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ONDAS

"Certa vez eu tive duas ondas, apenas duas ondas que foram determinantes entre seguir ou interromper minha vida. A vida se renovou como as ondas. As consequências não se renovaram, e as ações das nossas escolhas,
são para toda a vida."
J . I. Jr

— Você não quer dormir hoje lá em casa?   — Os dois estão sentados no calçadão da praia. Se não fossem pelas espumas prateadas nas cristas das ondas, eles jurariam estarem de frente para um imenso abismo negro, e não para um mar que está enchendo.

— Não. Obrigado. — Rafael responde com os olhos fechados. Sentindo a brisa salgada ficar-lhe o rosto.

— Você tem certeza? — Júlio acende um cigarro e puxa a fumaça para dentro do seu corpo, como quem bebe os últimos três dedos que restam, de uma coca-cola gelada dentro do frasco de vidro.

— Sim, tenho. Preciso pensar sobre minha vida. — Rafael, estende sua mão esquerda para pegar o cigarro aceso. Júlio fica sem saber se entrega ou não. Mas, fechando os olhos marejados, passa o cigarro para o irmão.

— Eu não sei o que falar. Me perdoe. — Uma onda quebra perto deles. A maré está mais cheia, e o balançado das ondas traz as espumas e volta levando a areia.

— A culpa não foi sua. — Rafael olha para Júlio com uma expressão que não se tem como identificar. Não tem como saber o que ele está pensando — A culpa é toda minha e somente minha. Quem a matou fui eu.

— O que você vai fazer? — Júlio pergunta voltando a olhar para o mar.

— Eu vou me entregar. Não consigo viver com essa culpa... e sei que vou morrer me sentindo o pior de todos os homens, por ter tirado a vida de um inocente. E esse inocente era minha única filha. Deus como dói. — Ao dizer dói, Rafael franze a testa quase fechando seus olhos.

Os dois ficam em silêncio. Olhando o mar. O céu está sem nuvens, apenas o vento para trazer ideias ao coração do assassino.

— Irmão, meu coração também dói. E a decisão que você tomar eu vou acatar e se puder ajudar, eu vou ajudar. — Rafael, olha para Júlio e toca-lhe a face.

— Você sabe que eles não vão parar. Eu ainda estou vivo... e sou um risco à vida deles. Mas, o importante é você saber que amo vocês.

— O que você vai fazer?

— O que eu disse que iria fazer. Irei me entregar. — Rafael pede ajuda com a mão para se levantar — Vamos embora. Amanhã o dia será cheio.

— Você não pensa em vingança? — Pergunta Júlio, que rapidamente se levanta e apoia o corpo, para que Rafael possa se levantar.

— Sim, eu penso. Mas dependerá de qual será a próxima jogada, que eles farão no tabuleiro. — Rafael consegue ficar em pé, depois da ajuda que Júlio lhe dá e segue para o carro.

— Então você irá se vingar. Eles não vão parar até te matar ou me matar. — Júlio, dentro do carro, coloca o cinto de segurança.

— Morrer não é a pior coisa. — Rafael olha sério para o irmão, que liga o carro e dá partida.

— Não sei o que seria pior que morrer. E ainda morrer sob tortura.

— Descanse seu coração. Ele não vai matá-lo. Você já serviu para os propósitos dele. — Rafael tosse ininterruptamente, chegando a cuspir sangue no painel do carro. — Eu só quero morrer e seguir para meu inferno. Espero que Glauco me permita fazer isso em paz. Não quero mais sujar minhas mãos com sangue. A minha cota já superou.

Júlio, não fica mais tranquilo ao saber que, possivelmente, não é o próximo alvo de Glauco. Mas, ele sabe que Rafael procura uma desculpa verdadeira para não matar mais, e até já a encontrou. Porém, é como se Rafael, soubesse que Glauco não pararia de tentar feri-lo. E aí, a pior coisa é um animal selvagem e feroz acuado.

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