Capítulo 09
* Sugestão musical para capítulo:
Lovely - Billie Eilish
Enquanto caminhavam, Marjorie tentava desesperadamente não pensar para onde David a estaria levando, focando-se em vez disso na conversa leve e provocadora que mantinham. Ele falava sobre a cidade, apontando prédios históricos, ruas escondidas e lugares com histórias curiosas, revelando um lado de si que Marjorie jamais imaginaria: um David apaixonado pela sua cidade, com um olhar atento aos detalhes e uma sensibilidade inesperada para a beleza urbana.
De vez em quando, os olhares deles cruzavam-se e um sorriso cúmplice nascia, selando o entendimento tácito de que aquele passeio noturno era muito mais do que um simples “aperitivo”. Era uma dança de flertes e desafios, um jogo de sedução sutil que os mantinha ligados numa corrente invisível de atração mútua.
De repente, enquanto viravam uma esquina para uma rua mais movimentada, Marjorie reconheceu o letreiro luminoso de um bar famoso entre os estudantes da Northwood: “The Green Door”. Era um lugar conhecido pelas suas noites de música ao vivo e ambiente descontraído, frequentado por muitos alunos da escola, incluindo… Brandon e Marylin.
O coração de Marjorie vacilou por um instante. A ideia de encontrar Marylin e Brandon juntos, num contexto tão… romântico, causou um aperto súbito no peito. Ela tentou disfarçar a hesitação, mas David, sempre atento aos detalhes, percebeu a mudança no ritmo dos seus passos.
— Algum problema, exploradora? — David perguntou, parando de caminhar e virando-se para Marjorie, o olhar avaliador. — Medo de ser descoberta fora da rota turística, Cutler?
Marjorie tentou rir, mas o som saiu forçado.
— Descobrir o quê? Que estou sendo raptada por um guia pouco convencional para um recanto secreto desconhecido? Talvez seja melhor eu voltar para a rota turística segura, Walker.
David arqueou uma sobrancelha, o sorriso de canto voltando a brincar nos lábios.
— Medo, Cutler? Não a imaginei tão convencional. Mas se a exploradora está ficando com receio da aventura…
— Receio? Eu? — Marjorie protestou, erguendo o queixo num gesto desafiador. — Walker, eu não tenho receio de nada. Nem de recantos secretos, nem de guias pouco convencionais e muito menos de rotas turísticas. Só estava… admirando o panorama urbano. Isso é proibido agora?
David riu, percebendo a manobra diversionista de Marjorie.
— Panorama urbano, hum? Interessante. E o que achou do panorama, exploradora? Alguma vista… familiar?
Naquele instante, mesmo enquanto David pronunciava a palavra “familiar” com ênfase calculada, os olhos de Marjorie, como se dotados de vontade própria, ancoraram-se em um ponto específico do outro lado da rua. Através da extensa janela iluminada do “The Green Door”, em meio ao emaranhado de mesas e ao brilho bruxuleante das luzes indiretas, ela os viu. Brandon e Marylin. A cena congelou por uma fração de segundo em sua retina. Sentados frente a frente, radiantes, os rostos iluminados por sorrisos cúmplices, as vozes em risos… e, então, o movimento lento e gravitacional de seus corpos se inclinando um na direção do outro, até que seus lábios se encontraram em um beijo.
Um beijo longo, apaixonado, completamente absorto em sua própria bolha de intimidade, desconectado da realidade mundana que os circundava. Um beijo que confirmava, de forma dolorosa e irrefutável, o temor mais sombrio que Marjorie acalentava no recôndito de seu coração. Brandon e Marylin. Inexoravelmente… juntos. Não como um mero encontro casual de sábado à noite, mas sim, inequivocamente, como… um casal.
Um choque gélido fulminou o corpo de Marjorie, paralisando seus membros, drenando o sangue de suas faces, arrebatando o ar de seus pulmões. A boca repentinamente seca, as mãos inexplicavelmente geladas. Um zumbido lancinante irrompeu em seus ouvidos, abafando os sons da rua movimentada. A vista embaçou, as luzes da cidade tremeluzindo em borrões disformes. A respiração parou abruptamente em sua garganta, presa em um nó de puro sofrimento. Um peso descomunal pareceu se instalar em seu peito, esmagando seus pulmões, impedindo-a de respirar. Um frio cortante, mesmo sob o suave calor da noite de sábado, irradiou de dentro para fora, paralisando seus músculos, transformando seu corpo em uma estátua de gelo.
Algo aconteceu, David registrou em um relance, a percepção aguçada captando a mudança abrupta na postura de Marjorie, a rigidez súbita em seus ombros, o silêncio denso que a tomou de súbito. Ela viu alguma coisa ali na janela. E pelo tremor quase imperceptível em suas mãos crispadas, David pressentiu, com uma pontada de apreensão, que aquela "coisa" não era nada boa.
Lágrimas insistentes começaram a pinicar nos olhos de Marjorie, ameaçando transbordar a qualquer instante. Mordeu o lábio inferior com força, em uma vã tentativa de conter o maremoto de emoções que ameaçava arrastá-la para um abismo de dor e humilhação. Traição. A palavra ecoou em sua mente como um grito silencioso, multiplicando-se em mil fragmentos cortantes.
A traição de Brandon, que a ignorara durante todos aqueles anos, sempre preferindo Marylin. E Marylin... sua confidente, sua metade, que jamais sequer mencionara qualquer envolvimento com o objeto secreto de sua paixão platônica. Nunca hesitou, nunca lhe deu uma escolha.
A traição tripla, a dor lancinante, o ciúme corrosivo, a humilhação silenciosa e implacável... Tudo se misturava e se confundia em um turbilhão avassalador de sentimentos sombrios, ameaçando afogá-la ali mesmo, naquela calçada banal de sábado à noite, mesmo, sob o olhar casual de transeuntes alheios à sua tragédia particular.
David, mantendo um silêncio respeitoso, aguardou pacientemente, permitindo que Marjorie processasse o impacto brutal daquela revelação. Observava-a de soslaio, discretamente preocupado, notando o tremor em seus lábios, a palidez súbita que contrastava com o rubor incandescente de minutos atrás, o brilho úmido que denunciava as lágrimas reprimidas.
Ele instintivamente, compreendia que aquilo era algo pessoal, algo que a atingira em um ponto único de sua alma. E David, apesar da fachada de garoto problema sarcástico e indiferente, sentia um aperto no peito ao testemunhar a vulnerabilidade silenciosa estampada na expressão de Marjorie Cutler.
Marjorie respirou fundo, em um esforço quase doloroso para recompor a máscara de indiferença. As lágrimas lutavam para romper a barreira de sua contenção, mas ela se recusava terminantemente a ceder ao descontrole emocional em plena via pública, sob o olhar atento e silencioso de David Walker. Eu não vou chorar. Não na frente dele. Repetia o mantra em sua mente, como uma prece silenciosa, enquanto mordia com ainda mais força o lábio inferior, quase a ponto de ferir a pele.
Aquele era o “panorama familiar” que a deixou momentaneamente catatônica. Sua irmã, Marylin, a pessoa mais importante do mundo em sua existência, beijando, apaixonadamente, o garoto por quem ela, Marjorie, nutrira um amor platônico e secreto desde a sexta série. Aquele beijo roubado através da janela iluminada do “The Green Door” era a confirmação cruel e definitiva de que seus sonhos adolescentes ruiriam em poeira, para sempre. E a dor lancinante daquela constatação, naquela noite de sábado que prometia ser qualquer coisa, menos dolorosa, era quase… insuportável.
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