mais do passado do Samuel. Hmmm.
bjokas e até a próxima att.
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