capítulo quatro
— Por que você largou a faculdade? — Davi perguntou. — Você mesmo disse que era uma faculdade de playboy e que não estava pagando nada para estar lá!
— Eu não larguei nada, filhote — Marcelo tirava as suas roupas da mochila e arrumava de volta no guarda-roupa que divide com o irmão mais novo. — Eu tranquei o curso! Isso quer dizer que posso voltar a hora que quiser! E vou fazer isso assim que possível.
— Então pra que trancar? Por que não volta agora?
Marcelo começou a rir.
— Estou começando a sacar que você não quer dividir o quarto comigo de novo!
— Você sabe que não é isso...
Marcelo deu um tapinha de brincadeira na cabeça do irmão mais novo e sentou ao seu lado na cama:
— Me passa o seu celular, quero saber o que você anda ouvindo.
Davi passou, mesmo sabendo que o irmão mais velho iria reprovar o seu gosto musical. Marcelo fuçou a sua lista do Spotify por apenas cinco segundos antes de fazer uma careta.
— Aaaaaaa, cara! Não acredito! Led Zeppelin? Você tem 70 anos?
— Não enche, véi! Eles foram revolucionários na sua época!
— Exatamente! Eles foram revolucionários há 200 anos! Você precisa ouvir o que é revolucionário agora!
— Não fazem bandas tão boas hoje em dia.
— Exatamente, não fazem. Mas o segredo não está mais nas bandas. — Marcelo sacou o próprio celular e colocou o novo álbum do Jay Z para tocar. — O espaço que bandas como o Led Zeppelin ocupavam lá atrás hoje estão nas mãos de gente como o Jay-Z, Beyoncé e Childish Gambino agora. Eles é que estão fazendo as coisas novas de verdade!
Davi ouviu um pouco das rimas do Jay-Z antes de responder:
— É... parece interessante.
Marcelo repousou o celular na cama com o alto-falante para que continuassem ouvindo a música enquanto conversavam.
— E me conta como anda a sua vida. Parece que agora eu não sou o único da família que ganha bolsas de estudos!
— Pois é, acho que foi um pouco de sorte.
— Eu sei que não foi sorte! Está gostando de estudar em escola de bacana? Aposto que lá o professor de geografia não chega cheirando a álcool na aula.
— Ah, cara... sei lá! — Davi esfregou os olhos e tentou pensar na melhor maneira de dizer aquilo. Ele não estava gostando nem um pouco do tempo que passava por lá e odiava ter que acordar muito cedo para pegar o ônibus ao invés de só andar algumas quadras como fazia para ir até a sua antiga escola. — Às vezes tenho a impressão de que aquele não é lugar para mim.
— Ei, cara! Olha para mim! — Davi levantou os olhos e encontrou Marcelo com uma expressão surpreendentemente séria e compenetrada. — Preste muita atenção no que vou te dizer agora, TODO lugar é lugar para nós. Entendeu? Nunca deixe te fazerem acreditar que você não pode estar em algum lugar! Eles nos querem limpando o seu chão e servindo sua comida, então precisamos ser firmes quando dizemos que queremos mais do que isso. Se abaixarmos a nossa cabeça, eles a cortam! Entendeu?
— Ah, eu acho que sim...
— DIGA QUE ENTENDEU!
— Uou! Calma! Entendi sim.
— Acho bom ter entendido. Você é inteligente e bom, pode conquistar o mundo se quiser. Nunca deixe que te digam o contrário.
A conversa parou por ali. O único que continuou falando foi Jay-Z e os seus versos. "I can't see 'em comin down my eyes So I gotta make the song cry I can't see 'em comin down my eyes So I gotta make the song cry".
Essa era a lembrança que passava por Davi enquanto ele encarava o guarda-roupa cheio de roupas que nunca mais seriam usadas pelo seu irmão mais velho que agora se foi. O garoto secava as lágrimas, tentando convencer a si mesmo que era preciso seguir em frente e que nada vai trazer Marcelo de volta.
***
Olá, novamente.
Quando se é jovem, como um dia já fui, você tem a concepção errada de que a felicidade e a tristeza são conceitos separados, como dia e noite. Onde existe um, o outro não habita. Na verdade, não é bem assim. Grandes felicidades e profundas tristezas podem viver no mesmo corpo ao mesmo tempo. Você pode tentar separar o seu passado entre as épocas felizes e as épocas tristes, mas estará apenas se enganando. As felicidades e tristezas são amigas e sempre estarão juntas. E é melhor que seja assim.
Veja o caso de Davi, por exemplo. Ele precisou dizer adeus ao irmão ao mesmo tempo que estava criando novos e preciosos laços de amizade. Maria, Juliana e Gabriel apareceram no enterro do seu irmão. Criaram um grupo no whatsapp onde passaram a conversar sobre tudo que lhes interessam. Música, cinema, os professores que odeiam e que amam. Inclusive, para o espanto de Davi, levaram para frente o plano do...
Davi e Maria gostaram da ideia de um clube secreto onde poderiam unir forças e conquistar os seus maiores objetivos, mas Gabriel e Juliana ficaram particularmente empolgados.
— Nós precisamos de um conjunto de regras — Juliana disse. — E um plano de ação.
— Podemos combinar de fazer reuniões semanais! — Gabriel completou. — Onde falamos um pouco sobre os nossos últimos avanços e trocamos conselhos.
De fato, os garotos se encontraram com alguma frequência e debateram as diretrizes do clube e chegaram a uma série de emendas iniciais que foram organizadas e enviadas pela Juliana no grupo do whatsapp.
AS REGRAS DO CLUBE DOS JOVENS QUEBRADOS
A primeira regra do Clube é nunca falar sobre o Clube (em público)
A segunda regra do Clube é nunca falar sobre o Clube (em clube)
Nós devemos nos ajudar mutuamente e sempre colocar nosso máximo esforço nisso
Um membro do Clube nunca deve julgar ou caçoar dos problemas de um membro do Clube
Para evitar autosabotagem, um membro do Clube só pode recusar qualquer tipo de ajuda no máximo três vezes
O membro que está tentando ajudar pode vetar a recusa do ajudando usando a frase chave "ADMITA QUE O MCFLY NUNCA VAI VOLTAR". Nesse caso, o ajudado não pode recusar a ideia ou ajuda
Quebrar as regras do Clube irá acarretar em desonra para tu, desonra para tua família e desonra para tua vaca
— Isso vai dar certo! — Juliana disse, enquanto os quatro caminhavam no corredor da escola, lado a lado.— É como se fossemos a Armada de Dumbledore e o resto do mundo inteiro Comensais da Morte!
— O que não deixa de ser verdade! — Gabriel brincou. O seu celular vibrou, ele checou e fez uma careta. — Merda! Esqueci do treino de futebol! Hoje fizeram mais cedo! Tenho que correr lá!
— Beleza! — Juliana respondeu. — Aliás, estou com vontade de ir no cinema mais tarde, quem topa?
— Não posso! Já me comprometi a sair com os caras do futebol!
— Davi? — ela se virou para o amigo. — Partiu?
— Desculpa, vou precisar fazer alguns deveres de casa que estão atrasados — na verdade, Davi não tinha dinheiro para ir ao cinema, mas ele é bom em inventar desculpas para faltar em eventos sociais.
— Bom, Maria, acho que vamos ser só eu e você — Juliana disse. — Vai ser legal para nos conhecermos melhor, você não diz quase nada no nosso grupo do whatsapp.
Maria não queria ir ao cinema, mas não teve coragem de dizer. Então elas marcaram de se encontrar na praça de alimentação do shopping às três horas da tarde.
***
Gabriel correu o máximo que pôde, mas quando chegou o treino já havia começado e estavam jogando sem ele.
— Onde você tava, moleque? — Perguntou o treinador do time, que também era o professor de educação física.
— Foi mal, eu tava com uns amigos e...
— Não importa! — o treinador interrompeu. — Onde está a sua chuteira?
Gabriel olhou para baixo e notou que, apesar de ter colocado o uniforme completo para treino, esqueceu a chuteira em casa e entrou na quadra de tênis.
— Merda! Esqueci! Me dá dois segundos que eu busco em casa rapidão...
— Nem se preocupa, Cinderela. Você conhece as regras. Atrasado não joga.
— Mas... eu atrasei cinco minutos!
— A regra não diz "atrasados acima de seis minutos não jogam"! E acho bom isso não começar a ser rotina!
— Não vai ser...
Cabisbaixo, Gabriel sentou no banco ao lado da quadra e ficou assistindo os seus colegas correndo, treinando passes e chutes ao gol.
— Cara, o que aconteceu? — Allan, o seu amigo e colega de time, perguntou assim que o treino acabou e eles conseguiram se falar.
— Perdi a hora — Gabriel respondeu vagamente.
— Primeira vez na história que você faz isso e tem que ser pertinho do próximo jogo, ta de parabéns. Enfim, os caras já estão nos esperando no carro para irmos na casa do André, vamo aí.
Assim que passaram a porta da escola já conseguiram enxergar o carro vermelho do ano abarrotado de adolescentes. O que estava no volante, um pouquinho mais velho do que os outros, começou a apertar a buzina criando uma barulheira. Colocou a cabeça para fora do vidro e gritou.
— VAMO LOGO SEUS PAUU NO...
— CALA A BOCA, SEU TROUXA! — André respondeu, rindo. — A sua mãe não está com pressa!
Eles, de uma forma estranha, não estavam se ofendendo de fato. Era apenas a maneira que acreditavam ser engraçada de se tratarem.
Gabriel e Allan se espremeram para dentro do carro foram guiados até a casa do André. Não aconteceu nada demais, apenas uma típica e calma reunião daquele grupo de amigos, onde eles jogaram FIFA no videogame.
A sala de estar era enorme e a TV era proporcional. Coube muitos adolescentes no sofá. Eles ficaram comendo besteira e falando besteiras ainda maiores. Comemoravam os gols que faziam com os jogadores de pixels com gritos e frases como "chupa o meu pau, seu trouxa". Viravam garrafas de Coca-Cola direto na garganta e tiravam sarro um do outro enquanto faziam comentários sobre os peitos das garotas da escola.
Enquanto aquilo acontecia, Gabriel não deixou de pensar em como aquilo parecia normal para ele. Garotos sempre agiam dessa forma, desde que ele se entende por gente. Era isso o que faziam. Os seus pais eram assim e os seus filhos provavelmente seriam assim também. Porém, em nenhuma das conversas que teve com Davi, mesmo quando as meninas não estavam por perto, ele agiu dessa forma. Parecia diferente, mais tranquilo e centrado. Quase como um adulto.
Gabriel não conseguia deixar de imaginar se Davi era um rapaz muito estranho ou se existem garotos que se divertem de outra forma fora do seu grupo de amigos e ele nunca foi sequer capaz de notar.
Ele olhou para o chão e ficou incomodado com a quantidade de garrafas e pacotes de salgadinhos no chão.
— Cara, vou jogar essa porcaria toda no lixo! — Ele disse.
André, o dono da casa, ficou surpreso.
— Não precisa, man — respondeu sem tirar os olhos da TV onde acontecia a partida de videogame em que participava. — A diarista vem daqui a pouco.
— Eu não vou ficar nesse chiqueiro — e começou a recolher o lixo.
— Você que sabe, empregado — André deu de ombros.
— Eu te ajudo — Allan falou.
Os dois encheram as mãos de lixo e foram até a cozinha encontrar onde colocar tudo aquilo. Encontraram um cesto grande e depositaram o conteúdo nela. Aproveitando que ficaram a sós em outro cômodo, Allan começou a falar.
— Cara, posso te perguntar uma coisa?
— Sim, ué — Gabriel respondeu.
Allan sentou na mesa de mármore da cozinha e escolheu um pouco as palavras.
— Nos últimos dias você andou muito com a Juliana, né?
— Sim, ela é legal.
— Vocês estão tipo... tendo um lance ou...
— Não! — Gabriel deixou escapar uma risada. — Acredite, somos só amigos!
— Hum... entendi. Tipo, eu acho ela muuuito gostosa. Eu sei que é sua mais nova amiga e tal, mas já que não está rolando nada entre vocês, acho que você poderia me dar essa força e...
— Allan, acho que não vai rolar.
— Por que?
— Nada demais, ela só ta em outra.
— Mas será que ela ainda estaria em outra depois que visse esse telhadinho? — E levantou a camisa para mostrar a sua barriga com tanquinho. Allan sempre fazia isso e parecia se divertir todas as vezes.
— É cara, acho que essa você vai ter que deixar passar.
A expressão do Allan mudou sutilmente.
— Você anda estranho, véio.
— Ta viajando...
— Não to! Passa o dia todo com essa galera agora. Gabriel, tu ta andando com o moleque que deu um soco na sua cara! Tipo, que palhaçada é essa?
— O Davi é legal. Por isso estou andando com ele.
— Onde você conheceu essas pessoas? Tirando a Juliana, eu nem sabia que eles existiam!
— Tivemos uma detenção juntos. Também frequentamos a sala da orientadora Milena, quando ela ainda estava na escola.
Allan abriu um sorriso.
— Aliás, nem frequenta mais. Não precisa me agradecer por isso.
Gabriel arqueou as sobrancelhas.
— Como assim te agradecer?
— Cara, você não sabe? — Allan ainda sorria enquanto falava. — Fui eu que fiz a denúncia que colocou ela na rua!
***
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