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Capítulo 31

     Os primeiros raios de sol da manhã invadiram o quarto de Marjorie, desenhando linhas douradas sobre o tapete felpudo e iluminando suavemente o rosto adormecido do David ao seu lado.

     Marjorie despertou de um sono profundo e revigorante, sentindo o corpo leve e a mente em paz, uma sensação inédita após uma noite tão inesperadamente selvagem. Com os olhos ainda levemente embotados de sono, ela virou o rosto de leve na direção do David, e o viu ali, tão perto, tão real, tão inacreditavelmente presente.

     Deitado de bruços, um braço jogado distraidamente para fora da cama, o rosto relaxado e sereno, os cabelos escuros ligeiramente desgrenhados na fronte, David Walker, o garoto problema da Northwood, dormia profundamente no quarto da bruxa Cutler.

     Marjorie se deteve em seu rosto relaxado, notando a forma como a luz dançava em seus cílios escuros, o leve repuxar dos lábios em um esboço de sorriso adormecido. Era uma visão tão diferente do David sarcástico e desafiador da noite anterior, uma faceta inesperada que aqueceu ainda mais seu peito com uma ternura quase inédita.

     Mas a calmaria matinal foi brutalmente estilhaçada por um baque surdo contra a porta de um dos quartos – o cotovelo desastrado de Marylin, sem dúvida.

     O susto a atingiu como um choque. Não! Não podia ser agora! Num impulso quase desesperado, Marjorie saltou da cama num pulo silencioso, o coração acelerado no peito. Precisava acordar David, colocá-lo “em modo príncipe comportado” em tempo recorde e, principalmente, evitar a invasão iminente do pai surpreso e da irmã curiosa no seu quarto, a qualquer custo.

     Com movimentos rápidos e precisos, como se estivesse executando um feitiço complexo, Marjorie agarrou o braço do David e começou a sacudi-lo de leve, sussurrando urgente em seu ouvido:

     — David! David, acorda! Acorda, Walker, a gente tem um problema sério!

     Ela aumentou um pouco a força nas sacudidas, o desespero começando a dominar o pânico.

     — David, por favor! É urgente! Se meu pai entrar aqui…

     A frase morreu na garganta, sufocada pelo medo e pela antecipação do desastre iminente.

     — David, acorda de uma vez por todas, Walker! Se não... eu juro que te transformo em algo bem pior do que um sapo!

     Resmungando algo ininteligível entre um bocejo e outro, David finalmente começou a dar sinais de que estava voltando do mundo dos sonhos. Primeiro, ele resmungou de novo, agora com um pouco mais de clareza.

     — Hum? Cutler? Já amanheceu de novo? Não pode ser…

     E então, finalmente, ele abriu os olhos, os olhos azuis ainda meio perdidos e desorientados, mas já captando o olhar apavorado da Marjorie sobre ele.

     Antes que David pudesse formular uma pergunta coerente, ou sequer registrar completamente o pânico estampado no rosto da Marjorie, a voz inconfundível de Edward ecoou do outro lado da porta, seguida da voz igualmente familiar de Marylin, agora mais nítidas e muito, muito próximas:

     — Marjorie? Filha, você já acordou? Trouxemos rosquinhas fresquinhas do Miller’s pro café da manhã!

     E, sem esperar por uma resposta, para o horror silencioso da Marjorie, a maçaneta girou, e a porta do quarto começou a se abrir lentamente revelando, no vão da porta, as figuras sorridentes de Edward e Marylin, bandeja de rosquinhas em mãos, e paralisadas no limiar, as expressões gradualmente se transformando em um misto de choque, confusão e curiosidade intrigada ao registrarem a cena inesperada que se desdobrava diante de seus olhos.

     Edward, o sorriso paternal e matinal congelado no rosto, os olhos arregalados oscilando entre a filha vestida e desgrenhada e a figura masculina e desconhecida semiereta na cama desarrumada da Marjorie.

     O olhar de Edward era um mapa de emoções conflitantes: surpresa gritante, um lampejo de desaprovação que ele tentava desesperadamente disfarçar, e, subjacente a tudo, uma palpável confusão paternal. Era como se o manual de ‘Como Ser Pai de Uma Filha’ tivesse acabado de pegar fogo bem diante de seus olhos.

     Marylin, ao lado do pai, a bandeja de rosquinhas quase escorregando de suas mãos, a expressão inicialmente confusa se abrindo em um sorriso malicioso e visivelmente divertido ao perceber exatamente o que “não estava nada certo” naquela cena doméstica e matinal. Seus olhos brilhavam com puro divertimento, o sorriso malicioso crescendo a cada segundo. Era óbvio que ela estava colhendo cada detalhe constrangedor como se fossem uvas doces de uma vinha especialmente saborosa.

     E David, no meio da cama, completamente alheio ao drama familiar que se desenrolava a poucos metros de si, ainda meio grogue de sono, bocejava ostensivamente, espreguiçando-se com preguiça matinal, antes de finalmente registrar a presença invasiva e inoportuna de duas figuras familiares no quarto da “bruxa Cutler”.

     A ficha demorou alguns milésimos de segundo a cair completamente para ele. Mas, quando caiu, caiu de uma vez, como um raio. Os bocejos e o espreguiçamento sumiram num piscar de olhos.

     E David Walker, finalmente despertado por completo, arregalou os olhos na direção da porta, alternando o olhar confuso entre Edward, Marylin, e a Marjorie, que agora o encarava com um sorriso nervoso e um olhar que implorava silenciosamente por socorro imediato? Desculpas antecipadas? Fuga em massa? Tudo ao mesmo tempo?

     — Marjorie? O que… o que está acontecendo aqui? — Edward começou, a voz inicialmente alegre e paternal agora tingida por uma nota de indefinição, incômodo e leve desaprovação.

     — Rosquinhas, Marge? Ou a gente chegou em péssima hora? Tipo, interrompemos algo… importante? — Marylin completou, a voz já carregada de malícia divertida e zero disfarce, o sorriso aberto e provocador fixo na cena inesperada.

     — Para Marylin, não é nada disso!

     Marjorie se apressou em responder, a voz agora em um tom de desespero absoluto e constrangimento palpável, as bochechas incendiando e o coração martelando no peito.

     — Quer dizer… é que… a gente… nós só estávamos…

     Marjorie tentou continuar, buscando desesperadamente por uma explicação minimamente plausível, qualquer desculpa esfarrapada que pudesse evitar o desastre familiar iminente. Mas as palavras simplesmente sumiram, engolidas pela onda de pânico e constrangimento que a invadia por completo.

     — Bom dia! — David disse como um ator experiente entrando em cena, finalmente se manifestando, sua voz soando surpreendentemente calma e cordial, considerando o contexto ligeiramente… peculiar.

     Em frações de segundo, transformou a expressão sonolenta em um sorriso radiante, a desordem matinal em uma compostura quase impecável. Era fascinante e exasperante a rapidez com que ele se adaptava, o quão naturalmente a máscara do charme caía sobre ele.

     Ele direcionou um sorriso aberto e encantador para Edward e Marylin, ignorando completamente o caos e a tensão palpável que emanavam da figura petrificada da Marjorie ao seu lado.

     — David Walker — ele continuou, estendendo a mão em direção a Edward com uma naturalidade quase… cínica. — Amigo da Marjorie.

     Edward, ainda visivelmente abalado pela cena inusitada, desviou o olhar de David por um breve instante, permitindo que seus olhos encontrassem os de Marjorie.

     O olhar de Edward era um mapa de emoções conflitantes: surpresa gritante, um lampejo de desaprovação que ele tentava desesperadamente disfarçar, e, subjacente a tudo, uma palpável confusão paternal.

     O olhar de Edward demorou-se em Marjorie por uns segundos que pareceram uma eternidade para a jovem bruxa, que sentia o rosto queimar e o coração disparar no peito.

     Então, como se voltasse a si de um transe, Edward respirou fundo, forçou um sorriso levemente hesitante e apertou a mão estendida de David.

     — Edward Cutler — ele respondeu, o tom de voz ainda um pouco incerto, mas já recuperando a compostura paternal. — E esta é minha filha, Marylin.

     — David! Que surpresa agradável te ver por aqui, logo de manhã... no quarto da Marjorie — Marylin disse, com um sorriso particularmente brilhante e um tom de voz carregado de um divertido sarcasmo, piscando um olho cúmplice para o David.

     Havia um brilho travesso em seus olhos verdes enquanto ela observava a interação matinal com evidente malícia e um toque de “eu já sabia!”.

     Edward, que não captou a nuance no tom de Marylin, ou talvez a ignorasse completamente, voltou seu olhar para David, o aperto de mão desfeito, e perguntou, em um tom que tentava desesperadamente soar casual e hospitaleiro:

     — Então, David… já que está por aqui, gostaria de ficar para o café da manhã? Temos rosquinhas fresquinhas…

     David aceitou o convite com um sorriso ainda mais encantador, se possível.

     — Adoraria, Senhor Cutler. Rosquinhas fresquinhas logo de manhã? Quem resiste? — ele lançou um olhar rápido e divertido para Marylin, como que compartilhando um segredo silencioso sobre o quão irresistível rosquinhas realmente eram.

     Edward pareceu genuinamente aliviado com a aceitação de David, interpretando o tom amigável como um bom sinal.

     — Ótimo! Ótimo! Que bom que pode ficar. Vamos deixar vocês dois à vontade então para… se aprontarem. O café da manhã vai ser servido em alguns minutos.

     Marylin, no entanto, ainda não tinha terminado de se divertir com a situação. Com um sorriso malicioso que ia de David para Marjorie, ela comentou, com uma voz doce e fingidamente preocupada:

     — É, Marge, é melhor você se apressar mesmo. Não queremos que o David pense que você sempre acorda… com… companhia, não é? — Marylin cantou, a voz doce carregada de um veneno divertido, o olhar percorrendo o quarto com evidente curiosidade.

     E com uma piscadela carregada de segundas intenções para eles, Marylin finalmente se virou, seguindo Edward porta afora, a bandeja de rosquinhas ainda em mãos, e o sorriso divertido ainda estampado no rosto.

     — A gente se vê lá embaixo, então — Edward disse, já se afastando no corredor, sem perceber completamente o turbilhão de emoções que havia acabado de deixar para trás no quarto da filha.

     Assim que a porta se fechou, o silêncio retornou ao quarto, mas agora pulsante, carregado de eletricidade. Marjorie se virou lentamente para David, o rosto ainda corado, mas um sorriso nervoso começando a despontar em seus lábios. Ele a encarava de volta, os olhos azuis faiscando com diversão e algo mais profundo, algo que dizia: ‘Nós sobrevivemos a isso. E isso, bruxa Cutler, foi só o aquecimento para o que está por vir’.

     E Marjorie, apesar do constrangimento ainda latejando em suas bochechas, não pôde deixar de sentir um arrepio de antecipação percorrer sua espinha. Sim, a manhã tinha começado com um desastre hilário. Mas, de alguma forma, ela pressentia que o resto do dia, e quem sabe, muito mais, poderia ser… inesperadamente mágico.

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