A noite é sombria. O céu está com nuvens pesadas, uma garoa fina recai sobre todo o reino de Limmura. Não há estrelas ou lua no céu, pois é como se as sombras dos próprios deuses das trevas estivessem recobrindo todo o reino.

Por conta do frio e da garoa que não para de cair, as pessoas estão dentro de suas casas, exceto os Cavaleiros da Ordem dos Cavaleiros da Rainha que, por ordem de Sir Aled e de Lady Samara, patrulham as ruas da cidade, prontos para pegarem aqueles a quem eles prontamente chamam de " os traidores do reino".

E, dentre os cavaleiros que lideram estas patrulhas, estão Teodor e Malik.

Os dois homens estão montados em seus cavalos, dois magníficos corcéis negros e, parecem não se importarem nem um pouco com a insistente garoa que não para de cair.

Comandam os cavaleiros com mãos de ferro, dando ordens e mais ordens para que nenhuma rua da capital do reino fique sem vigia.

Os dois rondam sem parar, cavalgando com velocidade, de olho em qualquer movimento que eles achem suspeito, tudo isso para que consigam cumprir, com perfeição, as ordens que lhes foram dadas por Sir Aled e por Lady Samara.

― Malik. – a voz de Teodor se faz ouvir – Creio que seja melhor nos separarmos, meu caro, eu posso cobrir os cavaleiros da área norte da cidade, e, você cobre os cavaleiros da área sul. Creio que com isso cobriremos um território maior e com isso teremos mais sucesso em nossa missão.

― Certo. – concorda Malik – Estou de acordo. Nos encontramos aqui dentro de duas viradas de ampulheta.

Dizendo isto, Malik instiga seu cavalo a marchar e, em pouco tempo, some da vista de Teodor.

O Cavaleiro continua a sua ronda, atento a tudo e a todos, querendo, mais do que qualquer coisa, encontrar de uma vez por todas Elissa, para que ele possa, pessoalmente, dar um fim a vida dela.

A verdade é que ele nunca gostou de Elissa, nunca achou que uma garotinha pudesse ser digna do título de rainha.

Lembra-se do rei Andreas, como ele sempre teve muito orgulho da filha, sempre encheu a boca para dizer que ela nasceu marcada pelos deuses para ser uma grande rainha.

Só que ele, Teodor, nunca acreditou nisso.

Sempre viu a pirralha como uma garotinha tola, porém bela, ele nunca conseguiu deixar de notar a beleza rara dela, e, conforme ela foi crescendo, mais bela ela foi se tornando.

Elissa sempre viveu correndo e se escondendo atrás de seu cãozinho de estimação, e Andreas nunca se importou com isso, ao contrário, parecia não ver que a pirralha e Stefan viviam juntos.

Mas, outro homem não podia se aproximar de Elissa, pois, isso, ele via, como foi naquela noite...

Pensar naquela noite faz com que Teodor leve uma de suas mãos ao peito, onde, por baixo de sua armadura, ele carrega uma cicatriz, a marca de uma espada, feita por Andreas. Aquela noite, a qual ele não é capaz de esquecer, é que fora a responsável por ele se aliar a Sir Aled e Samara, e, desde então, ele não consegue se arrepender da decisão que tomou, de lutar contra Andreas e sua filha, e colocar Damon no poder.

Obedecendo as ordens que lhe foram dadas e ainda tentando atuar da melhor maneira possível, a fim de que ele não seja descoberto, Leon está pelas ruas da capital do reino, junto com outros cavaleiros, nas buscas por Elissa.

E, muito embora, por fora, ele esteja agindo exatamente como os traidores da rainha, tudo para não ser descoberto, no mais íntimo de seu coração, tudo o que deseja é que seu caminho não se cruze com nenhum dos aliados da rainha, ou melhor, que nenhum dos aliados da rainha cruze com algum desses malditos traidores.

Ele ainda não sabe quais são os planos da Rainha Elissa nesse momento, mas, sabe que deve continuar em seu papel.

Até agora está conseguindo enganar os seus inimigos e, ele espera sinceramente que continue assim, ou o seu destino é a morte certa.

Não que ele tenha medo da morte, porque não tem. Mas, o que ele teme é deixar Linn sozinha no mundo.

Desde que os dois eram crianças, são sozinhos e, ele sempre cuidou de sua irmã.

Gostaria de saber como ela está se virando neste momento, e, apesar de uma parte dele temer muito por ela, há algo, no mais íntimo de seu coração, que lhe diz que sua irmã está se virando muito bem e que ela está se descobrindo, e, ter esta sensação lhe dá um certo consolo.

Vê os cavaleiros da Ordem dos Cavaleiros da Rainha patrulhando as ruas com afinco, e, tentando agir dentro do personagem que criou para si próprio, ele tenta fazer o mesmo, imitando o que os homens ali estão fazendo, para que assim ninguém venha a desconfiar dele e com isso ele possa continuar com o trabalho que se propôs a fazer.

Vê se aproximando Malik, montado em seu cavalo e, imediatamente, se coloca em sinal de alerta.

Desde o primeiro momento em que cruzou com aquele homem, não gostou nem um pouco dele, e, o fato de Lady Samara confiar tanto nele, só faz com que simpatize menos ainda com ele, e, mais, isso faz com que ele tenha a mais absoluta das certezas de que este Malik é um homem muito mais perigoso do que ele sequer é capaz de imaginar.

Malik então desce de seu cavalo e se aproxima de Leon, para em seguida dizer:

― Alguma novidade?

― Nenhuma, senhor. – responde Leon, com a voz mais fria que consegue.

― Mas eles vão aparecer. – Malik volta a falar – Tenho certeza de que a pirralha que se diz rainha não irá conseguir ficar escondida por muito tempo e, no momento em que ela aparecer, nós a pegaremos.

― Tenho certeza de que assim será. – fala Leon, desejando exatamente o contrário.

― E assim será, meu caro. – Malik sorri de forma maligna, um sorriso que mostra toda a sua sede por derramar sangue – E assim será.

Bethanie está sentada em uma das escadarias do palácio, não está pensando em nada em particular, apenas está sem um pingo de sono e por isso está ali, sentada, apenas vendo o tempo passar.

Como todos os cavaleiros que servem a Sir Aled estão patrulhando as ruas da cidade em busca de Elissa, o imenso palácio está silencioso e vazio, visto que os únicos que estão ali são ela, Nivriti, Lady Samara, Sir Aled e Damon.

Ao contrário dos Cavaleiros da Ordem dos Cavaleiros da Rainha, que, não pensaram duas vezes em trair Elissa e passar para o lado de Sir Aled, as magas da Ordem das Magas se mantiveram fiéis a Saphyre e a Elissa, e, da centena de magas que compõem a Ordem, só ele e Nivriti foram ousadas e corajosas o suficiente para traírem Elissa e Saphyre e irem em busca de algo muito maior.

Para ela, simplesmente não vale a pena servir a Elissa, e, ela não é capaz de entender porque uma maga como Saphyre, que, segundo as lendas, possui um poder que nenhuma outra maga em seu mundo possui, serve a uma jovem rainha sem poder nenhum, apenas por uma coroa em sua cabeça.

Desde criança, Bethanie sempre foi ambiciosa. Entrou para a Ordem das Magas em busca de poder, e, lá dentro, quando começou a conviver com Saphyre e ver que a mulher, apesar de demasiado poderosa, nunca quis o poder para ela, começou a se frustrar.

E, foi exatamente nesta época que conheceu Lady Samara. Esta sim, é uma mulher que sabe ir em busca do que quer, e, é por isso mesmo que, não pensou duas vezes em se aliar a Samara para depor Elissa, pois, somente Lady Samara é que lhe dará todo o poder que ela sempre desejou.

Bethanie escuta passos se aproximando e, não demora muito para ver Damon se aproximando e se sentando ao seu lado.

― Está sem sono? – ele pergunta, como quem não quer nada.

― Estou. – responde Bethanie, dando de ombros – E você?

― Também. Posso saber em que está pensando?

― Nada em particular. Apenas estava relembrando o meu passado.

― E o que exatamente tem em seu passado?

― Depende do ponto de vista. Para mim, muito, pois foram as escolhas que fiz no passado que me colocaram aqui hoje.

― E milady se arrepende das escolhas que fez?

― De forma alguma. Muito pelo contrário, sei que eu escolhi o lado vencedor, e, quando Elissa enfim estiver morta e você subir ao trono, eu terei exatamente aquilo que sempre busquei.

― E o que você sempre buscou?

― Poder. Eu sempre quis ter poder, dentro da Ordem das Magas. Porém, Saphyre nunca olhou para mim, aos olhos dela, parecia que eu sequer existia.

― Pode ter certeza milady, de que, em meu reinado, terá todo o poder que desejar, dentro da Ordem das Magas.

Samara está em na antessala de seus aposentos privativos, sentada em uma poltrona, lendo um livro. Em seu rosto, está o retrato da serenidade, pois, ela não está preocupada com nada, afinal de contas, ela tem a mais absoluta das certezas de que, esta noite, tudo sairá exatamente de acordo com seus planos.

Elissa acha que é esperta e que está segura pois tem Saphyre ao seu lado, mas, ela já provou que é muito mais poderosa do que Saphyre, que, aquele a quem serve lhe dá o poder que necessita para alcançar todos os seus objetivos, e, por isso mesmo é que não se preocupa, pois sabe que a sua vitória já está mais do que garantida.

Algumas batidas na porta acabam por chamar a sua atenção.

― Pode entrar. – a voz de Samara se faz ouvir.

As portas duplas que dão acesso a antessala dos aposentos de Samara se abrem e, ali surge Sir Aled.

Samara não perde tempo e faz sinal para que ele se aproxime e se sente em uma poltrona em frente a ela, o que ele faz imediatamente. Samara o encara e, não deixa de notar a expressão de ligeira preocupação em sua face.

― Qual é o problema, Sir? – Samara não perde tempo em perguntar – O que o está incomodando?

― Muitas coisas, milady. – Aled não perde tempo em responder – Ao contrário de sua pessoa, que, parece não se preocupar com nada.

― É porque não tenho motivos para me preocupar. Daqui a exatamente sete dias, estaremos coroando o paspalho do Damon, não era isso que o Sir queria?

― Sim e não.

― O que quer dizer com isso?

― Elissa ainda vive.

― Ela não me preocupa nem um pouco.

― O que quer dizer com isso?

― É só questão de tempo até Elissa morrer, tal como aconteceu a Andreas. E, se alguém chegar perto de descobrir o que eu fiz para garantir a morte da rainha, farei com esta pessoa exatamente o que fiz aquele cavaleiro que chegou bem perto de descobrir a verdade. Qual era mesmo o nome dele?

― Wahum. – Aled responde, sem nenhuma emoção em sua voz.

― Isso mesmo. Sorte a sua que consegui descobri-lo e pará-lo a tempo, pois, não fosse isso, Stefan certamente chegaria bem perto de descobrir a única fonte de cura para Elissa.

― E agora, você tem certeza de que Stefan não vai descobrir uma forma de curar Elissa

― Certeza absoluta. Eu mesma me certifiquei disso. No Reino de Limmura, não existe mais um único livro que contenha a informação que viria a salvar a vida de Elissa, o que significa que ela está inevitavelmente condenada a morte, é apenas questão de tempo.

― E, enquanto isso, teremos de coroar Damon com ela ainda viva e, no momento em que o coroarmos, Elissa será considerada uma traidora da coroa, assim como todos os aliados dela.

― Exato. O que significa que, mesmo com os contratempos que tivemos, no fim, tudo sairá exatamente como planejamos.

― E isso muito me agrada, milady.

― A mim também, Sir, mais do que que sua pessoa é capaz de imaginar.