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Capítulo 1 - O quinto badalar

O sino deu quatro badaladas naquela noite. Dreamare, em grande parte, dormia. Porém, em um vilarejo afastado da área central do reino, um homem estava sem sono desde o início do dia. Manuel Mustapha, depois de esperar impacientemente sentado num banco de madeira do lado de fora, levantou-se e passou a andar de um lado para o outro. Esfregou e assoprou as mãos para aquecê-las, sentindo os batimentos dispararem a cada grito e gemido que escapava do interior do casebre de pedra. O vento frio adormecia-lhe o nariz e o único aquecimento eram duas tochas que iluminavam um espaço circular no gramado, limitando-se a seguir até um pouco antes do cercado das ovelhas.

A ansiedade e nervosismo teve fim com um alto choro de bebê; um som agudo que cortou os céus como um anúncio para todo o reino. A parteira saiu da construção, caminhando calmamente até o homem que aguardava-a.

— Parabéns, senhor! Sua filha nasceu, forte e saudável — anunciou ela.

Manuel esboçou um largo sorriso ao receber a notícia, abraçando-a com alegria antes de entrar no casebre. Anelise, sua esposa, se encontrava deitada em uma cama simples segurando o bebê envolto num manto azul-claro. Com os olhos marejados de emoção, ele aproximou-se, curvando-se sobre elas para observar o rosto delicado de sua filha; finos cabelos ruivos como os da mãe e olhos azuis como os dele.

— Nossa pequena Evelyn. — Anelise esboçou um sorriso cansado, estendendo a filha para que o pai segurasse. — Promete que vai protegê-la?

— Com a minha vida — respondeu Manuel, mesmo estranhando a pergunta da esposa. Dreamare era o lugar mais tranquilo para se viver. Nunca houve um crime sequer, os moradores viviam do campo e o governo do rei era justo e sem nenhuma atrocidade. O governante nunca fora visto pela população em geral, mas nunca questionaram. Afinal, possuíam a vida perfeita.

Depois de um instante, Anelise adormeceu. Manuel permaneceu com a filha nos braços, depositou um suave e amoroso beijo sobre a testa da esposa e seguiu com a pequena Evelyn até a janela do casebre; o castelo principal podia ser visto no alto de uma colina, majestoso ao lado da lua cheia.

— Minha mãe costumava a cantar uma música para mim quando eu era criança... — contou ele, em um tom quase sussurrado, balançando o bebê em um suave ninar. —Não tenha medo e vá dormir, o apanhador de sonhos está aqui. Qualquer pesadelo deixará de existir, o apanhador de sonhos está aqui. Nada vem a noite, não tem nenhum mal. O apanhador de sonhos é real.

Evelyn dormiu logo após a canção e o local caiu em um silêncio acolhedor, que não durou por muito tempo. Duas batidas foram ouvidas na porta da frente, tomando a atenção de Manuel. Ele pensou inicialmente que poderia ser a parteira, retornando para verificar se Anelise e o bebê estavam bem.

— Está aberta — respondeu ele, franzindo o cenho ao notar a luz da lua ser mais forte do que a iluminação das tochas do lado de fora.

Outras duas batidas, e Manuel percebeu que não havia nenhum vulto do outro lado. A parte debaixo da porta era alta, e não havia sequer um par de sapatos para indicar que alguém chegara ali.

— Vai ficar tudo bem, é só o vento...— murmurou ele, e voltou o olhar para esposa. Ela ainda dormia. — É só o vento, minha doce Evelyn.

Ele balançou suavemente o bebê, percebendo que ele estava quieto demais. A filha envolvida no manto azul, tão quieta que nem parecia respirar.
O sino tocou o quinto badalar, um único som que ecoou por toda Dreamare. Assustado, Manuel voltou a atenção para a filha e afastou o manto enquanto sentia o coração acelerado. Nada, era apenas o manto.

Nada vem a noite, não tem nenhum mal. O apanhador de sonhos é real.

A canção de ninar soava no casebre em um ecoar amplo, em vozes cheias e vivas como um coro de igreja. Manuel abraçou o manto junto ao corpo e caminhou para trás passos até sentir as costas tocarem a parede de pedra no cômodo.

As batidas na porta continuaram, ficando mais irritadas a cada vez que surgiam e tão bruscas ao ponto de quase arrombarem. O estranho era que, a porta não estava trancada.

— Mister Mustapha! — O grito do lado de fora do casebre o fez acordar em um sobressaltar. As imagens do sonho que teve ainda flutuavam diante da visão dele, como fantasmas que gradativamente desapareciam.

— Já vou — respondeu em um resmungar mal-humorado, sentindo os batimentos ainda acelerados do pesadelo que tivera. Passou os dedos pelos fios volumosos e grisalhos, pegou o relógio de bolso no chão ao lado e levantou-se meio a um respirar fundo. — Estava dando um breve cochilo, poderia ter falado com Evelyn, ela está cuidando das ovelhas.

Ele ajeitou o colete vinho que usava antes de abrir a porta, deparando-se com um dos soldados do rei. O cavaleiro usava uma armadura completa deixando apenas a viseira do capacete erguida, onde um relógio analógico se mostrava gravado no ferro escuro.

— O castelo exige sua presença — anunciou o homem, sem delongas. Estendeu para Mustapha uma carta marcada com o selo real, e, pelo desgaste do papel, não era recente.

— Por que eu? Nunca vejo ninguém, além dos cavaleiros que entram e saem do castelo. — Quando saía do vilarejo e seguia para a área central, para as compras na feira, os únicos que ele reparava subindo a colina para o castelo eram os cavaleiros.

— Que horas são, Mister Mustapha? Por quanto tempo cochilou? — questionou o homem, sem respondê-lo.

Ele puxou o relógio do bolso do colete através da fina corrente dourada e abriu-o, porém os ponteiros não paravam de girar e ele acabou guardando novamente o objeto. Provavelmente tinha quebrado e ele nem percebera.

— Algumas horas. — Mustapha saiu do casebre e seguiu até o cercado de ovelhas para encontrar a filha. — Evelyn! Evelyn! Tudo bem, pode deixar comigo agora!

— O rei espera vê-lo amanhã! — O cavaleiro gritou, enquanto observava Manuel se distanciar. Os cabelos cinza desalinhando com o vento e as roupas, apesar de finas, mal ajeitadas. — O futuro de Dreamare depende de você.

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