Capítulo 05
* Sugestão musical para capítulo:
Sparks - Coldplay
A sala de cinema estava quase às escuras, apenas a luz bruxuleante da tela gigante iluminando fracamente as fileiras de cadeiras. Marjorie e David encontraram seus lugares no meio da sala e se acomodaram. O ar-condicionado gelado contrastava com o calor do nervosismo de Marjorie, criando um arrepio gostoso na pele. O burburinho baixo da plateia aos poucos foi sumindo, dando lugar aos primeiros acordes da trilha sonora e às imagens coloridas que saltaram na tela.
Marjorie tentou se concentrar no filme – uma comédia romântica leve e previsível, exatamente como ela tinha pedido – mas era difícil. A consciência da presença de David ali ao lado era constante, quase palpável. Ele estava tão perto... mais perto do que jamais estivera. Era estranho como, mesmo no escuro do cinema, a presença dele parecia ocupar todo o espaço ao redor. Ela sentia o calor irradiando do corpo dele, o perfume masculino suave que pairava no ar, a ocasional movimentação na cadeira ao lado. Era como se a escuridão do cinema, que deveria criar um espaço de isolamento e fantasia, ironicamente intensificasse a proximidade física e a tensão entre eles.
De vez em quando, durante as cenas mais engraçadas ou românticas do filme, Marjorie sentia o olhar de David de soslaio. Não eram olhares invasivos ou desconfortáveis, mas rápidos, curiosos, quase avaliadores. Ele estava realmente prestando atenção nela? Ou só conferindo se ela estava curtindo o filme? Era difícil decifrar a expressão dele mesmo de relance. Ela tentava retribuir com um sorriso discreto, mas por dentro, o coração batia mais forte a cada contato visual.
Em um momento, durante uma cena particularmente clichê, Marjorie não conseguiu conter um risinho abafado. Para sua surpresa, David riu junto, uma risada baixa e rouca que pareceu vibrar no ar entre eles. A risada dele... era realmente contagiante. Não era forçada nem sarcástica como ela esperava, mas genuína e… inesperadamente… agradável de ouvir. Pela primeira vez desde que se encontraram no saguão, a tensão palpável se dissipou um pouco, dando lugar a uma leveza inesperada.
— Admite, Cutler, você adora essas cenas água com açúcar — David sussurrou, o tom divertido.
— Não nego meus prazeres culposos, Walker — Marjorie respondeu no mesmo tom baixo, sentindo um sorriso genuíno nascer nos lábios. — E você? Tá achando muito piegas pra você?
— Tô tolerando — David respondeu, ainda com um sorriso na voz. — Mas confesso que tô curioso pra ver se o final feliz vai valer a pena — ele confessando alguma coisa? Isso era novo. Talvez ele não fosse tão fechado e sarcástico o tempo todo como ela imaginava.
— Ah, spoilers! — Marjorie fingiu indignação, dando um leve empurrão no braço dele com o ombro. — Estragou a surpresa toda!
David riu de novo, e dessa vez o som pareceu ainda mais genuíno e contagiante. Marjorie se pegou rindo junto, sem nem perceber do quê, apenas pelo prazer de ouvir a risada dele ecoando no escuro. Era inacreditável como um simples riso podia mudar tudo. De repente, o cinema escuro parecia menos ameaçador, e a presença do David, menos intimidante.
Naquele instante, no meio da sala de cinema mergulhada em breu, com o som alto do filme preenchendo o espaço vazio, Marjorie sentiu uma estranha sensação de conexão. Como se, por um breve momento, as barreiras invisíveis que sempre os separaram tivessem se dissipado, deixando apenas dois adolescentes dividindo pipoca doce e risadas abafadas no escuro.
O filme continuou, desenrolando sua trama previsível e reconfortante. Marjorie ainda se esforçava para prestar atenção na tela, mas a verdade é que a história principal acontecia ali ao lado, na cadeira ao lado da dela, na troca de olhares e sorrisos discretos, na leveza inesperada das provocações sussurradas. A cada mordida na pipoca doce, a cada risada compartilhada, a cada contato visual fugaz, Marjorie sentia a curiosidade inicial se transformar em algo mais palpável. Algo que, ela ainda hesitava em admitir para si mesma, podia ser o começo de... quem sabe? Era loucura pensar naquilo. Um começo com David Walker? Parecia irreal, quase… perigoso.
Quando as luzes da sala se acenderam, anunciando o fim do filme e o retorno à realidade, Marjorie piscou para se acostumar com a claridade repentina. Virou-se para David, esperando encontrar o sarcasmo de sempre nos olhos dele, mas o que viu foi um olhar diferente. Mais suave, mais aberto, até mesmo gentil. Gentil? David Walker? Essa palavra nunca tinha cruzado a mente dela em relação a ele. Mas ali estava… um indício de gentileza naqueles olhos azuis e penetrantes.
— E então, Cutler — David perguntou, a voz agora um pouco mais baixa, quase íntima. — O final valeu a pena? Ou a gente devia pedir o dinheiro de volta?
Um sorriso tímido nasceu nos lábios de Marjorie.
— Acho que... valeu a pena — respondeu, e pela primeira vez, em vez de provocar de volta, ela sustentou o olhar de David, permitindo que a curiosidade, e talvez algo mais, transparecesse nos seus próprios olhos azuis. O filme tinha acabado, mas a noite, Marjorie pressentia, estava apenas começando.
Saíram do cinema e a luz forte do saguão pareceu ofuscar Marjorie por um instante. Piscou algumas vezes, tentando se readaptar à claridade depois de quase duas horas no escuro. David esperou ao lado dela, a postura relaxada de sempre, como se sair com ela para um filme no sábado à noite fosse a coisa mais corriqueira do mundo. Ele parecia tão despreocupado, tão à vontade. Como se estivesse acostumado a fazer programas de sábado à noite com garotas… o tempo todo.
— E aí, faminta? — David perguntou, o sorrisinho de canto de volta, mas com um quê mais suave agora, como se a leveza que surgiu no cinema tivesse se prolongado para fora da sala. — Pipoca não sustenta ninguém, né?
Marjorie riu, o nervosismo do início da noite parecendo uma memória distante.
— Confesso que tô com fome mesmo. Aquela pipoca era mais ar do que milho.
— Sabotagem cinematográfica — David balançou a cabeça, fingindo indignação. — Mas, pensando bem, até que foi bom. Assim a gente tem uma desculpa pra continuar o programa, não acha?
— Programa? — Marjorie repetiu, erguendo uma sobrancelha. — Já temos um programa? Pensei que o programa era só o filme. E que a caridade já tinha sido cumprida.
— Cutler, não se faça de difícil — David respondeu, empurrando de leve o ombro dela com o seu. — Caridade até certo ponto. Mas confesso que tô começando a curtir a companhia. E, pra ser honesto, tô morrendo de fome também — ele admitiu que estava curtindo a companhia dela. Em voz alta. Com todas as letras. Isso era… quase inacreditável.
— Hummm, confissão? — Marjorie provocou, com um sorriso vitorioso. — Interessante, Walker. E qual seria o próximo passo desse "programa" então? Jantar chique à luz de velas? Seria caridoso da sua parte me alimentar, já que a pipoca não deu conta.
— Jantar chique à luz de velas tá meio clichê demais pra gente, não acha? — David sugeriu, com um brilho divertido nos olhos. — Que tal algo mais autêntico? Tipo... hambúrguer e batata frita?
— Hambúrguer e batata frita? — Marjorie repetiu, arqueando as sobrancelhas, fingindo uma falsa indignação. — Walker, você realmente sabe como impressionar uma garota no primeiro encontro.
— Ei, hambúrguer e batata frita é clássico! E tem um lugar aqui perto que faz um milkshake de chocolate que é... — David estalou os dedos. — ...de outro mundo. Topa encarar o "clichê autêntico" comigo, Cutler?
Marjorie hesitou por um instante, fingindo ponderar a proposta ultrajante de um hambúrguer e milkshake depois do cinema. No fundo, a ideia parecia perfeitamente... perfeita. Um jantar chique e formal com o David? Impossível imaginar. Mas dividir um hambúrguer e um milkshake com ele num lugar descolado qualquer? Aí sim, a coisa começava a ficar interessante. Hambúrguer e milkshake… com o David Walker. Quem diria? Há algumas horas, a ideia de simplesmente falar com ele parecia… inacessível. E agora estavam quase indo jantar juntos num… “encontro”… não tão clichê… quanto filmes de comédia romântica.
— Hum, milkshake de chocolate, você diz? — Marjorie perguntou, fingindo estar indecisa, o sorriso brincando nos lábios. — Certo, Walker. Você me convenceu com o milkshake. Mas se o hambúrguer for ruim, a culpa é toda sua.
— Culpa totalmente minha — David confirmou, com um sorriso largo que iluminou o rosto dele por completo, fazendo Marjorie sentir um calorzinho bom no peito. Aquele sorriso… era totalmente desarmante. Completamente diferente do sorrisinho de canto sarcástico de sempre. Era um sorriso aberto, genuíno… quase… radiante. Será que era possível que David Walker realmente tivesse um sorriso tão… bonito? E por que raios ela estava reparando nisso… agora? — Mas confia em mim, Cutler. Você não vai se arrepender. Me siga, especialista em comédia romântica. Vou te apresentar ao paraíso dos hambúrgueres.
E com um gesto casual, David colocou a mão levemente nas costas de Marjorie, guiando-a para fora do cinema, para a noite de sábado que se estendia promissora à frente deles. Enquanto caminhavam lado a lado pelo estacionamento iluminado, Marjorie sentiu o toque leve da mão de David nas suas costas como um choque elétrico suave, mais intenso do que qualquer cena melosa de comédia romântica que já tivesse visto. A mão dele nas costas dela… um toque tão leve, tão casual, e mesmo assim… tão carregado de… eletricidade. Um choque quente e formigante que se espalhou por todo o corpo, fazendo esquecer completamente o ar-condicionado gelado do cinema, e até mesmo a sombra persistente do Brandon… por um instante.
Talvez, só talvez, aquele sábado improvável com David Walker pudesse ser o começo de algo infinitamente mais interessante do que qualquer final feliz previsível de filme água com açúcar. Talvez… só talvez… ela estivesse errada sobre ele. Sobre o David. Sobre o sábado. Sobre tudo. Talvez não fosse só caridade. Não fosse só provocação. Não fosse só uma brincadeira de mau gosto. Talvez pudesse ser… algo mais. Algo… inesperado. Algo… diferente. Algo… David Walker. A aventura, definitivamente, tinha acabado de começar.
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