Prólogo
Depois de muito insistir, Aurora teve a permissão dos pais para visitar o avô. Seus amigos pediram-lhe para ter cuidado, pois ele morava em uma casa antiga de dar arrepios no fim da rua. Diziam também, que o velho Mister Mus era um tanto fora do comum, usava roupas fora da época atual e quase não saía no quintal.
Aurora não tinha medo, principalmente porque a mãe dela contava-lhe histórias sobre como ele era um homem bom e simpático antes dela nascer. A jovem que recém completou dezoito anos acreditava que, mesmo depois de tantos anos, ele continuava o mesmo que a sua mãe descrevia. Incentivada pelo sentimento de vê-lo e pelo estranho buraco na própria memória, ela juntou algumas peças de roupa e saiu de casa ao anoitecer. Os passos eram decididos na rua asfaltada e pouco movimentada, movidos pela coragem e uma curiosidade que nunca sentira antes. Conforme se aproximava do casarão onde o avô morava, alguns postes de iluminação apresentavam mal funcionamento.
Quando enfim chegou diante da cerca de madeira do quintal, deparou-se com o seguinte aviso, pintado em letras grandes e vermelhas: Não toquem nas rosas, elas mordem. Ela encolheu os ombros, abriu a tramela do pequeno portão e entrou, vencendo o filtro de percepção que a afastava da casa de alguém que era para ser tão próximo de seu convívio. Seguiu pelo estreito caminho de pedras entre os canteiros de rosas brancas. Certamente, o aviso era para espantar crianças travessas que arrancavam as flores quando o dono não estava vigiando.
— Não quero mais biscoitos! — A jovem sobressaltou-se com o grito irritado e inesperado, assim que pisou na varanda. Ela sequer tocara a campainha.
— Avô? — chamou ela, aproximou-se cautelosamente e tentou espiar pela fechadura de madeira detalhada. — Sou eu, Aurora! Sei que quando me viu eu nem mesmo falava ainda, mas...
Aurora se interrompeu, quando a porta abriu e revelou parte de um homem através da brecha ligada por inúmeras correntes finas. O dono do casarão a observava com uma expressiva sobrancelha grisalha levantada, os olhos de íris azuis estreitos sob pequenos e redondos óculos de grau.
— Aurora? Minha netinha, Aurora? — Ele questionou, segundos antes da porta fechar-se novamente. Após o ruido das várias travas se abrindo, um ranger revelou-o por completo. — Como você cresceu! Faz quanto tempo? Dois dias?
A jovem observou aquele senhor de cabelos cinza desalinhados, sorriso largo e braços abertos para um abraço, com certa desconfiança por um momento. Lembrava do rosto dele de alguma forma. No entanto, acabou cedendo contra as suposições e abraçou o avô que só conhecia através das histórias da mãe e de breves aparições no quintal.
— Não entendo porque minha mãe só me deixou vir aqui depois de tanto tempo — comentou Aurora, enquanto sentava-se em uma poltrona azul indicada pelo avô. A verdade é que o desejo de visitá-lo só despertou fortemente naquele momento, naquele dia. — Moramos na mesma rua, não faz sentido.
— Porque está na hora, Aurora. Está pronta para saber a história de tudo, e me ajudar no desafio final — contou ele, e saiu brevemente para outro cômodo.
A jovem aproveitou a saída dele para observar a casa que seus amigos diziam ser assombrada. A sala era repleta de livros e bugigangas, em todos os espaços ao redor dos sofás e da mesinha de centro de madeira escura. Tudo parecia tão... Antigo. Uma mistura de épocas que excluíam os dias atuais. Ela observou um pequeno pingente com formato de estrela sobre a mesa de centro, ao lado de um livro de capa de couro marrom, e pegou-o observando os detalhes da peça de prata.
Mister Mus logo retornou, trazendo uma bandeja com chá e biscoitos. Pegou uma xícara e deixou a bandeja na mesa de centro.
— Está prestes a ouvir tudo, mas logo lhe aviso: não é uma história fofa, ou muito menos calma — continuou ele, sentando-se na poltrona diante de Aurora. Esboçou um sutil sorriso ao vê-la com o pingente. — Quando os nomes eram outros e a magia era visível, algo quase acabou com tudo que conhecemos hoje. Os pesadelos, Aurora, são totalmente diferentes sem um apanhador de sonhos.
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