Capítulo 14
* Sugestão musical para capítulo:
Liability - Lorde
Marjorie destrancou a porta de casa, o silêncio acolhedor do lar contrastando com o turbilhão emocional que ainda a agitava por dentro. Entrou no corredor escuro, tentando fazer o mínimo de barulho possível, na esperança de evitar um encontro com os pais ou, pior ainda, com a Marylin. Precisava desesperadamente do refúgio do seu quarto, do silêncio protetor das suas paredes, para processar a montanha-russa de emoções daquela noite interminável.
Fechou a porta do quarto atrás de si com um suspiro de alívio, despindo o casaco e atirando-o descuidadamente sobre a cadeira da secretária.
O quarto de Marjorie era um reflexo fiel da sua personalidade: um oásis de calma e organização em meio ao caos adolescente da sua vida. As paredes em tons de azul pastel, suavizadas pela luz indireta de um candeeiro de mesa com um abajur de tecido floral, criavam uma atmosfera tranquila e aconchegante. Estantes de madeira clara, organizadas milimetricamente, acolhiam livros de literatura, volumes de poesia e manuais de cálculo, todos impecavelmente alinhados e separados por categorias. Um tapete felpudo num tom creme cobria boa parte do soalho de madeira, convidando ao descanso e à introspecção.
No canto do quarto, perto da janela com vista para o jardim, uma poltrona confortável com almofadas coloridas formava um pequeno recanto de leitura, onde Marjorie costumava passar horas perdida em mundos imaginários, longe das turbulências da vida real. E, espalhados estrategicamente pelo quarto, pôsteres de filmes clássicos e fotografias em preto e branco de ícones da música antiga, como os Rolling Stones e Janis Joplin, revelavam o seu gosto eclético e a sua paixão por sonoridades que escapavam ao mainstream adolescente.
Enquanto Marjorie se despedia das sapatilhas e se jogava na cama, exausta e emocionalmente esgotada, a porta do quarto abriu-se lentamente, revelando a silhueta familiar da Marylin, com uma expressão mais preocupada do que alegre no rosto.
— Marjorie! Você está bem? — Marylin perguntou, aproximando-se rapidamente e sentando-se na beira da cama da irmã, o tom de voz carregado de preocupação. — Eu vi o que aconteceu lá no bar… com o Jake e aqueles idiotas. Você se machucou? Eles te disseram alguma coisa ruim? Eu fiquei tão furiosa, Marjorie, juro que ia voltar lá e…
Marjorie suspirou, interrompendo o fluxo protetor da irmã com um gesto cansado da mão.
— Calma, Marylin. Está tudo bem. Eu estou bem. Eles só foram… idiotas como sempre. Você sabe como o Jake é. Não liga pra eles. Sério, não foi nada demais. O Brandon e os amigos dele apareceram e… você viu, eles me ajudaram a sair de lá. Fim da história. Não precisa se preocupar.
Marylin franziu a testa, o olhar ainda apreensivo.
— Mas Marjorie… você saiu correndo daquele jeito e aquelas coisas horríveis que o Jake falou sobre você e o David… e ele te deixando sozinha… me desculpa, eu fiquei preocupada com você. De verdade. Você pareceu tão… mal.
Marjorie desviou o olhar, sentindo o rubor subir novamente às faces, mas desta vez, não de humilhação, mas de uma estranha mistura de vergonha e talvez gratidão pela preocupação genuína da irmã.
— É, bom… — Marjorie hesitou, tentando encontrar as palavras certas para minimizar o incidente e desviar o assunto. — Eu só… não estava no clima pra… aquele tipo de “atenção”, sabe? E… sim, confesso que as palavras do Jake foram meio babacas. Mas relaxa, Marylin. Já esqueci tudo isso. Sério. Não foi nada demais. De verdade.
Marylin pareceu ligeiramente mais aliviada, mas a preocupação ainda pairava nos seus olhos.
— Tudo bem, Marjorie. Se você diz… Mas qualquer coisa, mesmo, me conta, tá? Não precisa esconder nada de mim. Eu tô aqui para você, sempre. E ah, mudando de assunto, — Marylin acrescentou, agora com um sorriso mais curioso nos lábios. — Antes de toda essa confusão com o Jake, como estava sendo a noite com o David? Conta tudo agora!
Marjorie respirou fundo novamente, agora tentando sustentar a farsa da noite “super divertida” com David, e contar para Marylin a mesma mentira alegre que já começava a ensaiar na sua mente.
— Ah, sim, o David… — Marjorie começou, com um novo sorriso forçado e um tom de voz o mais entusiasmado possível. — É, a noite foi super divertida. O David é… bem engraçado, sabe? E depois do cinema ele me levou para um local super legal, com hambúrguer, batata frita e… milkshake de chocolate delicioso. A gente riu bastante, conversou… foi ótimo. Adorei. De verdade.
Marylin arregalou os olhos, visivelmente impressionada com o relato da irmã.
— Sério? Que bom, Marjorie! Fico tão feliz que você tenha se divertido! Eu sabia que vocês iam se dar bem! O David pode ser meio estranho às vezes, mas ele é super legal no fundo. E ele é tão diferente do Brandon, né? Vocês dois têm estilos tão diferentes…
Marjorie forçou outro sorriso, agora sentindo o esforço ainda maior para manter a farsa.
— É, somos bem diferentes. Mas foi bom sair um pouco da rotina. Sabe como é, explorar novos “recantos”, como o David diria. Mas agora, — Marjorie bocejou, fingindo cansaço e esticando-se na cama — sério, Marylin, eu preciso mesmo dormir. Estou exausta dessa noite. Preciso mesmo descansar.
Marylin assentiu com compreensão, levantando-se da cama e caminhando em direção à porta.
— Claro, claro. Sem problemas. Desculpa te ter importunado, Marge. Você merece descansar depois de tantas. . . emoções. E fico muito feliz mesmo que a noite tenha sido divertida. De verdade, Marjorie. Você merece ser feliz. E se o David te fez sorrir um pouco, depois de tudo… bom, isso já é ótimo. Durma bem, tá? E qualquer coisa, já sabe, me chama.
E com um último sorriso gentil e um olhar cúmplice, Marylin apagou a luz do quarto e fechou a porta, deixando Marjorie sozinha novamente, mergulhada na penumbra e no silêncio.
Assim que a irmã saiu, o sorriso forçado de Marjorie se desfez, dando lugar a uma expressão cansada e melancólica. Virou-se de lado na cama, encarando a parede azul pastel do quarto, e suspirou profundamente. “Mereço ser feliz… se o David te fez sorrir um pouco…” As palavras da Marylin ecoavam na sua mente, carregadas de uma ironia dolorosa. Se ao menos ela soubesse a verdade. Se ao menos Marylin pudesse ver o sorriso falso que Marjorie tinha acabado de lhe oferecer, e o vazio imenso que se escondia por trás daquela máscara de “noite super divertida”.
Fechou os olhos, tentando afastar os pensamentos intrusivos, e se entregou ao sono exausto, sonhando com milkshakes de chocolate, guarda-chuvas de papel e… olhos azuis misteriosos que, apesar de tudo, ainda conseguiam despertar nela uma faísca de esperança num futuro menos cinzento.
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