Capítulo 11
* Sugestão musical para capítulo:
Sparks - Coldplay
David guiou Marjorie até uma mesa mais afastada, num canto estratégico do The Green Door, como ele mesmo descrevera. As cadeiras eram confortáveis, o som da música um pouco mais baixo naquele ponto do bar, e a atmosfera, apesar de animada, tinha um quê de refúgio acolhedor.
Um garçom simpático logo se aproximou, e David, com um sorriso cúmplice para Marjorie, pediu um milkshake de chocolate “terapeuticamente descontaminante” para ela, e uma cerveja gelada para si.
Enquanto esperavam as bebidas, a conversa fluiu surpreendentemente fácil e leve. Livres da tensão da rua e da sombra dolorosa do beijo, Marjorie e David pareciam ter encontrado um terreno comum naquele ambiente descontraído do bar. Falaram sobre música, sobre filmes, sobre as peculiaridades da Academia Northwood, riram de anedotas banais e trocaram provocações bem-humoradas, como se o sarcasmo e o flerte fossem a língua materna daquela conexão inesperada.
O milkshake da Marjorie chegou primeiro, num copo alto e gelado, com um canudo listrado e, para surpresa e um leve sorriso divertido da Marjorie, um minúsculo guarda-chuva de papel espetado na espuma cremosa.
— Ta-dah! — David anunciou, com um gesto teatral ao apresentar a bebida. — A sua poção mágica de descontaminação emocional, exploradora Cutler. Beba sem moderação e sinta a tristeza existencial escorrer pelo canudinho mágico.
Marjorie riu, pegando o milkshake e erguendo o copo num brinde imaginário.
— À descontaminação, então, guia Walker. E que o Butão espere mais um pouco na fila dos planos de fuga.
O primeiro gole do milkshake gelado e doce foi como um bálsamo reconfortante para a alma da Marjorie. O chocolate cremoso e gelado derretia na língua, envolvendo-a numa sensação de puro prazer e alívio momentâneo. David observava-a com um sorriso satisfeito, tomando um gole da sua cerveja, enquanto a música animada do bar preenchia o espaço ao redor.
Por alguns minutos preciosos, Marjorie permitiu-se simplesmente relaxar e desfrutar daquele momento inesperado. A dor ainda latejava no fundo do peito, a imagem do beijo ainda pairava na sua mente como uma sombra persistente, mas, ali, naquele recanto acolhedor do “Green Door”, com a companhia inesperada e surpreendentemente agradável do David, e o milkshake na mão, o peso da tristeza parecia ligeiramente mais leve.
De repente, o telemóvel de David vibrou sobre a mesa, interrompendo o fluxo leve da conversa. David pegou no aparelho, franzindo a testa ligeiramente ao ler a mensagem que acabara de receber. O sorriso divertido desapareceu dos seus lábios, dando lugar a uma expressão mais séria e preocupada.
— Desculpe, Cutler — David disse, o tom de voz agora mais grave, quebrando o silêncio que se instalara entre eles. — Preciso atender isto. É… mensagem do meu irmão mais novo.
Marjorie assentiu, percebendo a mudança súbita no semblante do David.
— Tudo bem, Walker. Sem problemas.
David digitou uma resposta rápida no telemóvel, a testa franzida em concentração, e depois suspirou, guardando o aparelho no bolso novamente. Virou-se para Marjorie, o olhar agora carregado de um misto de preocupação e um quê de culpa.
— Cutler — David começou, a voz agora ligeiramente apressada. — Me desculpa mesmo, mas eu… eu vou ter que ir. Aconteceu um… um problema lá em casa. Com o meu irmão. Nada grave, eu acho, mas… eu preciso ir ver o que é.
Marjorie arregalou ligeiramente os olhos, surpresa pela abrupta mudança de planos, mas assentindo com compreensão.
— Claro, David. Família em primeiro lugar. Não se preocupe. Está tudo bem.
David pareceu aliviado com a compreensão da Marjorie, mas o ar preocupado persistia no seu rosto.
— Obrigado, Cutler. Eu sinto muito mesmo por ter que cortar a nossa… descontaminação terapêutica tão de repente. Eu estava realmente curtindo a nossa… exploração urbana. E o milkshake de chocolate estava quase atingindo o nível de “terapeuticamente eficaz”, eu diria.
Marjorie riu levemente, apesar da ligeira pontada de deceção que sentiu com o fim abrupto da noite.
— Não se preocupe, Walker. Tenho certeza que a minha úlcera romântica vai sobreviver sem o seu milkshake terapêutico completo. E a exploração urbana… bom, sempre podemos deixar os “recantos secretos” para uma próxima oportunidade, não acha? Caso o Butão não se materialize entre entretanto.
David sorriu de canto, um sorriso ligeiramente forçado, mas ainda assim genuíno.
— Com certeza, Cutler. Recantos secretos e milkshakes terapêuticos não fogem assim tão facilmente. E o Butão… bom, o Butão sempre estará lá, esperando pela nossa fuga existencial conjunta. Mas, por agora… — David suspirou, olhando para o telemóvel no bolso com uma expressão preocupada. — Eu realmente preciso ir. Prometo que te mando mensagem, ok? Para ver se a sua úlcera sobreviveu ao “panorama urbano hormonal” e se o milkshake teve algum efeito a longo prazo.
Marjorie acenou com a cabeça, um sorriso triste esboçado nos lábios, sentindo uma estranha mistura de decepção e compreensão.
— Tudo bem, Walker. Vai lá ver o seu irmão. E manda lembranças para os Himalayas. Quem sabe um dia a gente se encontra por lá, meditando no topo de uma montanha, livres de úlceras românticas e… documentários da National Geographic hormonais.
David riu de novo, um riso curto e um pouco forçado, aliviado por conseguir arrancar mais um sorriso da Marjorie, mesmo que triste.
— Com certeza, Cutler. Até lá, medite bastante na arte da descontaminação emocional com milkshakes e guarda-chuvas de papel. Quem sabe até descubra a fórmula secreta para alcançar o nirvana romântico sem precisar escalar montanhas geladas.
Com um último sorriso cúmplice, David finalmente largou o copo de cerveja meio cheio sobre a mesa, e se levantou, pronto para partir. Marjorie acompanhou o movimento, também se levantando, um pouco sem jeito por vê-lo ir embora tão de repente, mas tentando disfarçar a decepção com um sorriso encorajador.
— Vai lá, Walker — Marjorie disse, acenando com a cabeça em direção à saída do bar. — E manda notícias do seu irmão caçula. Espero que não seja nada grave. E, por favor, tenta não resolver todos os problemas familiares com… sarcasmo terapeuticamente engraçado. Às vezes, as pessoas precisam só de um abraço, sabe? Mesmo os “garotos problema” mais charmosos da Northwood.
David parou no meio do caminho, virando-se para Marjorie com um olhar surpreendentemente suave, quase tocado pelas palavras dela.
— Abraços, Cutler? — David repetiu, com um tom ligeiramente irônico, mas com um brilho gentil nos olhos azuis. — Hum, interessante sugestão terapêutica. Talvez eu adicione abraços ao meu arsenal de ferramentas de “descontaminação emocional nível Butão”. Quem sabe até funcione melhor que guarda-chuvas de papel e milkshakes de chocolate. Só testando para descobrir, não acha? E, quem sabe, um dia desses, eu até te peço uma demonstração prática desses “abraços terapêuticos”, exploradora Cutler. Para fins puramente… científicos, claro.
Marjorie riu de novo, o tom brincalhão do David dissipando completamente o clima de deceção e fim de noite que ameaçava pairar entre eles.
— Demonstração científica, Walker? — Marjorie respondeu, com um sorriso malicioso nos lábios. — Hum, agora você despertou a minha curiosidade de exploradora nata. Se esses “abraços terapêuticos” forem tão eficazes quanto promete, quem sabe até mereçam um estudo de caso detalhado, com gráficos, tabelas e… talvez até algumas fotos para ilustrar os “recantos mais interessantes” da terapia do abraço. Estou disponível para colaborar com a sua pesquisa, guia Walker. Em nome da ciência, é claro.
David riu mais uma vez, a risada ecoando no espaço entre eles, cheia de leveza e uma promessa silenciosa de continuidade.
— Em nome da ciência, Cutler — David concordou, o olhar brilhando com pura diversão. — Acho que temos aí um acordo científico promissor. E uma excelente desculpa para… continuar a nossa exploração, mesmo sem milkshakes terapêuticos e Butão imediato. Até depois, então, exploradora Cutler. E se cuida dessa úlcera romântica. Quem sabe um abraço terapêutico não seja o remédio perfeito para ela? Em nome da ciência, é claro.
E com um último sorriso cúmplice e um aceno de cabeça ligeiramente mais demorado do que o casual, David se virou e caminhou para fora do “The Green Door”, deixando Marjorie sozinha na penumbra acolhedora do bar, com o milkshake “terapeuticamente descontaminante” ainda pela metade na mão, e uma inesperada sensação de esperança a pairar no ar daquela noite de sábado que, apesar de tudo, tinha acabado por se revelar surpreendentemente promissora.
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