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Capítulo 30

     Então, um sorriso lento e calculado começou a surgir nos lábios dele, enquanto ele se aproximava ainda mais, diminuindo a distância entre eles a quase zero.

     — Obrigações acadêmicas mágicas, é?

     David repetiu, a voz quase um sussurro rouco, o hálito quente roçando a bochecha da Marjorie.

     — Você e essa sua mania de ser a bruxa sábia e aplicada, Cutler…

     Ele sorriu de canto, o polegar acariciando de leve o queixo dela.

     — Relaxa, por hoje você já provou mais do que o suficiente que é a “melhor aluna de Hogwarts” da paróquia. E, quanto a mim ter que ir pra casa… — fez uma pausa dramática, o sorriso divertido sumindo, dando lugar a uma expressão levemente sombria. — Digamos que “ir pra casa” não é exatamente uma opção viável pra mim agora, Cutler. Nem se eu quisesse.

     Marjorie franziu a testa, confusa com a mudança repentina no tom do David.

     — Como assim, não é uma opção viável? David, o que você…

     — Digamos apenas que… — David interrompeu de novo, a voz mais baixa e grave agora, quase um segredo sussurrado no ouvido dela. — …meu avô tem uns métodos um pouco… medievais de garantir que eu esteja em casa antes da meia-noite. E, considerando que já são quase onze e meia… e que a gente tá tipo…

     Ele olhou em volta, como se avaliasse a distância entre a casa dela e o porão medieval do avô.

     — Há uns bons quinze minutos de Uber daqui… — voltou a encarar Marjorie, o olhar fixo no dela, com uma intensidade quase desesperada. — …digamos que, mesmo que eu saísse correndo agora, Cutler, ainda seria fisicamente impossível evitar a fúria medieval do vovô se eu tentasse voltar pra casa essa noite.

     Ele fez uma pausa dramática, um sorriso amargo, curvando seus lábios.

     — Então, é isso. Sem volta pra casa pro Walker hoje, bruxa Cutler. A não ser que você tenha um “portal mágico secreto” escondido e esteja disposta a me teletransportar direto pra sala de estar do meu avô antes da meia-noite bater. Tem algum portal mágico escondido aí, Cutler? Ou… — ergueu uma sobrancelha, o tom novamente provocador, mas com um quê de súplica implícita? — …ou você vai simplesmente me abandonar à fúria do vovô medieval e me deixar dormir na sarjeta nessa segunda-feira à noite chuvosa, bruxa Cutler?

     Marjorie respirou fundo, mordendo o lábio inferior de leve, pensando rapidamente. A ideia de deixar David dormir na rua não a agradava nem um pouco, e a fúria medieval do seu avô soava ligeiramente assustadora.

     Mas a simples menção da palavra “porão” fez um arrepio percorrer sua espinha, e a imagem do território desconhecido do príncipe encantado voltou a brilhar em sua mente com uma intensidade quase irresistível.

     E, afinal, era só uma noite, certo? E ela podia confiar no David, não podia? E, além do mais, o chá de camomila com mel já tinha passado no teste de confiabilidade, e a bruxa sábia e aplicada também tinha direito a um pouco de improvisação mágica na rotina de segunda-feira.

     — Tá bom, Walker — Marjorie respondeu, finalmente, o tom de voz ligeiramente mais rouco do que o anterior. — Você pode dormir aqui. No meu quarto.

     Um sorriso aliviado, e genuinamente agradecido, iluminou o rosto do David num instante, dissipando qualquer vestígio de sombra ou amargura.

     — No seu quarto? — ele repetiu, com um sorriso surpreso e um brilho malicioso nos olhos. — Tá falando sério, bruxa Cutler? Você vai mesmo convidar um príncipe encantado desamparado para o “santuário secreto” do seu porão medieval em plena segunda-feira? Não esperava tanta ousadia mágica de você, bruxa sábia.

     Marjorie revirou os olhos de leve, fingindo indignação, mas um sorriso tímido escapuliu de seus lábios apesar dela.

     — Não se faça de vítima inocente, Walker. Você bem que gostou do chá de camomila com mel. E, quanto ao “santuário secreto”… — hesitou por um instante, trocando um olhar direto e intenso com o David. — Digamos que o porão medieval da bruxa Cutler até que tem os seus “encantos particulares”. E talvez até alguma “magia escondida” por lá. Talvez.

     Marjorie deu de ombros de leve, tentando disfarçar o rubor mais intenso que agora coloria suas bochechas.

     — Mas só se você prometer se comportar, Walker. Entendeu? Comportar. Significa… — ela pigarreou de leve de novo, o tom agora mais provocador e assertivo. — Sem explorações de territórios desconhecidos não autorizadas. Sem invasões medievais noturnas. E principalmente sem “transformações mágicas inesperadas” em plena segunda-feira à noite, Walker. Promete?

     David a encarou por alguns segundos mais, um sorriso abertamente sedutor iluminando o rosto, os olhos azuis brilhando com desafio e desejo.

     — Comportar, é? — repetiu, o tom rouco e baixo, quase um sussurro. — Hum… bruxa Cutler… confesso que essa condição medieval me parece um pouco desafiadora. Mas, por você… — ele fez uma pausa dramática, o sorriso se alargando, agora abertamente sedutor. — …eu prometo me esforçar. Pra tentar ser o príncipe encantado comportado que você espera, bruxa sábia. Pelo menos… por hoje.

     Marjorie sorriu de canto, um sorriso ligeiramente aliviado, mas ainda nervoso.

     — Se esforçar já me contenta, Walker. Por enquanto — ela respirou fundo, quebrando o contato visual intenso com o David, e se levantou do sofá, num movimento rápido e desajeitado. — Vem. Eu te mostro o meu quarto. Mas não se anime muito, Walker. Não é nenhum castelo encantado, tá? É só… o meu quarto.

     E, com um gesto mudo, Marjorie chamou o David com a cabeça e começou a caminhar em direção ao corredor, rumo ao seu quarto, seguida de perto por David, que a observava com um sorriso divertido e um brilho de pura expectativa nos olhos azuis.

     Marjorie destrancou a porta do quarto, e deu passagem para David entrar primeiro. Para ele, o quarto de Marjorie era a extensão visível da própria garota: organizado, aconchegante e incrivelmente pessoal. As paredes azul pastel e a luz suave do candeeiro floral irradiavam uma calma tranquilizadora, em contraste com a agitação que ele sentia por dentro.

     As estantes repletas de livros alinhados e objetos milimetricamente organizados revelavam uma mente metódica e disciplinada. O tapete felpudo creme e a poltrona convidativa no canto da janela sugeriam um refúgio íntimo, um espaço reservado para sonhos e devaneios.

     E os pôsteres de filmes clássicos e ícones da música antiga espalhados pelas paredes denunciavam um gosto eclético e uma alma nostálgica, que David começava a suspeitar que se escondia por trás da fachada de bruxa sábia e aplicada. Definitivamente o santuário secreto da Marjorie Cutler. E ele estava ali, prestes a invadir aquele território tão íntimo e revelador.

     — É aqui — Marjorie falou, quebrando o silêncio que se estendia entre os dois, enquanto entrava no quarto atrás do David, apontando para a cama que dominava o centro do quarto. — O luxuoso castelo medieval do príncipe encantado por esta noite. Espero que seja suficientemente confortável pra vossa alteza real.

     Marjorie forçou um sorriso brincalhão, tentando, em vão, aliviar o nervosismo crescente.

     — Tem toalha limpa e uns lençóis extras naquela cômoda ali. E… — ela hesitou de novo, o olhar agora abertamente nervoso, evitando o contato visual com o David. — E se precisar de alguma coisa, é só… — a voz sumiu de repente, engolida pela tensão palpável que pairava no ar entre os dois. — É só… avisar. Eu vou estar aqui do lado.

     E, sem esperar por mais nada, Marjorie se virou de costas de novo e caminhou em direção à porta, fugindo do olhar intenso de David, escapando daquele quarto que, de repente, parecia pequeno demais para os dois.

     Mas, antes que ela pudesse alcançar a maçaneta e sumir para o refúgio seguro do corredor, a voz dele, suave e rouca, a chamou de volta, prendendo-a no limiar da porta, com o coração batendo descompassado no peito.

     — Marjorie — chamou com um tom de voz diferente do tom divertido e provocador de antes. Um tom mais suave. Mais sério. — Ei, bruxa Cutler. Onde você vai dormir?

     Marjorie parou no lugar, os dedos crispados na maçaneta, sem se virar de novo.

     — No quarto da Marylin — ela respondeu, a voz baixa e hesitante, o coração martelando no peito com a expectativa. — Ela ainda não voltou da festa no ginásio. O quarto dela está vazio e…

     — No quarto da Marylin?! — David interrompeu, o tom de voz ligeiramente incrédulo. — Tá falando sério, Cutler? Você vai mesmo me expulsar pro luxo medieval do seu quarto, e se exilar no quarto da sua irmã? — ele balançou a cabeça de leve, fingindo indignação. — Confesso que essa hospitalidade tá me parecendo um pouco… cruel. Até pra uma bruxa sábia. Você não é nenhum monstro, Cutler.

     Marjorie respirou fundo, mordendo o lábio inferior, ainda de costas para ele, indecisa.

     — Eu não…

     — Qual é, Cutler — David insistiu, chegando mais perto, a voz agora quase um sussurro, quase suplicante. — Fica aqui. Comigo. Só essa noite. Prometo que me comporto. Juro que divido a cama direitinho. Metade pra cada um. Sem invasões medievais noturnas. E você pode até dormir no canto da cama, se quiser. Como garantia extra anti-invasão. O que você acha? Fica? Por favor?

     Marjorie hesitou por mais um instante, o coração dividido entre a razão e a tentação. Mas a voz de David, tão perto, tão insistente, tão vulnerável, era quase impossível resistir. E a ideia de dividir a cama com ele, de sentir o calor do corpo dele ao lado do seu, de se abandonar àquela magia inesperada em plena segunda-feira era simplesmente irresistível.

     — Tá bom, Walker.

     Marjorie respondeu, finalmente, virando-se devagar para encarar David, os olhos azuis fixos nos dele, a voz agora quase um sussurro rouco, o coração batendo forte no peito.

     — Eu fico. Mas…

     Ela ergueu o dedo indicador, o tom de voz ligeiramente mais firme agora, mas com um sorriso divertido nos lábios.

     — Se você ousar roubar todo o espaço da cama, Walker… — estreitou os olhos, fingindo ameaça. — Eu juro que te empurro pro tapete. Entendeu? Metade da cama pra cada um. Sem roubo de território noturno. E… — mordeu o lábio inferior de novo, um sorriso malicioso despontando nos lábios. — E se você roncar… eu te jogo um travesseiro na cara. Fica avisado.

     David riu baixinho, um riso aliviado e divertido, que fez o coração da Marjorie vibrar de leve.

     — Metade da cama, sem roubo de território, ameaça de travesseiro… — ele balançou a cabeça de leve, o sorriso se alargando ainda mais. — Bruxa Cutler,  cada vez mais sábia e aplicada nas regras medievais de convivência, hein? Admiro essa sua… ética impecável. Mas…

     David se aproximou mais um pouco, o rosto agora tão perto do dela que Marjorie sentiu o calor do hálito dele em seu rosto.

     — Pra provar que o príncipe encantado também sabe se comportar, eu prometo respeitar as regras medievais. Juro pela minha honra de príncipe desamparado. E até te dou uma garantia extra, se você quiser. Você dorme no canto da cama. Assim eu tenho certeza absoluta de que nenhum território será invadido por acidente durante a noite. O que você acha, bruxa Cutler? Topa dormir assim como garantia de anti-invasão?

     Marjorie riu de novo, empurrando David de leve com o ombro, o rosto completamente ruborizado agora, mas com um sorriso aberto nos lábios.

     — Você é impossível, Walker. Impossível — ela balançou a cabeça de leve, ainda sorrindo, mas o tom de voz mais suave agora. — Mas tá bom. Combinado. Metade da cama pra cada um. Sem roubo de território medieval noturno. E sem travesseiradas na cara, por favor. Promete?

     David sorriu de canto de novo, um sorriso sincero e gentil, que fez o coração da Marjorie palpitar mais forte ainda.

     — Prometo, bruxa Cutler. Prometo me comportar. E prometo dividir direitinho com você. Metade pra cada um. Palavra de príncipe encantado comportado.

     Ele estendeu a mão para ela, um gesto quase formal, mas com um brilho divertido e carinhoso nos olhos azuis.

     — Trato medieval feito, então? Paz medieval selada entre o príncipe encantado e a bruxa Cutler?

     Marjorie sorriu de novo, aceitando a mão do David com um aperto leve e rápido, mas o suficiente para fazer um calor agradável percorrer sua pele.

     — Trato feito, Walker. Paz medieval selada. Pelo menos… por hoje — ela piscou o olho pra ele, um sorriso malicioso nos lábios. — Mas é melhor vossa alteza real cumprir direitinho, senão… — encolheu os ombros, fingindo indiferença. — senão a bruxa sábia pode mudar de ideia e transformar o príncipe encantado em sapo medieval antes do amanhecer.

     David riu de novo, soltando a mão dela, mas mantendo o rosto perto do dela, o olhar fixo nos olhos azuis da Marjorie.

     — Sapo medieval, é? — ele arqueou uma sobrancelha, um sorriso malicioso pairando em seus lábios. — Hum… transformação em sapo medieval… confesso que essa ameaça mágica até que soa um pouco interessante, bruxa Cutler. Mas… — se aproximou ainda mais, o rosto agora a centímetros do dela, a voz um sussurro rouco e intenso. — …digamos que, só por hoje, eu prefiro arriscar sua fúria mágica da bruxa sábia a perder a chance de dormir do seu lado.

     David baixou o tom de voz ainda mais, quase um murmúrio confidencial no ouvido dela.

     — Que tal a gente deixar as transformações mágicas medievais pra depois e ir logo descansar, o que você me diz?

     Marjorie sentiu o rosto queimar de novo, o coração palpitando descontroladamente no peito, a respiração ficando cada vez mais rápida e superficial. A proposta do David era perigosamente tentadora, irresistivelmente mágica. E a ideia de dividir a cama com ele, de “descansar ao lado” dele, de sentir a presença dele ali, tão perto, tão íntimo era simplesmente avassaladora.

     Era loucura, ela sabia. Era irresponsabilidade pura. Mas e se tivesse direito a um pouquinho de “irresponsabilidade mágica” de vez em quando?

     E se o porão medieval da Marjorie Cutler estivesse realmente precisando de um pouquinho de magia inesperada pra espantar a rotina daquela segunda-feira?

     E se só por hoje… ela pudesse simplesmente se permitir viver aquela “magia”, se abandonar à “irresponsabilidade encantadora” do momento e esquecer um pouco das regras medievais de comportamento e das obrigações acadêmicas mágicas?

     — Tá bom, Walker — Marjorie murmurou, finalmente, a voz quase inaudível, o coração quase explodindo no peito, os olhos azuis fixos nos olhos azuis do David, sem conseguir desviar o olhar nem por um instante. — Vamos descansar juntos. Só por hoje.

     Um sorriso lento, suave e vencedor, iluminou o rosto do David num instante, dissipando qualquer vestígio de provocação ou malícia. Ele se aproximou ainda mais, envolvendo o rosto da Marjorie com as mãos, os polegares acariciando de leve as bochechas dela, o olhar fixo e intenso nos olhos azuis da Marjorie.

     — Só por hoje, bruxa Cutler — sussurrou, a voz rouca e embargada de emoção. — Obrigado por dividir o castelo medieval com esse príncipe desamparado. Prometo que vou fazer valer a pena essa generosidade medieval.

     E, sem esperar por mais nada, David diminuiu a última distância que separava os dois e selou os lábios da Marjorie com um beijo.

     Um beijo calmo, suave, intensamente tranquilo, como queria. Um beijo que começou como um roçar de lábios tímido e hesitante, apenas um toque leve e delicado, quase um susto. Mas que logo se aprofundou, se intensificou, se acendeu como uma fogueira branda em noite fria, ganhando força e calor a cada instante, se transformando em um abraço apertado, em um entrelaçar de braços e mãos, em uma dança lenta e suave de línguas curiosas e exploradoras, desvendando sensações e texturas até então desconhecidas.

     Um beijo que comunicava mais que palavras, que confirmava um trato de paz e comportamento. Um beijo simplesmente… perfeito.

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