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A DOENÇA

"O homem é a sua própria doença, um mal incorrigível, incansável e que diferente dos animais, mata porque quer, inclusive a si mesmo. "
J. I. jr

— Não! Por favor! Eu quero viver! — O homem moreno, encontra-se sentado e amarrado nu numa cadeira de madeira com três pernas... a quarta perna é feita com uma pilha de dez livros jurídicos. A súplica dele de nada adianta. Mas, para quem vai morrer, pedir é um direito que ele ainda tem.
— Cale-se. Sua voz me irrita. — Fala o assassino olhando a paisagem verde, pela imensa janela de vidro que fica na sala da casa da sua vítima. Na mesa ainda tem os restos de comida da noite anterior.
— Quem é você? Olha, eu pago mais. Eu tenho dinheiro no meu cofre.
— Não quero seu dinheiro. Eu quero sua vida. — O Homem de cabelo preto, magro e de rosto sucado, espremido pela nefasta doença que tomou conta dos seus pulmões, respira com mais força depois de responder. O cansaço aumenta a cada dia. Suas forças, se vão a cada dia. Tudo lhe é um mundo de acabar, aumentar e aumentar.
— Você é um filho da puta hipócrita! Não quer o meu dinheiro, que ganhei suado, mas aceita um outro qualquer.
O homem que veste um terno cinza claro, com camisa branca, para de frente sua vítima.
— Você conhece a história de Jonas?
— De quem? Que porra você está falando, agora?
— Deus mandou Jonas ir para a cidade de Nínive dizer para aquela cidade, que seus dias estavam contados... que ele iria destruir tudo e todos, mas no meio do caminho — o assassino para de falar e tosse... tosse muito e sufocante com um lenço branco na sua boca —, desculpas... a doença já me matou... é que sou insistente em tentar continuar a viver. — Depois de limpar as gotículas de sangue, que estão em volta da sua boca e cuspidas no lenço, o assassino continua — No meio do caminho, ele tenta ignorar a ordem dada por Deus e pega um navio para outra cidade. Társis. Um tolo... querer fugir de Deus.
— Seu louco. — O assassino escuta o elogio e pega de dentro do seu colete, dentro do paletó, sua arma 9mm.
— Não me atrapalhe... você não tem ideia do esforço que estou fazendo para te contar a história do meu profeta preferido. Sabe o que aconteceu?
— Quem não conhece a história de Jonas, seu merda?
— Ué, pensei que não soubesse. Mas continuando... Deus mandou uma tempestade que assolou o barco. O capitão vendo que tudo iria parar no fundo do mar, começou a jogar tudo no mar... o desespero era geral. Os tripulantes oravam para seus deuses... e Jonas... estava dormindo no porão. Alheio a tudo. Preferia morrer, a levar a mensagem de Deus... o capitão o acha... e depois de leva-lo para o convés, tiraram a sorte para saberem quem era o culpado. E advinha quem era o culpado?
— O que isso tem a ver comigo?
— Meu nome é Rafael, a propósito. — O homem encosta-se na parede. Falou tanto que se cansou. — E respondendo sua pergunta, tem tudo a ver com você. Jonas e esses homens acreditavam na sorte... acreditavam que a sorte mostraria o culpado, e foi o que aconteceu. Jonas era o culpado... a sorte nunca erra. — Rafael, como quem saiu de um transe, desencosta-se da parede branca rapidamente. Verifica sua 9mm e aponta para a cabeça do advogado.
— Por favor, eu sou inocente. — O homem destinado a morrer, pede mais uma vez pela sua vida. — Eu tenho três filhos, um deles é doente... precisa de mim.
— José Osório Tenório da Silva, você é culpado pela soltura do estuprador Antônio Verano Correia.
O assassino aponta sua arma na fronte do advogado.
— Eu só fiz cumprir a lei.
— E eu estou fazendo o mesmo... eu cumpro a lei da sorte.
O coice da arma é mínimo. Uma 9mm PARABELLUM é magistral, o punho não sente o recuo, mas a vítima sente a dor em sua totalidade, com uma precisão fatal de quase noventa por cento.
O corpo do advogado é projetado para trás. Um buraco se abre atrás da cabeça. Rafael, que está usando luvas de couro preta, que ganhou de alguém, pega a seringa vazia que usou para render o advogado no estacionamento do prédio, que ele trabalhava.
Rafael, segue até o lixo orgânico na cozinha e joga a seringa ali dentro. Depois, beija a empunhadura da arma que tem escrito "MULA". Ele geralmente faz isso depois de matar, porém, ultimamente é normal esquecer.
O assassino admira a casa que não costa nos registros oficiais do advogado. José Osório usava essa casa para o abate... sim, isso mesmo. O advogado pagava para o homem que soltou, uma relativa quantia em dinheiro.
Antônio Verano Correia, não somente sequestrava e estuprava suas vítimas, ele as vendia para o advogado, que as usava e depois as matava. Jogando-as num lixão qualquer.
Porém, a sentença de morte dele foi dada por ter libertado o Antônio, e não pelo conjunto da obra.
Rafael, para de frente do defunto e abaixando-se perto do corpo sem vida, que está de olhos abertos, o fotografa com uma câmera Polaroid vermelha, era a prova de que o serviço fora feito, depois de balançar a foto e checar que ficou perfeita, ele a guarda num bolso interno qualquer do seu terno.
   O assassino tem o último gesto para com o morto... um gesto que ele acredita ser de misericórdia e que deseja que um dia façam com ele quando, sua hora chegar.

           Rafael fecha os olhos do morto, e coloca duas moedas de cinco centavos por cima das pálpebras fechadas e faz sua oração:
— "A morte que caminha entre o paraíso e o abismo, todos que não te conhecem temem vosso nome. Mas nós que a cultuamos desde o primeiro dia da nossa existência consciente, a veneramos como a deusa absoluta. Não temerei inimigo algum, porque todos que se levantarem contra vossas filhas e filhos padecerão sobre seu livro santo. O vosso poder e glória se ascende daqueles que foram ceifados. Que assim se cumpra, que assim seja e assim será. "

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