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O Contista

Frequentava seminários, simpósios, cursos, palestras. Pesquisava metodologias, lia à exaustão sobre o assunto. Ainda assim sua ficção era fraca. Seus personagens, rasos. Seu vocabulário, insuficiente. Fugiam-lhe as palavras ao escrever, as ideias escapavam. Terminava cada sentença com a sensação de que havia forma melhor de dizer, qualquer que fosse o significado de “melhor”: maneira mais clara, mais concisa, mais elaborada. Seus textos não eram contos, eram apenas textos, palavras grosseiramente atulhadas em um formato que se pretendia encadeado. Faltava algo, uma substância que unisse tudo aquilo em algo coeso, com sentido. Até que dominasse essa habilidade de prender todos os aspectos da história, não seria um escritor.

Passou a construir seus contos como quem trabalha um quebra-cabeças. Elencava fatores e procurava ligá-los, amarrar todo o conjunto narrativo com solidez. Isto é assim graças àquilo; aquilo influenciou naquilo outro; tal acontecimento, por fim, causou determinado efeito e, vai daí, chegamos finalmente ao desfecho tal. Suas narrativas se tornaram elaboradas, causais, cheias de consequências e referências cruzadas. Levou-as a seus professores, a seus amigos, aos especialistas cujas apresentações assistia. Reuniu-as em calhamaços, enviou a editores.

Reconheceram: havia coerência. Infelizmente, em excesso. Tudo era previsível, desde o começo. O desenrolar tornava-se óbvio a partir do primeiro acontecimento. Somado ao segundo, então, podia-se dar o conto por encerrado. Suas histórias policiais eram crônicas de mortes anunciadas; suas histórias de terror poderiam ser reduzidas a fórmulas; os dramas acabavam, tamanha obviedade, convertendo-se em comédias de erros (quisesse escrever comédias de erros, teria aí um alento, mas não era sua intenção).

De volta à mesa, os dedos investindo com violência contra o teclado, como se ao equipamento coubesse a responsabilidade por quaisquer falhas do que ali era produzido, ele reescreveu cada um de seus textos, todas as histórias, suas conexões e desfechos. Imprimia tudo, rabiscava, debruçava-se, noites a fio, buscando a solução que finalmente traria qualidade a seu trabalho. Um colega, em um simpósio, deu a dica: viradas de trama, era disso que suas histórias precisavam. Acontecimentos repentinos, inesperados. Um assassino sem motivação, a felicidade interrompida de forma brutal, o surgimento de algo improvável, talvez, até, impossível.

Seus textos passaram a ser recheados de suspense. Grandes acontecimentos poderiam surgir a qualquer momento, alterando bruscamente o desenrolar da história. Sua elaboração centrava-se nesses momentos, nas curvas súbitas, nas viradas de mesa, nos finais inopinados. Ia para o espaço a cadência, mudava o ritmo sem prévio aviso. Seus personagens viam-se perdidos ante o inesperado, suas vidas transformadas numa série de acontecimentos imprevisíveis. Eram marionetes entregues a um poder maior - às vezes, benevolente; outras, sádico.

Mas ainda faltava algo. As críticas permaneciam severas, ele mesmo relia tudo com grande insatisfação. A razão, percebeu pouco depois, era que o roteiro era a chave, o foco, o centro de sua escrita. Os que revisavam seu texto, editores que os recebiam, respondiam, via de regra, que havia ali uma superficialidade que funcionaria bem para a redação publicitária, talvez para uma forma rasa de jornalismo. Mas, quando se tratava de literatura, mencionavam certa pobreza nos personagens. Não utilizavam exatamente essas palavras, claro (existem sensibilidades a serem respeitadas). O sentido, entretanto, era este, e ele o reconhecia. Não havia potencial humano, desenvolvimento dos personagens, curva de aprendizado. Seus protagonistas eram figuras bidimensionais, com a profundidade de cartazes de papelão, vazios de motivações, sem propósito outro que não enveredarem-se em uma série de acontecimentos estabelecidos por uma presença externa.

Empenhou-se em melhorar esse aspecto. Repensava seus personagens, analisava suas motivações, procurava lapidar seus diálogos até o ponto em que qualquer pessoa, ao lê-los, pensasse “Já tive exatamente esta conversa”, ou “Eu falaria isto dessa forma”. Transformar seus construtos em criaturas tridimensionais, trazê-los para a realidade, era mais difícil do que ele imaginava. Assim, começou a utilizar conhecidos como inspiração. Por consequência, analisava seus amigos. Seu olhar tornou-se perscrutador; suas perguntas, não raro, invasivas. Os mais próximos, entendendo do que se tratava tal interesse, deixavam-se dissecar, já imaginando o personagem que alimentariam com sua mundaneidade (imaginavam-se protagonistas, sempre); alguns, todavia, afastavam-se, vítimas de embaraço ou pudor, resistindo a serem retratados como uma entidade ficcional sujeita a olhos de sabe-se lá quem! No geral, contudo, tamanho interesse era tomado apenas como um traço de personalidade. A alguns, apetecia. Sentiam-se importantes, benquistos. A outros, incomodava. Sentiam-se cercados, observados mais de perto do que gostariam. Até essas reações ele levava em consideração. Lia Freud, Jung e Lacan. A alma humana era a escada da qual se utilizaria para elevar sua literatura, por fim.

Passou a descrever minuciosamente seus personagens, apresentava-os por completo: história de vida, objetivos, motivações subconscientes, particularidades, minúcias; traços físicos, trejeitos, maneirismos, sotaque. Seu texto, agora narrado em perspectiva, utilizava diferentemente o vernáculo dependendo de quem falava. Para um introvertido, eufemismos, falas reticentes, respostas vagas, poucos verbos no infinitivo, muito futuro do pretérito, palavras curtas, frases normalmente iniciadas com negativas. Personagens mais extrovertidos tendiam a utilizar verbos no futuro e imperativo, concordavam e utilizavam afirmativas, faziam uso de polissílabos, eram enfáticos e suas falas frequentemente terminavam com exclamações. Suas histórias agora eram intimistas, excessivamente humanas, como choques entre galáxias, cada personagem um universo em si. Os diálogos eram densos, a narrativa, pesada.

Os que liam elogiavam sua capacidade de devassar a psique humana, mas criticavam seu isolamento perante tudo aquilo que era apresentado. “Seu isolamento” diziam “é a inação dos personagens, é a falta de consequência deles no mundo e do mundo neles”. Acusavam-no de permanecer sobre o muro, aniquilando a história, nulificando suas criações. Estas eram apresentadas em sua plena forma, mas e dai? De que adiantava toda aquela elaboração humana estagnada, imóvel, refletindo sobre si mesma? Essas criaturas estavam inseridas em um meio. Que meio era este? Que peso este meio teria nas criaturas e que peso teriam as criaturas nele? Onde estava o Ser-No-Mundo, de Heidegger? A angústia da liberdade, conforme Sartre? A filosofia da moralidade de Kant?

Mergulhou na filosofia. Leu dos pré-Socráticos aos pós-modernos. Examinou pontos e contrapontos, teses e antíteses. Suas criações, a partir daí, agiam, pensavam e dialogavam seguindo inúmeras linhas filosóficas e escolas de pensamento. Havia os sofistas, os cínicos, os niilistas, os existencialistas, os morais, os estoicos, os hedonistas... Discutiam, divergiam, debatiam, confabulavam. Eventualmente a voz dele, o autor, surgia sobre todas as outras, a exemplo de Victor Hugo e Herman Melville, em longos solilóquios que analisavam o terreno de ideias disposto à frente do leitor, os efeitos dos meios nos indivíduos, a atuação dos indivíduos nos meios. Por vezes esmiuçava algo aparentemente irrelevante, mas que, ao fim de sua análise, mostrava-se como item chave para o entendimento do pensamento centralizador da trama. Às vezes buscava respostas; noutras, apenas trazia perguntas. Ficava sempre clara, entretanto, sua propensão. Não havia neutralidade, ainda que, por razão de honestidade intelectual, tentasse tratar todas as ideias abordadas com igual respeito.

Seus leitores terminavam os contos com um olhar de estupefação, às vezes precisavam retornar a algum trecho, ou ler tudo de novo, do começo, de modo a captar as ideias em sua totalidade. Tal complexidade, ainda que elogiada por alguns, era, como um todo, severamente desestimulada. Assuntos tão sofisticados não podiam ser tratados em contos tão curtos. Vinte, trinta, quarenta páginas, que fossem, não eram suficientes para a elaboração e conclusão necessária sobre o tema. Os mais duros acusavam-no de covardia: fugia para a ficção com suas ideias, atribuindo-as a personagens, de modo a não correr o risco de receber as críticas que sem dúvida enfrentaria, caso trabalhasse na forma de ensaios. Além do mais, expor seus pensamentos como o fruto da mente de um eu-lírico era uma bela forma de se isentar de responsabilidade sobre o que fora dito. Era unânime, entretanto, que seu campo ideal não eram mais os contos. A forma limitada e o espaço exíguo deste tipo de narrativa não comportavam mais suas técnicas, seu método, seu potencial. “Seu negócio é o romance”, diziam.

Por fim, exasperado, arrancou as folhas de todas as cadernetas, bloquinhos de anotações e post-its onde rabiscara suas ideias. Eram resumos em uma, duas, três linhas, no máximo, de contos que fizera ou pretendia fazer, apenas lembretes, extremamente vagos, sem qualquer desenvolvimento. Deixavam coesão, coerência e conclusões para um segundo momento. Um amigo mais curioso, deparando-se com a pilha de papéis, apanhou um ou dois. Divertiu-se tanto que recolheu todas as notas, sem que o pretendente a autor notasse. Leu tudo. Acabou mostrando a um amigo, que mostrou a outro, etc, etc.

Certo dia o autor recebeu uma carta de uma editora, interessada em publicar um volume de bolso com seus microcontos.

 Frustrado, matou-se. Recusou-se a redigir carta de despedida.

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