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Capítulo 12

* Sugestão musical para capítulo:
idontwannabeyouanymore - Billie Eilish

     Assim que Marjorie se viu sozinha na penumbra acolhedora do “The Green Door”, com o milkshake “terapeuticamente descontaminante” ainda pela metade na mão, uma onda de sentimentos conflitantes a invadiu. Alívio por ter se afastado da dor lancinante da rua, sim, mas também um vazio súbito com a partida inesperada de David. E, no fundo, uma pontada de decepção por a noite, que prometia ser diferente, ter terminado de forma tão abrupta e inconclusiva.

     Enquanto tentava decidir se pedia a conta ou se se atrevia a ficar mais um pouco sozinha naquele ambiente ainda um tanto estranho, Marjorie percebeu um movimento familiar se aproximando da sua mesa. Ergueu os olhos e seu coração vacilou por um instante. Brandon e Marylin. Sorrisos largos, mãos dadas, o casal perfeito personificado, caminhando em sua direção.

     — Marjorie! Que surpresa te encontrar aqui! — Marylin exclamou, com o tom efusivo e naturalmente alegre que sempre a caracterizou. Brandon acenou com a cabeça, com um sorriso simpático e ligeiramente culpado. Marjorie não conseguiu decifrar a expressão dele, e, naquele momento, nem tinha certeza se queria.

     — Oi, gente — Marjorie respondeu, tentando forçar um sorriso que soasse natural, mas sentindo o rubor subir às suas faces. — É… eu só… tava aqui… tomando um milkshake.

     — Sozinha? — Marylin perguntou, com uma curiosidade genuína, mas que para Marjorie soou como uma acusação velada. — O David não estava com você? Achei que vocês…

     — Ah, o David? — Marjorie interrompeu, rapidamente, antes que Marylin completasse a frase, mentindo sem hesitar. — É, ele… teve que ir embora. Um problema de última hora em casa. Mas tudo bem, eu já estava de saída mesmo. Tenho um trabalho de cálculo gigante pra terminar pra segunda-feira. Sabe como é, vida de estudante…

     — Cálculo num sábado à noite? — Brandon comentou, com um tom divertido, mas Marjorie sentiu o olhar dele pairar sobre ela com uma intensidade que a desconfortou. — Você não muda mesmo, né, Marjorie? Sempre a nerd aplicada.

     Marylin riu, dando um leve empurrão brincalhão no braço do Brandon.

     — Deixa ela, Brandon. A Marjorie é dedicada. É por isso que ela é a melhor aluna da Northwood. E além do mais, — Marylin voltou o olhar para Marjorie, com um sorriso convidativo. — Qual é o problema de ficar mais um pouco com a gente, Marjorie? O Brandon e eu íamos encontrar uns amigos ali no balcão. Vem com a gente. A noite tá só começando. Em vez de cálculo, que tal mais uns milkshakes por conta da casa? O que me diz? Fica com a gente, Marjorie. Vai ser divertido.

     O convite de Marylin, dito com a melhor das intenções, soou para Marjorie como uma sentença. Ficar ali, presa entre a irmã e o seu crush, assistindo ao casal perfeito em ação, enquanto tentava disfarçar a dor e o ciúme? Impossível. A “descontaminação existencial” com certeza se transformaria numa tortura emocional sem precedentes. E a ideia de ter que fingir entusiasmo e agradecimento enquanto o coração se esfacelava em mil pedaços simplesmente não dava.

     — Ah, que gentileza, Marylin — Marjorie respondeu, tentando manter o tom leve e agradecido, mas sentindo a voz tremer ligeiramente. — Mas sério, gente, eu preciso mesmo ir. O trabalho de cálculo é pra valer. E quanto mais cedo eu começar, mais cedo eu termino. Sabe como é. Mas obrigada pelo convite. Quem sabe na próxima? Divirtam-se vocês. E por mim.

     E, sem esperar por mais insistência, Marjorie pegou a bolsa, se levantou rapidamente da mesa e se despediu com um aceno de cabeça apressado, quase fugindo da mesa, e principalmente, do olhar penetrante e confuso do Brandon.

     Marjorie apressou o passo para longe da mesa, sentindo os olhares de Brandon e Marylin nas suas costas, mesmo sem se atrever a confirmar. A cada passo, o barulho do The Green Door ia ficando mais distante, mas o zumbido das palavras da Marylin, “Achei que vocês…”, ecoava na sua mente como uma acusação silenciosa. “Achei que vocês… o quê, Marylin? Que nós éramos um casal? Que você tinha me deixado escapar Brandon de novo, só pra me ver sofrer um pouco mais?” O pensamento amargo invadiu a sua mente, mas ela reprimiu a acidez, tentando se concentrar apenas em fugir dali o mais rápido possível.

     Já perto da saída, Marjorie esbarrou em alguém, quase perdendo o equilíbrio.

     — Ai, desculpa… — começou a dizer, sem olhar para cima, apenas querendo pedir licença e seguir em frente.

     — Olha por onde anda, nerdizinha! — uma voz grossa e irritada interrompeu o seu pedido de desculpas, e Marjorie reconheceu aquele tom prepotente e agressivo instantaneamente.

     Era Jake, um dos valentões da escola, sempre cercado pelo seu séquito de capangas igualmente intimidadores. Marjorie ergueu o olhar, o coração afundando no peito ao confirmar a sua pior suspeita. Jake e os seus amigos, bloqueando o seu caminho para a saída. O “ambiente menos hormonal” do “Green Door” afinal, parecia ter uma zona de escape hormonal bem definida e ameaçadora.

     — Desculpa, Jake — Marjorie repetiu, o tom de voz baixo e hesitante, tentando desviar o olhar para o lado, e passar por eles discretamente. — Eu já estava de saída.

     Marjorie apertou o passo, desviando para a lateral na tentativa de passar por Jake sem prolongar aquele momento, mas ele moveu o corpo no mesmo instante, bloqueando sua saída com um meio sorriso carregado de crueldade.

     — Tá com pressa, Marjorie? — a voz dele era um misto de diversão e ameaça velada. — Qual é, a gente só quer conversar…

     Os amigos dele riram, cercando-a ainda mais. Marjorie sentiu o estômago revirar. Seu corpo dizia para fugir, mas suas pernas pareciam ancoradas no chão.

     — Ah, tava de saída, é? — Jake zombou, aproximando-se mais, bloqueando completamente a passagem dela, enquanto os seus amigos riam em volta, como hienas prontas para o ataque. — E pra onde a nerdizinha tá indo com tanta pressa? Voltar pros livros? Ou será que o “encontro” romântico não foi tão “terapeuticamente descontaminante” assim, Cutler?

     As palavras de Jake, carregadas de escárnio e maldade, atingiram Marjorie como um soco no estômago. A forma como ele enfatizou a palavra “encontro” e usou o termo “terapeuticamente descontaminante”, claramente ouvindo a conversa dela com David momentos antes, revelou uma crueldade calculada, uma vontade de humilhá-la publicamente que a paralisou por um instante. O rubor subiu às suas faces, e as lágrimas voltaram a picar nos seus olhos, ameaçando transbordar a qualquer momento.

     — Não te interessa, Jake — Brandon surgiu de repente ao lado da Marjorie, a voz firme e autoritária, cortando o tom zombeteiro do valentão. Marylin e mais alguns amigos do time de lacrosse, que Marjorie não reconheceu de imediato, apareceram logo atrás dele, formando uma barreira protetora entre ela e o grupo de Jake. — Deixa a Marjorie em paz. Ela não te fez nada.

     Jake riu, um riso forçado e desafiador, mas deu um passo para trás, percebendo que a vantagem numérica tinha acabado de mudar de lado.

     — Olha só, o príncipe encantado da Northwood veio salvar a donzela nerd em apuros! Que cena mais… comovente, Brandon. Quase chorei de emoção. Mas relaxa, Fischer. A gente só estava aqui “descontaminando emocionalmente” a Cutler, igualzinho ao “namorado” dela. Ou ex-namorado? Ou… nunca namorado, talvez? Afinal, o Walker deixou ela plantada aqui sozinha, não foi, Cutler? Abandonada pelo David antes mesmo de terem algo. E depois dizem que os “garotos problema” são cavalheiros…

     As risadas dos amigos de Jake ecoaram pelo hall de entrada do “Green Door”, enquanto o veneno das suas palavras se espalhava pelo ar, atingindo Marjorie com uma força ainda maior do que o beijo que vira há pouco. A humilhação, o escárnio público, a comparação dolorosa com David, a verdade cruel estampada nas palavras de Jake… tudo se somava numa onda de vergonha e dor que finalmente quebrou as barreiras da resistência da Marjorie.

     O sangue latejava em seus ouvidos. As palavras de Jake ecoavam como marteladas, cada uma arrancando um pedaço de sua resistência. Seu peito subia e descia rápido demais, como se o ar ao redor tivesse se tornado rarefeito. A mão apertou a alça da bolsa com tanta força que os nós dos dedos embranqueceram. Engoliu seco, tentando conter o tremor no lábio inferior, mas a sensação de exposição era sufocante.

     As lágrimas transbordaram sem aviso, escorrendo livremente pelo seu rosto, enquanto ela desviava o olhar do rosto sarcástico do Jake, e fugia correndo para fora do “The Green Door”, deixando para trás o barulho das risadas e a confusão e o turbilhão de emoções que ameaçavam afogá-la por completo naquela noite de sábado que, mais uma vez, se revelava implacavelmente cruel.

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